Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:650/24.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO.
PRESUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO
CARTA REGISTADA
Sumário:I- A presunção de recebimento de notificação no terceiro dia útil após o registo do correio, estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, pode ser ilidida pelo destinatário (mandatário da recorrente), competindo-lhe alegar factos concretos no sentido de ocorrer justo impedimento ou causa de força maior.

II-O levantamento da notificação nos correios em data posterior à presumida, não vale como data da notificação efetiva, se o interessado não alegou qualquer facto impeditivo do funcionamento da presunção legal referida em I.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
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Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO

A impugnante, A.......... – Construções, Unipessoal, Lda. (ora recorrente), veio interpor recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação, absolvendo a Fazenda Pública (ora recorrida) do pedido.


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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


“ a) A notificação é uma condição da eficácia do acto tributário, é um requisito de perfeição;


b) Estamos no domínio as declarações receptícias, o que implica a chegada da declaração ao âmbito do poder ou da actuação do destinatário;


c) O conteúdo do acto tributário apenas chegou ao conhecimento dos destinatários – Recorrente e seu mandatário – no dia 09 de Janeiro de 2024;


d) A ora Recorrente foi notificada na morada do seu mandatário, como consta do Registo, mas o conteúdo da notificação é apenas dirigida a este;


e) Encontrando-se o aviso entregue na morada do signatário, este não podia levantar a carta conquanto estava em nome da sua Constituinte;


f) O Tribunal a quo partiu de uma premissa errada, assumindo que os destinatários sabiam que a notificação correspondia ao acto tributário que está na origem da respectiva impugnação;


g) A análise que o Tribunal a quo faz no processo parte de uma informação que a ora Recorrente não possuía, conquanto o aviso deixado não identifica o conteúdo do acto tributário, limitando-se a dizer quem é o remetente;


h) Quer a ora Recorrente quer o seu mandatário têm diferentes interacções com a AT, mas ao receber uma carta simplesmente em que a mesma não tem por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências;


i)Fora deste limite, tudo o resto é especulação, que sentença ora recorrida está traduzida na expressão “esfera da cognoscibilidade”;


j) A sentença ora recorrida não releva que a notificação foi levantada dentro do prazo que é conferido pelo regulamento dos serviços postais;


k) O levantamento da notificação, dentro do prazo conferido pelo regulamento dos serviços postais, é condição suficiente para a elisão da presunção da notificação feita no terceiro dia útil posterior ao registo;


l) A aplicação do n.º 2 do artigo 39.º do CPPT só é aplicável nos casos em que o destinatário se recuse a receber a notificação; e, quanto ocorra o não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais;


m) O Tribunal a quo incorreu em erro sobre a aplicação do direito, ao manter o 02 de Janeiro de 2024 como sendo a data em que a ora Recorrente foi notificada do acto tributário;


n) Sem conhecer um acto não é possível apreender as razões de facto e de direito da sua emissão nem, por conseguinte, recorrer aos meios legais de reação;


o) Esse conhecimento, in casu, apenas ocorreu no dia 09 de Janeiro de 2024, pelo que devia ter sido esta a data a ser considerada pelo Tribunal a quo;


p) O próprio Tribunal a quo reconhece que sabe a data da entrega da carta, motivo pelo qual dispensa o cumprimento do n.º 2 do artigo 39.º do CPPT, designadamente o apuramento “sobre a data efectiva da recepção”;


q) O raciocínio do Tribunal a quo colide com a própria noção de presunção, que, como se sabe, é uma ilação que se tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido;


r) A partir do momento que não existe nenhum facto desconhecido, designadamente quando é que o conteúdo do acto tributário chegou ao conhecimento da ora recorrente, a presunção encontra-se ilidida;


s) Estando-se perante uma presunção legal júris tantum, ficou provado que não existiu o facto base da presunção;


t) A sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada por erro de interpretação do direito.;


u) A notificação do acto tributário à ora Recorrente foi feita apenas por carta registada;


v) Levantada a notificação, afinal esta estava dirigida ao mandatário da Recorrente;


