Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 843/20.9BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/07/2024 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | CESE RECURSO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL REFORMA DO ACÓRDÃO JUROS INDEMNIZATÓRIOS |
| Sumário: | I - Tendo o Tribunal Constitucional, julgado inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP, o artigo 2.º, alínea d), do Regime Jurídico da CESE, há que proceder à reforma do Acórdão, ao abrigo do consignado nº 2, do artigo 80.º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. II - O juízo de inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea d), do Regime Jurídico da CESE, por violação do artigo 13.º da CRP, decretado nos moldes expendidos no Acórdão do TC, implica que a liquidação impugnada fique sem suporte normativo, o que determina a sua anulação. III - Resultando provado nos autos que foi realizado o pagamento voluntário da CESE, respeitante ao ano de 2019, são, pois, devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º, nº3, alínea d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo e nos termos plasmados no citado artigo 61.º, nº5 do CPPT. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO
R… – ARMAZENAGEM, S.A veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve o ato tributário de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), referente ao ano de 2019, no valor total de €1.585.986,61. A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A. A Recorrente não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (mais uma vez, o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por suficientemente demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, não está por enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido. E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais. G. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. H. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. I. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. J. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos. K. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. L. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. M. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. N. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), O. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades-como a Recorrente – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). P. Por fim, a inconstitucionalidade material da CESE, e a violação de lei de valor reforçado, decorrem, ainda, da violação do princípio da discriminação orçamental, o qual resulta do disposto no artigo 105.º da CRP, e, bem assim, da regra da especificação orçamental, prevista pelo disposto no artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental – Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro –, os quais impõem que haja uma suficiente individualização das receitas e despesas previstas no Orçamento do Estado, o que inquina o ato de liquidação controvertido de inconstitucionalidade, indireta que seja, e de ilegalidade abstrata. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, com todas as consequências legais.” *** A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** A 06 de dezembro de 2022, foi prolatado Acórdão por este TCAS, que negou provimento ao recurso, tendo, por seu turno, sido interposto recurso jurisdicional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, para o Tribunal Constitucional. Em resultado da interposição do aludido recurso jurisdicional, a 20 de junho de 2024, foi prolatado Acórdão (processo nº 21/2023), cujo dispositivo se transcreve infra: a) julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019); b) julgar procedente o recurso, determinando a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, a fim de que este proceda à reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo positivo de inconstitucionalidade.” *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, reformando a decisão em conformidade com o citado Acórdão do Tribunal Constitucional e com o juízo positivo de inconstitucionalidade. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: Com interesse para a apreciação do mérito da causa, dão-se como provados os seguintes factos: “1) R… Armazenagem, S.A., ora impugnante, tem sede em território nacional e desenvolve a atividade de armazenamento subterrâneo de gás natural e acessoriamente, a de construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias à sua atividade, de acordo com a concessão de serviço público de que é titular, regulada nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro e o Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho – facto não controvertido e cfr. informação constante do documento 1 da reclamação graciosa, de fls. 440 a 455 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 2) No dia 30 de outubro de 2019, a impugnante efetuou a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (“CESE”) n.º 27000004860, no montante de € 1.585.986,61, com referência ao período de 2019 – cfr. documento 1 junto com a reclamação graciosa, de fls. 440 a 455 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 3) No dia 31 de outubro de 2019, a impugnante procedeu ao pagamento voluntário da autoliquidação referida em 2), no montante de € 1.585.986,61 – cfr. documento n.º 2 junto com a reclamação graciosa, de fls. 440 a 455 da paginação eletrónica; 4) No dia 27 de fevereiro de 2020, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação referida em 2) junto do Serviço de Finanças de Pombal - cfr. documento de fls. 255 e seguintes da paginação eletrónica (processo administrativo); 5) Através do ofício n.º 1953, de 5 de junho de 2020, enviado por correio registado sob o n.