Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 152/07.9BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 12/05/2024 |
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Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
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Descritores: | SISA CONTRATO PROMESSA TRADIÇÃO |
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Sumário: | I - O artigo 2.º, §1.º, n.º 2, do CIMSISD fala em tradição e não na posse. E deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do CC), ou seja, que não confundiu tradição com posse.
II - Para que haja tradição basta que a coisa fique na disponibilidade do promitente-comprador, que este passe a poder praticar atos possessórios sobre ela, se assim o entender, sendo irrelevante se o faz ou não. III - Resulta suficientemente demonstrado ter ocorrido a tradição do imóvel para a esfera da ora Recorrente se foi pago o seu preço total, se o imóvel estava registado na sua contabilidade na conta de existências e se a própria assumiu ter ficado detentora dos direitos de propriedade sobre o imóvel após a celebração do contrato promessa. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO D......-S........, LDA, com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida em 2 de Outubro de 2012, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto tributário consubstanciado na liquidação de imposto municipal de sisa, e correspondentes juros compensatórios, no montante de € 903.821,79 e € 384.458,56, respectivamente, perfazendo o total de € 1.288.280,35, relativo ao exercício de 1999. A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «I - Tendo em atenção os documentos constantes a fls 20 a 33, a fls 237 a 445, a fls 41 a 140, a fls 237 a 445, todos dos autos, bem como pela análise do depoimento da testemunha A....... - o qual prestou depoimento no dia 17 de dezembro de 2009, depoimento este que teve início às 17h08m e fim às 17h33m, o qual ficou gravado em suporte magnético (CD) entre os 00m00s a 25m40s - e em especial as passagens do aludido depoimento que constam entre os 4m20s e os 5m32 e os 7m04s e os 8m25s, ter-se-á de considerar o facto 9 constante da petição inicial como provado com a seguinte redação: “Os lotes de terreno para construção melhor descritos na alínea a) dos factos provados apenas foram constituídos através do aditamento ao alvará de licença de construção, de 11 de setembro de 2003, pelo que em 26 de abril de 1999 o que existia era tão só um prédio misto que veio dar origem aos terrenos para a construção antes referidos. ” Pelo exposto, a douta sentença padece de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados, devendo ser alterada em conformidade a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto nos artigos 511.°, n.° 1, 690°-A e 712.° n.° 1 a), todos do C.P.C. II - Analisando os documentos constantes a fls 10 a 15, 20 a 33, 41 a 140, 142 a 145 e 147 a 165, bem como examinando os depoimentos das testemunhas. (1) A....... - o qual prestou depoimento no dia 17 de dezembro de 2009, depoimento este que teve início às 17h08m e fim às 17h33m, o qual ficou gravado em suporte magnético (CD) entre os 00rn00s a 25m40s - e, em especial, as passagens do mesmo que constam entre os 8m52s e os 11lm31s; (2) P....... - o qual prestou depoimento no dia 17 de dezembro de 2009, depoimento este que teve início às 17h33m e fim às 17h37m, o qual ficou gravado em suporte magnético (CD) entre os 25m41s a 29m46s - e, em especial, as passagens do mesmo que constam entre os 27m14s e os 29m44s; e (3) J....... -o qual prestou depoimento no dia 17 de dezembro de 2009, depoimento este que teve início às 17h45m e fim às 17h58m, o qual ficou gravado em suporte magnético (CD) entre os 40m14s a 51m54s - e, em especial, as passagens do mesmo que consta entre os 50m19s e os 50m53s. Tememos de concluir que os factos 13, 14 e 15 da petição inicial deverão ser considerados como provados com as seguintes redações: Facto 13.° da petição inicial - A recorrente não fez esta qualquer intervenção ou construção ou praticou qualquer acto que indiciasse ou sugerisse um juízo de propriedade ou posse nos lotes de terreno para construção a que faz alusão a alínea a) dos factos provados. Facto 14.° da petição inicial - A recorrente jamais teve a posse, e menos ainda a propriedade, nem dos lotes a que faz alusão a alínea a) dos factos provados, nem do terreno originário Facto 15 da petição inicial - A posse e propriedade mantiveram-se, com a G........ (proprietária) até à aprovação do loteamento, em 11-09-03 e mesmo depois desta data, até 06-09-04, data em que ocorreu a venda, por aquela dos terrenos urbanos resultantes do primeiro, à sociedade C........, L.da. Pelo exposto, a douta sentença padece de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados, devendo ser alterada em conformidade a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto nos artigos 511.°, n.° 1, 690°-A e 712.° n.° 1 a), todos do C.P.C. III - Tendo em conta os documentos constantes a fls 10 a 15, a 16 e 19, 142 a 145, todas dos autos, bem como pela análise do depoimento da testemunha A....... - o qual prestou depoimento no dia 17 de dezembro de 2009, depoimento este que teve início às 17h08m e fim às 17h33m, o qual ficou gravado em suporte magnético (CD) entre os 00m00s a 25m40s - e em especial as passagens do aludido depoimento que constam entre os 1m43s e os 2m25s, os 11m32s e os 12m00s, os 14m44s e os 18m17s e os 21m54s e os 25m30s, ter-se-á de considerar o facto 19 constante da petição inicial como provado com a seguinte redação: “A cedência de direitos referida na alínea e) dos factos provados não implicou quaisquer ganhos para a D........, uma vez que os cedeu à sociedade C.........., L.DA pelo exato valor da aquisição. “. Pelo exposto, a douta sentença padece de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados, devendo ser alterada em conformidade a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto nos artigos 511.°, n.° 1, 690°-A e 712.° n.° 1 a), todos do C.P.C. IV - Palmilhando a prova constante a fls 10 a 15, 16 a 19, 142 a 145, 146 a 165 dos autos, temos de concluir que o facto 20 da petição inicial deverá ser considerado como provado com a seguinte redação:
A sociedade C.........., L.DA acabou por comprar, em 06-09- 04, os lotes de terreno em causa (em primeira transação) à G........, constando da respetiva escritura que o alvará de loteamento foi emitido pela Câmara Municipal de Loures em 11-09-03. Pelo exposto, a douta sentença padece de erro notório na apreciação da prova e na fixação dos factos provados, devendo ser alterada em conformidade a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do disposto nos artigos 511.°, n.° 1, 690°-A e 712.° n.° 1 a), todos do C.P.C. V - Face à matéria de facto dada como provada e ao enquadramento jurídico da mesma caberá ao Tribunal ad quem solucionar as seguintes questões: (1) Qual é o facto tributário que originou a liquidação sub judice e quais os seus requisitos? (2) Estão preenchidos os requisitos para a aplicação do artigo 2.° §1, n.° 2 do CIMSISSD ? (3) Estão preenchidos os requisitos para a aplicação do artigo 2.° §2 do CIMSISSD ? Analisemos então: VI - Na análise da questão sobre qual é, de facto, o facto tributário que originou a questão sub judice temos de analisar o que consta do douto relatório de inspeção a fls 168 a 208 do processo administrativo. Conforme resulta da alínea o) dos factos provados e das fls 190 a 191 do processo administrativo, a própria Administração Tributária (doravante A.T.) considera que o facto tributário que foi tributado na liquidação sub judice foi a, alegada, tradição do imóvel constante do contrato-promessa a que faz menção a alínea a) dos factos provados. Entendeu à A.T. que o facto da recorrente ter pago a totalidade do preço com a celebração do contrato-promessa consubstanciaria uma tradição do imóvel prometido vender, facto pelo qual entendeu ao abrigo do n.° 2 §1 do artigo 2.° do CIMSISSD, tributar esse mesmo facto e não qualquer outro. Efetivamente, palmilhando a douta liquidação sub judice que se encontra fls 8 e 9 dos autos e a fls 223 e 224 do PAT, constatamos que os próprios juros da liquidação foram calculados, a partir de 26 de abril de 1999, isto é, foram calculados tendo em conta a celebração do contrato promessa de compra e venda a que se faz referência a alínea a) dos factos provados - contrato celebrado entre a recorrente e a sociedade G........ - e não o contrato a que faz referência a alínea e) dos factos provados - contrato celebrado entre a recorrente e a sociedade C.......... - pois este último contrato é de 17 de maio de 1999, pelo que é posterior à data da liquidação dos juros. Assim sendo, salvo melhor e mais douta opinião, dúvidas não temos que o facto tributário que deu origem a liquidação sub judice foi a, alegada, a tradição efetiva de bens imóveis entre a sociedade G........ e a recorrente, sendo que é este, e não outro, o único facto tributário em análise in casu. VII - Quanto à questão de aplicação ao caso sub judice do disposto no artigo 2.° §1, n.° 2 do CIMSISSD, tal como, erradamente, decidiu o Tribunal a quo diremos o seguinte: O artigo 2.° do CIMSISSD refere que a SISA incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis, sendo que o artigo 2.° §1, n.° 2 do CIMSISSD considera, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária, as promessas de compra e venda ou de troca de — bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens. É, assim, essencial para que exista tributação que estejamos perante uma situação em que exista tradição efetiva para o promitente vendedor dos bens prometidos vender Ora, in casu resultou provado dos autos, unicamente, que a recorrente celebrou, em 26- 04-1999, com a sociedade G........ - S........o, L.da. um contrato-promessa de compra e venda. Analisando, detalhadamente, todos os restantes factos que resultaram provados nos presentes autos constatamos que não existe um único facto ou conjunto de factos que permita, ainda que muito tenuemente, concluir que existiu a tradição dos bens prometidos vender ou que a recorrente, por qualquer forma, estivesse a usufruir dos bens objeto da promessa de compra e venda. Pelo contrário, resulta dos factos que nestas alegações se pretendem dar como provados - nomeadamente dos factos 13, 14 e 15 - que quem tinha e sempre teve a posse dos lotes de terreno prometidos vender foi a sociedade G........, pelo menos até à data em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda a que alude a alínea k) dos factos provados. Sem prejuízo do supra alegado, o Tribunal a quo ainda assim, salvo melhor e mais douta opinião, erradamente, concluiu, sem qualquer base factual, que teria existido tradição dos bens objeto da promessa de compra e venda. O facto recorrente ter pago a totalidade do preço dos bens prometidos não permite concluir que esta passou a exercer sobre os bens prometidos vender qualquer posse, pois para tal seria necessário e essencial que se comprovasse, pelo menos, uma de três coisas: (1) que houve a entrega do bem à promitente-compradora; (2) que esta exerceu sobre a coisa prometida vender atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade; ou (3) que houve abandono da coisa pelo transmitente, colocando-a na disponibilidade física do adquirente e dando-lhe assim possibilidade de sobre ela praticar atos possessórios. Pelo contrário, tais requisitos resultam infirmados pelos factos provados constante das alíneas h), i), j) e dos factos 13, 14 e 15 - cuja prova se pretende com as presentes alegações. Todos os factos dados como provados- permitem-nos, de per se e sem qualquer dificuldade, concluir que a sociedade G........ continuou a exercer sobre os aludidos lotes de terreno todos os direitos inerentes aos mesmos, incluindo a posse destes, pelo menos até ao dia 4 de setembro de 2004. Analisando os factos supra referidos e concluímos que: (1) não existe qualquer facto que permita concluir que foi efetuada a entrega do bens à promitente-compradora; (2) não existe qualquer facto que permita concluir que a promitente-compradora exerceu sobre a coisa prometida vender atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade; e (3)não existe qualquer facto que permita concluir que houve abandono da coisa pelo transmitente, colocando-a na disponibilidade física do adquirente e dando-lhe, assim, possibilidade de sobre ela praticar atos possessórios. De facto, não tendo a Administração Tributária provado que a recorrente tinha a posse dos bens imóveis prometidos vender em caso algum poderá considerar-se que estão preenchidos os requisitos para a tributação de SISA à recorrente nos termos do artigo 2.