Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:33404/24.3BELSB
Secção:
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA INVESTIMENTO (ARI)
NÃO RESIDENTE EM TERRITÓRIO NACIONAL
Sumário:I. De acordo com o disposto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, o recurso àquela intimação apenas se justifica perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, numa situação jurídica individualizada, face à concretização de factos relevantes para o efeito. O que não ocorre.
II. O direito do interessado à iniciativa procedimental não detém, por si só, a natureza de direito fundamental nos termos e para os efeitos do artigo 17º da CRP, que determina a aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias (título II da Parte I da CRP) aos direitos fundamentais de natureza análoga.
III. A circunstância de ter investido em Portugal confere-lhe, nos termos da legislação aplicável, o direito a requerer junto das autoridades portuguesas ARI e, não sendo por estas observados os prazos legais de tramitação e de decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, que, salvo norma especial, são meramente orientadores sem preclusão da prática de acto ulteriormente pela entidade administrativa, podem originar o direito à tutela judicial, designadamente através da acção de condenação à prática de acto devido (vide art. 66º do CPTA) ou reagir administrativamente contra a ilegal omissão de acto administrativo, nos termos do artigo 184º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPA, mediante reclamação ou recurso. Estando, portanto, assegurada a garantia constitucional tal como consagrada no artigo 268º, nº 4 da CRP.
III. Aos requerentes de autorização de residência para investimento não residentes em território nacional não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção Comum)

I. RELATÓRIO

M.... (Autor), residente nos Estados Unidos da América, veio interpor o presente recurso jurisdicional da Sentença-Rejeição Liminar proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo Comum, em 31-10-2024, através da qual foi rejeitado liminarmente o presente pedido de Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias intentado contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA), Entidade Demandada (ED) na qual formulou os seguintes pedidos:
“a) Ser a Requerida notificada para se pronunciar sobre o pedido de autorização de residência para atividade de investimento apresentado pelo Requerente em 06/09/2023, procedendo à sua “pré-aprovação” e notificando-o para proceder ao agendamento para recolha dos seus dados biométricos, porquanto reúne todos os pressupostos para o efeito; e
b) Ser a Requerida notificada para se pronunciar sobre o pedido de reagrupamento familiar apresentado pelo Requerente em 31/10/2023, procedendo à sua “pré-aprovação” e notificandoa para proceder ao agendamento para recolha dos dados biométricos da sua cônjuge, porquanto reúne todos os pressupostos para o efeito; e
c) Caso os referidos pedidos sejam aprovados, para proceder à emissão das devidas autorizações de residência, mediante o pagamento das taxas que se mostrem devidas e verificada a conformidade da documentação e demais pressupostos, porquanto reúnem todos os pressupostos para o efeito previstos nos artigos 90º-A, n.º 2 e 98.º da Lei 23/2007; Bem como,
d) Tomar a Requerida as medidas necessárias para salvaguardar a especial urgência da situação, adotando as medidas consideradas adequadas ao abrigo do n.º 3 do artigo 110.º do CPTA; e
e) Subsidiariamente, caso assim não se entenda, notifique o Requerente nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA.”


Nas Alegações recursivas formulou as conclusões que, de seguida, se transcrevem:

“1. O juiz a quo veio indeferir liminarmente o requerimento inicial apresentado pelo Autor, por entender que “não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias”.
2. Ora, salvo melhor entendimento, tais alegações são insustentáveis à luz dos factos apresentados pelo Autor nos autos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
3. Não só porque, conforme se irá demonstrar, se encontram preenchidos os pressupostos de indispensabilidade, urgência, impossibilidade e insuficiência necessários para recorrer à presente intimação, como também, andou mal o Tribunal a quo quando entendeu “não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB”.
4. Desde já se diga que, o Autor alegou e logrou provar que deu entrada, em 06/09/2023, de pedido de autorização de residência para atividade de investimento,
5. O Autor alegou e logrou ainda provar que deu entrada, em 31/10/2023, de pedido de reagrupamento familiar para a sua cônjuge C.... .
6. No entanto, não foi emitida, até à data, qualquer decisão por parte da Ré quanto aos pedidos apresentados pelo Autor.
7. A alegação, pelo Autor, de que a inércia da Ré em proceder à análise e decisão do seu pedido de concessão de autorização de residência e do seu pedido de reagrupamento familiar fere os seus direitos constitucionais básicos é, por si só, suficiente para concluir pela situação concreta do Autor. 8. Isto é, pela factualidade circunstanciada que leva à caracterização de uma situação de ameaça iminente ou do início da lesão do direito invocado – a qual, segundo o Tribunal a quo, competia ao Autor alegar e provar, sob pena de não se verificar o preenchimento dos pressupostos do recurso à intimação.
9. Ora, a falta de decisão quanto aos pedidos formulados pelo Autor traduz-se, em termos práticos, na falta de título de residência que permita ao Autor residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
10. O que lesa diretamente os seus direitos constitucionais básicos, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.
11. O Autor agiu com a legítima expectativa de que, nos termos do programa Golden Visa, a sua candidatura seria decidida dentro do prazo legal de 90 dias, ou pelo menos dentro de um prazo razoável, tendo planeado a sua vida e projetos pessoais e familiares com base nessa expetativa.
12. No entanto, a ausência de decisão por parte da Ré coloca-o numa posição extremamente vulnerável, não lhe sendo possível planear a sua vida com segurança e estabilidade e vendo-se obrigado a pôr todos os seus projetos pessoais e familiares em suspenso.
13. Ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, não se trata aqui de um mero incómodo causado pela ausência do seu título de residência, mas antes de uma completa paralisação de todos os seus planos de vida, tanto pessoais como familiares, até que o seu título seja emitido.
14. Mais que não seja, o mero direito de ir e vir livremente, ficando obrigatoriamente sujeito, caso pretenda permanecer em território nacional, a um regime de vistos de turista.
15. O que é incompatível com os direitos constitucionais que deveriam estar salvaguardados.
16. Ora, tais factos relativos à situação concreta do Autor, causados pela inércia da Ré, encontram-se claramente expostos nos artigos 20 e 21 do requerimento inicial apresentado pelo Autor.
17. No entanto, entende-se que mesmo que assim não fosse, os factos subjacentes à inércia administrativa e os que dela decorrem, são factos notórios e, portanto, nos termos do artigo 412.º do CPC, não carecem de alegação ou prova.
18. No caso em apreço, a ausência de decisão por parte da Ré traduz-se na falta de título de residência que permita ao Autor residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
19. E tal é, não só de conhecimento geral, como de conhecimento oficioso.
20. É de conhecimento geral e oficioso que, o pedido de concessão de autorização de residência por atividade de investimento tem como finalidade a obtenção de um título de residência,
21. E que este título de residência permite ao seu titular residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
22. Sem tal título de residência, o Autor, que é nacional dos Estados Unidos da América, vê-se impossibilitado de residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
23. Quando poderia, por contraste, caso fosse já detentor do seu título de residência, passar em Portugal ou no espaço Schengen o tempo que quisesse, sem que tal implicasse utilizar os dias do seu visto de turista.
24. Ora, tal afeta diretamente os direitos fundamentais do Autor, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, e impõe prejuízos evidentes.
25. Prejuízos, estes, atuais.
26. Pelo que, o facto carreado aos autos pelo Autor de que a inércia da Ré em proceder à análise e decisão do seu pedido de concessão de autorização de residência por atividade de investimento e os pedidos de reagrupamento familiar ferem os seus direitos constitucionais básicos, permite concluir os factos relativos à sua situação concreta.
27. Ao contrário do entendimento do Tribunal, a urgência para obter uma decisão célere é, assim, evidente,
28. Não sendo necessário ao Autor provar factos que, pela sua natureza, são notórios e amplamente conhecidos.
29. Por outro lado, quanto à indispensabilidade do recurso à intimação e conforme alegado, também, em sede de requerimento inicial, a intimação constitui a última via que o Autor tem ao seu dispor para poder ver salvaguardados os seus direitos.
30. Não assistindo ao Autor qualquer outro meio de tutela que não o presente para fazer valer os seus direitos, liberdades e garantias.
31. No caso em apreço, a urgência verificada não é uma urgência cautelar, mas sim uma urgência na obtenção de uma decisão de mérito.
32. Pelo que, não é suficiente para a defesa dos direitos fundamentais do Autor a mera obtenção de uma tutela cautelar traduzida na atribuição de uma autorização de residência provisória, que a qualquer momento, pode cessar.
33. Mas é antes necessária uma tutela judicial de mérito, que só a procedência da presente intimação lhe poderá proporcionar.
34. Em todo o caso, sempre se diga que, como é de conhecimento oficioso, o recurso a outros meios, mesmo os urgentes, não funciona com a celeridade que é necessária para acautelar os direitos do Autor aqui em causa.
35. Ora, se é verdade que para fazer uso da intimação o Autor tem de demonstrar estar numa evidente situação de urgência que não possa ser suficientemente acautelada, em tempo útil, pelo normal decretamento de uma providencia cautelar ou outro meio de reação não urgente,
36. Também será verdade que, considerando os Indicadores de desempenho dos tribunais administrativos e fiscais de 1ª instância consultáveis através do site https://estatisticas.justica.gov.pt/, segundo os quais o “disposition time” – indicador utilizado para efeitos de estatística que visa medir, em dias, o tempo de resolução da pendência com base no ritmo de trabalho observado num determinado período – para ações administrativas, providências cautelares e outros processos urgentes em 2023 foi o seguinte:

d) Para ações administrativas, o tempo médio para obter uma decisão foi de 810 dias, ou seja, 2 anos e 3 meses;
e) Para providências cautelares, foi de 160 dias, mais de 5 meses;
f) Para outros processos urgentes, foi de 158 dias, mais de 5 meses.

37. Assim, face à situação de incerteza em que se encontra o Autor, em que vê os seus direitos fundamentais básicos lesados, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, bem como o direito à proteção legal contra discriminação,
38. O recurso a uma providencia cautelar, ou a qualquer outro meio cautelar, mesmo que urgente, não será suficiente, no caso concreto, para obter uma decisão em tempo útil por parte da Ré.
39. Não restando alternativa se não a de recorrer a meios judiciais que possam efetivamente assegurar a tutela devida.
40. A este respeito, ao contrário do alegado pelo Douto Tribunal, o acórdão uniformizador de jurisprudência supra referido não só deve ter aplicação ao caso em apreço, como deveria ter fundamentado a decisão do Tribunal a quo acerca do preenchimento do requisito de indispensabilidade quanto ao recurso à intimação.
41. Bastará, para o efeito, ler-se o sumário do referido acórdão, segundo o qual “Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: Estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência por banda da Administração, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, traduzida na atribuição de uma autorização provisória, antes reclama uma tutela definitiva, pelo que o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA.”
42. Sem, nunca, limitar a sua aplicação a pedidos de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.
43. Face ao exposto, é imperativa a revisão da decisão liminar que indeferiu o requerimento inicial, com o reconhecimento da urgência da decisão e da indispensabilidade de recurso à intimação, e consequente desnecessidade de alegação ou prova de factos notórios.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, com a anulação da decisão recorrida e com a consequente admissão e procedência da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ordenando-se à Ré que, em prazo determinado, profira decisão sobre os pedidos de autorização de residência e reagrupamento familiar apresentados pelo Autor”.
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A Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA) citada para os efeitos da causa e do recurso (artigo 641º, nº 7 do Código de Processo Civil), veio apenas deduzir Resposta à presente Intimação e juntar o processo administrativo.
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O DMMP notificado nos termos do art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) emitiu pronúncia, no sentido de não provimento do recurso.
Notificadas as partes, nada disseram.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão.

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I.1- DO OBJECTO DO RECURSO / DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Das conclusões do Recorrente extrai-se que, no essencial, importa aferir se o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do Direito.
Previamente, há que apreciar e decidir quanto à admissibilidade dos documentos (2) juntos com as alegações recursivas.