w) O Tribunal a quo entendeu que a aqui Recorrida estava dispensada de enviar carta registada com aviso de rcepção, mas sem se pronunciar por que motivo, então, dirigiu o registo à Recorrente;


x) O acto tributário que consta notificação feita pela aqui Recorrida tem “por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária do(s) contribuinte(s) (…)”;


y) Ainda que se admitisse que tal notificação se pudesse concretizar apenas na pessoa do mandatário do sujeito passivo, não poderia preterir-se o formalismo imposto por lei;


z) Independentemente de a notificação ser feita ao sujeito passivo ou ao seu representante, tratando-se de situações enquadradas no n.º 1 do artigo 38.º do CPPT, devem as notificações ser efectuadas, obrigatoriamente, por carta registada com aviso de recepção;


aa) Atento à natureza do acto tributário, a aqui Recorrida devia ter notificado a Recorrente por carta registada com aviso de recepção, bem como o seu mandatário, neste caso, por carta registada;


bb) A solução perfilhada pelo Tribunal a quo incorre em erro de interpretação do direito;


cc) Deve ser dado provimento à impugnação da aqui Recorrente, por preterição, por parte da Recorrida, na notificação efectuada, de uma formalidade ad substantiam.


Nestes termos, sempre com o mui Douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a sentença recorrida e, em conformidade:


Ser concedido provimento à impugnação interposta pela aqui Recorrente, por violação do n.º 1 do artigo 38.º do CPPT;


Caso assim não se entenda, determinar-se a baixar dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, a fim de se prosseguir a sua normal tramitação.


Assim se fazendo,


JUSTIÇA”



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Notificada, a Recorrida não apresentou resposta às alegações.

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O recurso foi inicialmente dirigido ao STA que, através de decisão sumaria se declarou incompetente em razão da hierarquia, tendo os autos sido remetidos a este TCAS.
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Neste TCAS, os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito relativamente à interpretação e aplicação dos artigos 38º nº 1 e 39º nº 2 do CPPT.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A decisão recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto selecionada para aferir da exceção da caducidade do direito de ação que havia sido suscitada pela FP (recorrida):

“A) A Impugnante constituiu mandatários, Drs. J.......... e N.........., no âmbito do procedimento inspectivo tributário de que foi alvo, por meio de procuração datada de 10.05.2020 (cfr. PA – registo nº 007974647 no SITAF, fls. 1);
B) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IRC referente a 2018, por meio de petição assinada pelo mandatário constituído, Dr. J.........., da qual consta “Junta: 1 documento. Procuração forense já junta ao Relatório de Inspecção” (cfr. PA – registo nº 007974640 no SITAF, fls. 115);

C) O procedimento de reclamação graciosa foi instaurado junto do Serviço de Finanças de Loures – 1, em 17.03.2023, com o nº 15.......... (cfr. PA – registo nº 007974640 no SITAF, fls. 110 e segs. e registo nº 007974643);

D) Por despacho de 27.07.2023, proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferido o pedido de reclamação graciosa apresentado pela Impugnante (cfr. PA – registo nº 007974651 no SITAF, fls. 240 e sgs.);

E) A decisão antecedente, de indeferimento de reclamação graciosa, foi remetida ao Mandatário da Impugnante, constituído no âmbito do procedimento, com domicílio na Av……….., Lisboa, através do ofício datado de 27.07.2023, o qual foi enviado por meio de carta registada com o código alfanumérico RL125367703PT (cfr. PA – registo nº 007974651 no SITAF, fls. 249/50);

F) O ofício a que se refere a alínea anterior foi registado em 27.12.2023, com as seguintes incidências:

RL......................PT

(Cfr. PA – registo nº 007974651 no SITAF, fls. 249 e informações extraídas do sítio da Internet dos serviços CTT
3PT&SearchInput=RL125367703PT&IsFromPublicArea=true, com acesso em 08.10.2024, 15:44);

