Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1210/10.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2024
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:PROVA DO PREÇO EFETIVO NA TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS
VIOLAÇÃO DE PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS
Sumário:I- Por força do disposto no artigo 73º da LGT, bem como do artigo 104º, nº 2 da CRP, as presunções em matéria de incidência tributária têm de poder ser ilididas.
II- A ilisão da presunção mencionada no artigo 58º-A do CIRC (atual artigo 64º), é efetuada nos termos do disposto no artigo 129º do CIRC (atual artigo 139º), podendo, deste modo, os interessados efetuar a prova do preço efetivo da venda de imóveis, decorrendo do seu nº 6 que os interessados têm de juntar ao requerimento inicial os documentos de autorização de acesso às suas contas bancárias, bem como dos seus gerentes ou administradores, no ano em que ocorreu a transação e no ano antecedente.

III- O disposto no nº 6 do artigo 129º (atual 139º), afasta o regime de segredo consagrado no artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF), dispensando a AT de lançar mão do procedimento instituído no artigo 63º-B da LGT.

IV- O regime de derrogação do sigilo bancário da sociedade alienante e dos seus administradores, à data do negócio e no exercício anterior, não enferma de inconstitucionalidade material por violação do direito à reserva da vida privada, do princípio da tutela judicial efetiva, Estado de Direito, princípio da proporcionalidade e do princípio da tributação do rendimento real das empresas.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subseção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO


.... (ora recorrente) veio recorrer da sentença proferida a 13.12.2016, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a ação administrativa especial por si apresentada, que teve por objeto o despacho do Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 04.02.2010, exarado na Informação n.º 08/2010 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças de Lisboa, notificado através do Oficio n.º ......, de 05.02.2010, que determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pela Autora, ora recorrente, em 04.09.2009, nos termos do disposto no artigo 129.° do CIRC (atual artigo 139.°), com referência à alienação das frações autónomas ".....", "......" e "....." do prédio urbano sito na freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ......, em que pretendia o seu deferimento.



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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

1ª- A douta decisão recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 04.02.2010, exarado na Informação n.º 08/2010 do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças de Lisboa, notificado através do Ofício n.º ......, de 05.02.2010, o qual determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, apresentado pela ora Autora em 04.09.2009, nos termos do disposto no artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) (atual artigo 139.º), com referência à alienação das frações autónomas ".....", “......” e "....." do prédio urbano sito na freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ......;

2.ª O Tribunal recorrido absolveu a Entidade Demandada da instância com fundamento na aplicabilidade da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro ao presente caso, na inexistência de restrição ilegítima do direito à reserva da vida privada e do direito ao processo equitativo e na não violação do princípio da proporcionalidade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

3.ª Salvo o devido respeito, não pode proceder o entendimento da sentença a quo;

4.ª Entende o Recorrente que a sentença recorrida incorre em omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal não analisou a causa de pedir consubstanciada na violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade contributiva, determinantes da ilegalidade da decisão administrativa;

5.ª Tratando-se de questão sobre a qual se lhe impunha conhecer, a sentença incorre em nulidade por omissão de pronúncia;

6.ª Padecendo a sentença de vício de nulidade, deve ser julgado procedente o presente recurso e determinada a revogação da sentença recorrida, proferindo-se nova decisão que julgue procedente a impugnação judicial;

7.ª Entende o Recorrente que constam do processo todos os elementos necessários à prolação de decisão sobre as questões de direito não apreciadas, pelo que deverá ser proferida uma decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrente integralmente procedente porquanto o normativo constante do artigo 129.º, n.º 6 (atual 139.º) do Código do IRC, quando interpretado e aplicado no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 58.º-A (atual artigo 64.º) do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP) e do princípio da igualdade contributiva (previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP);

8.ª Importa ter presente que “A consideração do VPT para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos” (cf. p. 14 da sentença recorrida) relativamente à qual foi previsto, com vista à sua elisão, o mecanismo legal consagrado no aludido artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC;

9.ª A ratio legis do artigo 64.º do Código do IRC, enquanto norma antiabuso específica, é a de corrigir o rendimento declarado pelo sujeito passivo, quando ocorra um eventual afastamento de um padrão de normalidade mediante o recurso a um rendimento presumido, obtido em função e na sequência do VPT nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis;

10.ª A presunção do rendimento apenas poderá ser constitucionalmente admissível se consubstanciar uma presunção relativa, i.e. se for possível, prática e materialmente, demonstrar o valor real e efetivo da transmissão, o que não se sucede atentas as exigências do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC;

11.ª Não sendo possível ilidir a presunção de rendimentos, ocorre uma manifesta violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real previsto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP;

12.ª O artigo 139.º do Código do IRC consagra o procedimento legal próprio de que o sujeito passivo dispõe para elidir a presunção constante do artigo 64.º do Código do IRC, constituindo condição prévia e necessária para a contestação da legalidade do ato tributário que resultar da aplicação da aludida norma antiabuso;

13.ª Tal mecanismo legal não constava do anteprojeto do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, através do qual o aludido artigo 64.º do Código do IRC foi legalmente consagrado, tendo sido posteriormente introduzido para assegurar a constitucionalidade desse diploma legal;

14.ª A consagração do artigo 64.º do Código do IRC, se desacompanhada de uma norma que permitisse a demonstração de que o preço praticado na transmissão de bem imóvel havia sido efetivamente inferior ao valor tido como “valor normal de mercado” consubstanciaria a relevação de um rendimento normal, não necessariamente coincidente com o rendimento real, em sede de IRC (cf. MENEZES, LEITÃO A conformidade com a constituição da nova fórmula de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, Fisco, n.º 113/114, 2004, Lex, pp. 20-22);

15.ª Assim se compreende que o legislador tributário tenha introduzido um procedimento destinado à realização da prova do preço efetivo na transmissão de imóveis simultaneamente à consagração do artigo 64.º, sendo que, embora a redação originária do preceito suscitasse eventuais violações de princípios constitucionais – pela derrogação genérica do sigilo bancário à margem do consentimento dos visados –, não era afrontado o princípio da tributação pelo rendimento real, podendo o sujeito passivo demonstrar o preço efetivo de venda;

16.ª O artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, impôs que o sujeito passivo anexe documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário de terceiros, tornando a demonstração do preço efetivo de alienação materialmente impossível dado que o alienante encontra-se legalmente impossibilitado de autorizar, por si, o levantamento do sigilo bancário dos seus administradores ou de compelir os mesmos a conceder essa autorização;

17.ª Assim, o legislador tributário veio tornar, prática e materialmente, inilidível a presunção de rendimento consagrada no artigo 64.º do Código do IRC, enfermando aquela norma de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real e do princípio da igualdade contributiva (artigos 13.º e 104.º da CRP);

18.ª Cumpre clarificar que não está em causa nos autos a não entrega da autorização de levantamento do sigilo bancário do ora Recorrente, aliás, a única autorização que o sujeito passivo tem poderes para fornecer à administração tributária, uma vez que não pode autorizar o levantamento do sigilo bancário de quaisquer terceiros, ainda que estes exerçam funções na sociedade;

19.ª Apenas se encontra em contenda a obrigação de apresentar uma declaração de autorização de levantamento do sigilo bancário do administrador, tendo residido aqui a fundamentação da decisão de indeferimento que subjaz aos autos;

20.ª A anexação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos administradores não se encontra dependente da mera vontade do sujeito passivo, na medida em que este último não pode obrigar terceiros a concederem aquela autorização, ficando, dessa forma, à mercê daquela que for a decisão daqueloutros;

21.ª Assim, configura-se esta como uma prova que se revelou impossível de fazer, não tendo o ora Recorrente logrado obter, como a administração tributária pretendia, a autorização para derrogação do sigilo bancário no que se refere aos seus administradores;

22.ª O alcance de tal limitação constata-se se atentarmos na situação dos autos, pois o ora Recorrente envidou todos os esforços probatórios que podia para efeitos da comprovação do valor declarado da transmissão, juntando as escrituras públicas e as cópias dos comprovativos de pagamento e, insista-se, a autorização de derrogação do seu sigilo bancário, apenas não providenciando semelhante autorização de derrogação dos seus administradores, donde resultou a tributação presumida do rendimento do ora Recorrente e não a tributação real do mesmo, em manifesta violação do artigo 104.º, n.º 2, da CRP;

