Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 3694/23.5BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 03/19/2024 |
Relator: | LINA COSTA |
Descritores: | IDLG ARI PRESSUPOSTOS |
Sumário: | I - O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias; II - O Recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência para investimento [ARI], na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido para o efeito, sem alegar factos demonstrativos da exigida especial urgência em obter decisão judicial definitiva de intimação da Administração a adoptar ou omitir a conduta necessária a assegurar em tempo útil o exercício do direito fundamental alegadamente ameaçado, pelo que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido, eventualmente associada a providência cautelar, significando que não se verificam os pressupostos para o uso desta acção de intimação. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: V…, nacional da República Federal da Rússia e residente em Moscovo, identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 27.10.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial. Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «1. A douta sentença recorrida veio julgar liminarmente indeferida a acção intentada contra Ministro da Administração Interna, Ministério da Administração Interna, atenta a preterição do requisito da indispensabilidade previsto no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA; 2. Não se conformando o aqui Recorrente com a douta sentença recorrida, nomeadamente na parte em que considerou não verificado o requisito da indispensabilidade consagrado no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA, e mantendo o ora Recorrente a sua convicção de que existem nos autos elementos, quer de facto, quer de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, vem o ora Recorrente pugnar pela alteração da matéria de direito; 3. Veio o Recorrente, através da presente intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, requerer a intimação da entidade requerida a: a) Proceder à pré-aprovação do respectivo pedido de concessão ARI, nos termos do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, bem como do pedido de reagrupamento familiar ao abrigo do artigo 98.º, n.º 2 da mesma Lei; b) Proceder ao agendamento junto do SEF para entrega dos dados biométricos do Requerente e seus familiares. 4. Uma vez que, desde a data do pedido de concessão do pedido ARI (29/12/2021) até à presente data, o processo de candidatura ARI não mereceu qualquer desenvolvimento; 5. Sendo certo que, e nos termos do artigo 86.º, n.º 1 do CPA dispunha o SEF de 10 (dez) dias para proceder à tramitação do referido processo ARI - cfr. jurisprudência do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Juízo Administrativo Comum, Unidade Orgânica 1, processo n.º 2122/23.0BELSB; 6. Sucede, porém, que, volvidos cerca de 378 (trezentos e setenta e oito) dias úteis, o Recorrente não logrou sequer completar a tramitação prévia, tão pouco formalizar a respectiva candidatura; 7. Resultando, assim, dos autos que o prazo de que o SEF dispunha para tramitar o processo ARI do ora Recorrente se mostra largamente ultrapassado, nos termos do artigo 86.º, n.º 1 do CPA; 8. O incumprimento dos prazos administrativos, por parte do SEF, constitui a violação dos artigos 2.º, 52.º e 266.º da CRP; 9. O presente meio processual, regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, constitui um processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5 da CRP; 10. Tem a jurisprudência dos tribunais administrativos superiores considerado o mecanismo processual intimatório para a proteção de direitos, liberdades e garantias como o meio processual idóneo a compelir a Administração a emitir decisão definitiva sobre a pretensão de concessão de autorização de residência, nos casos em que os prazos procedimentais se mostram longamente ultrapassados; 11. A título exemplificativo veja-se os Acórdãos proferidos pelo Tribunal Administrativo Central Sul no âmbito do processo n.º 872/22.8BELSB em 17/11/2022 e do processo n.º 661/22.0BELSB em 29/11/2022; 12. Para além da jurisprudência citada, e novamente a título de exemplo, foi decidido no âmbito dos processos de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias n.º 3155/23.2BELSB, 877/23.1BELSB, 1079/23.2BELSB, 1124/23.1BELSB, 1334.23.1BELSB, 2122/23.0BELSB e 3194/22.0BELSB proferidos pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que o meio idóneo para salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias é o meio processual previsto no artigo 109.º do CPA; 13. De facto, o comportamento da Administração configura a violação de uma série de direitos fundamentais como o direito à petição, o direito à informação procedimental e à decisão procedimental em prazo razoável; 14. Importando sublinhar que, o direito de petição, o qual decorre directamente do artigo 2.º da CRP, encontra-se acessível aos estrangeiros que dele necessitem para defender direitos que a lei lhes confere (por força do princípio da equiparação plasmado no artigo 15.º da CRP); 15. Face ao que antecede, e s.m.o, a sentença recorrida ao decidir como decidiu veio contrariar a evolução jurisprudencial quanto ao tema em análise; 16. A violação do dever de decisão põe em causa o exercício de vários direitos consagrados na Lei Fundamental; 17. Conforme resulta da factualidade já carreada para os autos, o Recorrente pretende que o território nacional venha a ser o centro da sua vida e dos seus familiares; 18. Pretendendo, desde logo, aqui fixar residência e aqui desenvolver todas as componentes relacionadas com a sua vida pessoal, familiar e profissional; 19. A circunstância de não conseguir ver regularizada a sua situação num Estado estrangeiro e viajar sem limitações, afronta a própria identidade pessoal, a liberdade individual, bem como a segurança jurídica – artigos 26.