° §1, n.° 2 do CIMSISSD, não goza a Administração Tributária quanto à posse efetiva de qualquer presunção legal. Contudo, embora o ónus de prova quanto à existência de uma posse efetiva fosse da Administração Tributária, a recorrente demonstrou, sem a mínima dúvida, que não tinha a posse dos aludidos bens imóveis, mas que a mesma era exercida pela sociedade G........, L.da. Assim sendo, mal andou o Tribunal a quo quando concluiu que os factos dados como provados sustentam uma suposta tradição dos bens prometidos vender para a recorrente. Ora, não existindo tradição para a recorrente dos lotes prometidos vender, em caso algum se poderá concluir que estão preenchidos os requisitos a que alude o artigo 2.° §1, n.° 2 do CIMSISSD, pelo que, contrariamente ao que resulta da douta sentença, é ilegal a liquidação sub judice, devendo a mesma ser anulada por vício violação de lei. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 2.° §1, n.° 2 do CIMSISSD. VIII - Ainda que por mera hipótese académica se viesse a entender se aplicável ao caso sub judice o artigo 2.° §2, do CIMSISSD, sempre se dirá o seguinte: Nos termos do artigo 2.° § 2 do CIMSISSD é devida SISA quando seja celebrado um contrato-promessa de compra e venda e, posteriormente, seja efetuado um ajuste de revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de compra e venda. O que o legislador pretendeu tributar com artigo 2.° § 2 do CIMSISSD foram ajustes de revenda efetuados, com um terceiro, com o intuito do primitivo promitente-comprador obter ganhos económicos com tal ajuste. São, assim, requisitos, cumulativos, para a aplicação do artigo 2.° § 2 do CIMSISSD que: (1) exista um contrato-promessa de compra e venda; (2) seja efetuado um ajuste de revenda com um terceiro tendo por base o contrato-promessa supra referido; e (3) seja outorgado entre o primitivo promitente-vendedor e o terceiro a escritura de compra e venda. Sendo certo que, para que exista ajuste de revenda toma-se, essencial que o primitivo promitente-comprador, no negócio efetuado com o terceiro, tenha por intenção obter ganhos económicos. Ora, palmilhando os factos dados como provados - alíneas a) e e) dos factos provados - constatamos, desde logo, que entre o contrato-promessa primitivo e o contrato de cedência de direitos não existiu qualquer ganho, já que o preço constante do primeiro é, exatamente, igual àquele que consta do segundo. De igual forma, resulta já provado - da alínea f) dos factos provados - que a celebração do contrato de cedência de direitos apenas teve por única razão o facto do gerente de ambas as sociedades - o Senhor A........ - ter entendido que o negócio não deveria ser efetuado pela recorrente mas por uma outra empresa do grupo - a sociedade C........... Resultará, igualmente, provado das presentes alegações os factos 19 e 20 os quais, à saciedade, demonstram a inexistência, in casu, de qualquer ajuste de revenda entre a recorrente e a sociedade C........... Na verdade, ainda que por mera hipótese, que nem sequer se concede, se viesse a entender que, in casu, estaríamos no campo da presunção estabelecida no § 2 do art. 2 do CIMSISSD, a verdade é que, sendo tal presunção juris tantum, admite a mesma, no entanto, e sempre, prova em contrário - conforme artigos 73° da Lei Geral Tributária e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.1998, recurso 022820, in www.dgsi.pt e ainda os já citados Acórdãos 924/10 e 895/11, do Pleno. Prova esta que, patentemente, resulta dos autos e dos factos provados, já que resulta dos mesmo que a recorrente não fez qualquer ajuste de revenda e que não atuou com fins lucrativos, e, por isso mesmo, forçoso é concluir que em caso algum poderá vir a ser aplicado a situação sub judice o disposto no § 2 do art. 2 do CIMSISSD, sob pena de se violar tal normativo. Ao entender o Tribunal a quo que o disposto no artigo 2.° §1, n.° 2 do CIMSISSD poderá vir a ser aplicado ao caso sub judice violou o mesmo a melhor interpretação desse mesmo normativo. Nestes termos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo proferido douto acórdão que anule a liquidação sub judice, com as legais consequências, só assim se fazendo a habitual JUSTIÇA» **** **** **** Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento: a) de facto, havendo omissão de factos necessários à decisão; b) de direito, por errada interpretação e subsunção dos factos às normas legais. **** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. De facto A sentença recorrida julgou demonstrados os seguintes factos, com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo e na prova testemunhal produzida: «a) Em 26/04/1999, por documento particular, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a impugnante, na qualidade de promitente compradora celebrou com a sociedade "G........ - S........o, Lda.", contrato-promessa de compra e venda, de um conjunto de 25 lotes de terreno para construção, designados n°s 80 a 87 e 104 a 120 da 4a Fase, sitos na Urbanização do Infantado, em Loures, identificados na planta anexa ao referido contrato-promessa, pelo preço de Esc.: 1.812.000.000$00 (cfr. fls. 10 a 15 dos presentes autos); b) A promitente compradora entregou no acto da assinatura do contrato a totalidade do preço acordado e a promitente vendedora deu-lhe quitação (cfr. cláusula 4ª do contrato-promessa, fls. 12 e cópia cheque de fls. 450); c) No referido contrato-promessa foi acordado que "A ou as escrituras definitivas serão celebradas logo que as licenças respectivas se encontram a pagamento pela Câmara Municipal de Loures e serão feitas em nome da Promitente Compradora ou em outros nomes que ela antecipadamente indicará à Promitente Vendedora/' (Cfr. cláusula 6ª do contrato-promessa - fls. 13); d) O negócio subjacente ao contrato-promessa referido na alínea a) foi um negócio interessante para a impugnante, devido ao preço ter sido mais baixo do que o praticado no mercado (depoimento da testemunha A........); e) Em 17/05/1999, foi celebrado um contrato de cedência de direitos sobre o contrato promessa de compra e venda, identificado na alínea a), entre a impugnante e a sociedade "C.........., Lda.", representadas pelo Sr. A........, na qualidade de gerente de ambas, pelo qual aquela cedeu a esta a sua posição contratual no referido contrato-promessa, pelo valor de Esc.: 1.812.000.000$00, que a "C….., Lda." se obrigou a liquidar à impugnante até ao máximo de 30 dias após a emissão do Alvará de Loteamento pela Câmara Municipal de Loures, ficando a produção düs efeitos do contrato de cedência dependentes da liquidação do valor total do preço da cedência (cfr. contrato de fls. 16 a 19); f) A celebração do contrato referido na alínea anterior deve-se ao facto do gerente de ambas as sociedades, Sr. A........, que sempre teve interesse na compra dos terrenos, ter entendido que o negócio devia ser feito através da sociedade "C.........., Lda." (depoimento das testemunhas A........ e A…..); g) A cláusula Iª do contrato de "cedência de direitos sobre o contrato promessa de compra e venda", identificado na alínea e) tem o seguinte teor «A primeira contraente, por contrato celebrado, em 26 de Abril de 1999 com a firma G........ - S........, Lda." (...) ficou detentora dos direitos de propriedade sobre os Lotes de Terreno para Construção acima identificados.» h) Em 11/09/2003 a Câmara Municipal de Loures emitiu o Aditamento ao Alvará de Loteamento n° 16/79, de 24/11, em nome de "G........ - S........,, S.AT, através do qual licenciou o loteamento das fases 4a, 5a e 6a da Quinta do Infantado e as respectivas obras de urbanização referentes à 4a fase (cfr. fls. 20 a 34, 35 a 40, 237 a 239, 240 a 241, 242 a 381 e 382 a 445); i) Em 23/09/2003 a sociedade "G........-S........o, S.A.” apresentou no Serviço de Finanças de Loures, declarações para inscrição na matriz dos lotes de terreno para construção, designados por lotes n°s 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87,104,105,106,107,108,109,110,111, 112.113.114.115.116.117.118.119 e 120 (fls. 41 a 140); j) Em 02/09/2004 entre "G........-S........, S.A.' e "C.........., Lda” foi celebrado "contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal" relativo aos mesmos terrenos de construção objecto dos contratos identificados nas alíneas a) e e), pelo preço de € 13.852.500,00, onde acordaram, para além do mais, que as obras de infra-estruturas, nomeadamente, rede de águas e: esgotos, rede eléctrica, rede viária, arranjos exteriores, taxas camarárias com a urbanização e demais encargos relacionados com o bom funcionamento da Urbanização do Infantado ficavam por conta da promitente vendedora, G........ (cfr. fls. 142 a 145); k) Em 06/09/2004 através da escritura de compra e venda, outorgada no 24° Cartório Notarial de Lisboa "G........ - S........, S.A." Vendeu a "C.........., Lda/' os lotes de terreno para construção, denomhfiados lotes n°s 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119 e 120, sitos em Loures, Quinta do Infantado - quarta fase, pelo preço de € 13 852 500,00 (cfr. fls. 146 a 165); l) A transmissão dos lotes de terreno para construção referidos na alínea anterior não foi sujeita a imposto municipal, por o comprador destinar os imóveis adquiridos a revenda, estar colectado pela actividade de comprador de prédios para revenda e ter exercido normal e habitualmente a referida actividade no ando transacto (cfr. fls. 164); m) A impugnante foi alvo de acção de inspecção, concluindo-se no relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no sentido do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre a impugnante e a sociedade G........ ser sujeito a tributação em Imposto Municipal de Sisa (cfr. fls. 168 a 208 do processo administrativo apenso); n) No ponto II.B. do relatório de inspecção consta «No decurso da acção inspectiva efectuada ao exercício de 2000, no cumprimento da OI200502259, verificaram-se, entre outras as seguintes situações: Contabilização do montante de 11.971,149,53 € (2.400.000.000$00) - Anexo I, a débito da conta 37.6.1 - adiantamentos por conta de compras/mat. Primas, subsidiárias e de consumo/Urbanização do Infantado, por contrapartida da conta 25.5.1.001 - sócios/empréstimos/A........, com a seguinte discriminação: 1. 9.038.217,89 (1.812.000.000$00) 2. Valor do "contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal", celebrado em26/Abril1999 - Anexo 2 (...) Este contrato inicial deu origem aos seguintes documentos: Contrato de "cedência de direitos sobre contrato promessa de compra e venda" celebrado em 17/05/1999 - Anexo 3 (...) Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal celebrado em 02/09/2004 - Anexo 4 (...) Obiecto do contrato: 25 lotes de terrenos identificados nos contratos anteriormente referidos pelo montante global de 13.852.500,00 € que correspondem a 607 fogos, "sendo de conta da PRIMEIRA OUTORGANTE, todas as obras de infra- estruturas, nomeadamente, rede de águas e esgotos, rede eléctrica, rede viária, arranjos exteriores, taxas camarárias com a urbanização e demais encargos relacionados com o bom funcionamento da Urbanização do Infantado." (...)» (cfr. fls. 168 e segs. do processo administrativo apenso) o) O pontos III.A.4 - SISA do relatório de inspecção, em conclusão, refere: «Pese embora o facto de existir a obrigação de liquidação de SISA, nos termos do § 2º do n° 6 do artigo 2º do CIMSISSD, por se verificarem os pressupostos aí estabelecidos, a falta de liquidação deste imposto, verifica-se logo na data da outorga do contrato promessa de compra e venda (26/Abril/1999), celebrado ente a G........ e a D........, por nessa data ter sido paga a totalidade do valor acordado - 9.038.217,89 € (1.812.000.000$00), verificando-se dessa forma a tradição, de acordo com o n° 2 do artigo 2º do citado código.» (cfr. fls. 190 a 191 do processo administrativo apenso); p) Em 24/01/20017, através do ofício n° 225, datado de 23/01/2007, a impugnante foi notificada para proceder ao pagamento da quantia de € 1.288.280,35, sendo € 930.821,79 de Imposto Municipal de Sisa e € 384.458,56 de juros compensatórios (cfr. fls. 223 a 225 do processo administrativo apenso); q) A presente impugnação foi apresentada em 15/02/2007 ((cfr. carimbo oposto no rosto da petição inicialla fls. 1 dos autos); r) Em 31/07/2007, a impugnante no âmbito do processo de execução fiscal prestou a garantia bancária n° 335 797 (cfr. fls. 218 a 220);» **** «Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.» **** «O Tribunal alicerçou a sua convicção na apreciação conjugada de toda a prova documental junta aos autos pela impugnante e no