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II. Fundamentação

O Tribunal a quo, atenta a fase inicial do processo, não fixou matéria de facto nem se revela necessária para a presente decisão.
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II.2 - De Direito

Cumpre decidir, conforme delimitado em I.1.

Ø Da admissão de documentos juntos com as alegações de recurso

Nos termos previstos no artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425. ° do mesmo Código, ou seja, são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Quanto à eventual necessidade da sua junção, observam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, que “a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam” (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral, 2ª edição, p. 813).
O Tribunal a quo decidiu, em sede liminar, rejeitar a petição inicial.
Com as alegações de recurso, o Recorrente juntou 2 documentos relativos aos indicadores do desempenho dos tribunais administrativos e fiscais de 1ª instância.
Todavia, tal matéria não foi analisada na sentença recorrida, nem o Recorrente justifica a sua junção, nesta fase.
Termos em que se impõe concluir pela inadmissibilidade da junção aos autos dos referidos documentos.

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Ø Do mérito

Antecipamos, desde já, que o presente recurso terá de soçobrar.
Conforme alega, o ora Recorrente solicitou, em 06.09.2023 (vide art. 1º da p.i.), autorização de residência para investimento ao abrigo do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, tendo formulado, ainda, pedido de reagrupamento familiar (para a cônjuge) ao abrigo do disposto no artigo 98.º n.º 1 da mesma Lei, a qual foi regulamentada pelo Decreto-Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, actualizado.
Por aplicação do disposto no artigo 65.º-D n.º 16 do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, a formalização do pedido de concessão de autorização de residência para actividade de investimento (ARI), como aquela a que o Recorrente almeja, é precedido de registo eletrónico em plataforma para o efeito.
O Tribunal a quo decidiu rejeitar liminarmente a presente intimação por falta de urgência e de indispensabilidade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o que consubstancia uma excepção dilatória inominada, cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa.

Apreciando;

Em concretização da imposição constitucional contida no artigo 20º, nº 5, encontra-se prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea o) e 109.º e segs. do CPTA a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, configurando-se como um processo urgente, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, alínea e) do CPTA. Não obstante o cariz da urgência, a intimação referida integra-se no conjunto de meios processuais principais previstos no Código, porquanto visa a resolução a título definitivo da questão de mérito que lhe subjaz.
De notar que a via normal de reacção é a utilização da acção administrativa, acompanhada da respectiva tutela cautelar, pelo que a presente intimação ocupa um lugar residual e subsidiário no contencioso administrativo, sendo a sua utilização quase de ultima ratio, obedecendo a um elenco estricto de requisitos, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA. O qual determina que a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (s/n).
Donde se extrai que, em primeiro lugar, deve estar em causa a invocação da lesão de um direito, liberdade e garantia, abrangendo qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, tanto pessoais como patrimoniais, incluindo aqueles direitos que lhes são análogos, nos termos do artigo 17.º da CRP, relevando, ainda, a este propósito, que se traduza num direito, liberdade e garantia que se encontra suficientemente densificado e concretizado na CRP ou na própria lei.
Exige-se, quanto a este pressuposto, a alegação e concretização pelo interessado dos concretos factos que sustentam a ameaça ou a lesão do direito invocado.
Em segundo lugar, exige-se a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade e garantia invocado. Ao contrário de outros processos urgentes em que a urgência é, desde logo, assumida e ficcionada pelo legislador (a título de exemplo, a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões ou o contencioso pré-contratual), na presente intimação a urgência deve ser concreta, sendo acrescido o ónus do interessado em alegar e demonstrar essa mesma urgência. Não se olvide a subsidiariedade deste meio processual que apenas consente a sua utilização no caso de falência das vias normais de reacção.
Por fim, acoplada à urgência concreta que possa ser invocada, encontra-se a exigência da demonstração da insuficiência ou possibilidade do decretamento de uma providência cautelar nas circunstâncias do caso concreto. O legislador, ao remeter para o decretamento da providência cautelar reforça a subsidiariedade desta intimação, pois aquele decretamento afigura-se como o meio mais célere de obtenção de uma decisão no seio da tutela cautelar. O juízo que deve ser feito passa por analisar se a tutela no caso concreto se basta com uma decisão célere, mas provisória/precária ou se, pelo contrário, exige uma decisão célere que resolva definitivamente a questão.