º e 27.º da CRP, respectivamente; 20. O que colide com o direito a entrar e permanecer em território nacional, previsto no artigo 44.º da CRP; 21. Não pode o Recorrente conceder que, volvidos mais de dois anos e meio, o rumo da sua vida e do projecto que, há precisamente dois anos e meio, traçou para si e para os seus possa ficar comprometido e “em espera” pela ineficácia de um serviço administrativo; 22. Não fosse a delonga incorrida pelo SEF, o Recorrente já circularia livremente pelo território nacional; 23. Não podemos olvidar que, neste momento, o SEF dita o rumo e os trâmites da vida pessoal, profissional e familiar do Recorrente; 24. Limitando-o na sua liberdade individual, profissional e familiar! 25. O pedido de reagrupamento familiar requerido pelo Recorrente, nos termos do artigo 98.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, mais não é do que um afloramento do direito à família previsto constitucionalmente no artigo 67.º da CRP; 26. A autorização de residência para si e para os seus familiares, comprometerá irremediavelmente a estabilidade no seu seio familiar; 27. Toda a incerteza e imprevisibilidade decorrentes da inação, por parte do SEF, na concessão de títulos de residência ARI aos reagrupados, defraudaram as reais e concretas expectativas que o aqui Recorrente legitmamente gerou para a sua vida pessoal, familiar e profissional para os próximos anos; 28. De facto, a legalização da permanência do Recorrente no nosso território, é condição sine qua non para que consiga uma regular integração no mercado de investimento e de trabalho, de forma igualmente legal, e para que beneficie dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e família; 29. A omissão de decisão da entidade administrativa, impossibilita o Recorrente de beneficiar da aplicação do princípio da equiparação, ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, estando em causa o seu direito à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, bem como o seu direito à família – cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Novembro de 2022, no âmbito do processo n.º 661/22.0BELSB; 30. A conduta incorrida pelo SEF – de inércia – tem repercussões graves e evidentes na vida do Recorrente, acabando por violar e restringir uma série de direitos, liberdades e garantias com expressão constitucional; 31. Sendo, assim, inegável que o pedido se circunscreve ao presente meio processual, na medida em que o Recorrente invoca a violação desses mesmos direitos, liberdades e garantias; 32. Mas ainda, no caso em apreço e atendendo à factualidade carreada para os presentes autos, é incontestável que se encontram preenchidos todos os requisitos de que depende o decretamento da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, mormente o requisito da indispensabilidade previsto no artigo 109.º, n.º 1 do CPTA; 33. Efectivamente, a pretensão do aqui Recorrente não se poderá compadecer com mais delongas; 34. A decisão a proferir quer-se urgente e definitiva, de maneira a assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos, liberdades e garantias aqui invocados; 35. Carecendo o Recorrente de uma decisão urgente e definitiva que lhe permita prevenir e reprimir a ameaça iminente aos seus direitos, liberdades e garantias; 36. Volvidos mais de dois anos desde o investimento realizado, é inegável que o ora Recorrente perdeu e continua a perder faculdades inerentes aos exercício dos direitos em análise; 37. Mais, encontra-se o Recorrente impedido de levar a cabo uma vida privada, familiar e profissional “normal”, atenta a imprevisibilidade quanto à possibilidade de permanência e residência em Portugal; 38. Não sendo, por isso, e uma vez que já se encontram em standby há mais de dois anos e meio, possível salvaguardar os direitos, liberdades e garantias invocados pelo Recorrente com uma qualquer acção principal de carácter não urgente; 39. O processo não urgente - acção de condenação à prática de acto devido ou a acção de condenação à adopção de comportamento (cfr. artigos 66.º a 71.º do CPTA) – não permitiria acautelar os direitos, liberdades e garantias aqui invocados, na medida em que a sua delonga iria resultar num prejuízo irreparável para o Recorrente; 40. Ao contrário do que a douta sentença recorrida considerou, do requerimento inicial apresentado vislumbra-se que o adiamento deste processo de espera que vem tendo lugar desde que apresentou requerimento no SEF, está a pôr em causa, de forma irremediável, intolerável e iminente uma série de direito, liberdade ou garantia com expressão constitucional; 41. Sendo certo que, também o requisito da subsidiariedade que decorre do artigo 109.º, n.º 1, se encontra verificado; 42. Na medida em que, os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, não consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, por esta conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por levar ao esgotamento da respectiva acção principal – cfr. Acórdão proferido no processo n.º 661/22.0BELSB, de 22 de Novembro de 2022, pelo Tribunal Central e Administrativo Sul; 43. De facto, e salvo melhor e douto entendimento em contrário, mal andou o Tribunal a quo ao considerar não aplicável ao caso concreto o meio processual previsto no artigo 109.º, nº 1 do CPTA; 44. Ao decidir como decidiu, pela inobservância do requisito da indispensabilidade, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 109.º, n.º 1, 17.º e 20.º da CRP, e bem assim nos artigos 90.º-A, n.º 1 e 98.º, n.º 2 Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho e 86.