processo administrativo apenso, organizado nos termos do artigo 111° do C.P.P.T, bem como no teor do depoimento das testemunhas inquiridas a fls. 447 a 449.» ***** II.2. De DireitoA sentença recorrida julgou a presente impugnação improcedente, mantendo a liquidação impugnada, nomeadamente, com os seguintes fundamentos: “(…) Assim sendo, para o direito fiscal basta que haja a intenção de transmitir o imóvel e que se opere a tradição do mesmo para o promitente comprador com a intenção de ambos - promitente comprador e vendedor - de aquele passar a possuir como se do proprietário se tratasse. No caso dos autos o que ocorreu é que a G........ e a impugnante celebraram o contrato de promessa, com pagamento integral do preço, tendo acordado que a escritura definitiva seria celebrada logo que as licenças respectivas se encontrem a pagamento pela Câmara Municipal de Loures e serão feitas em nome da Promitente Compradora ou em outro ou outros nomes que ela antecipadamente indicará à Promitente Vendedora Conforme resulta do probatório, a impugnante efectuou o pagamento do preço total da data da celebração do contrato-promessa e contabilizou os lotes de terreno como se lhe pertencessem, tendo o sócio A........ procedido a empréstimo para o efeito. Assim sendo, a impugnante passou a poder exercer sobre os bens prometidos comprar a posse, pelo que, verificou-se a tradição. Aliás, com o que a impugnante está de acordo, visto que na cláusula 1ª do contrato de "cedência de direitos sobre o contrato promessa de compra e venda" celebrado entre a impugnante e "C.........., Lda." foi estipulado que a impugnante «por contrato celebrado em 26 de Abril de 1999 com a firma G........ – S……, Lda (...) ficou detentora dos direitos de propriedade sobre os Lotes de Terreno para Construção acima identificados.» Daí que não se compreenda a alegação da impugnante de que os lotes de terreno ainda não existiam à data da celebração do contrato-promessa, uma vez que o objecto dos dois contratos são justamente os identificados lotes de terreno para construção de que a G........ era inicialmente a legitima proprietária, ficando expressamente acordado que todas as despesas principais ou acessórias ligadas à transmissão, nomeadamente relativas a Sisa, registos na Conservatória e Finanças e custos da escritura seriam por conta da impugnante (cfr. cláusulas 1ª e 5ª do contrato promessa). (…) Nestes termos, face à factualidade apurada, estão reunidos todos os pressupostos para que tivesse sido liquidada a sisa devida, uma vez que, o contrato transferia a posse dos lotes de terreno para a impugnante, visto que foi pago a totalidade do preço na data da celebração do contrato-promessa, os lotes foram contabilizados na impugnante como sendo seus e esta, assim, o entendeu ao clausular que contrato de cedência que "ficou detentora dos direitos de propriedade sobre os Lotes de Terreno para Construção". (…) No caso em apreço, resultou demonstrada a tradiçao efectiva dos lotes de terreno, mas caso não tivesse resultado provada, a situação dos autos seria subsumível à norma do artigo 2º, § 2 do citado diploma que, como vimos, se basta com a tradição ficcionada nos termos referidos, visto que a impugnante ajustou a revenda dos lotes de terreno (contrato oneroso de cedência da posição contratual) e posteriormente foi celebrado o contrato de compra e venda entre o terceiro e o primitivo vendedor. Analise, todavia, que nos dispensamos de fazer, uma vez que, entendemos que o caso em apreço se enquadra no campo de incidência do § 1, n° 2 do artigo 2º do CIMSISSD.” Apesar de não ser por tal questão que a Recorrente inicia o seu recurso, o Tribunal entende que tal tem de ser previamente clarificado, uma vez que tal contende com a eventual necessidade de aditamento de factos ao probatório, tal como requerido, bem como com a subsunção dos factos às respectivas normas jurídicas. A Recorrente questiona qual o facto tributário que deu origem à liquidação impugnada: se o contrato promessa com tradição (previsto no art. 2.º § 1.º n.º 2 do CIMSSD) ou o contrato promessa com posterior ajuste de revenda com terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for outorgada a escritura pública (art. 2.º § 2.º do CIMSSD), concluindo que, atendendo ao relatório de inspecção, à liquidação, cujos juros compensatórios foram contados desde a data do contrato promessa de 26-04-1999, o facto tributário que fundamentou a liquidação foi o contrato-promessa com tradição. Ora, analisado o relatório, parcialmente transcrito nos pontos n) e o) do probatório, que fundamentou a liquidação impugnada, verifica-se que, apesar de a AT entender haver dois factos tributários susceptíveis de liquidação em sisa, descrevendo-os ambos, a AT conclui que a falta de liquidação ocorreu logo com a celebração do contrato promessa com tradição, tendo sido neste facto que baseou a liquidação impugnada (no quadro final do relatório contendo as normas infringidas é indicada a norma do artigo 2.º n.º 2 do CIMSSD). Tal conclusão é confirmada, tal como defende a Recorrente, pela data inicial de liquidação dos juros compensatórios – 26-04-1999 –, sendo que, de resto, tal foi, também, o entendimento da sentença recorrida, quando concluiu que “No caso em apreço, resultou demonstrada a tradição efectiva dos lotes de terreno, mas caso não tivesse resultado provada, a situação dos autos seria subsumível à norma do artigo 2º, § 2 do citado diploma que, como vimos, se basta com a tradição ficcionada nos termos referidos, visto que a impugnante ajustou a revenda dos lotes de terreno (contrato oneroso de cedência da posição contratual) e posteriormente foi celebrado o contrato de compra e venda entre o terceiro e o primitivo vendedor. Análise, todavia, que nos dispensamos de fazer, uma vez que, entendemos que o caso em apreço se enquadra no campo de incidência do § 1, n° 2 do artigo 2º do CIMSISSD.” Ora, assente que está que o facto tributário foi a tradição resultante do contrato promessa, prossigamos na apreciação do presente recurso. Defende a Recorrente que a sentença recorrida sofre de erro de julgamento sobre a matéria de facto dada como provada, considerando-a omissa quanto a factos que, no seu entender, seriam cruciais para a apreciação das questões decidendas, pedindo o aditamento de vários, nomeadamente, os factos constantes dos artigos 9º, 13º, 14º, 15º, 19º 20º da p.i., atendendo à prova testemunhal e documental feita no processo. Ora, antes de mais, tendo em conta os fundamentos da impugnação e a matéria julgada provada no tribunal recorrido, e levando em consideração que a decisão sobre essa matéria de facto se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal considera importante para apreciação dos fundamentos da impugnação completar o facto o), nos termos do art. 662.