Quanto ao processo cautelar não ser apto a proteger o direito invocado pelo Recorrente é o próprio que o assume no presente recurso (conclusões 30ª, 31ª e 38ª).

Atendendo ao exposto, cumpre verificar se estão reunidos os requisitos para o uso da intimação ora proposta pelo Recorrente, os quais são de verificação cumulativa, analisando, pois, o requisito da existência de uma lesão de um direito, liberdade e garantia que imponha uma decisão urgente e definitiva.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, 2021, p. 931, citando Jorge Reis Novais, “…o pressuposto da existência de um direito, liberdade ou garantia para efeitos de justiça administrativa define-se, portanto, em função destes critérios: há lugar para recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias desde que, verificados os restantes pressupostos, se trate de um direito fundamental em sentido material, portanto, um direito da maior relevância material, e, além disso, tenha um conteúdo normativo tão precisamente determinado (pela Constituição e/ou pela lei) que permita a intervenção do juiz administrativo sem perda ou afetação da separação de poderes própria do Estado de Direito".
Afirmam também os mesmos Autores, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in obra citada, p. 883, À partida, o preenchimento deste requisito [é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício] pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”
Do que antecede ressalta que não basta a invocação de qualquer direito, liberdade, ou garantia, é pressuposto que esse tenha uma dimensão suficientemente concretizada para que o Tribunal possa, sem violação do princípio de separação de poderes, intimar a Administração a uma prestação de facere ou non facere.
O Recorrente nas conclusões recursivas pretende, sobretudo, refutar o decidido pelo Tribunal a quo, invocando, designadamente, que nos artigos 20º e 21 do requerimento inicial indica factos relevantes para aferir da urgência e indispensabilidade do uso da presente intimação (v.g conclusão 16ª).
Todavia, compulsado o mesmo, é evidente que o faz de forma abstrata e conclusiva, sem a indicação de quaisquer factos ou circunstâncias específicas, como se transcreve:

“20.
Como a falta de decisão do pedido do Requerente por parte da AIMA lesa seriamente os direitos constitucionais básicos do Requerente, desde logo, os seus direitos à identidade pessoal e cidadania (artigo 26.º da CRP), à liberdade (artigo 27.º da CRP), de deslocação e de emigração (artigo 44.º CRP) e equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais (artigo 15.º, n.º 1 CRP), bem como o seu direito à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação (artigo 26.º, n.º 1, da CRP e artigo 6.º, n.º 1 do CPA),
21.
A violação do dever de decisão por parte da AIMA viola, ainda, direitos consagrados em instrumentos de direito internacional, tais como, o direito à liberdade e à segurança (artigo 6.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), o direito a uma boa administração (artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), o direito a um processo equitativo (cfr. Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos), bem como o direito à liberdade (artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos), o direito à livre circulação (artigo 13.º DUDH) e o direito ao recurso efetivo contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei (artigo 8.º DUDH)”.

Invoca, ainda que sempre se tratariam de factos notórios (art. 412º do CPC), que o Tribunal deveria ter conhecido oficiosamente (conclusão 17ª).

Todavia, como se extrai dos citados artigos do r.i., daqueles não constam quaisquer factos, mas meras conclusões jurídicas.

Além de que, como expressivamente nos diz Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol III, pág. 261) somente seriam "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação", o que não corresponde manifestamente à alegação em apreço.

Nem se invoque, como pretende o Recorrente, o tempo médio de decisão nos processos que correm nos Tribunais administrativos, de modo a justificar o uso da presente intimação, pois é uma nova questão (conclusão 36ª) que não foi invocada na petição inicial.

Logo, este Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis - cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139.
Sendo esta uma matéria nova e sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou nem é de conhecimento oficioso, nem foi invocada qualquer nulidade por omissão de pronúncia, não cabe a este Tribunal de apelação conhecer.