23.ª A exigência de apresentação dos mencionados documentos de autorização traduz-se numa prova materialmente impossível e, por conseguinte, torna inilidível a presunção de rendimento, em violação da Lei Fundamental;

24.ª A doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar inconstitucionais as presunções fiscais inilidíveis, como a sub judice, por contrárias ao princípio da tributação do lucro real e da igualdade tributária (cf. XAVIER DE BASTO, O Princípio da Tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, Fiscalidade, 5, 2001, pp. 11 e 19 e CASLATA NABAIS, Alguns Aspectos do Quadro Constitucional da Tributação das Empresas, Fisco, n.º 103/104, 2002, Lex, pp. 25-26);

25.ª Conclui-se que a CRP exige que o legislador fiscal possibilite ao sujeito passivo ilidir, na prática e eficazmente, as presunções de rendimentos que sobre ele recaiam, sob pena de ser tributado por rendimentos inexistentes em contradição com o disposto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2 da CRP;

26.ª Também legislador ordinário impôs que se admitisse sempre demonstração em contrário das presunções de rendimento, no artigo 73.º da LGT;

27.ª Ao exigir a apresentação de documentos que não estão ao alcance e na disponibilidade do sujeito passivo, o artigo 139.º, n.º 6 do CIRC apenas na aparência permite a ilisão da presunção, corporizando uma autêntica presunção absoluta de rendimentos;

28.ª A exigência de apresentação de autorizações de derrogação do sigilo bancário de gerentes e administradores por forma a obstar à tributação por rendimentos presumidos concretiza um falso mecanismo, meramente formal, de ilisão da presunção, obstando na prática e materialmente a que o transmitente do imóvel seja tributado de acordo com o seu rendimento real, em violação da CRP;

29.ª Decidiu o TC, no acórdão n.º 348/97, de 29.04.1997, que “(…) o estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção juris et de jure veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido (…) Com efeito, o estabelecimento de presunções com o objectivo de conferir certeza e simplicidade às relações fiscais, de permitir uma pronta e regular percepção dos impostos e de evitar a evasão e a fraude fiscal, como adverte Casalta Nabais (ob. cit, p. 279) «tem de compatibilizar-se com o princípio em análise, o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta»” (no mesmo sentido cf. também os acórdãos do TC n.º 259/02 de 18.06.2002, n.º 84/2003, de 12.02.2003 e do STA no proc. n.º 0327/08, de 17.12.2008);

30.ª As exigências probatórias ora em crise significam, in casu, uma impossibilidade prática de prova que torna impossível o afastamento da presunção de rendimentos, postergando o direito à tributação pelo rendimento real do ora Recorrente, sendo que ainda que a referida presunção tenha como escopo a luta contra a fraude e evasão fiscais, a sua extensão jamais poderá chegar ao ponto de postergar direitos constitucionalmente consagrados dos contribuintes (cf. PEDRO MARINHO FALCÃO, O Princípio da Proibição da Indefesa e a Tributação das Manifestações de Fortuna, Almedina, 2015, p. 112);

31.ª Deverá ser facultada ao Recorrente a possibilidade de proceder à prova do preço efetivo quando não logra obter os documentos autorizativos da derrogação do sigilo bancário de terceiros, assegurando-se o princípio constitucional da tributação pelo rendimento real e o combate à evasão e fraude fiscais, devendo o Tribunal, para o efeito, acolher outros meios de prova que não seriam exigíveis se não existisse tal dificuldade;

32.ª Cumpre notar que a impossibilidade de proceder à mencionada dos rendimentos reais decorre do facto de os administradores e as sociedades administradas serem pessoas jurídicas distintas e portanto terceiros entre si, não devendo ser, de modo e em momento algum, confundidas (cf. artigo 5.º do CSC);

33.ª Não obstante penderem sob os administradores da sociedade diversos deveres de atuação (artigo 64.º do CSC) e de estes poderem ser responsabilidades pelo exercício das suas funções em circunstâncias especiais (artigo 72.º do CSC), não se poderá exigir aos administradores que abdiquem do direito ao sigilo bancário quando tal não põe em causa a subsistência da administrada, tendo somente em vista a obtenção de proveitos fiscais desta;

34.ª A pessoa coletiva, enquanto ente jurídico independente, é dotada de vontade própria, a qual nasce e vive do encontro de vontades individuais dos seus membros mas que não pode confundir-se com a vontade singular de cada um destes individualmente considerados (cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.04.2011, no processo n.º 1.724/09.27FLSB -3 e de 24.01.2007, no processo n.º 8454/2006-4);

35.ª Sendo o Recorrente uma pessoa jurídica autónoma e independente, não se reputa legalmente admissível que a tributação pelo rendimento real dependa da apresentação de elementos que não dependem exclusivamente da sua vontade;

36.ª No limite, o combate à fraude e evasão fiscais beneficiariam da derrogação do sigilo bancário não só dos administradores e gerentes como, por hipótese, dos respetivos familiares e entes próximos, porém, não obstante as aludidas relações jurídicas entre si, todos eles beneficiam de personalidades jurídicas próprias e distintas, sendo terceiros entre si;

37.ª Em hipótese, nas situações em que o administrador cesse funções entre o momento da alienação do imóvel e da apresentação do requerimento de demonstração do preço efetivo, a sociedade encontra-se depende da autorização de derrogação do sigilo bancário de um terceiro com a qual nem beneficia de qualquer relação e poderá, inclusivamente, administrar uma outra sociedade concorrente, interpretação que sempre se reputa inadmissível;

38.ª Em suma, o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, quando interpretado e aplicado o sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento prevista no artigo 64.º do Código do IRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, daí resultando, também com esse fundamento, a ilegalidade da decisão em crise, razão pela qual se requer a pronúncia do Tribunal ad quem e se requer a anulação do ato decisório;

39.ª Caso se entenda que não deve proceder a nulidade nos termos supra expostos, o que por mero dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre deve a sentença recorrida ser revogada por manifesto erro de julgamento de direito;

40.ª O Tribunal a quo julgou improcedente o vício de ilegalidade invocado porquanto entendeu que a redação do diploma dada pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de dezembro garante os mesmos direitos que resultavam já da redação anterior da norma, discordando o ora Recorrente de tal entendimento;

41.ª A transmissão dos imóveis sub judice ocorreu no exercício de 2006 sendo que, à data, o artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC não impunha qualquer obrigação de apresentação de documento de autorização da derrogação do sigilo bancário, o que só passou a ser exigido com a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro;

42.ª Até essa alteração legislativa a Administração Tributária teria que cumprir com o disposto no artigo 63.º-B da LGT, pelo que aquela derrogação teria de passar pela obtenção de autorização judicial;

43.ª É apenas na falta de anexação de um elemento cuja obrigatoriedade apenas surgiu numa lei que entrou m vigor após a transmissão do imóvel – e que o ora Recorrente não tem condições de obter – que se funda o indeferimento da prova do preço efetivo de transmissão do prédio, pelo que, exigindo a lei elementos probatórios mais exigentes do que os que eram exigidos pela redação da norma em vigor à data da transmissão, os direitos do Requerente foram diminuídos;

44.ª Não exigindo a lei à data do facto tributário qualquer autorização prévia por parte da então Requerente, nem dos seus administradores, de levantamento do sigilo bancário, não pode a falta desta constituir fundamento para o arquivamento do requerimento, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do Código do IRC, sendo a decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efetivo ilegal e verificando-se o erro de julgamento da sentença;

45.ª Caso a questão da aplicação da lei no tempo, não proceda e seja aplicável o artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC, na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, estaremos em presença de uma panóplia de inconstitucionalidades que se passa a enuncia;

46.ª O Tribunal julga como não verificada esta inconstitucionalidade, atenta a circunstância de a administração tributária estar sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, o qual é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes, o qual permite que o dever de averiguação oficiosa da administração tributária não se possa opor, em termos absolutos, ao direito à privacidade relativa a elementos de informação bancária;

47.ª Porém, o facto de o procedimento de prova do preço efetivo se tratar de uma procedimento instaurado no interesse do contribuinte não permite por si só autorizar o acesso à informação bancária, impondo-se para esse efeito a preponderância de um outro valor mais relevante, o qual não foi especificado pelo Tribunal;

48.ª Ao assumir que, por se tratar de um exercício de um direito por parte do contribuinte, é legítimo o acesso à informação bancária, a violação do direito à reserva da intimidade da vida privada não é suportada pelo Tribunal em qualquer valor relevante que autorize essa violação;

49.ª Acresce que este é um procedimento que o contribuinte se vê obrigado a desencadear para elidir uma presunção de rendimento, i.e. constitui o exercício de um direito ou garantia do contribuinte para que não se cristalize uma presunção, não se estando somente perante uma mera do contribuinte;

50.ª Está-se perante uma condição de legalidade e constitucionalidade do artigo 64.º do Código do IRC, pelo que fazer depender a procedibilidade do procedimento de prova do preço efetivo da apresentação das declarações de acesso ao sigilo bancário do contribuinte deve ser especialmente ponderada à luz desta finalidade.

