Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1220/21.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/20/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS;
IRN;
URGÊNCIA;
LIMITES
Sumário:No caso em apreço, o resultado esperado com procedência da ação, não pode ser o reconhecimento do direito à cidadania portuguesa ao requerente, ora Recorrido, pois que o procedimento administrativo respetivo está ainda, e apenas, na sua fase inicial, mas sim a condenação do Recorrente a tramitar o pedido daquele, entrado que foi em 2020, com precedência sobre os demais, atendendo às razões de urgência invocadas no procedimento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Instituto dos Registos e do Notariado, IP, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 12.08.2021, que julgou procedente a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias e, em consequência, o intimou a apreciar e a decidir o pedido do Requerente, F…, de processamento do registo definitivo da nacionalidade no prazo de 30 dias, se a tal nada mais obstasse.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 196 e ss., ref. SITAF:

«I - A sentença recorrida, sanciona uma flagrante violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade (artigo 266° da CRP) uma vez que os mesmos factos, devem ser de igual forma tratados e ponderados e por isso o pressuposto da urgência exigido no artigo 109° do CPTA deve ser apreciado, tendo como parâmetros as razões que justificam o atraso da Conservatória dos Registos Centrais e as motivações subjetivas e por vezes apenas narcisistas de cada requerente à nacionalidade portuguesa, que nos tempos atuais, projeta como único fim, ser cidadão europeu;
II- Deve ser revogada a douta sentença, porque não cumpriu a obrigação de estabelecer interesses de ponderação.(…).»

O Recorrido contra-alegou, tendo pugnado pela manutenção da decisão recorrida.


O DMMP junto deste tribunal, não se pronunciou.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em de julgamento de direito por «flagrante violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade (artigo 266° da CRP) uma vez que os mesmos factos, devem ser de igual forma tratados e ponderados e por isso o pressuposto da urgência exigido no artigo 109° do CPTA deve ser apreciado, tendo como parâmetros, as razões que justificam o atraso da Conservatória dos Registos Centrais e as motivações subjetivas e por vezes apenas narcisistas de cada requerente à nacionalidade portuguesa, que nos tempos atuais, projeta como único fim, ser cidadão europeu» - o que se reconduz à impugnação da decisão proferida quanto à idoneidade do meio processual de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulado nos art.s 109.º e ss. do CPTA.

E, bem assim, do erro de julgamento de direito em que também terá ocorrido a sentença recorrida, ao não cumprir «a obrigação de estabelecer interesses de ponderação.» - o que se reconduz, por seu turno, atentas as alegações recursivas, à impugnação da decisão de intimação do Recorrente, à prática de ato devido, in casu, a apreciar e a decidir o pedido do Requerente, F…, de processamento do registo definitivo da nacionalidade, no prazo de 30 dias, se a tal nada obstasse.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto a constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
A) O Requerente nasceu no Brasil, em 2…, onde reside, e tem nacionalidade brasileira (cf. processo administrativo, doravante PA);
B) O Requerente é filho de F…e de L… (cf. PA);
C) Consta do PA, designadamente do assento de casamento a fls. 12 e do assento de baptismo, que J… nasceu em 2… na freguesia de F…, concelho de S…, em Portugal;
D) No dia 06/01/2021, o requerente submeteu um requerimento na Conservatória dos Registos Centrais, pedindo a atribuição da nacionalidade portuguesa, com fundamento no artigo 1.°, n.° 1, d) da Lei n.° 37/81, de 03 de Outubro, por ser neto de cidadão português J…, instruindo o requerimento com documentos, requerimento deu origem ao Processo n° … - SIRIC, cuja chave de acesso e consulta foi remetida à mandatária em 09 de Fevereiro de 2021 (Cf. acordo; docs, 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial, p.i.; PA);
E) Em 19 de Março de 2021, o Requerente apresentou via eletrónica o requerimento pedindo urgência na análise do seu processo com o seguinte teor, pedido este reiterado presencialmente, dia 20 de Abril, entregando requerimento diretamente nos serviços (Cf. .doc. 4 e 5 junto com a p.i.): “F…, requerente no Processo de Nacionalidade n.° …/21 (Art° 1.D) desta Conservatória, por meio de sua mandatária com procuração no processo, vem reiterar o pedido de urgência na análise do seu processo de nacionalidade, apresentado por via eletrónica em 19 de Março de 2021, pelos seguintes termos e fundamentos:


A filha do requerente, A… vive na Holanda, em A…, onde trabalha na empresa K... desde Agosto de 2020 (Cf. Doc. 1, 2 e 3, fielmente reproduzidos e dos quais dou fé).