º, n.º 1 do CPA; 45. E, consequentemente, os direitos, liberdades e garantias do Recorrente previstos nos artigos 2.º, 15.º, 27.º, 44.º, 52.º, 67.º e 266.º da CRP; 46. É incontestável que, a presente intimação é o meio processual idóneo a compelir a entidade requerida à prática do acto administrativo legalmente devido, que, in casu, consiste na fixação da data para entrega dos dados biométricos do Recorrente e dos reagrupados, com vista à emissão dos respectivos títulos de residência; 47. Nestes termos, e ao abrigo do artigo 10.º alínea a) da Portaria n.º 324-A/2023, de 27 de Outubro, deverá a AIMA proceder à pré-aprovação do pedido de concessão ARI nos termos do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, bem como do pedido de reagrupamento familiar; 48. Determinando-se, em consequência, que a AIMA diligencie pelo agendamento de uma data para entrega dos dados biométricos do Recorrente e dos reagrupados.». O Recorrido não contra-alegou. O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso. Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia àqueles do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento. A questão suscitada pelo Recorrente delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir rejeitar a petição de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do artigo 109º do CPTA. A sentença recorrida não fixou factos provados, mas sintetizou a factualidade alegada na petição como se passa a reproduzir ipsis verbis: «(i) no dia 29 de dezembro de 2021, o Requerente formalizou, através da plataforma online do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras1 (doravante “SEF”), a sua candidatura à concessão de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (doravante “ARI”), ao abrigo do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4/7; (ii) a 24 de janeiro de 2022, apresentou, junto do SEF, e ao abrigo do artigo 98.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, um pedido de reagrupamento familiar do seu cônjuge e do seu filho; (iii) o SEF não praticou qualquer ato em relação aos referidos pedidos; (iv) o silêncio do SEF comprometeu, compromete e continuará a comprometer a sua vida pessoal, familiar e profissional, uma vez que almeja que Portugal seja o centro da sua vida e da vida da sua mulher e filho; (v) porque o SEF não decidiu os pedidos encontr-se a impossibilitado e limitado nas suas deslocações a Portugal, o que compromete a prossecução da actividade empresarial e de investimento em território nacional; (vi) a incerteza e imprevisibilidade decorrentes da inação, por parte do SEF, na concessão de título de residência ARI, defraudaram as reais e concretas expectativas que legitmamente gerou para a sua vida pessoal, familiar e profissional para os próximos anos; (vii) a imprevisibilidade quanto à concessão dos títulos de residência, impede que possa inscrever os seus filhos numa escola/universidade portuguesa, para que, daí em diante, possam estabelecer-se do ponto de vista escolar e da educação; (viii) a incerteza e a delonga na concessão do título de residência obstam não à efetiva contratação da sua mulher, como também na impossibilidade desta reclamar e reivindicar as devidas condições de trabalho em Portugal; (xix) a inação do SEF viola o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), o direito de petição (artigo 52.º da CRP), o direito à decisão administrativa em prazo razoável, o princípio da boa administração da justiça e o princípio da prossecução do interesse público (artigos 266.º, n.º 1, da CRP, 5.º e 59.º do CPA), o direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP), o direito à entrada em permanência em território nacional e o direito à livre deslocação em território nacional (artigo 44.º da CRP) e o direito à liberdade e seguração (artigo 3.º da DUDH, artigo 6.º da CDFUE e artigo 27.º da CRP).. Da respectiva fundamentação de direito extrai-se o seguinte: E o assim bem decidido é para manter, até porque o Recorrente se limita a discordar do juiz a quo, reiterando os argumentos que expendeu na petição quanto ao preenchimento dos pressupostos do uso da presente acção de intimação que foram apreciados e considerados insuficientes para o efeito na sentença recorrida. Com efeito, para poder fazer uso do meio processual urgentíssimo e excepcional que é a acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não basta, como faz o Requerente/recorrente na acção (e no recurso), alegar que pretende assegurar o exercício em tempo útil dos seus direitos à petição, à informação procedimental, à decisão procedimental em prazo razoável, à entrada e permanência em território nacional, à livre circulação, à família, à integração no mercado de investimento e de trabalho, à segurança, à tranquilidade, à identidade pessoal, etc., que a inércia da Administração em apreciar o seu pedido de ARI não lhe permite, impedindo-o de levar a cabo a sua vida privada, familiar e profissional “normal”, encontrando-se em standby há mais de dois anos, perdendo e continuando a perder faculdades inerentes ao exercício dos direitos alegados, e peticionar a intimação desta à prática do actos devidos de agendamento de data para entrega dos dados biométricos e aprovação do pedido de ARI , bem como de reagrupamento familiar [do cônjuge e filho, que não está identificados como requerentes na acção]. Defende ainda o Requerente/recorrente que a tutela cautelar não seria adequada a salvaguardar os seus direitos, por provisória e poder esgotar o objecto da acção principal.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica. Sem custas. Registe e notifique. Lisboa, 19 de Março de 2024. (Lina Costa – relatora) (Joana Costa e Nora) (Carlos Araújo) |