51.ª Para além disso o acesso ao sigilo bancário não é a única forma de controlo da situação em apreço;

52.ª A própria administração tributária acede nas suas circulares administrativas que o acesso ao sigilo bancário pode não se afigurar essencial, não sendo uma prova infalível que reflita, com certeza absoluta, a verdade dos factos;

53.ª Tal violação consubstancia-se na circunstância de o eventual acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores determinar o alargamento do núcleo de pessoas que tomam conhecimento de informações protegidas, relativas ao sujeito passivo, sem que este último tenha à sua disposição qualquer garantia de defesa ou alternativa;

54.ª A violação daquele direito terá sempre de ser avaliada em função do facto de com o direito do Estado a cobrar impostos, o qual pressupõe controlo por parte da administração tributária dos elementos relativos ao património e aos rendimentos do sujeito passivo, sem que o mesmo possa ser limitado, em termos absolutos, pelo sigilo bancário e pelo direito à reserva da intimidade da vida privada, sobretudo quando estejam em causa o combate à fraude e à evasão fiscal;

55.ª Sucede que esta possibilidade deixará irreversivelmente a descoberto o modus vivendi do sujeito passivo, seja ele um particular ou uma pessoa coletiva, bem como, as suas rotinas diárias e as suas opções em determinado momento da sua vida e, mais grave do que isso, poderá deixar a descoberto o modo de vida de terceiros que no momento em que a sua informação bancária é inspecionada poderão nem ter já sequer qualquer ligação ao sujeito passivo;

56.ª O direito a cobrar impostos não poderá, em absoluto, restringir o direito à intimidade da vida privada, devendo coexistir com outros direitos que se visaram proteger através de consagração constitucional;

57.ª Em face da aplicação prática do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, os objetivos de combate à evasão e à fraude fiscal e o direito do Estado de cobrar impostos não justificam, de forma alguma, o atropelo dos direitos do sujeito passivo e dos terceiros envolvidos à reserva à intimidade da sua vida privada;

58.ª O legislador pretendeu consagrar um regime especial de derrogação do sigilo bancário que visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciando pela renúncia voluntária ao sigilo de um terceiro, administrador à data da transmissão, não tendo acautelado a possível violação daquele direito à reserva da intimidade da vida privada;

59.ª Não só não foi previsto qualquer mecanismo de controlo do acesso à informação bancária do sujeito passivo e de terceiros – nomeadamente o dever administrativo de fundamentação – como qualquer outro compatível com interesses acautelados com a consagração constitucional do direito à reserva da intimidade privada;

60.ª Com a “imposição” daquela renúncia voluntária ao sigilo bancário pretendeu-se contornar a obrigação de garantir ao sujeito passivo e administradores a pronúncia prévia sobre os fundamentos do levantamento do sigilo bancário e a possibilidade de aqueles sujeitarem tal acesso a sindicância judicial;

61.ª O n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, quando determina que apenas e só com a obtenção e apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário – ou seja, que apenas através da violação do direito do sujeito passivo e de terceiros à reserva da intimidade da vida privada – será possível afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC, incorre aquele em violação do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, razão pela qual a sentença deve ser revogada, por aplicação de norma inconstitucional;

62.ª Quanto à inconstitucionalidade por violação do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efetiva – artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP –, invoca-se na sentença recorrida que o ora Recorrente não se viu impedido de ilidir a presunção constante do artigo 64.º mediante o mecanismo previsto no artigo 139.º, ambos do Código do IRC

63.ª Também este entendimento deve ser julgado improcedente;

64.ª Não está em causa saber se ao Recorrente fica vedada a possibilidade de acesso aos tribunais, mas antes apurar se existem condicionamentos que não devem verificar-se sob pena de esvaziarem os referidos direitos de conteúdo;

65.ª No vaso, verifica-se um cerceamento do exercício do direito para o qual não são apresentados quaisquer valores preponderantes que justificassem tal restrição;

66.ª O efeito imediato da consagração do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC é o de que o sujeito passivo, ainda que absolutamente convicto da razão que lhe assiste, se retraia no que respeita à utilização do expediente legal em causa, sob pena de sacrificar o seu direito à reserva da intimidade da vida privada;

67.ª O sujeito passivo depara-se com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e obtém de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC.

68.ª Verifica-se um efetivo condicionamento do exercício daquele direito e das legítimas expectativas de comprovar que o preço efetivamente praticado na alienação de um determinado imóvel foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMT entretanto liquidado;

69.ª O n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC faz precludir, nos termos do n.º 7 da norma, a possibilidade de impugnar judicialmente a liquidação de imposto ou as correções ao lucro tributável efetuadas pela aplicação do n.º 2 do artigo 64.º, uma vez que a impugnação judicial está dependente da utilização prévia do pedido de prova de preço efetivo;

70.ª Caso o sujeito passivo não recorra ao mecanismo previsto naquele artigo 139.º do Código do IRC, já não poderá impugnar a liquidação de imposto ou as correções ao lucro tributável realizadas pela administração tributária como consequência da aplicação da regra vertida no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;

71.ª Pelo que, em sintonia com a jurisprudência do TC, o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC faz com que o sujeito passivo renuncie a “(…) um instrumento fundamental de tutela dos direitos (…)”,daí resultando uma evidente violação do princípio do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, incorrendo a sentença a quo em erro de julgamento de direito e impõe anulação do ato administrativo sub judice, com fundamento na violação das normas constantes dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 268.º, n.º 4, todos da CRP;

72.ª Invoca-se na sentença recorrida que não ocorre violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) atenta a circunstância de o acesso ao sigilo bancário ser adequado no contexto da prova de que o preço efetivo foi inferior ao valor de mercado;

73.ª O erro em que incorre a sentença recorrida reside na circunstância de confundir o valor de mercado com o VPT, sendo que a prova exigida pelos artigos 64.º e 139.º do Código do IRC é a de que o valor efetivo foi inferior ao VPT, e não o de que o valor efetivo se aproxima dos valores normais de mercado;

74.ª Sendo que a informação bancária relevante para a demonstração da veracidade das declarações e registos contabilísticos, o que não se afigura razoável, nem adequado, é que esta seja imposta como condição essencial de procedibilidade de um pedido, sobretudo se o contribuinte apresenta uma série de elementos de prova que permitem concluir sem margem para dúvidas que o preço efetivo foi inferior ao VPT;

75.ª Se a documentação não suscita, nem é suscetível de poder fazer suscitar, qualquer dúvida quanto à sua veracidade, a exigência de acesso à informação bancária viola o princípio da proporcionalidade;

76.ª O n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC consagrou a possibilidade de acesso por parte da administração tributária à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, no âmbito de um procedimento breve e simples que por se destina apenas à confirmação da correspondência entre o montante declarado e o preço efetivamente praticado;

77.ª Constituindo essa a natureza do procedimento e tendo presente a ratio legis que presidiu ao n.º 6 do artigo 139.º, bem como as consequências que a concretização da mesma acarreta em termos de diminuição das garantias de defesa, é manifesta a violação daquele princípio da proporcionalidade tal como se encontra constitucionalmente consagrado;