A filha da requerente não é casada, nem tem filhos e vive sozinha, sem família nenhuma naquele país. Quando decidiu aceitar o emprego, a filha do requerente acreditava que o seu pai a poderia visitar e dar apoio familiar e psicológico.
3 °
O requerente, por sua vez, é reformado e, nesta fase da vida, tencionava estar com a filha e passar temporadas na Holanda, dando apoio psicológico e familiar à mesma.

Com efeito, diante da pandemia COV1D-19, a exemplo de Portugal, e seguindo as diretrizes da Comissão Europeia, a Holanda está com severas restrições para viagens, sobretudo para passageiros oriundos do Brasil, país no qual o requerente reside.

As restrições em causa, só permitem a entrada naquele país, de cidadãos nacionais da União Europeia e familiares destes ou com título de residência válido; não permitindo a entrada de cidadãos que sejam familiares de titulares de autorização de residência somente ou que não se enquadrem no conceito de família nuclear (pais de filhos menores, cônjuge ou filhos menores).

Muito embora, na visão do requerente, sua viagem se enquadre em motivo familiar imperativo, dado que sua filha precisa de apoio familiar, como sua filha é maior de idade e não é nacional da união europeia, não tem sido este o entendimento que a Holanda tem feito da Recomendação do Conselho Europeu de 30 de Junho de 2020, o que impede a visita do requerente à sua filha, ainda que apresente teste negativo ao Covid e faça quarentena.

É que, apesar de não ser considerado familiar, para efeitos da Diretiva, uma vez que sua filha é maior de idade, em rigor, o requerente é de suma importância na vida desta filha, que apesar de maior, não é casada e nem tem filhos, sendo, para todos os efeitos, sua única família.

Ocorre que, no caso em apreço, nos termos e para efeitos do artigo 1.°d) da Lei n.° 37/81, por ser neto de português, o requerente tem direito à nacionalidade portuguesa, tendo feito requerimento para que a mesma lhe seja atribuída em 17 de Dezembro de 2020.

Com a nacionalidade portuguesa que pleiteia, o requerente, na qualidade de nacional europeu, poderia entrar e circular livremente na união europeia, podendo prestar o apoio que tanto necessita a sua filha, ainda que, cumprindo os requisitos e medidas de segurança relativos à covid-19.
10°
No entanto, embora o Regulamento da Nacionalidade portuguesa em seu artigo 41.°, preveja prazos curtos para a tramitação e decisão dos pedidos de nacionalidade, sabe-se que os processos de netos, até decisão final demoram cerca de 2 anos.
11°
Este lapso temporal de espera para que lhe seja atribuída a nacionalidade, no caso em apreço, se revelaria extremamente prejudicial para o requerente, que precisa estar perto da filha.
12°
Por esta razão e conforme exposto, vem o requerente pedir que lhe seja deferida urgência na análise do processo, de modo a que lhe seja atribuída a nacionalidade a que tem direito de forma rápida, permitindo que o mesmo vá para perto de sua filha para lhe dar o apoio que tanto ela necessita.
13°
Ora, como se sabe, a família, nos termos do artigo 67.° da Constituição da República portuguesa é elemento fundamental da sociedade, tendo direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
14°
Saliente-se ainda que a proteção à saúde mental e convivência familiar é tema de legislação internacional, comunitária e nacional, havendo consenso de que o ser humano necessita de cuidados, socialização com os seus entes mais significativos e acompanhamento de familiar nuclear.
15°
Por fim cumpre esclarecer que o requerente tem estado desde Março de 2020 em isolamento social, para evitar qualquer possibilidade de contágio com o COV1D-19 e que irá ser vacinado no próximo mês; não se trata de discordar das medidas de saúde pública para proteção de todos, mas o requerente e sua filha, em bom português, “não aguentam mais estar distantes”; a filha, como trabalha, não se pode deslocar ao Brasil e o requerente, na condição de reformado e de cidadão português poderá fazê-lo.
14°
Por todo o exposto, considerando o motivo familiar imperativo de prestar cuidados à filha, titular de autorização de residência na Holanda e as restrições de entrada para cidadãos não nacionais da UE,

REQUER seja deferida a urgência na análise do processo de nacionalidade n.° …/21 de F…, afim de que lhe seja atribuída a nacionalidade portuguesa com a maior brevidade possível.