Prosseguindo;
Ao contrário do que defende o Recorrente, o direito do interessado à iniciativa procedimental não detém, por si só, a natureza de direito fundamental nos termos e para os efeitos do artigo 17º da CRP, que determina a aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias (título II da Parte I da CRP) aos direitos fundamentais de natureza análoga.
Com relevo, importa considerar o disposto no artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), incluído no conjunto dos princípios gerais da actividade administrativa, que se aplicam a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada (artigo 2.º, n.º 3 do CPA), que tem como epígrafe “Princípio da decisão”, mas que encerra dois deveres, desse modo qualificados pelo legislador: o dever de pronúncia, contido no seu n.º 1 e o dever de decisão, regulado no seu n.º 2.
Decorre do artigo 13.º do CPA que os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos que sejam da sua competência que lhe sejam apresentados pelos particulares em defesa de interesses pessoais ou de interesses metaindividuais, de modo que “não assiste à Administração qualquer «discricionariedade de silêncio»”, J. M. Sérvulo Correia, “O incumprimento do dever de decidir”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 54, Novembro/Dezembro, CEJUR, Braga, 2005, pág. 8.
O dever de pronúncia ou de resposta corresponde a um dever de natureza constitucional, com previsão no artigo 52.º da CRP, bem como no artigo 268º, nºs 1 e 2 da mesma Lei Fundamental, cujos prazos foram nomeadamente previstos no artigo 86º, nº 1 do CPA, mas que não abrange o prazo para decisão no procedimento (parte inicial do art. 86º).
Donde, o dever de decisão, que ora verdadeiramente se coloca, é procedimental e existe quando o pedido é formulado tendo em vista a defesa de interesses próprios, tendo por objecto o exercício de uma competência jurídico-administrativa concreta, de aplicação da lei à situação jurídica do requerente.
Acresce que, a violação dos prazos procedimentais, salvo norma especial, são meramente orientadores sem preclusão da prática de acto ulteriormente pela entidade administrativa, quando e se ultrapassados, podem originar o direito à tutela judicial, designadamente através da acção de condenação à prática de acto devido (vide art. 66º do CPTA) ou reagir administrativamente contra a omissão ilegal de actos administrativos, nos termos do artigo 184º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPA, mediante reclamação ou recurso. Estando, portanto, assegurada a garantia constitucional tal como consagrada no artigo 268º, nº 4 da CRP.
Alude o Recorrente que ”No caso em apreço, a ausência de decisão por parte da Ré traduz-se na falta de título de residência que permita ao Autor residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH)” (conclusão 18ª).

Todavia, trata-se, mais uma vez, de uma formulação abstracta dos efeitos derivados da lei, sem qualquer indicação de uma situação específica que onere ou lese o Recorrente ou a sua família decorrente da omissão (atempada) de decisão, que exija a intimação do Recorrido nos termos por si pretendidos. Porquanto, embora a demora na decisão contenda, potencialmente, com direitos, liberdades e garantias, mormente pela impossibilidade de exercício de direitos cívicos, neste caso tal não vem alegado/concretizado, sequer.