78.ª A partir do momento em que se dá a apresentação do requerimento de prova do preço efetivo, a administração tributária pode lançar mão de diligências instrutórias, ao que acresce que os elementos disponibilizados pelo Recorrente afiguram-se suficientes para demonstrar o real e efetivo preço praticado nas transmissões em causa;

79.ª Verifica-se uma colisão com o princípio da proporcionalidade, no que se refere às vertentes da adequação e da necessidade porquanto nada poderá justificar que o acesso à informação bancária do sujeito passivo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito;

80.ª Não há no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC qualquer razoabilidade mas antes uma manifesta desadequação dos meios em face dos fins a atingir;

81.ª Não é aceitável que do exercício do direito do artigo 139.º do Código do IRC decorra imediatamente o acesso à informação bancária do sujeito passivo e de terceiros porque a derrogação do sigilo bancário prevista naquele artigo pressupõe que o sujeito passivo voluntariamente renuncie ao carácter sigiloso da sua informação bancária e providencie por essa renúncia de um terceiro, sob pena de não afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;

82.ª Tal renúncia ocorrerá sem que expressamente se preveja, tal como se impunha, o dever da administração tributária de justificar e fundamentar as razões do acesso à informação bancária;

83.ª É este atropelo desregrado das garantias de confidencialidade das informações bancárias do contribuinte, não sujeito a qualquer controlo de legalidade, que, em face do direito do Estado à cobrança de impostos, se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;

84.ª E nem sequer se invoque que o acesso à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores é essencial ou imprescindível ou constitui o único meio de prova possível ou adequado para demonstrar qual foi o preço efetivo, pois a própria administração tributária refere no Ofício-Circulado n.º 20.136, de 11 de março de 2009, da Direção de Serviços do IRC, que o acesso às informações bancárias do requerente e administradores não constitui “(…) uma prova absoluta de que o preço efetivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato”;

85.ª Se o acesso à informação bancária não se reputa suficiente sendo necessário uma reunião de peritos por forma a acordar no preço real da transmissão, não se compreende então a exigibilidade da norma sub judice;

86.ª A adotar-se a interpretação adotada na sentença recorrida abre-se ainda mais caminho para a desproporcionalidade, uma vez que se admitiria a exigência ao contribuinte da apresentação de autorização de derrogação do sigilo bancário de terceiros com vista ao cumprimento de um requisito que mais não é do que uma mera formalidade de cujo cumprimento não se retira a finalidade de efetiva demonstração do preço efetivo;

87.ª Pelo que constata-se que o recurso àquele mecanismo se afigura manifestamente desadequado e desnecessário e, por esse motivo, inteiramente desproporcional;

88.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre ainda numa vertente estrita;

89.ª A obrigação de apresentação de autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros (administradores), é inaceitável porquanto não está sequer na sua esfera de decisão e de poderes o de autorizar o acesso à informação bancária daqueles administradores;

90.ª Essa prova pode revelar-se de ainda mais difícil obtenção nas situações em que os administradores à data da transmissão dos imóveis já não são os mesmos que à data presente, tendo deixado de manter qualquer vínculo com a sociedade;

91.ª Donde se conclui ser evidente que a exigência de acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores, prevista pelo legislador no n.º 6 do artigo 139.º, não configura, tal como impõe, por seu lado, o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, uma medida necessária para “(…) salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (…).”;

92.ª Assim, o direito de cobrar impostos e os especiais objetivos de combate à fraude e à evasão fiscal não podem, em circunstância alguma, sobrepor-se aos direitos à confidencialidade das informações bancárias, pelo menos da forma como essa sobreposição vem consagrada no artigo 139.º do Código do IRC, sob pena de manifesta violação do princípio da proporcionalidade, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais, devendo revogar-se a sentença recorrida e anular-se o ato sub judice, por aplicação de norma inconstitucional;

93.ª Caso não se entenda verificadas as enunciadas inconstitucionalidades, o que apenas por cautela de patrocínio se concebe, sem conceder, ainda assim a liquidação em crise infringiu o disposto no artigo 63.º-B da LGT;

94.ª Com efeito, aquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, e a interpretação e aplicação que do mesmo foi efetuada pela administração tributária, não têm qualquer correspondência (quando deviam) com os princípios genéricos definidos no referido artigo 63.º-B da LGT.

95.ª O acesso às informações bancárias de terceiro exige sempre uma recusa de exibição ou autorização para a sua consulta e um ato decisório por parte da administração tributária a autorizar o levantamento do sigilo bancário, mediante audição prévia daqueles;

96.ª O legislador ordinário consagrou um limite à derrogação do sigilo bancário de terceiros, porquanto, para o acesso por parte da administração tributária aos documentos e informações bancárias de terceiros, estes terão sempre de primeiramente recusar a sua exibição ou não autorizar a sua consulta;

97.ª É evidente que o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC desrespeitou os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B, da LGT;

98.ª Quer a consagração de uma norma como a prevista no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, quer a atuação da administração tributária, exigindo ao sujeito passivo a obrigatoriedade de apresentação das autorizações de levantamento do sigilo bancário de terceiros, constituem um atropelo evidente dos princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B, da LGT, fazendo “tábua rasa” das garantias do sujeito passivo e de terceiros;

99.ª Este atropelo é de tal modo ostensivo que legitima a conclusão de que o pressuposto de que teria partido o legislador ao instituir aquele regime só poderia ter sido o de se presumir, nas situações abrangidas pelo artigo 64.º e artigo 139.º, ambos do Código do IRC, que o valor de venda declarado pelo sujeito passivo não corresponde ao real valor praticado – o que não seria admissível;

100.ª Em suma, constituindo o limite definido no artigo 63.º-B da LGT parâmetro da legalidade de qualquer norma que, como o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, discipline o acesso a informações bancárias em matéria tributária, não poderá deixar de ser reconhecida a ilegalidade desta última e, nessa medida, do próprio ato em crise;

101.ª Acresce que o artigo 63.º-B da LGT, para além de não permitir a interpretação e aplicação do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, consagra um regime que daria plena resposta e proteção a todos os direitos e interesses dos sujeitos envolvidos, sejam os cidadãos, seja o Estado;

102.ª E nem sequer se refira que estamos perante uma situação que exige um especial controlo por parte da administração tributária, mais apertado do que aquele que se verifica com referência a uma situação de apuramento da matéria coletável através de métodos indiretos, que se rege pelo artigo 63.º-B da LGT;

103.ª Pelo que se devem reputar suficientes para demonstração dos factos alegados os documentos juntos no respetivo processo administrativo instrutor, os quais gozam da presunção de veracidade do artigo 75.º, n.º 1, da LGT;

104.ª Pelo que, não tendo a administração tributária desencadeado o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, por forma a garantir o acesso aos documentos e informações bancárias de terceiros, não pode o procedimento desencadeado ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC ser indeferido;

105.ª Demonstrada a suficiência e a adequação do regime legal previsto no artigo 63.º- B da LGT, no que concerne à regulamentação do acesso a informações bancárias de terceiros, fica também demonstrada a ilegalidade do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC e do ato sub judice, em virtude de ambos se encontrarem em violação daquela primeira norma;

106.ª Deste modo, e em face de todo o exposto, resultam improcedentes os argumentos invocados na sentença recorrida;

107.ª Sem prejuízo do exposto e numa tentativa de se interpretar o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC em conformidade com todos os princípios e normas acima invocados, a única exegese possível do preceito seria a de aceitar a eventual exigibilidade da autorização para levantamento do sigilo bancário após a verificação da existência de fundamentos concretos que justificassem a análise da informação bancária;

108.ª É neste sentido que se poderia interpretar a expressão “pode” constante do n.º 6 daquele artigo 139.º do Código do IRC;

109.ª A admitir-se a exigibilidade das autorizações de derrogação do sigilo bancário, a mesma apenas se poderia aceitar caso a administração tributária considerasse, em concreto, imprescindível e justificado o acesso às informações bancárias dos sujeitos passivos e administradores, mas não quando o acesso seja concretizado através de uma exigência “cega” e não justificada de apresentação das autorizações de levantamento do sigilo bancário em qualquer circunstância;