º, n.º 1, do C.P.Civil, apreciando, seguidamente, os factos pretendidos aditar pela Recorrente Lusitânia, no seguintes termos: O ponto o) do probatório, que transcreve parcialmente o relatório de inspecção, para além do teor que já dele consta, passa a ter, ainda, o seguinte teor: o) “(…) IX – Outras considerações (…) B. Existências/adiantamentos por conta de compras Conforme referido anteriormente, no exercício de 2000 (lançamento 170/Julho), a empresa registou em existências, o montante de 11.971.149,53 (2.400.000.000$00) – Anexo 1. O registo foi efectuado na conta 37.6.1 – adiantamentos por conta de compras/mat. primas, subsidiárias e de consumo/Urbanização do Infantado, por contrapartida da conta 25.5.1.001 – sócios /empréstimos/A........, com a seguinte discriminação: ¨ 9.038.217,89 (1.812.000.000$00) Valor do “contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal”, celebrado em 26/Abril/1999 – Anexo 2, entre a G........ e a D........, relativo aos 25 lotes de terreno para construção, designados pelos nºs 80 a 87 e 104 a 120 da 4.ª Fase, sitos na Urbanização do Infantado, em Loures. (…)” (fls. 190, 191, 199 e 200 do PA apenso); *** Depois, quanto aos factos pretendidos aditar, há que verificar, previamente, se cumpre as regras a observar na impugnação da matéria de facto, previstas no art. 640.º do CPC.Dispõe tal normativo legal que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Analisada a impugnação feita, verifica-se que a Recorrente indica os concretos meios probatórios constantes do processo, dando conta dos respectivos documentos, bem como especifica as passagens das gravações nas quais fundamenta o seu recurso, concluindo com a indicação dos factos que, no seu entender, tinham sido omitidos e eram necessários para a decisão. Ou seja, formalmente cumpriu as regras legais de impugnação da matéria de facto. E, assim sendo, para que se possa concluir pelo requerido aditamento, tem o Tribunal que analisar o seu teor. Começa a Recorrente por defender o aditamento do facto indicado em 9.º da p.i., com o seguinte teor: “Os lotes de terreno para construção melhor descritos na alínea a) dos factos provados apenas foram constituídos através do aditamento ao alvará de licença de construção, de 11 de setembro de 2003, pelo que em 26 de abril de 1999 o que existia era tão só um prédio misto que veio dar origem aos terrenos para a construção antes referidos.” Para tanto apela a vários documentos juntos aos autos e ao depoimento de uma testemunha. Ora, para além do teor conclusivo da segunda parte deste facto, entende o Tribunal que, como abaixo irá ser objecto de apreciação, o mesmo sempre seria irrelevante para a economia da decisão proferida, razão pela qual o pretendido aditamento vai indeferido. Depois, quanto ao aditamento do facto 13º da p.i., com o seguinte teor: “A recorrente não fez esta qualquer intervenção ou construção ou praticou qualquer acto que indiciasse ou sugerisse um juízo de propriedade ou posse nos lotes de terreno para construção a que faz alusão a alínea a) dos factos provados.” Para fundamentar este facto a Recorrente faz apelo a vários documentos e à prova testemunhal produzida. Ora, atendendo ao curto espaço de tempo decorrido entre as datas do contrato promessa aqui em causa e do contrato de cessão da posição contratual, entende o Tribunal que este facto, mesmo a ter ficado demonstrado, pelo menos parcialmente (o que não sucede com a prova documental indicada) não seria relevante para a decisão a proferir. Acresce que o segmento “ou praticou qualquer acto que indiciasse ou sugerisse um juízo de propriedade ou posse nos lotes de terreno para construção”, além de genérico (não concretizado), conflitua com prova documental constante dos autos, na qual, de resto, se fundamentou a decisão recorrida – o facto de tais lotes de terreno terem constado das existências da sociedade Recorrente – e que não foi posta em causa pela Recorrente, que sobre ele nada disse. Assim sendo, também quanto a este facto se indefere o seu aditamento. Quanto aos factos dos artigos 14º e 15º da p.i, cujo aditamento a Recorrente pretende com o seguinte teor: “A recorrente jamais teve a posse, e menos ainda a propriedade, nem dos lotes a que faz alusão a alínea a) dos factos provados, nem do terreno originário” e “A posse e propriedade mantiveram-se com a G........ (proprietária) até à aprovação do loteamento, em 11-09-03 e mesmo depois desta data até 06-09-04, data em que ocorreu a venda, por aquela dos terrenos urbanos resultantes do primeiro, à sociedade C.........., Lda.” Trata-se de factos, mormente no que se refere à posse, claramente, conclusivos, que deveriam resultar de factos materiais, concretos, alegados e demonstrados nos autos, sendo a resposta a tais questões, precisamente, aquilo que está em discussão nos presentes autos, contendo, desde logo, em si mesmos, a decisão da própria causa. Quanto à propriedade, além de não ser pressuposto da aplicação do regime legal aqui em apreciação, não é questão controvertida nos autos. Tanto basta para, também quanto a eles, não se admitir o seu aditamento. Finalmente, quanto aos factos a que se referem os artigos 19º e 20º da p.i. que se prendem com a ausência de ganhos pela Recorrente na cedência de direitos quanto aos lotes de terreno e com a compra de tais lotes pela sociedade C.........., Lda., os mesmos já resultam do probatório, sendo que, atendendo à delimitação feita quanto ao facto tributário aqui em apreciação, os mesmos também não têm relevância para a questão decidenda, pelo que se indefere o seu aditamento, o que vale por dizer que improcede o recurso quanto à impugnação da matéria de facto. Aqui chegados, e estabilizado o probatório, tem o Tribunal de apreciar se a sentença recorrida errou na subsunção que fez dos factos às normas legais aplicáveis. Defende a Recorrente que não estão preenchidos os requisitos legais da norma do art. 2.