Como ante se expôs e resulta do alegado, o Recorrente não se encontra a residir em Portugal nem está impedido de entrar no país. Também não invoca estar separado ou impedido de viver com os restantes membros da família (cônjuge) ou de esta aceder à educação, cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência actual.
Sucede que, como reconhece, o Recorrente e sua família não residem em território nacional. Por conseguinte, não pode usufruir dos direitos atribuídos aos cidadãos portugueses, incluindo os direitos, liberdades e garantias, correlativamente não pode invocar a violação de direitos associados à efectiva permanência e residência no território nacional. O Recorrente tem nacionalidade norte americana e residência nos Estados Unidos da América (Cfr. requerimento inicial, procuração apresentada) pelo que não beneficia do princípio da equiparação, previsto no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual os «estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português».
Este tem sido o entendimento deste TCA Sul, em vários arestos, nomeadamente os aludidos na sentença recorrida:
“ (…) o Requerente não é titular dos direitos, liberdades e garantias a que se arrogam – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7BELSB, e de 23-05- 2024, proferido no processo n.º 155/24.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt.
Veja-se, com detalhe, o doutamente sumariado no processo 3595/23.7BELSB:
“I - Para se darem por verificados os pressupostos [adjectivos/processuais] da admissibilidade desta acção principal, excepcional e urgente, impunha-se que os Recorrentes na petição tivessem alegado factos que permitissem concluir que o uso de uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, associado a uma providência cautelar, não seria suficiente a assegurar o exercício dos direitos fundamentais ou análogos que invocam, em tempo útil. Ou dito de outro modo, o respectivo exercício seria frustrado antes de poder obter decisão judicial não urgente;
II - Como cidadãos nacionais e residentes nos EUA é nesse país que têm a sua vida pessoal, familiar e profissional organizada e exercem os direitos que lhe são inerentes ou relacionados. Nada do que alegaram na petição, de forma genérica e conclusiva, permite afirmar que se verifica a exigida lesão iminente e irreversível dos vários direitos que referem, nem que seja indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil;
III - A circunstância de terem investido em Portugal confere-lhes, nos termos da legislação aplicável, o direito a requerer junto das autoridades portuguesas ARI e, não sendo por estas observados os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, têm também ao seu dispor os meios judiciais de reacção junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro em idêntica situação, os quais poderão ser urgentes ou não, consoante a causa de pedir e pedidos formulados;
IV - O que não significa que possam beneficiar do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º da CRP, cujo nº 1 dispõe: “1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”, precisamente quanto aos direitos que dependem da efectiva presença ou residência em Portugal, onde o exercício do direito invocado se encontra ameaçado.”

Nem se invoque, como pretende o Recorrente, o Acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de Junho, proferido no processo n.º 741/23.4BELSB. Porquanto, de modo a estabilizar a jurisprudência foi admitido, por Acórdão da Formação de Apreciação Preliminar do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.01.2025, no Proc. nº 2077/24.4BELSB, o recurso de revista, onde se adiantaram, para o efeito, os seguintes fundamentos: “(…) a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido do «indeferimento liminar» da pretensão dos autores por falta de preenchimento, no caso, dos requisitos da urgência e da indispensabilidade do meio processual utilizado, ao que tudo indica conjuga-se mal com o já decidido por este Supremo Tribunal em aresto tirado em formação alargada - Ac STA de 06.06.2024, processo n°0741/23.4BELSB. Por este essencial motivo importará revisitar a decisão recorrida, de forma a clarificá-la, e a solidificá-la, visando - eventualmente - uma melhor decisão de direito e a iluminação de decisões futuras semelhantes. (…)”».