Espera Deferimento em boa realização da Justiça, “

F) Em 08 de Junho de 2021, o pedido de urgência foi indeferido por despacho dessa data, cujo teor aqui se dá por reproduzido “uma vez que o motivo do pedido não diz respeito ao requerente. Acresce que a sua filha é maior, encontrando-se a trabalhar e a residir legalmente na Holanda” (cf. Doc. 6 junto com a p.i.; fls. 23 do PA);
G) Em 06 de Julho de 2021, o Requerente solicitou à Conservatória dos Registos Centrais, nos termos do artigo 84.° CPA, uma Certidão relativa ao estado do Processo (Cf. Doc. 7 junto com a p.i.);
H) O Requerido ainda não emitiu a certidão requerida no ponto anterior (cf. PA);
I) Da consulta online ao Estado do Processo, consta que no dia 12 de Julho de 2021, o processo continua na fase 1 “Foi Recebido”, sem constar qualquer movimentação (Cf. Doc. 8 junto com a p.i.);
J) Consta da consulta referida acima, a informação prestada pelo Requerido quanto ao tempo de conclusão dos pedidos de atribuição/aquisição de nacionalidade de que: “Para adultos, atualmente deve prever entre 24 a 29 meses, desde a entrega do pedido de nacionalidade até ao registo final da nacionalidade, para os pedidos que apresentam logo todos os documentos necessários e o requerimento corretamente preenchido”, conforme informação que ora se transcreve (cf. idem):
“Sobre o processamento dos pedidos de nacionalidade
Um pedido de nacionalidade segue os seguintes passos:
1. Receção do pedido, numa conservatória, consulado ou por correio
2. Registo do pedido
3. Consulta a entidades externas
4. Verificação da documentação entregue
5. Análise de que todas as condições legalmente previstas estão reunidas para conceder a nacionalidade
6. Decisão sobre a atribuição ou não da nacionalidade
7. Registo do novo cidadão português no Registo Civil de Portugal ou arquivamento do processo

Para adultos, atualmente deve prever entre 24 a 29 meses, desde a entrega do pedido de nacionalidade até ao registo final da nacionalidade, para os pedidos que apresentam logo todos os documentos necessários e o requerimento corretamente preenchido. Cerca de 9 a 11 meses de preparação decorrem entre a entrega do pedido e o início da análise, a análise e as respetivas diligências têm uma duração normal de 9 a 12 meses e a decisão e o registo final ocorrem 6 a 8 meses após finalizar a análise. Estes prazos serão mais longos processo não estiver completo e correto desde o início e for necessário pedir documentação complementar.”
K) Não consta do processo administrativo qualquer análise, tramitação ou instrução do pedido do Requerente por parte da Conservatória dos Registos Centrais;
L) Em 12/07/2021, a presente intimação deu entrada neste Tribunal Administrativo (cf. fls. 1 do SITAF);
M) A filha do requerente, A… reside na Holanda, em A…, onde trabalha na empresa K… desde Agosto de 2020 (Cf. Doc. 9 e 10 junto com a p.i.);
N) O Requerente não vê a filha há cerca de um ano, devido às restrições de viagens na EU a cidadãos não estrangeiros, designadamente provenientes do Brasil (cf. acordo; alínea O) infra);
O) Consta do sítio https://www.government.nl/topics/coronavirus-covid- 19/visiting-the-netherlands-from-abroad/exemptions-to-the-entry-ban/eu-entry-ban-exemption-categories, sitio oficial do Governo Holandês, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a informação sobre as situações excepcionais que permitem a entrada de cidadão estrangeiros na Holanda, estando vedada a entrada de cidadãos estrangeiros, designadamente nacionais do Brasil, por ser considerado um país não seguro, devido à elevada incidência de risco por COVID-19, no Brasil (nem mesmo quando possuam vacinação completa e teste negativo e façam quarentena), não sendo possível ao Requerente entrar por razões de turismo ou para visitar a família, sendo apenas permitidas as seguintes situações excepcionais para efeitos de permitir a visita a família na Holanda: grave doença terminal, morte, funeral, nascimento, conforme informação que ora se transcreve:

«Imagem no original»

M) No mundo, e em particular no Brasil, vive-se uma situação muito grave de pandemia devido ao elevado número de casos de infecção por vírus SARS-COVID19, sendo um dos países mais afectados no mundo e com elevado número de mortos (facto notório);

*

- Factos não provados: inexistem factos a registar como não provados com interesse para a decisão.

*

Relativamente, à restante matéria de facto alegada, a mesma não foi julgada provada ou não provada, por se revelar inútil ou irrelevante para a decisão da causa, ou por integrar conceitos de direito ou alegações conclusivas, quer de facto quer de direito.

*

- Motivação da decisão de facto:
Conforme individualmente especificado, a decisão da matéria de facto baseou-se na posição expressa pelas partes nos respectivos articulados e no exame crítico dos documentos juntos aos autos e do processo administrativo instrutor. Resultou ainda a factualidade constante da alínea N) da consulta e da informação retirada do sítio oficial no Governo Holandês, qual foi consultado nesta data em https://www.government.nl/topics/coronavirus-covid-19/visiting-the-netherlands-from- abroad/exemptions-to-the-entrv-ban/eu-entry-ban-exemption-categories
Resultou também o julgamento da matéria de facto quanto à situação pandémica da existência de factos notórios que são do conhecimento geral (cf. artigos 5.°, n.° 2, al.c), primeira parte e 412.°, n.° 2, ambos do CPC, “ex vi” artigo 1.° do CPTA)).» (sublinhados nossos).