G) Por ofício datado de 27.07.2023, remetido à Impugnante através de carta simples, foi a mesma informada de que “foi remetido nesta data ao mandatário nomeado neste procedimento de Reclamação Graciosa, Dr. J..........., do despacho da decisão proferido” (cfr. PA – registo nº 007974651 no SITAF, fls. 251);

H) A presente impugnação foi remetida à Direcção de Finanças de Lisboa, por meio de correio registado, com expedição/registo em 09.04.2024 (cfr. registo nº 007916403 no SITAF)”.
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Na motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo consignou o seguinte:
“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental, constante dos autos e processo administrativo, conforme especificado em cada uma das alíneas supra”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Analisadas as conclusões de recurso, constatamos que o recorrente centra o seu inconformismo com a decisão recorrida porque interpretou erradamente o direito aplicável, desde logo o estabelecido no artigo 39º nº 2 do CPPT e o regime das presunções de notificação ali estabelecidas, tendo ignorado que a carta registada, contendo a notificação do ato, foi levantada no dia 09.01.2024, tendo, apesar disso, considerado, erradamente, que a notificação ocorreu em 02.01.2024, sendo intempestiva a impugnação judicial deduzida.
A outro passo, apregoa que o Tribunal recorrido errou ao desconsiderar que a notificação do ato em causa deveria ser feita por via de carta registada com aviso de receção, na medida em que, o ato notificado alterava a situação tributária da recorrente, sendo de aplicar o estabelecido no artigo 38º nº 1 do CPPT, o qual determinava o envio de uma carta registada com aviso de receção para notificar o ato (indeferimento da reclamação graciosa).
Importa desde já anotar que nenhum ataque foi desferido à decisão proferida acerca da matéria de facto assente pelo Tribunal recorrido, que, por isso, se encontra estabilizada.
Vejamos então se a decisão recorrida padece do vício assinalado.
Para o Tribunal recorrido, uma vez que a recorrente tinha mandatário constituído (como o informam os factos provados), a decisão final do procedimento de reclamação graciosa deveria ser feita ao mandatário da recorrente, nos termos do artigo 40º do CPPT.
E, na verdade, assim é, tendo a AT remetido ao mandatário constituído no procedimento (inspetivo e de reclamação graciosa) a carta registada contendo a decisão final da reclamação graciosa, tendo dado conhecimento à recorrente dessa notificação ao seu mandatário, consoante reza o probatório.
A recorrente não coloca em causa a notificação ao mandatário, nem que o mesmo foi notificado do indeferimento da reclamação (apesar de discordar da data considerada pelo Tribunal a quo), assim como não coloca em causa o prazo (três meses) de que dispunha para afrontar judicialmente o indeferimento da reclamação graciosa.
O grande pomo da discórdia centra-se no termo inicial da contagem daquele prazo. Ou seja, se teve o seu termo inicial desde a notificação ocorrida em 02.01.2024 (como considerou o Tribunal a quo), sendo intempestiva; Ou, se se iniciaria apenas com a notificação ocorrida, segundo defende a recorrente, em 09.01.2024, o que ditaria a tempestividade da impugnação judicial.
Importa então sobrevoar a factualidade considerada provada e aferir se, a notificação do ato de indeferimento da reclamação graciosa, ocorreu em 02.01.2024, como ajuizado na sentença recorrida, ou em 09.01.2024, como advoga a recorrente.
Consultando os factos provados, noticiam os mesmos, em suma, que:
- A AT indeferiu a reclamação graciosa (objeto imediato da impugnação), tendo sido remetida ao Mandatário da Impugnante, para o seu escritório, através de carta registada por ofício de 27.12.2023, aquela decisão de indeferimento;
- Em 28.12.202023 a carta registada não foi entregue porque não foi recebida;
- Em 29.12.2023 a carta contendo a notificação ficou no posto dos serviços dos correios de entrecampos para levantamento;
- Em 09.01.2024, o mandatário da recorrente procedeu ao levantamento da carta registada contendo a notificação do indeferimento da reclamação graciosa.
- A impugnação judicial foi deduzida em 09.04.2024.
Diante do circunstancialismo fáctico apurado, o Tribunal a quo considerou que a impugnação judicial era intempestiva, por ocorrer a notificação do mandatário em 02.01.2024 e a ação de impugnação ter sido deduzida apenas em 09.04.2024, o que afirmou depois de indicar que o prazo era de 3 meses, indicado no artigo 102º nº 1, al. b), do CPPT, tratando-se de um prazo de caducidade de natureza substantiva, contando-se nos termos do artigo 279º do CC (o que não está em causa).
A ser assim, efetivamente, a ação foi deduzida depois de transcorrido o prazo legal.
Para assim concluir, o Tribunal a quo, louvou-se do seguinte discurso fundamentador:
“(…) Considerando que o dissídio entre as partes reside, precisamente, na data em que deve considerar-se notificada a decisão impugnada (objecto imediato), releva igualmente o regime das notificações.
Resulta, desde logo, do artigo 40º, nº 1 do CPPT:
“1 - As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário são feitas na pessoa deste da seguinte forma:
a) Nos procedimentos tributários, por carta registada, dirigida para o seu escritório ou por transmissão electrónica de dados na respectiva área reservada do Portal das Finanças;(…)”.
Dispõe ainda o artigo 38º do CPPT, designadamente, o seguinte:
“1 - As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
(…)
3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada. (…)”.
Sob a epígrafe “perfeição das notificações”, preceitua o artigo 39º do mesmo diploma legal:
“1 - As notificações efectuadas nos termos do nº 3 do artigo 38º presumem-se feitas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção. (…)”.
Resulta, pois, que a presunção contida no artigo 39º do CPPT é uma presunção especial, um prazo favorável ao notificado, prevalecendo mesmo que haja prova da recepção da notificação “antecipada” (i.e., antes dos 3 dias posteriores ao do registo).
Note-se, além do mais, que a presunção só é susceptível de elisão se for comprovado justo impedimento, ou seja, facto que não seja imputável ao destinatário e que tenha obstado ao levantamento da carta. Com efeito, a vontade ou desleixo do destinatário como causa directa do não recebimento/levantamento da carta não é facto justificativo que permita ilidir a presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT.
Revertendo o que fica dito ao caso dos autos:
Em primeiro lugar, é inequívoco que a Impugnante constituiu mandatário no âmbito do procedimento de inspecção, que prosseguiu no procedimento de reclamação graciosa [cfr. alíneas A), B) e G) do probatório].
Por conseguinte, e ao contrário do que alega a Impugnante, não só é relevante a data em que o mandatário é notificado, como também, nos termos do artigo 40º, nº 1, alínea a) do CPPT, a notificação a realizar tinha de ser por meio de carta registada, não se subsumindo a presente situação ao artigo 38º, nº 1 do CPPT, não sendo, pois, necessária, para cumprimento dasformalidades legais, qualquer aviso de recepção.
(…)
Dito isto, e assente que a notificação em causa deveria ser efectuada por meio de carta registada – o que foi feito, conforme alínea E) do probatório –, haverá que atender ao artigo 39º, nº 1 do CPPT, quanto à perfeição da notificação, estabelecendo tal preceito a presunção de notificação no 3º dia posterior ao do registo.