º § 1.º n.º 2 do CIMSSD para a sujeição a sisa da promessa de aquisição dos lotes de terreno identificados em a) dos factos provados, pelas seguintes ordens de razões: - para que exista tributação é essencial estarmos perante uma situação em que tenha havido tradição efectiva do imóvel para a promitente comprador, sendo que do probatório não consta um único facto que permita concluir por tal tradição; - o facto de a Recorrente ter pago a totalidade do preço não permite concluir que esta passou a exercer sobre os bens qualquer posse, pois para isso era necessário, pelo menos, uma de três coisas: que tivesse havido entrega efectiva do bem à promitente-compradora; que esta tivesse exercido sobre o bem actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade; ou que tivesse havido abandono da coisa pelo transmitente, colocando-a na disponibilidade física do adquirente; - Tais requisitos resultam infirmados pelos factos provados, os quais permitem concluir que a sociedade G........ continuou a exercer sobre os aludidos lotes de terreno todos os direitos inerentes aos mesmos até, pelo menos, 04-09-2004; - A AT, que tinha o respectivo ónus, não provou a posse do imóvel em causa, por parte da Recorrente, a qual demonstrou que não a tinha, pelo que não se pode considerar estarem reunidos os requisitos para sua tributação em sisa. Como acima se viu, a sentença recorrida considerou ter havido tradição do imóvel para a Recorrente com o contrato-promessa baseando-se nos seguintes factos-índice: o pagamento total do preço; a contabilização na escrita da Recorrente dos lotes de terreno “como se lhe pertencessem” e o facto de, no contrato de cedência de direitos sobre o contrato promessa, ter ficado a constar que a Recorrente tinha ficado “detentora dos direitos de propriedade” sobre tais lotes”. Concluiu, deste modo, que a situação se enquadrava no art. 2.º § 1.º n.º 2 do CIMSSD. Ora, desde já se diga que tal juízo não merece a censura que lhe vem desferida. Prescrevia o artigo 2.º do CIMSSD, naquilo que para o caso importa, que: “A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis. § 1.º Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária: 1.º (...) 2.º Nas promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens; (...)” A Recorrente põe a tónica do seu recurso na ausência de prova por parte da AT de actos de posse sobre o imóvel em questão. Ora, analisada a norma transcrita o que se verifica é que o legislador nunca se refere à “posse”, mas à “tradição” dos bens imobiliários para o promitente comprador, sendo que os conceitos têm significados diferentes, como elucidativamente ficou explicado no Acórdão do STA, de 28-04-2021, proferido no proc. n.º 02443/08.2BEPRT, que a seguir se transcreve parcialmente: “(…) 3.5. Tanto a Sisa, no passado, como hoje o IMT, têm por objeto tributar a transmissão onerosa de bens imóveis. O contrato-promessa de compra e venda, na medida em que não transfere a propriedade para o promitente-comprador, a qual só acontecerá com a celebração do contrato prometido, ficaria de fora da tributação. No entanto, o legislador sujeitou a Sisa, e agora a IMT, o contrato-promessa logo que verificada a tradição do imóvel para o promitente-comprador. Havendo tradição do bem prometido vender, o legislador antecipa o facto tributário (que aconteceria apenas com a celebração do contrato de compra e venda) para a data em que aquela acontece. Neste caso, em que o legislador ficciona a transmissão dos imóveis, a tributação explica-se porque, apesar de não existir a transmissão jurídica da propriedade dos bens, a situação “proporciona ao «adquirente» direitos de uso e fruição, equivalentes do ponto de vista económico, ao direito de propriedade e suscetíveis de conduzirem na prática a resultados idênticos aos da transmissão, e que a usucapião poderá consolidar”- F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, Anotado e Comentado, 4ª edição, 1997, Rei dos Livros, página 33. Aliás, esta prevalência do ponto de vista económico, da situação de facto, para efeitos de Sisa, é revelada desde logo, no conceito de transmissão, o qual está para além do estritamente civil, abrangendo também a transmissão económica ou de facto, operada sem a observância dos formalismos prescritos na lei, como decorre dos artigos 1.º, 8.º, 90.º e 152.º do Código. Havendo equivalência económica entre as situações, a tributação no caso de contrato-promessa com tradição tem por escopo evitar a evasão ao pagamento do imposto. Como é referido no acórdão deste Tribunal de 06/03/2013, proferido no processo 0980/12, “Para efeito de sisa, as promessas de compra e venda ou troca de imóveis, acompanhada da tradição do imóvel, constituem transmissão do direito de propriedade (art. 2º § 1, nº 2 do CIMSISSD), pois, se assim não fosse, poderia conseguir-se a transferência de propriedade através das regras da usucapião, fugindo-se ao pagamento do imposto”. Assim, há lugar ao pagamento da Sisa, nos termos do artigo 2.º, §1.º, n.º 2, do CIMSISD, quando, na sequência de um contrato promessa de aquisição do imóvel, independentemente da forma da sua celebração, se verifica a traditio do bem prometido vender. Nestes casos as promessas de compra e venda de bens imóveis são havidas (ficcionadas) como transmissões efetivas para efeitos de Sisa. Até aqui não existe divergência a dirimir. 3.6. O dissenso surge quanto ao que se deve entender por tradição do bem. Como ficou referido, no contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos, que as partes reduziram a escrito, ficou consignado, na cláusula sétima, que o promitente vendedor dá autorização ao promitente-comprador «para entrar na posse imediata do prédio, bem assim para levar a cabo as obras de melhoramento e conclusão do edifício que entenda necessária». O Tribunal a quo entendeu que para que haja tradição basta que a coisa fique na disponibilidade do promitente-comprador, que este passe a poder praticar atos possessórios sobre ela, se assim o entender, sendo irrelevante se o faz ou não. Já o Recorrente defende que a tradição implica o exercício de atos de posse sobre o imóvel. E que se não há indícios de posse material efetiva, então não há tradição. Ora, esta tese parece confundir dois conceitos, o de tradição e o da posse. A tradição traduz-se na entrega da coisa. Implica duas partes, a que entrega e a que recebe. E esgota-se nestes dois momentos. O exercício de poderes sobre a coisa, a posse, a acontecer, tem lugar em momento subsequente. Depois de receber o bem o promitente-comprador pode sobre ele praticar atos materiais e, de acordo com o animus com que o fizer, será considerado um mero detentor (artigo 1253.