II.2. De direito

Do erro de julgamento de direito por «flagrante violação dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade (artigo 266° da CRP) uma vez que os mesmos factos, devem ser de igual forma tratados e ponderados e por isso o pressuposto da urgência exigido no artigo 109° do CPTA deve ser apreciado, tendo como parâmetros, as razões que justificam o atraso da Conservatória dos Registos Centrais e as motivações subjetivas e por vezes apenas narcisistas de cada requerente à nacionalidade portuguesa, que nos tempos atuais, projeta como único fim, ser cidadão europeu» - o que se reconduz à impugnação da decisão proferida quanto à idoneidade do meio processual escolhido, de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulado nos art.s 109.º e ss. do CPTA.

E, bem assim, do erro de julgamento de direito em que também terá ocorrido a sentença recorrida, ao não cumprir «a obrigação de estabelecer interesses de ponderação.» - o que se reconduz, por seu turno, à impugnação da decisão de intimação do Recorrente, à prática de ato devido, in casu, a apreciar e a decidir o pedido do Requerente, F…, de processamento do registo definitivo da nacionalidade no prazo de 30 dias, se a tal nada obstasse.

Cumpre decidir.

O discurso fundamentador da sentença recorrida, quanto à idoneidade do meio processual utilizado pelo Requerente, ora Recorrido, previsto no art. 109.º do CPTA e, em particular, quanto ao requisito de urgência que o mesmo comporta, por necessidade de uma decisão principal que possa viabilizar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia, foi o seguinte:

«(…) revertendo ao caso dos autos, conclui-se que a tutela peticionada pelo Requerente consiste no pedido de intimação do Requerido “IRN, IP” a proceder ao processamento do registo de nascimento atributivo da nacionalidade do A. no prazo máximo de 10 dias.”