Considerando que o registo do ofício contendo a decisão final de reclamação graciosa foi efectuado em 27.12.2023 [cfr. alínea F) da factualidade assente], o Impugnante (através do seu mandatário) deve considerar-se notificado em 02.01.2024 (porquanto dia 30 de Dezembro era sábado, dia 31 Domingo, e dia 1 de Janeiro de 2024, segunda-feira, feriado).
Sucede que o Impugnante, fazendo apelo do nº 2 do artigo 39º do CPPT (que permite a elisão da presunção a que se refere o nº 1), vem defender que o documento apenas foi disponibilizado em 09.01.2024.
Para tanto, junta apenas o documento extraível do sítio da Internet disponibilizado pelos CTT, igualmente transposto para a alínea F) do probatório, o qual contém indicação: “9 Janeiro/ 14h01 -O envio foi entregue. O processo de envio terminou. Loja CTT Entrecampos”.
Ora, não vem alegado qualquer justo impedimento, não imputável ao destinatário, que obstasse ao levantamento da carta. Pelo contrário.
Da mesma informação extraída da base de dados dos CTT, resulta igualmente:
- 28 Dezembro: Não entregue/A entrega do envio não foi conseguida/ Motivo: O destinatário não atendeu.
- 29 Dezembro: No ponto de entrega / O envio está disponível para levantamento no Ponto de Entrega / Loja CTT Entrecampos (Lisboa) até 9 Janeiro.
Resulta destas incidências, e ao contrário do que alega a Impugnante, a carta registada não foi apenas disponibilizada a 9 de Janeiro. A mesma foi disponibilizada na esfera do destinatário, pelo menos desde 28.12.2023, tendo apenas sido levantada a 09.01.2024. Foi deixado aviso na caixa postal da Impugnante que o objecto postal estaria disponível na loja dos CTT de Entrecampos, como aliás veio a ser levantada. Ou seja, não foi por motivo alheio ao destinatário que a entrega não foi conseguida ou o levantamento não foi efectuado em momento anterior. Antes se verifica que é imputável ao destinatário/Impugnante esse atraso.
Sublinhe-se que nada foi carreado para os autos no sentido de justificar o não atendimento (em 28.12) ou o atraso no levantamento do objecto postal.
Estava na esfera de cognoscibilidade da Impugnante/Mandatário que o registo postal estava disponível para levantamento, e tratando-se de advogado, existe o dever reforçado de receber/levantar correio registado.
Não vindo alegado ou comprovado qualquer evento impeditivo do recebimento ou não levantamento da carta, reforça a ideia de negligência/desleixo ou vontade de protelamento na recepção da carta, o que não permite ilidir a presunção prevista no artigo 39º, nº 1 do CPPT.
O nº 2 do mesmo preceito refere expressamente que “a presunção do número anterior pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida (…)”, o que, in casu, não sucede.
Como explicita Lopes de Sousa (in “CPPT Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 6ª Edição, vol. I, Pág.386) “… a presunção só valerá nos seguintes casos: - quando tiver sido deixado aviso e não houver qualquer justo impedimento ao levantamento da carta (…)”.
No caso vertente, foi deixado aviso, sendo que em 29 de Dezembro de 2023, o objecto postal estava disponível para levantamento no Ponto de Entrega (Loja CTT Entrecampos) e, além disso, não vem alegado qualquer justo impedimento. Termos em que vale a presunção de notificação constante do nº 1 do artigo 39º do CPPT. (…)” (Sublinhados nossos).
Em suma, para o Tribunal recorrido, a notificação do indeferimento da reclamação graciosa devia ser, como foi, efetuada por carta registada, desde logo porque tratando-se de uma notificação ao mandatário o artigo 40º do CPPT assim o determina, além de convocar também o disposto no artigo 38º do CPPT. Por isso, desde a notificação ao mandatário, dispunha de três meses para deduzir impugnação (artigo 102º nº 1 al. b) do CPPT).