110.ª Sendo certo que, no caso dos terceiros, o facto de a administração tributária não proceder ao cumprimento do formalismo previsto do artigo 63.º-B da LGT para o levantamento do sigilo bancário nunca poderia ter como consequência o indeferimento do procedimento ao abrigo do artigo 139.º do Código do IRC, uma vez que o acesso a informação bancária de terceiros apenas é admitido quando ocorra uma recusa de exibição ou de autorização para a sua consulta, na sequência da qual fica a administração tributária habilitada a proceder, mediante audição prévia do terceiro, ao levantamento do sigilo bancário;

111.ª Assim, uma interpretação do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, consentânea com os princípios referidos teria de conduzir à exigibilidade da prática prévia de um ato decisório fundamentado, na sequência de um recusa por parte dos próprios administradores do Recorrente e da sua audição prévia;

112.ª Seria esta a única interpretação do regime vertido no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC que se perfila ter o mínimo de conformidade com os princípios vertidos na CRP e no próprio artigo 63.º-B, da LGT;

113.ª Nem os objetivos de combate à fraude e evasão fiscal que presidiram à consagração de uma norma como o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC justificam que seja de outra forma;

114.ª Pelo que a administração tributária, ao exigir a apresentação das autorizações de derrogação do sigilo bancário de terceiros noutros termos que não os expostos faz inquinar de manifesta ilegalidade o ato sub judice, devendo o mesmo, também por tal motivo, ser imediatamente anulado;

115.ª Ultrapassada a questão da legalidade e da constitucionalidade da exigibilidade da autorização de acesso à informação bancária, importa comprovar a verificação dos pressupostos justificativos do pedido de prova de preço efetivo apresentado pelo ora Recorrente nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC;

116.ª O Autor, ora Recorrente, procedeu à alienação dos prédios urbanos identificados no ponto A do probatório da sentença recorrida, de que era proprietário, pelo valor de € 70.000,00;

117.ª Nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, uma vez que os imóveis em causa foram transmitidos por valor inferior ao valor patrimonial tributário definitivo, o ora Recorrente procedeu, em cumprimento do prazo previsto no artigo 139.º, n.º 3, do Código do IRC, à apresentação do requerimento com vista à prova do preço efetivo da transmissão em causa (cf. ponto C do probatório da sentença recorrida);

118.ª O Recorrente não pretendia, nem pretende, proceder a qualquer ajustamento adicional à declaração modelo 22 do exercício de 2006, razão pela qual apresentou o mencionado pedido ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, afastando a aplicação, no caso vertente, do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do mesmo diploma legal.

119.ª Para o efeito, o ora Recorrente juntou a cópia das escrituras públicas de compra e venda referentes à aquisição em questão, bem como dos documentos bancários comprovativos do recebimento do preço total declarado naquelas;

120.ª Daqueles documentos resulta inequivocamente demonstrado e sem ser necessária a produção de qualquer prova adicional, que aquele foi o preço de transmissão dos imóveis em questão e que o mesmo foi praticado por um montante inferior aos valores patrimoniais tributários apurados pela administração tributária;

121.ª Assim, encontra-se demonstrado e comprovado o preço efetivo de transmissão dos imóveis em apreço para efeitos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, impondo-se a sua integral anulação da decisão ora posta em crise;

122.ª Em face de todo o exposto, resulta evidente o erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida, a qual deve ser anulada julgando-se a impugnação judicial procedente.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida e, nessa medida, a anulação do ato em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”


*




A Recorrida apresentou contra-alegações, nos termos que se seguem:

I. Inconformado com a douta sentença proferida em 1a instância, vem o Recorrente interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, imputando à decisão, para o efeito, nulidade da sentença por omissão de pronúncia e erro de julgamento do Tribunal a quo na apreciação da matéria de direito.

II. Considera o Recorrente que os documentos juntos aos autos (cópias das escrituras públicas de compra e venda referentes à aquisição dos imóveis em causa e dos documentos bancários) comprovam que foi aquele o valor pelo qual o Autor transmitiu os imóveis e o mesmo foi praticado por um montante inferior aos valores patrimoniais tributários apurados pela AT, limitando-se, para tanto, a reproduzir, quase na íntegra, o que já havia dito aquando da apresentação da petição inicial em 1a instância.

III. A entidade aqui Recorrida entende que o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação dos factos e aplicação do direito, razão pela qual deverá ser mantida a sentença proferida.

IV. Em causa está a sentença de 13/12/2016, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a acção administrativa especial interposta pelo ora Recorrente, na qual deduzia um pedido de anulação da decisão de indeferimento por falta de requisitos legais do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado nos termos do artigo 139.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC)

V. A douta sentença proferida pelo Tribunal de 1a instância considerou, em síntese, que "... já antes da Lei n° 53-A/2006 de 29 de Dezembro, era sobre o requerente que recaía o ónus de instruir o pedido inicial do procedimento administrativo tendente à demonstração do preço efectivo praticado na transmissão de direitos reais sobre imóveis com a autorização de acesso à sua informação bancária e dos respectivos administradores ou gerentes. (...) Por outro lado, (...) o acesso aos dados bancários do contribuinte [ e dos respectivos administradores ou gerentes, acrescente-se} constitui o meio de prova, por excelência, da veracidade das declarações e dos registos contabilísticos". (...) Decisivamente, a autorização de levantamento do sigilo bancário só pode valer para o procedimento em causa e não para qualquer outro (...) E quanto ao direito à veracidade “ Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.(...) A derrogação do sigilo bancário constitui, por um lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar. (...) Nestes termos, reitera-se aqui o juízo de não constitucionalidade da norma extraída do n° 6 do artigo 129° do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na parte em que exige que o pedido de demonstração do preço efectivo na transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, previsto em tal preceito, seja instruído com os documentos de autorização de acesso, por parte da administração fiscal, à informação bancária do requerente e dos seus administradores ou gerentes, referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, a que se chegou nos acórdãos do Tribunal Constitucional n°s 145/2014 e 517/2015. (...)” concluindo pela improcedência da acção, tendo, em consequência, absolvido a entidade demandada do pedido

VI. O Recorrente, na sua p.i. vem recorrer da decisão que julgou improcedente a acção administrativa especial, deduzida pelo Recorrente contra o despacho do Sr. Director de Finanças de Lisboa, datado de 04/02/2010, que determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado pela A. (ora Recorrente em 04/09/2009), nos termos do artigo 139° do CIRC (à data dos factos, artigo 129°), relativamente à alienação das fracções autónomas ".....", “......”, e ".....", do prédio urbano sito na freguesia de Cedofeita, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .......

VII. Entende que a decisão recorrida incorre em omissão de pronuncia, na medida em que não analisou a violação dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade contributiva, padecendo a sentença de vício de nulidade, nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC, ex vi n° 1 do artigo 608°/2 do CPC, devendo a sentença ser revogada e proferindo-se nova decisão que julgue procedente a impugnação judicial (por lapso, quis certamente, referir Acção Administrativa).

VIII. Além do mais, vem invocar erro de julgamento de direito, inconstitucionalidade do n° 6 do artigo 139° do CIRC por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26°/1 da CRP), violação do principio do Estado de Direito e do principio de acesso à tutela jurisdicional efectiva (artigos 2o, 20°/1 e 4 e 268° da CRP), por se mostrar desadequado e desnecessário o acesso à informação bancária, e como tal desproporcional, deve a sentença recorrida ser revogada por violação do principio da proporcionalidade expressa no artigo 18°/2 da CRP, considera estar plenamente demonstrado e comprovado o preço efectivo dos imóveis em apreço, sem necessidade de qualquer prova adicional.

IX. Nesta sede, mantém a mesma argumentação, acrescentando ainda que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia

Apreciando,

X. A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:

1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; 2 -Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do art° 615, do C.P.Civil.

Nos termos do preceituado no citado art°.615, n°.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1o. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2o. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art°,608, n°2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como já se referiu, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.

XI. No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2a. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2a. edição, Almedina, 2009, pág.37).

XII. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art°125, n°.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5a. edição, 2006, pág.911 e seg.)

XIII. Refira-se, ainda, a este propósito, que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença aqui em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul- 2a.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13

XIV. Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.art°.608, n°.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso significa que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.art°s,577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no art°.133, n°2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2a.Secção, 28/5/2003, rec. 1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.aSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13).