Como se extrai da petição, e o Requerente tem nacionalidade brasileira, não é apátrida e pediu, no dia 06/01/2021, à Conservatória dos Registos Centrais o processamento do registo de nascimento atributivo da nacionalidade português, por ser neto de cidadão nascido em Portugal, pedido este que foi formulado ao abrigo do disposto no art. 1.°, n.° 1, al. d) da Lei da Nacionalidade Portuguesa.
Por outro lado, como causa de pedir, o Requerente alega, em suma, a omissão do dever de decisão por parte da CRC, uma vez que o seu pedido foi apresentado em 06/01/2021 e até à data não foi proferida qualquer decisão final, continuando o pedido na fase inicial, sem análise e sem qualquer tramitação, mais alegando que a documentação entregue preenche todos os requisitos legais para o efeito e que já decorreu o prazo legal para que fosse processado o registo em causa.
Em especial, e para justificar a especial urgência e o recurso ao presente meio processual, o requerente alega que o não processamento do registo atributivo de nacionalidade tem consequências gravosas e violadoras do seu direito fundamental à cidadania, com efeitos jurídicos semelhantes à perda ou denegação de nacionalidade, estando impedido de exercer os seus direitos de cidadania e a nacionalidade portuguesa, da qual decorreria a cidadania europeia e a sua liberdade de circulação dentro da União Europeia.
Vejamos então.
Para aferição da urgência de tutela, da lesão e do direito fundamental ameaçado, só relevam as alegações do Requerente quanto à sua esfera jurídica.
Neste contexto, o Requerente alega, em especial, que “se há cidadãos que podem esperar 2, 3, 5 ou até 10 anos pela concessão de uma nacionalidade, este não é o caso do requerente, a quem tem sido violado o direito à cidadania e outros conexos, conforme amplamente demonstrado e não é porque há ilegalidades e violações de direitos por parte da administração pública que esta pode continuar em violação, para garantir que todos os cidadãos tenham os seus direitos violados de forma igual; sem a nacionalidade portuguesa não pode entrar e circular livremente na União Europeia, é o requerente que vê impedido o seu direito de reunião familiar com uma filha que mora fora, é o requerente que não pode deslocar-se a Europa, mesmo tendo direito à uma nacionalidade europeia e o requerente não é pessoa nova, tem 70 anos e não terá assim tantos anos para fruir do direito à cidadania, muito menos fazer longas viagens aéreas e correr riscos, sobretudo em um contexto de pandemia, em que é classificado como idade de risco e, assim, demonstrada a necessidade de assegurar o exercício do direito à cidadania e aos demais direitos a este reconduzível, em tempo útil, o procedimento deveria ser sempre considerado urgente. Finalmente, alega o Requerente que, com a presente intimação pretende-se assegurar em tempo útil (enquanto o autor tenha saúde para se deslocar) o exercício do direito à cidadania e identidade pessoal, que estende- se, sem grande dificuldade, a outros direitos, liberdades e garantias, ou a outros direitos subjetivos fundamentais análogos, por força da especial ligação do direito à identidade pessoal ao valor da dignidade da pessoa humana e, neste caso, ao direito fundamental a família, de deslocação e emigração, todos previstos na CRP, sendo incontestável que tal fruição de direito passa pela integração do registo do nascimento no registo civil português, através da Lavratura do Assento Português do requerente pelo IRN, o que não se coaduna com o requerimento de uma providência cautelar, pelo que dúvidas não há de que estão preenchidos todos os requisitos para lançar mão da presente ação de intimação.
Alega, no fundo que a lesão decorrente da não atribuição da nacionalidade por parte do Requerido é fortemente lesiva, causando, aliás, lesões nos direitos conexos e relacionados com o exercício da nacionalidade portuguesa, direito à identidade pessoal ao valor da dignidade da pessoa humana e, neste caso, ao direito fundamental a família, de deslocação e emigração, designadamente no que concerne às prerrogativas da cidadania europeia.
Ora, na verdade, o Autor alega factos plausíveis, atendíveis e concretos da sua vida real que justificam a especial urgência no processamento do registo atributivo da nacionalidade, sem o qual não poderá exercer todos os direitos conexos associados à cidadania português e europeia, incluindo para efeitos de livre circulação, deslocação, estadia, residência e livre reunião familiar com a sua filha, residente na Holanda, a qual não vê há um cerca de um ano (devido à comprovada restrição de viagens para este país, cf. probatório), sendo neste momento premente e urgente que lhe seja atribuída nacionalidade portuguesa, da qual resulta a cidadania europeia, especialmente devido às fortes restrições existentes às viagens para a União Europeia de cidadãos estrangeiros especialmente impostas pela pandemia, sendo certo que se provou que neste momento o Requerente não pode entrar na Holanda por ser cidadão estrangeiro e não da EU, sendo oriundo do Brasil, nem sequer para visitar a família, mesmo vacinado, com teste e quarentena.
Por outro lado, e quanto à subsidiariedade da intimação, diga-se que também é verdade que a tutela requerida só é passível de uma decisão de mérito definitiva e não com a tutela cautelar, pois não é possível conceder provisoriamente o registo atributivo da nacionalidade, por falta do requisito legal da provisoriedade, sob pena de se esgotarem os efeitos da acção principal.
Porém, e conforme resulta dos art. 25.° e 26.° da Lei da Nacionalidade (LN) e 61.° e 62.° do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (RNP, existe um meio normal, próprio e adequado para reagir a situações de inércia de decisão da administração: a acção administrativa, prevista nos artigos 66.° ss do CPTA, na qual pode ser peticionada a condenação à prática do acto legalmente devido, em caso de omissão do dever de decidir.
Não obstante, e considerando os tempos normais de tramitação da acção administrativa não urgente, cuja decisão não se prevê, em média, em menos de cerca de um ano/um ano e meio, no mínimo, prazo que pode até ser superior a um ano em caso de recurso jurisdicional.
Tal significa que só o recurso à presente intimação poderá salvaguardar e tutelar em tempo útil os direitos ameaçados a breve trecho, pois caso contrário, o Requerente ver-se-á e continuará privado de exercer as faculdades e os direitos conexos inerentes à nacionalidade portuguesa e como tal à cidadania portuguesa, durante períodos de tempo alargados que podem comprometer a utilidade no exercício dos direitos que lhe poderão advir, no caso de lhe ser deferido o registo de nascimento atributivo da nacionalidade portuguesa, impedindo-o, aliás, de se deslocar para reunião familiar com a sua filha, a qual não vê há cerca de um ano, devido às restrições de viagens na UE. Pois caso recorra à acção administrativa, a mesma não será decidida em menos de um ano/ano e meio (não sendo processo urgente), podendo sê-lo em período até superior, caso venha a existir recurso, podendo não vir a ter utilidade prática a atribuição da nacionalidade portuguesa numa altura em que o Requerente possa eventualmente ter, devido à idade, a sua capacidade de deslocação, livre circulação mais comprometida e limitada, vicissitudes que, de acordo com a experiência comum, são sempre associadas ao factor idade, sem esquecer que, sendo o Requerente oriundo do Brasil, a sua deslocação implica viagens de longo curso, com todos os riscos associados, além de que o Brasil tem muitos casos de infecção por Covid 19.