º RF551165585PT, a impugnante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 dias – cfr. documento de fls. 458 a 472 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 6) A impugnante não exerceu o direito de audição – facto não controvertido e cfr. informação constante de fls. 475 a 482 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 7) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 6 de julho de 2020 – cfr. documento de fls. 475 a 482 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); *** O Tribunal a quo considerou como factualidade não provada: “Com relevância para a decisão de mérito, inexistem factos não provados.” *** No concernente à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte: “Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes não só dos presentes autos, mas também do Processo Administrativo, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conformou com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve o ato tributário de autoliquidação da CESE, referente ao ano de 2019, no valor total de €1.585.986,61. Conforme já evidenciado anteriormente, foi primeiramente prolatado Acórdão por este TCAS que negou provimento ao recurso, perfilhando e aderindo, designadamente, à doutrina vertida nos Acórdãos proferidos pelo STA, mormente, nos Acórdãos prolatados nos processos com os números: 0810/18, de 02.02.2022, 01471/17, de 10.11.2021, 01587/18, de 08.09.2021, 0545/19, de 08.08.2021 e 0387/17, de 16.09.2020, e bem assim deste TCAS proferidos no âmbito dos processos nºs 1034/18, de 14 de janeiro de 2021, 322/19, de 17 de setembro de 2020, 536/17, de 30 de setembro de 2020, 1540/18, de 11 de novembro de 2021, nº 2251/18, de 15 de dezembro de 2021, 1474/17, de 13 de janeiro de 2022 e 1388/18, de 24 de fevereiro de 2022, 1476/17, de 10 de novembro de 2022, apelando, outrossim, ao preceituado no artigo 8.º, nº 3 do CC. Contudo, na sequência da interposição do competente recurso jurisdicional o Tribunal Constitucional, mediante Aresto prolatado a 20 de junho de 2024, julgou inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP, o artigo 2.º, alínea d), do Regime Jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019), competindo, ora, proceder à sua reforma. Nesta conformidade, e ao abrigo do consignado nº 2, do artigo 80.º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC), cumpre reformar a decisão em conformidade com o julgamento positivo de inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea d), do aludido Regime Jurídico da CESE, por violação do artigo 13.º da CRP. Face ao exposto, procede-se à aludida reforma, mediante apelo à fundamentação jurídica nele vertida, e que se extrata na parte que, ora, releva e infra se transcreve: “[a] partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a que diz respeito a norma sindicada no presente recurso. Destarte, o juízo de inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea d), do Regime Jurídico da CESE, por violação do artigo 13.º da CRP, decretado nos moldes expendidos anteriormente, implica que a liquidação impugnada fique sem suporte normativo, o que determina a sua anulação. E por assim ser, há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, e restituição da quantia indevidamente paga. Aqui chegados, subsiste apenas por analisar o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Comecemos por estabelecer o respetivo enquadramento normativo. O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT. Dispõe, neste âmbito, o artigo 43.º da LGT, com a redação, à data aplicável, que: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.” Mais preceituando o artigo 61.º do CPPT, que: “1 - O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades: a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; b) Pela entidade que determina a restituição oficiosa dos tributos, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição; c) Pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento; d) Pela entidade competente para a decisão sobre o pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, quando não seja cumprido o prazo legal de revisão do ato tributário. 2 - Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar. 3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respetivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo. 4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea. 5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos. 6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, pode o interessado reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no n.º 1, no prazo de 120 dias contados da data do conhecimento da nota de crédito ou, na sua falta, do termo do prazo para a sua emissão. 7 - O interessado pode ainda, no prazo de 30 dias contados do termo do prazo de execução espontânea da decisão, reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios no caso da execução de uma decisão judicial de que resulte esse direito. 8 - O pagamento de juros indemnizatórios não está sujeito a impulso processual da iniciativa do contribuinte.” Daqui resulta, portanto, que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos. Sendo que, em regra, e de harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios: a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; Contudo, in casu, a anulação da (auto)liquidação aqui impugnada, como visto, CESE do ano de 2019, não deriva de “erro imputável aos serviços”, mas sim de um juízo de inconstitucionalidade, subsumindo-se na alínea d), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT. Com efeito, essa norma foi introduzida pela Lei 9/2019, de 01 de fevereiro, consagrando, por seu turno, o artigo 3.º da citada Lei, que a aludida redação se aplica às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 01 de janeiro de 2011. Ora, face a todo o expendido anteriormente, resultando provado nos autos que foi realizado o pagamento voluntário da CESE, respeitante ao ano de 2019, no dia 31 de outubro de 2019, são, pois, devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º, nº3, alínea d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo e nos termos plasmados no citado artigo 61.º, nº5 do CPPT. *** No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, nos encontramos perante uma reforma em função de um juízo positivo de insconstitucionalidade, sendo que ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo acarretando, assim, diminuta complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em: conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios desde 31 de outubro de 2019, até à data do processamento da respetiva nota de crédito. Custas a cargo da Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00. Registe. Notifique. Lisboa, 07 de novembro de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Maria da Luz Cardoso) (Vital Lopes) |