XV. No presente caso, vem o Recorrente afirmar existir omissão de pronúncia referente ao facto de o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a violação dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade contributiva, razão pela qual a sentença padece de vício de nulidade, por incorrer em omissão de pronuncia nos termos da al.) d) do n° 1 do artigo 615° do CPC e artigo 608°/2 do CPC, razão pela qual a sentença deve ser revogada. E proferida nova decisão.

XVI. Nos termos do preceituado no citado art°.615, n°.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.

XVII. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art°.125, n°.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6a. edição, 2011, pág.357 e seg

XVIII. Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.... do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se manifestamente improcedente a alegação do Recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

XIX. Ora, o direito à prova do preço efectivo inferior ao valor de mercado do bem alienado, que assiste ao contribuinte, exige a demonstração eficaz e cabal do mesmo, o que postula a referida derrogação.

Dada a massificação das relações tributárias, assentes no princípio declarativo e a concomitante massificação das relações bancárias, cujos registos servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, dir-se-á que o acesso aos dados bancários do contribuinte constitui o meio de prova, por excelência, da veracidade das declarações e dos registos contabilísticos. De forma que o cumprimento eficaz do ónus da demostração da efectividade de certa operação económica e do valor implicado depende muito mais dos registos bancários do que apenas dos registos contabilísticos. O acesso aos dados referidos coloca-se, pois, como medida idónea, necessária e proporcionada ao fim em vista, porquanto estando em causa demonstração de que o preço efectivo foi inferior ao preço de mercado, importa garantir o acesso aos dados bancários do impugnante e dos seus administradores, tendo em vista assegurar a veracidade do declarado

XX. Nesta senda, era sobre o Recorrente que recaía o ónus de provar que o preço efectivo da venda do imóvel em causa foi aquele por si declarado e tal como alega a recorrente, impunha-se que providenciasse a junção imediata dos atinentes meios de prova ao seu dispor, para que o debate contraditório entre peritos decorresse em igualdade de armas e munido de toda a prova a considerar.

XXI. Ora, ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida, e perante a factualidade descrita, não recaía sobre a AT um qualquer dever, ou imposição de colmatara insuficiência probatória inicial do requerente.

XXII. Estava em causa o acesso aos dados bancários do contribuinte alienante de prédio cujo preço inscrito na contabilidade é inferior ao valor de mercado e que pretende fazer prova da efectividade do mencionado preço. Ora, correspondendo o VPT do prédio a uma aproximação ao valor de mercado do mesmo, a asserção de que o proveito obtido com a sua venda não há-de ser inferior ao VPT constitui uma presunção cuja ilisão requer a prova em contrário (artigo 350.° do Código Civil). Prova cuja assertividade deve estar para além de qualquer dúvida e cujo ónus de demonstração recai sobre requerente, na medida em que fez inscrever na sua contabilidade preço inferior ao preço do mercado (artigo 74.°/1, da LGT).

XXIII. De referir também que sendo o preço a contrapartida monetária da venda, o qual origina fluxos financeiros entre pelo menos duas partes, então segue-se que os dados bancários da recorrente, enquanto alienante e contribuinte, surgem como elementos determinantes no apuramento do mencionado preço. Donde se infere que o acesso aos referidos dados bancários oferece-se como mecanismo adequado à comprovação do preço declarado do bem e inscrito na contabilidade da recorrida.

XXIV. Perante estes dados, resulta claro que esta exigência não coloca em causa a CRP, pois que está em causa um mecanismo que visa beneficiar o próprio requerente, em que o elemento em apreço surge no âmbito do princípio da cooperação que incide sobre o mesmo, sendo algo natural neste processo enquanto meio de controlo da pretensão formulada, não se afigurando desproporcionada para o efeito em apreço e estando devidamente balizada pela lei. E por isso mesmo o legislador fez constar do referido normativo que o acesso à informação bancária se circunscreve "ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior” (cfr.ac. S.T.A-2a.Secção, 5/9/2012, rec.837/12; ac.T.C.A.Sul-2a. Secção, 19/2/2013, proc.6091/12)».

XXV. Pelo que, no seu próprio interesse, deveria o Recorrente ter juntado, ao requerimento inicial apresentado junto da AT, e que determinou a instauração do procedimento do art. 129° do CIRC, (actual artigo 139° do CIRC) as autorizações para acesso à sua informação bancária e dos respectivos administradores. Tanto mais, que o referido procedimento, regulado pelos arts. 91° e 92° da LGT, assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da AT e visa o estabelecimento de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.

XXVI. Deste modo, não tendo o Recorrente feito a imprescindível prova do preço efectivo de venda do imóvel em causa, a questão deverá de ser contra ela decidida, em obediência às regras legais do ónus da prova, nomeadamente, do art. 342°, n° 1 do Código Civil e do art. 74°, n° 1 da LGT

XXVII. Aliás, a sentença recorrida ao elencar a matéria factual vem elencar os princípios da tributação do rendimento real e da igualdade, conforme se pode constatar nos pontos I, Conclusão - 3a, 20°, 21°, 23°, 24°, paragrafo 4° de fls. 19, parágrafo 3° de fls. 20 da sentença recorrida.

XXVIII. Neste sentido, deve improceder o presente recurso sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos da decisão recorrida.


Quanto às restantes questões continua a não assistir razão ao Recorrente nas suas alegações, porquanto,

XXIX. Em primeiro lugar, a administração tributária visa aferir da realidade subjacente ao negócio, no sentido de eventualmente prevenir a emissão de uma liquidação.

XXX. Segundo, por via da presunção prevista no artigo 64.° do CIRC, é ao contribuinte que cumpre efectuar a prova de que o preço declarado é o preço efectivo da transmissão do imóvel.

XXXI. Terceiro, não estamos perante uma derrogação de sigilo bancário de iniciativa da Administração Tributária mas sim da iniciativa do contribuinte, se este pretender ilidir a presunção ínsita no artigo 64.° do CIRC, ou seja, de um acto voluntário daquele, no intuito de afastar a presunção de rendimento tributável que sobre ele impende. Não é a Administração Tributária que acede à informação bancária sem autorização do contribuinte.

XXXII. Lembramos que, a protecção constitucional da reserva da vida privada, ao nível dos direitos liberdades e garantias fundamentais, só tem razão de ser na medida em que o acesso a dados bancários pode revelar as escolhas, os gostos e o estilo de vida do indivíduo e do seu perfil enquanto ser humano. Ora, tal finalidade, está ligada à protecção da dignidade humana e daí que não se estenda às entidades colectivas que actuam limitadas pelo princípio da especialidade do fim que prosseguem e que, assim, não têm a possibilidade de se auto- determinarem livremente

XXXIII. Quanto aos administradores ou gerentes do Recorrente, mesmo que se considere que o direito ao segredo bancário é um direito fundamental e que está abrangido pela reserva de intimidade da vida privada - o que não é líquido, veja-se, neste sentido, o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Gil Galvão no Acórdão n.° 442/07, de 07.08.14, do Tribunal Constitucional - facto é que o segredo bancário não pode ser abrangido pela tutela constitucional da reserva à intimidade da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal.

XXXIV. Citando Saldanha Sanches: “O primeiro ponto que deve ser considerado ao tratarmos do segredo bancário e do segredo fiscal é o de que não estamos perante aquilo que a constituição tutela como ‘‘reserva da intimidade da vida privada e familiar”, ou seja aquele núcleo central de características e comportamentos de natureza pessoal (maxime sexual e familiar) que a lei deverá proteger para proporcionar “garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana» (n.° 1 e n.° 2 do artigo 26.° da CRP).»

XXXV. Isto é, estamos perante dados de natureza patrimonial (rendimentos, aquisições, alienações) que podem respeitar à esfera de privacidade, mas não da intimidade da vida privada.

XXXVI. Conforme se refere no próprio Acórdão n.° 442/2007 do Tribunal Constitucional, o segredo bancário situa-se no âmbito da vida de relação, fora da esfera mais estrita da vida pessoal, daí que ocupe uma zona de periferia, com uma necessidade de menor tutela e mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de outros valores e interesses contrastantes.