Isto porque o factor tempo associado à idade do Requerente, actualmente com 70 anos, o facto de o mesmo fazer parte de um grupo de risco relativamente ao Vírus Covid-19, devido ao factor da idade (apesar de vacinado, não deixa de integrar o grupo de risco devido à sua idade avançada), e sem esquecer a normal degradação da saúde, da capacidade de deslocação associada à idade e o tempo de esperança média de vida no Brasil (cerca de 76 anos), são factores que não podem ser esquecidos e devem ser ponderados no caso “sub judice” e que podem certamente fazer com a perda de utilidade e impossibilidade ou maior dificuldade no exercício das faculdades e direitos conexos associados à atribuição da nacionalidade portuguesa, os quais o Requerente acaba por confessar que são essenciais para que possa exercer todos os direitos inerentes, sem as graves restrições existentes no tempo de pandemia que tem uma pessoa sem a cidadania europeia, sendo a mesmas absolutamente relevante para efeitos de deslocação, migração, livre estadia e permanência e reunião familiar.
Ora, seguindo a Recomendação (UE) 2020/912 Do Conselho De 30 De Junho De 2020 estabelece relativa à restrição temporária das viagens não indispensáveis para a UE e ao eventual levantamento de tal restrições, motivada por razões de saúde pública, é certo, e conforme resulta do probatório o Governo Holandês não autoriza a entrada no país de cidadãos estrangeiros provenientes do Brasil para efeitos de vista a familiares, salvo nas situações de excepcionais doença terminal, morte ou nascimentos.
Logo, no caso “sub judice” há que considerar as circunstâncias concretas do caso, os factos notórios decorrentes do facto de o mundo atravessar uma grave situação de pandemia, sendo o Brasil um dos países mais afectados do mundo, importando não esquecer que o Requerente tem 70 anos de idade, pertencendo ao grupo de risco agravado quanto ao Vírus Covid-19, às comorbidades decorrentes da idade e à esperança média de vida e à degradação normal decorrente da idade, designadamente caso não seja tempo de pandemia em que vivemos e que os principais direitos ameaçados e violados podem determinar uma lesão e de facto consumado irreversível, ao impossibilitar e comprometer a utilidade e o seu exercício em tempo útil, mostrando- se sobretudo lesivo o facto de estar impedido de se deslocar, residir na EU, emigrar, para se reunir com a sua filha, situação lesiva que não ocorreria caso já pudesse usufruir da nacionalidade portuguesa e da correlativa cidadania europeia.
Logo, a sua situação carece de protecção urgente e célere, a qual é incompatível com a acção administrativa, sob pena de poder ficar previsível e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, especialmente se a mesma apenas vier a ser atribuída daqui a alguns anos, num tempo e idade em que o Requerente já não possa ou não consiga exercer, usufruir dos direitos associados à nacionalidade portuguesa.
Ademais, no seu caso concreto, dada a finalidade específica invocada para justificar a urgência na atribuição da nacionalidade brasileira, dada o contexto de pandemia vivido no mundo, e as consequências decorrentes da mesma, em termos de saúde (física e mental) e as restrições inerentes às viagens na UE por parte de cidadãos estrangeiros, designadamente para a Holanda, onde pretende a reunião familiar com a sua filha, considera-se justificada a especial urgência e considera-se que o tempo de demora da acção administrativa não permite, em tempo útil, salvaguardar no caso concreto o direito de cidadania e à nacionalidade do Requerente, causando prejuízos associados ao factor do tempo em que o Requerente esteve e estará impedido de usufruir livremente a sua nacionalidade portuguesa, direito fundamental previsto no art. 26.° da CRP, incluindo dos direitos conexos que lhe estão associados, incluindo de livre circulação na UE, em especial de visitar a sua filha para efeitos de reunião familiar e lhe dar apoio emocional e físico necessário. (…) Logo, e apesar de o Requerente não ser apátrida e ter nacionalidade portuguesa, dada a sua situação concreta e as circunstâncias do caso, não é plausível fazer com que o Requerente aguarde pelo menos um ano e meio por decisão no âmbito de acção administrativa (ou até mais tempo, se houver recurso), ou que aguarde cerca de dois anos e meio para que seja registado nascimento atributivo da nacionalidade portuguesa por parte do IRN, já que é esse o tempo estimado pelo IRN para decidir o seu pedido, sem a qual não pode exercer e usufruir da nacionalidade portuguesa e da cidadania portuguesa, , que lhe permitem a reunião familiar , por via da livre deslocação para a UE, onde quer estar mais perto acompanhar a sua filha, dando apoio familiar (que reside e trabalha na Holanda).
Com efeito, são, pois, as circunstância concretas e pessoais da vida real do Requerente, através das quais se mede a sua especial urgência, que permitem no caso dos autos reconhecê-la, no quadro do contexto da pandemia vivida e da essencialidade da atribuição da nacionalidade portuguesa em tempo útil para que o mesmo possa exercer os direitos de cidadania e conexos, sendo que a idade do Requerente, os seus riscos devidos à grave pandemia vivida no mundo, sem esquecer a importância do factor tempo (e a esperança média de vida) são determinantes para que possa afirmar que os meios normais não urgentes são insuficientes para a tutela pretendida e para evitar a lesão irreversível e dos direitos ameaçados (tal como o é a tutela cautelar), podendo com probabilidade conduzir a situação de perda de utilidade, caso apenas lhe venha a ser processado o registo de nascimento atributivo da nacionalidade portuguesa daqui a alguns anos (pelo menos ano e meio, por via da acção administrativa, caso não haja recurso jurisdicional ou caso não haja oposição à aquisição de nacionalidade; ou pelo menos 2 anos e meio, caso a Administração voluntariamente defira a pretensão do Requerente, considerando que actualmente o IRN está a analisar os pedidos com 2 anos e meio de atraso) .
Por conseguinte, e sem necessidade de demais delongas, conclui-se que o presente meio processual é adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade (cuja concessão não é automática, é certo, mas que o Requerente entende ter direito), mas cujo reconhecimento e atribuição em tempo útil e a curto prazo por parte do Requerido é a única forma de permitir o exercício da nacionalidade portuguesa, e bem assim dos direitos conexos e corelacionados para tutelar os vários direitos lesados (reunião familiar sem as restrição de que beneficiam os cidadãos portugueses da EU, tais como liberdade de deslocação, permanência, migração, fixação de residência, permanência e estadia na UE.
Assim, “in casu” existe necessidade da emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que é indispensável para a protecção de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível em tempo útil o recurso a um outro meio processual, situação que se verifica no caso concreto, ficando demonstrado a insuficiência da tutela, em tempo útil, através dos meios normais não urgentes, por via da acção administrativa.
Em face do exposto, há que concluir pela improcedência da invocada exceção dilatória inominada de Inidoneidade do meio processual, sendo o processo próprio.» (negritos e sublinhados nossos).