Em conformidade, naqueles autos, veio a ser prolatado o recente Acórdão daquele Colendo Tribunal, de 13.03.2025, acessível in www.dgsi.pt:
“…Assim, para decidir a idoneidade do meio processual utilizado pelos Autores, importa analisar a específica situação dos autos - “é sempre a partir do caso concreto e do alegado na p.i. que o juiz a quo, para efeitos do despacho liminar, perscruta a existência, ou não, de fundamentos factuais que justifiquem a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação” [ac. TCA Sul de 19/03/2024, P. 3760/23.7BELSB ] - aferida em função do pedido e da concreta factualidade que os Autores alegaram na petição inicial para consubstanciar a respetiva causa de pedir.
Efetivamente, segundo cremos, para o acionamento da tutela prevista no art. 109º do CPTA, não basta que os Autores aleguem a existência de violação de direitos, liberdades e garantias pessoais, nem que apelem a anteriores decisões jurisprudenciais para sustentar genericamente a adequação desta tutela, descurando por completo as concretas circunstâncias do seu caso.
De acordo com as regras gerais em matéria de alegação e prova constantes dos arts. 5º do Cód. Proc. Civ. e 342º do Cód. Civil, competia aos Autores alegar, além do mais, factos concretos – nas circunstâncias do caso - suscetíveis de revelar o preenchimento daquele pressuposto da indispensabilidade.
Na nossa perspetiva impunha-se que os Autores, no requerimento inicial, tivessem alegado factos que permitam concluir que o exercício dos seus direitos ficaria inutilizado antes de poder obter decisão judicial em ação não urgente associada ao pedido de uma providência cautelar.
A indispensabilidade seria aferível pela iminência, a imediata perceção de uma violação que está a ocorrer ou em vias de ocorrer.
Como tal, teriam os Autores que fazer constar no requerimento inicial factos suficientemente densificados que demonstrassem tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados que, a não ser travada pelo processo de intimação, já não será possível ou suficiente para impedir a ocorrência dessa lesão o decretamento de uma providência cautelar, ainda que provisoriamente, nos termos conjugados dos artigos 110º-A, nº 2, e 131.º do CPTA (ex: um evento concreto, com data marcada, que não possam realizar ou em que não possam participar se não forem ordenadas as providências requeridas).
Todavia limitaram-se a argumentar, de forma vaga, imprecisa e genérica uma afetação do “direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia e de equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15º nº 1 da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação”, olvidando alegar factos concretos que evidenciem ser indispensável o recurso ao processo de intimação.
Na verdade, conforme resulta das alegações de recurso, os próprios Recorrentes partem da premissa de que a falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só 9 por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
Deste modo, e admitindo-se embora que o facto de os Recorrentes não terem obtido decisão no procedimento de obtenção de ARI e, consequentemente não lograrem conseguir a emissão de título/cartão de residência poderá, em abstrato, contender com o exercício de direitos, liberdades e garantias que invocam, falhando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e, por inerência, da urgência, resulta a falta de idoneidade do meio processual utilizado, razão pela qual a decisão de rejeitar liminarmente o requerimento inicial nos parece acertada.
Veja-se, no sentido que propugnamos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/07/2024 proferido no processo nº 3760/23.7BELSB, que se debruça sobre situação idêntica à do presente caso, onde se pode ler:
“No caso vertente, conforme o que foi julgado pelas instâncias, os ora recorrentes não alegaram qualquer facto concreto que evidencie ser indispensável o recurso ao processo de intimação, ou seja, em termos factuais, não transparece do requerimento inicial nem das conclusões de recurso – designadamente das conclusões 31 a 44, 46 e 47 –, qualquer lesão séria ou ameaça de lesão dos direitos que invocam.
Com efeito, os recorrentes não se encontram a residir em Portugal nem impedidos de entrar no país e também não invocam estarem separados ou impedidos de viver em família ou de acederem a cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência atual. Também não se mostra posto em causa o direito de propriedade sobre o bem imóvel que adquiriram em Portugal.
(…) A situação é, assim, muito diferente da que esteve na base do decidido, em formação alargada, no Ac. STA [FA], de 6.06.2024, P. 741/23.4BELSB.
(…) Com efeito, as instâncias, pelas razões anteriormente expostas, entenderam – e bem – que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é o meio adequado para tal, quando a referida inércia administrativa, segundo o alegado pelo requerente não o deixe numa situação em que um seu direito liberdade ou garantia esteja a ser lesado ou fique na iminência de ser lesado, tornando-se indispensável e urgente para evitar ou eliminar tal lesão continuada tutelá-lo a título principal (e não meramente cautelar).»
21. Assim sendo, bem decidiram as instâncias ao julgarem que a ação de “Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias” não é o meio adequado para reagir perante a identificada inércia administrativa, soçobrando todos os fundamentos de recurso invocados pelos Recorrentes, impondo-se confirmar o acórdão recorrido”.

Donde, de acordo com a citada jurisprudência e tal como se decidiu na sentença recorrida, inexistem no caso em apreço, quaisquer elementos que impunham o direito célere a uma decisão administrativa em tempo útil para operacionalizar direitos fundamentais, tal como previsto para a presente intimação falhando, assim, os pressupostos inerentes ao uso deste específico meio processual.
O que conduz ao não provimento do recurso, como se decidirá a final.


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Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.

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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:
- ordenar o desentranhamento dos documentos juntos com as alegações;
- negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
R.N.
Lisboa, 25 de Setembro de 2025

Ana Cristina Lameira (Relatora)
Ricardo Ferreira Leite
Mara de Magalhães Silveira