XXXVII. É ainda de importância extrema sublinhar que a informação bancária, não é divulgada a uma qualquer entidade, mas sim à Administração Tributária, o que significa que esses dados continuam a estar abrangidos por um dever de sigilo - o sigilo fiscal cuja violação é tipificada como crime de violação de segredo profissional (cf. artigos. 62.° da LGT, 91.° do RGIT e 195.° e 383.°, ambos do Código Penal).

XXXVIII. Citando, uma vez mais, o Acórdão n.° 442/2007, do Tribunal Constitucional: «Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente susceptível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração tributária representa uma lesão muito diminuta do bem protegido.»

XXXIX. Ora se a lesão do bem jurídico - o direito da reserva à intimidade da vida privada - se tem por muito diminuta em caso de quebra do sigilo bancário por iniciativa da Administração Tributária, forçosamente se deve considerar inexistente quando por iniciativa do contribuinte, como é o caso do n.° 6 do artigo 139.° do CIRC.

XL. Acresce o facto de o sacrifício desse bem se justificar pelos interesses superiores, de natureza pública, que a lei visa atingir através da derrogação do sigilo bancário.

XLI. Tal como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 442/07, atrás referido «Atendendo ao peso relativo dos interesses aqui ligados à tutela da privacidade e ao diminuto grau da sua afectação, em concreto, pelo levantamento do sigilo bancário, por um lado, e à intensidade da exigência de efectivação da justiça fiscal, por outro, pode concluir-se que, em certas condições, é constitucionalmente legítima a restrição, com este fundamento, do direito à privacidade.

XLII. É, face ao exposto, evidente que o n.° 6 do artigo 139.° do CIRC, não incorre em violação do direito à reserva da intimidade privada, previsto no n.° 1 do artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).

XLIII. Importa, ainda, sublinhar que como rácio legis do artigo 64.° do CIRC, está a tensão dialéctica entre o combate à evasão e à fraude fiscal e a autorização da derrogação de sigilo bancário por parte do sujeito passivo e seus administradores. A autorização de acesso à informação bancária constitui-se como uma medida adequada à obtenção da verdade material que porventura possa estar oculta pelo sigilo bancário.

XLIV. Mais, considerando o legislador que o dever fundamental de pagar impostos está posto em causa - ratio do disposto no artigo 64.° do CIRC -, face a uma alienação de imóvel que sai necessariamente dos padrões de normalidade da actividade económica, parece-nos evidente a adequação da medida face ao fim visado.

XLV. De igual forma se encontra preenchido o conceito de necessidade, pois que demonstrada que está a pertinência do conhecimento dos dados bancários para a decisão da administração tributária - até para um eventual ilidir da «presunção de evasão fiscal» prescrita pelo artigo 64.°. do CIRC -, fica na disponibilidade do contribuinte a preservação ou não do segredo bancário.

XLVI. Por fim, relativamente à proibição do excesso, e reiterando o acima exposto, considerando que a decisão última cabe sempre ao contribuinte, não podemos aceitar a alegação que se possa estar perante um “excesso”, pois a autorização de acesso à informação bancária será sempre resultado de um consentimento prévio do sujeito passivo

XLVII. Não pode o tribunal revogar a sentença, conforme o pedido formulado pelo Recorrente.

XLVIII. Isto porque a faculdade que a Administração Tributária tem de aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes do período em que ocorreu a transmissão e do exercício anterior é uma mera condição do procedimento.

XLIX. Do acesso à informação bancária - ou até da inconstitucionalidade da condição do procedimento defendida pelo Recorrente - não resulta uma prova absoluta de que o preço efectivamente praticado corresponde ao valor constante do contrato. Assim, a prova de que o preço efectivo corresponde ao valor constante do contrato depende, não só do acesso à informação bancária, mas também da justificação das condições anormais de mercado em que se realizou a transmissão, de que resultou a fixação de um preço inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do bem imóvel transmitido.

L. Disso mesmo nos dá conta o disposto no n.° 2 do artigo 139.° do CIRC, ao determinar: «Para efeitos do disposto no número anterior [para efeitos prova do preço efectivo na transmissão de imóveis], o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n° 3 do artigo 62° do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.»

LI. É, deste modo, patente que o eventual deferimento da pretensão do Recorrente implica, necessariamente, a emissão de um juízo de valor, de índole técnica, inserido na margem de livre apreciação da Administração Tributária.

LII. Não fosse esse o caso, fosse apenas e tão-somente uma situação de verificação documental de informação bancária, não existiria necessidade de recorrer ao procedimento regulado pelos artigos 91.° e 92.° da LGT.

LIII. Onde se determina, expressamente, que este procedimento visa, através de peritos especificamente nomeados para o efeito, «o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.» E que, na falta desse acordo, o órgão competente «resolverá, de acordo com o seu prudente juízo».

Nos termos supra expostos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida”


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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º nº 1 do CPTA, não tendo emitido pronúncia.



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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.



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II -QUESTÕES A DECIDIR:


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].


Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se:


(i) - a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia;


(ii) - a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação, ao tempo do facto tributário (2006), do disposto no nº6 do artigo 129º do CIRC, na redação antecedente à dada pela Lei 53-A/2006 de 29.12, e ao entender que não era aplicável o artigo 63º-B da LGT;


(iii)- a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao entender que ao processo de prova do preço de venda efetivo, estabelecido no artigo 129º do CIRC, devem ser juntas autorizações para acesso às suas contas bancárias das sociedades e seus administradores, em violação os princípios constitucionais da reserva da vida privada, do Estado de Direito, da proporcionalidade e tributação pelo lucro real.



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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

A. Por escritura pública de compra e venda celebrada em 25 de Janeiro de 2006, a A. declarou vender as fracções autónomas designadas pelas letras ………, que fazem parte do prédio urbano sito na ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ......, do livro ......, com o título constitutivo da propriedade horizontal registado pela inscrição ......, do livro ......, inscrito na matriz sob o artigo ......, pelo preço que já recebeu de € 17.948,71 (no que respeita à fracção "....."), de € 18.547,02 (no que respeita à fracção "......") e de € 33.504,27 (no que respeita à fracção ".....") - cf. doc. junto a fls. 6 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

B. Em 26 de Junho de 2009, o Valor Patrimonial Tributário (VPT) das fracções autónomas objecto da compra e venda referida na letra anterior foi fixado em € 27.680,00 (no que respeita à fracção "....."), em € 26.960,00 (no que respeita à fracção autónoma "......") e em € 47.170,00 (no que no que respeita à fracção autónoma ".....") - cf. docs. juntos a fls. 23 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

C. A A. apresentou, em 4 de Setembro de 2009, requerimento, ao abrigo do disposto no artigo 129.° do CIRC, com vista ao afastamento do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do mesmo diploma legal (cf. doc. junto a fls. 3 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos docs. juntos com o requerimento referido na letra anterior, a fls. 11 e segs. do PAT apenso;

E. Em 9 de Outubro de 2009, a A. foi notificada pelo SACR da Direcção de Finanças de Lisboa, através do Oficio n.º ........., de 7 de Outubro 2009, para proceder à junção de “(...) documentos que autorizem a Administração Fiscal a aceder à informação bancária da empresa e dos respectivos administradores referente ao exercício em que ocorreram as transmissões e ao exercício anterior ( ... )”, bem como “(...) cópia(s) da(s) escritura(s) publica(s) de compra e venda das fracções supra enunciadas (...)” (cf. doc. junto com a p. i. a fls. 62 e 63, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante de fls. 29 e segs. do PAT apenso);