Vejamos.

Decorre do art. 109.º, n.º 1, do CPTA, sob a epígrafe «Pressupostos», que «1 - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.»

A lei estabelece, assim, dois pressupostos para que se possa recorrer a este meio processual:

i) que a emissão urgente de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia;

ii) que não seja possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.

Como refere Mário Aroso de Almeida (1), com este meio processual principal e urgente pretende-se obter, assim, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo, sob pena de haver denegação de justiça, tendo presente que «o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias.»(2) (sublinhados nosso).

É neste sentido que o art. 109.º do CPTA veio concretizar o comando normativo contido no n.º 5 do artigo 20.º da CRP, tendo por escopo garantir uma tutela jurisdicional efetiva e célere quando está em causa o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia fundamentais, de natureza pessoal, ou de direitos de natureza análoga - na medida em que o regime dos direitos liberdades e garantias também se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga, como decorre do artigo 17.º da CRP -, assim se justificando quando seja necessária a célere emissão de uma decisão definitiva sobre a questão de fundo que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar tal exercício, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar (3).

No caso em apreço, conforme vem configurada a ação, o Requerente, ora Recorrido, invoca uma ameaça incomportável do seu direito à obtenção da nacionalidade portuguesa, consagrado no art. 26.°, n.° 1, da CRP, ameaça essa que decorre diretamente do incumprimento dos prazos legais para decidir o procedimento em causa, por parte do Recorrente.

Mais alega que necessita de uma tutela definitiva e urgente, atendendo, muito em particular, à sua idade - 70 anos – e à esperança média de vida no Brasil – 76 anos (4) –, país onde vive, e tendo também presente os riscos acrescidos para a saúde e vida das pessoas de mais idade, em contrair infeção a doença Covid 19, na atual situação de pandemia – facto notório.

Vejamos por partes.
Dúvidas não temos que, enquanto circunstâncias que não devem ser desconsideradas na densificação do requisito de urgência, a idade e a saúde do requerente, aqui Recorrido, devem, pois, ser ponderadas para se aferir da imprescindibilidade do recurso a este meio processual de intimação para proteção de direitos, liberdade e garantias, tal como o mesmo se encontra regulado no CPTA.
Dúvidas também não há que o direito à cidadania, regulado no art. 26.º da CRP, é um direito fundamental e que o requerente, ora Recorrente, invocou questões concretas de urgência para prover em sua defesa, o que nos leva a considerar improcedente o primeiro erro de julgamento suscitado, acerca da inadequação do meio processual em causa.
O que já suscita algumas dúvidas é que o requerente, aqui Recorrido, possa obter, por via da procedência da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, a emissão de uma decisão definitiva sobre a questão de fundo, a saber, a atribuição da cidadania portuguesa.
O que nos traz ao segundo erro de julgamento suscitado, que se reconduz à impugnação da decisão de intimação do Recorrente, à prática de ato devido, in casu, a apreciar e a decidir o pedido de processamento do registo definitivo da nacionalidade do Recorrido no prazo de 30 dias.