Concluiu assim que, ao ser enviada carta registada para notificação da decisão desfavorável do procedimento de reclamação graciosa, em 27.12.2023, a recorrente considera-se notificada, na pessoa do mandatário, em 02.01.2024 (artigo 39º nº 1 e 40º do CPPT).
Acrescentando que, apesar da carta ter sido apenas levantada em 09.01.2024, não obsta a que a notificação se considere realizada em 02.01.2024, na medida em que não foi alegado nem provado qualquer justo impedimento para levantamento da carta nessa data, sendo de imputar ao destinatário esse atraso na entrega/levantamento da carta, arrematando que, o levantamento da carta em data posterior, a si imputável, não constitui evento relevante para efeitos de elisão da presunção de notificação no 3º dia posterior ao do registo”, por isso, contando 3 meses sobre 02.01.2024, o termo do prazo para interposição da impugnação verificou-se a 02.04.2024, e, ao ser entregue a PI em 09.04.2024, a mesma é intempestiva.
Concordamos com o assim decidido, inexistindo erro na interpretação e aplicação dos normativos referidos pela recorrente, desde logo o artigo 38º nº 1 e 39º nº 2 do CPPT.
Na verdade, o mandatário da recorrente foi notificado por carta registada e não por carta registada com aviso receção, não pondo o mesmo em causa que a mesma foi por si recebida, tendo por isso produzido os seus efeitos de levar ao conhecimento do destinatário o ato notificado.
Além disso, como sublinha a decisão recorrida, estando em causa uma notificação ao mandatário, com procuração no(s) procedimento(s), as mesmas (notificações), são feitas por carta registada, consoante o estabelece o artigo 40º nº 1 al. a) do CPPT.
Não obstante, a verdade é que, no dever de notificação, importa é assegurar a eficácia da notificação e o efetivo conhecimento do ato notificado, de modo a garantir a eficácia do mesmo, podendo reagir-se contra o ato.
Por isso mesmo, apesar do artigo 40º do CPPT não impor a notificação por carta registada com aviso de receção, ainda que assim o fosse, se estivesse em causa uma notificação que impusesse aquela formalidade, nos termos do artigo 38º do CPPT, para além dessa forma de notificação (como modalidade mais segura de conseguir a entrega e cognoscibilidade por parte do destinatário), o que importa é que a cognoscibilidade e disponibilização ao destinatário seja conseguida, e, em causa não está que o não fora.
Como sublinha JORGE LOPES DE SOUSA, a não observância da forma legal da notificação, constituirá uma mera irregularidade, a qual “não afectará o valor da notificação, desde que se comprove que ela foi efetivamente efectuada, pois as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não finalidades em si mesmas. Por isso, sempre que seja atingido o objectivo, serão irrelevantes as irregularidades, considerando-se sanada a deficiência”. (In CPPT anotado e comentado, Vol I, 6ª ed. 2011, áreas editora, pág. 375.)
Por outro lado e como se disse no Acórdão do STA de 06.10.2005, processo nº 500/05, diremos nós também que: “Todas as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição”.
Ora, tendo em conta que estas formalidades são probatórias, o que importa é que se atinja a finalidade visada - levar ao conhecimento do destinatário o ato, o que, como se disse ocorreu.
Por tudo que se deixa dito, resulta a conclusão de que não foi afrontado o vertido no artigo 38º do CPPT como refere a recorrente ao ser enviada a notificação sem aviso de receção, improcedendo o recurso nesta parte.