º do Código Civil), ou um possuidor (artigo 1251.º do Código Civil). Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo (1251.º do Código Civil). A tradição, que pode ser simbólica ou material, é uma das formas de aquisição da posse (artigo 1263.º, alínea b) do Código Civil). Deste modo, para que haja tradição basta que o promitente-comprador fique em posição de poder praticar atos sobre o imóvel (situação de “traditio ficta”, na qual não existe atuação material sobre a coisa, antes sendo concretizada a tradição através da entrega de documentos que colocam o imóvel juridicamente à disposição do transmissário – artigo 1263.º, alínea b), do Código Civil). É este o sentido que, também, se retira, inequivocamente, da letra da lei. O artigo 2.º, §1.º, n.º 2, do CIMSISD fala em tradição e não na posse. E deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do CC), ou seja, que não confundiu tradição com posse. Aliás, o legislador do Código da Sisa quando quis falar em posse disse-o expressamente, por exemplo, no artigo 8.º, n.º 16, em que utiliza os dois conceitos, tradição e posse [dispõe o artigo 8.º, n.º 16: “Em virtude do disposto no artigo 2.º são sujeitas a sisa, nomeadamente (…) A resolução, a invalidade ou extinção, por mútuo consenso, do contrato de compra e venda ou troca de bens imóveis, e as do respectivo contrato-promessa, quando, neste último caso, ocorrerem depois de passados 10 anos sobre a tradição ou posse”], tratando-os como realidades, que são, distintas. Por outro lado, também a razão de ser da incidência do imposto nos contratos promessa com tradição, a da equivalência económica à da transmissão efetiva de bens é a da prevenir a evasão fiscal, leva a concluir que a tradição se basta com a possibilidade de exercício dos poderes sobre a coisa pelo promitentecomprador, uma vez que, o promitente vendedor já abandonou a coisa, a qual passa a estar na disponibilidade do promitente-comprador, tal como acontece com o adquirente do direito. (…)” (sublinhado nosso) Assente que está, com a jurisprudência citada, que o legislador apenas exige a tradição do bem e não a sua posse, e competindo à AT demonstrar a ocorrência dessa tradição, nos termos do art. 74.º n.º 1 da LGT, entendeu o Tribunal a quo que tal tinha sucedido, já que o preço total do imóvel tinha sido pago, a Recorrente registou o imóvel como seu na sua contabilidade e, além disso, referiu expressamente no contrato em que cedeu os direitos resultantes do contrato promessa que, na sequência da celebração desse contrato promessa tinha ficado “detentora dos direitos de propriedade sobre os lotes de terreno para construção acima identificados”. Olhando para o probatório, dele resulta suficientemente demonstrado ter ocorrido a tradição do imóvel para a esfera da ora Recorrente, bastando atentar no facto de o seu preço total ter sido pago (ponto b) dos factos provados), de o imóvel ter sido registado na contabilidade da Recorrente na conta de existências (ou seja, foi tratada como mercadoria sua - ponto o) do probatório) e de a própria ter assumido ter ficado detentora dos direitos de propriedade sobre o imóvel após a celebração do contrato promessa (ponto g) dos factos provados). Por outro lado, a afirmação da Recorrente de que os lotes de terreno para construção “apenas foram constituídos através do aditamento ao alvará de licença de construção, de 11 de setembro de 2003, pelo que em 26 de abril de 1999 o que existia era tão só um prédio misto que veio dar origem aos terrenos para a construção” é perfeitamente inócua para efeitos de sujeição à norma do art. 2.º § 1.º n.º 2 do CIMSSD. Com efeito, o que interessa é o objecto do contrato, sendo perfeitamente possível que tal objecto seja constituído por bens futuros, em relação aos quais está o promitente vendedor obrigado a exercer as diligências necessárias à existência jurídica do bem prometido (obrigação de meios). Note-se que, de acordo com o probatório (c)), as escrituras públicas só seriam celebradas “logo que as licenças respectivas se encontrem a pagamento pela Câmara Municipal de Loures”. De qualquer maneira, sempre se diga que, com tal alegação, a Recorrente está a venire contra factum proprium, não havendo notícia de que a eventual circunstância de o objecto do contrato promessa não ter ainda existência jurídica tenha por ela sido invocada em qualquer momento, bem ao contrário, já que celebrou, entretanto, um contrato de “cedência de direitos sobre o contrato promessa de compra e venda” relativamente a tais lotes de construção (cfr. e) dos factos provados). Ora, assim sendo, e não exigindo a lei a posse do imóvel ou prática de actos possessórios sobre o mesmo, bastando a existência da possibilidade de o poder fazer – o que ficou suficientemente demonstrado – a sentença que decidiu cair a situação sub judice na norma de incidência do art. 2.º § 1.º n.º 2 do CIMSSD fê-lo correctamente, não sofrendo do imputado erro de julgamento, pelo que merece ser confirmada. Improcede, nestes termos, na totalidade o presente recurso. *** Aqui chegados, resta analisar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.No Acórdão do STA, proferido no processo n.º 01953/13, de 7 de Maio de 2014, ficou consignado que “A norma constante do nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”. No caso sub judice considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo, já que, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, tendo sido seguida jurisprudência existente sobre situações similares –, encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se, por isso, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (na parte em que excede os €275.000,00). ***** III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, (527.º do CPC), com dispensa do remanescente da taxa de justiça, ou seja, na parte em que excede os €275.000,00. Registe e notifique. Lisboa, 5 de Dezembro de 2024
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