E isto porque resulta da matéria de facto dada como provada que o pedido que se encontra pendente nos serviços da Recorrente, está no estado inicial de “recebido”, não tendo sido objeto ainda de qualquer análise – cfr. alíneas I) e K) da matéria de facto – e decorrendo do art. 1.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3, da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03.10.), que «Os indivíduos com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa originária do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses e possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional;» e que «3 - A existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos estabelecidos na alínea d) do n.º 1, verifica-se pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e depende da não condenação a pena de prisão igual ou superior a 3 anos, com trânsito em julgado da sentença, por crime punível segundo a lei portuguesa, e da não existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.», o que evidencia a necessidade de uma clara instrução do pedido – cfr. resulta também do art. 41.º o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (Decreto-Lei n.º 237-A/2006, 14.12., doravante RNP – e que se corrobora com o facto que consta da alínea J) da matéria de facto, do qual consta a transcrição de informação prestada pelos serviços do Recorrente, de que um pedido de nacionalidade segue os seguintes passos: «1. Receção do pedido, numa conservatória, consulado ou por correio; 2. Registo do pedido; 3. Consulta a entidades externas; 4. Verificação da documentação entregue; 5. Análise de que todas as condições legalmente previstas estão reunidas para conceder a nacionalidade; 6. Decisão sobre a atribuição ou não da nacionalidade; e, por fim, 7. Registo do novo cidadão português no Registo Civil de Portugal ou arquivamento do processo.»
O requerente, ora Recorrido, faz apelo aos prazos previstos no citado art. 41.°, n.º 2, do RNP, mas o prazo especial de decisão de 60 dias ali previsto conta-se desde o termo da instrução, a qual no caso, como resulta da matéria de facto provada, não se verificou.
E, na verdade, o que o legislador pretendeu, ao fixar tais prazos, foi apenas sinalizar claramente que este procedimento deverá correr célere, sendo que uma eventual inobservância dos mesmos não acarreta a extinção do dever de instruir convenientemente o procedimento, não podendo deixar de se ordenar as diligências que considerarem necessárias.

Assim, o resultado esperado com procedência dos presentes autos de intimação, não pode ser o reconhecimento do direito à cidadania portuguesa ao Recorrido e, por via dele, a faculdade de exercício em tempo útil de outros direitos fundamentais, mas sim, por via da mesma, a condenação do Recorrente a tramitar o pedido do requerente, entrado que foi em 2020 – cfr. alínea D) da matéria de facto -, com precedência sobre os demais, atendendo às razões de urgência que supra evidenciámos e que o requerente já expos também no procedimento – cfr. alínea E) da matéria de facto – sem sucesso, porém – cfr. alínea F) da matéria de facto.
E, aqui chegados, e neste pressuposto, a sentença recorrida não pode manter-se porque disse mais do que poderia dizer.
Na verdade, reconhecendo-se que a inércia e a demora na atuação da Administração são causas de uma ameaça séria sobre o exercício em tempo útil de direitos conexos ao direito fundamental de aquisição da cidadania portuguesa do Recorrido – não se descurando os motivos invocados pelo Recorrente para o efeito, na sua maioria decorrentes da enorme e crescente pressão de procura de pedidos de aquisição de nacionalidade e da falta de meios -, o pedido de urgência que apresentou no procedimento em apreço não deveria ter sido indeferido, atendendo a todo o supra exposto, pois foram invocadas razões bastantes para o seu deferimento.
Quando tudo é urgente, nada é urgente, mas tal não pode levar a que não se distingam situações que merecem, ainda assim, um tratamento diferenciado por uma particular urgência e premência.
Razão pela qual será de intimar o requerido ora Recorrente, a deferir o pedido de urgência que o requerente, ora Recorrido formulou no procedimento conducente à atribuição da nacionalidade portuguesa, iniciando a respetiva tramitação e diligenciando pela sua decisão, nos termos do art. 41.º do RNP, com prioridade sobre os demais, sem prejuízo de outros pedidos anteriores cuja urgência haja sido deferida.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, intimando o requerido, ora Recorrente, a deferir o pedido de urgência formulado pelo requerente, ora Recorrido, nos termos do art. 41.º do RNP, iniciando a respetiva tramitação e diligenciando pela sua decisão, com prioridade sobre os demais, sem prejuízo de outros pedidos anteriores cuja urgência haja sido deferida.

Sem Custas.

Lisboa, 20.10.2021

Dora Lucas Neto (Relatora)

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

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(1) in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2003, pg. 238.
(2) Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2010, pg. 538.
(3) v. neste sentido e a título de exemplo, ac. deste TCA Sul, de 16.04.2015, P.12003/15
(4)Vide aqui: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=73097