- Relativamente à presunção de notificação a que se reporta o artigo 39º do CPPT, também concordamos com o discurso vazado na decisão recorrida.
De resto, tal como se sublinhou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.01.2017, recurso 1074/17, a lei permite que a presunção legal seja ilidida, mas exige que o notificando demonstre que a notificação não foi efetuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, e que demonstre que tal ocorreu por razões que não lhe são imputáveis.
Ainda a este propósito, sumariou-se no acórdão do TCAN de 19.01.2023, Processo nº 00546/21.7BEPNF, com toda a relevância para a situação trazida, que:
“I-A presunção de recebimento de notificação no terceiro dia útil após o registo do correio, estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, pode ser ilidida pelo interessado, competindo-lhe alegar factos concretos no sentido de ocorrer justo impedimento ou causa de força maior.
II – O levantamento da notificação nos correios em data posterior à presumida, não vale como data da notificação efetiva, se o interessado não alegou qualquer facto impeditivo do funcionamento da presunção legal referida em I.”
Também no acórdão do STA de 04.11.2014, Processo nº 0609/13, se afirmou que: “ V - O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, uma presunção legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando, presunção que, tendo por base o registo postal, só existe quando se prove que o registo foi efectuado.”
Discorreu-se ainda naquele douto aresto que, “A partir da prova do envio funciona a presunção do n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, pertencendo ao destinatário o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas pois que é verdade que a atribuição legal de certa relevância ao registo não dá certeza de que o seu destinatário as recebeu no prazo de três dias, havendo sempre o risco de as não ter recebido. E, como referimos, é por isso mesmo que o n.º 2 do artigo 39.º permite ao notificado ilidir aquela presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção» ou, como também se estabelece no art. 6.º do RSPC, qualquer outro «documento comprovativo» do destino que lhe foi dado”.
De convocar, ainda, o doutrinado pelo Tribunal Constitucional, no processo 914/2022, acórdão nº 167/2023, de 30.03.2023, onde, debruçando-se sobre a presunção das notificações, desde logo à luz do artigo 254º nº 6 do CPC, afirma que aquelas só podem ser ilididas pelo notificado, provando que a notificação não foi efetuada ou que foi feita em data posterior à presumida, por razões que não lhe são imputadas, sublinhado, na situação em concreto que, havia sido feita prova da 1ª parte do normativo (notificação posterior à presumida), mas não da segunda parte – imputabilidade.
Com efeito, os n.ºs 1.º e 2.º do artigo 39.º CPPT indicam o efeito que a lei quer atribuir ao registo postal, enquanto presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cf. acórdão do STA, de 2/3/2011, Proc. nº 0967/10). Por isso, se o registo da carta liberta a administração tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente (ou que nunca a recebeu), por razões que não lhe são imputáveis, o que não ocorreu na situação trazida, como sublinha a sentença recorrida.
Deste modo, bom de ver está que, o Tribunal recorrido não errou na interpretação e aplicação que fez do artigo 39º do CPPT, ao considerar que a carta remetida em 27.12.2023, se considera recebida/notificada em 02.01.2024 (porquanto dia 30 de dezembro era sábado, dia 31 Domingo, e dia 1 de Janeiro de 2024, segunda-feira, feriado), 3 dias a que alude o normativo.
Ora, ainda que apenas tivesse obtido a carta de notificação em 09.01.2024, a notificação foi conseguida em 02.01.2024, quando o mesmo não alegou que tal circunstância não lhe é imputável, não tendo alegado qualquer justo impedimento.
Assim, tendo em conta aquela data, ao ter deduzido a impugnação em 09.04.2024 a mesma foi interposta além do prazo legal de três meses.
Improcedendo, por conseguinte, o alegado a este respeito pela recorrente.
De naufragar será, igualmente, a “ilegalidade” por inexistência de carta registada com aviso de receção para notificar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, consoante se avançou.
Como se deixou explanado, para lá das formalidades procedimentais que devem constar da notificação que leva ao conhecimento do contribuinte, ou seu mandatário, determinado ato, importa é que se possa concluir com segurança que o ato notificado, que afeta os interesses do contribuinte, chegou à sua esfera de conhecimento, estando em causa formalidades simplesmente probatórias ou “ad probationem(vd, entre vários, o acórdão do TCAS de 27.06.2024, Processo nº 1074/13.0BELRS) e não substanciais como refere a recorrente. Importa, pois, que a notificação chegue à esfera de cognoscibilidade do destinatário (Vd. Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/2/2009, processo nº 916/2007), e chegou, pese embora tenha apresentado o meio impugnatório para lá do prazo legal.
Além de que, não se confundindo o ato de notificação com o ato notificado, jamais a utilização de carta registada (sem aviso de receção) afetaria o ato notificado que não lhe é inerente. Importante é que, como se disse também, que chegue ao conhecimento do destinatário o ato notificado, produzindo todos os seus efeitos (cf. artigo 36º nº 1 do CPPT e 77º nº 6 da LGT), como sucedeu in casu.
Volvidos aqui, assuma a conclusão de que o recurso terá de improceder, sendo de manter a decisão recorrida.
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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Lisboa, 18 de setembro de 2025.
Isabel Silva
(Relatora)
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Patrícia Manuel Pires
(1ª adjunta)
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Ana Cristina Carvalho
(2ª adjunta)