F. Na sequência da referida notificação, a A. procedeu, em 20 de Outubro de 2009, à junção da escritura pública da compra e venda das fracções autónomas, mais requerendo a prorrogação do prazo para apresentação dos documentos de autorização de acesso a informação bancária com referência ao exercício em que ocorreram as transmissões e ao exercício anterior (cf. doc. junto a fls. 33 e segs. Do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. Em 21 de Outubro de 2009, a A. procedeu à junção de “Declaração de autorização de acesso à informação bancária da Sociedade, conforme disposto no artigo 129.º do Código do IRC” (cf. doc. junto a fls. 41 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. A A. foi notificada, através do Oficio n.º ........., de 11 de Novembro de 2009, para proceder à junção das declarações de autorização de acesso à informação bancária dos seus administradores, para o período de 2005/2006 (cf. doc. junto a fls. 47 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. Em 26 de Novembro de 2009, a A. apresentou requerimento de resposta ao Oficio referido na letra anterior, no qual, entre o mais, invocou que “a norma contida no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, tal como vem sendo aplicada pela administração tributária, isto é, no sentido da peremptória necessidade de autorização de acesso à informação bancária dos administradores ou gerentes dos contribuintes requerentes, sob pena de indeferimento liminar do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis por falta de observância de requisitos legais, constitui uma manifesta violação de princípios estruturantes da nossa ordem jurídica, designadamente, do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do da proporcionalidade, previsto no artigos 18.°, n.º 2, e 266.° daquela Lei Fundamental” (cf. doc. junto a fls. 50 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J. Por Ofício n.º ........., de 13 de Janeiro de 2010, recebido em 14 de Janeiro de 2010, o Administrador da empresa foi informado de que foi, na mesma data, expedida notificação para o Sr. AA, para, na qualidade de administrador da empresa, enviar o documento que autorize a Administração Fiscal a aceder à informação bancária do mesmo e de que da notificação consta que, não sendo dado cumprimento ao que lhe foi solicitado no prazo indicado, será arquivado o pedido apresentado pela empresa, procedendo os serviços à competente liquidação, na parte respeitante ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A do CIRC (cf. doc. junto a fls. 53 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. junto a fls. 56 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. A. A. foi notificada, através do Ofício n.º ......, de 5 de Fevereiro de 2010, recebido em 8 de Fevereiro de 2010, da decisão final de arquivamento por falta de requisitos legais do requerimento de prova do preço efectivo da transmissão das referidas fracções autónomas, proferida pelo Director de Finanças de Lisboa em 4 de Fevereiro de 2010 (cf. doc. 2 junto com a p. i. a fls. 65 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante de fls. 63 e segs. do PAT apenso);

L. Tal decisão foi exarada na informação n.º 08/10, com o seguinte teor essencial (cf. doc. 2 junto com a p. i. a fls. 65 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, igualmente constante de fls. 59 e segs. do PAT apenso):

“9. Os argumentos apresentados pela requerente e referidos no ponto 6 da presente Informação, não colhem, uma vez que, o Pedido de Prova do Preço Efectivo na Transmissão de Imóveis em apreço, está sujeito aos condicionalismos legalmente previstos no art°.129° do CIRC. Por conseguinte, de acordo com o preceituado no nº.6 do art.129° do CIRC, o consentimento de acesso aos elementos protegidos pelo segredo bancário referente às entidades mencionadas naquela norma, é necessariamente um dos requisitos da abertura do Procedimento previsto no referido artigo. Não havendo dispositivo legal que o dispense, não pode o Procedimento prosseguir, caso não seja acompanhado das necessárias autorizações.

10. Assim, atendendo à falta de normativo legal que dispense o requisito de apresentação de documento que autorize a administração fiscal a aceder à informação bancária do Administrador da requerente relativamente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, tendo já sido devidamente notificados, quer a empresa, quer o seu administrador ao tempo, para apresentarem no prazo de dez dias a declaração de autorização em falta, tendo também sido advertidos das consequências do respectivo incumprimento, como, até à presente data não foi a mesma apresentada, proponho que o Pedido em apreço seja arquivado, por falta de requisitos legais. Em conformidade, proponho também, que se proceda por parte dos Serviços desta Direcção de Finanças, à competente Liquidação do IRC na parte respeitante aos valores do ajustamento previsto no nº. 2 do artº. 58°.A do CIRC, para o exercício de 2006”;

M. A p. i. da presente acção administrativa especial foi enviada a juízo via SITAF em 10 de Maio de 2010 (cf. doc. junto a fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)”.



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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


Tal como avançamos, a este Tribunal cabe analisar e decidir se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia e dos erros de julgamento acima anotados.


Importa desde já dar conta que não foi questionada a matéria de facto considerada provada, encontrando-se, por isso, estabilizada.


- Da nulidade por omissão de pronúncia.


Na situação que nos é colocada, o Autor, ora recorrente, insurge-se contra a decisão proferida em 13.12.2016, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a acção administrativa especial interposta por si, na qual deduziu um pedido de anulação da decisão de indeferimento, por falta de requisitos legais, do requerimento de prova do preço efetivo na transmissão de três frações autónomas, apresentado à luz do artigo 129º do CIRC (atual 139º) e a condenação da AT ao seu deferimento.


Na PI, a ora recorrente defende que, a decisão de indeferimento do requerimento de prova de preço efetivo aqui em causa é ilegal, por falta de requisitos legais, desde logo por estar o requerimento instruído com documentos bastantes para prova efetiva do preços das transmissões, não podendo exigir-se, aos seus administradores, autorização para aceder às suas contas bancárias, sendo inconstitucional essa interpretação que é feita do n° 6 do artigo 129° do CIRC, por violação dos princípios da proporcionalidade, intervenção na vida privada, Estado de Direito, tutela jurisdicional efetiva e tributação pelo lucro real, a que aludem os artigos 2º, 26º, 20º, 17º, 286º e 104º da CRP.


Advoga a recorrente que, a decisão recorrida não se pronunciou quanto à tributação pelo lucro real, sendo, por isso, nula por omissão de pronúncia, com o que discorda a recorrida.


Vejamos.


A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia, prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT, só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.


Prende-se esta nulidade com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que determina que: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.


A omissão de pronúncia traduz-se numa denegação de justiça.


Para aferir desta nulidade há que atender às questões de fundo, àquelas que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter, não abarcando os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.


Uma coisa é a causa de pedir, outra, são os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma (causa de pedir). Quer a doutrina, quer a jurisprudência distinguem, por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (“questões”) integram a nulidade por omissão de pronúncia, mas não já a mera falta de discussão das "razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões/causas de pedir (cf. Prof. Alberto dos Reis, C.P.C anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2a. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690)


Regressando à PI, constatamos que, no ataque que desfere à decisão de indeferimento do requerimento para prova do preço efetivo dos três imóveis, que a decisão recorrida validou, a mesma padece de várias ilegalidades, pedindo a sua anulação e a condenação da entidade demandada a deferir aquela sua pretensão (prova do preço efetivo).


Estando em causa uma condenação à prática de ato devido, é nesta pretensão material que o Tribunal a quo se tinha de centrar (cf. art. 66º nº 2 do CPTA; vd. o acórdão do TCAS de 24.04.2024, processo nº 2003/08.8BELSB).


O Tribunal a quo, concluindo pela improcedência da ação, analisou todo regime legal para atender, ou não, à pretensão material da recorrente, assim como analisou as ilegalidades em que se esteou a recorrente.


Na PI, a recorrente alegou que: a entidade recorrida fez uma incorreta aplicação quanto à aplicação da lei no tempo; que o seu requerimento tinha todos elementos para prova do preço efetivo e que a exigência das autorizações bancárias de terceiros (administradores ou gerentes da Autora) afrontava os princípios constitucionais acima apontados, nomeadamente a tributação pelo lucro real (desde logo se não lhe fosse possível, à luz da norma – 129º CIRC- fazer prova do preço efetivo).


A propósito da tributação pelo lucro real, ao longo da PI a recorrente, aduz, em suma, que, em abstrato, o artigo 58º-A do CIRC (atual 64º) consagra uma presunção e o mecanismo do artigo 129º do CIRC visava ilidir a mesma, entendendo que, se essa presunção não fosse ilidível, colidiria com o princípio da tributação pelo lucro real (vd. pontos 25, 45 e 117 a 141 da PI).


Ora, esta argumentação jurídica em torno dos normativos em causa, não deixou de ser analisada e focada no discurso fundamentador da decisão recorrida, não dissentindo sequer o Tribunal a quo que a presunção em causa não pudesse ser ilidida por via da prova do preço efetivo das vendas que efetuou em 2006, por via do artigo 129º do CIRC.


A verdade é que, por força do disposto no artigo 73º da LGT, bem como do artigo 104º, nº 2 da CRP, as presunções em matéria de incidência tributária têm de puder ser ilididas, não se tendo desviado a decisão recorrida destes normativos.


Na situação colocada, não se está a discutir nenhum ato de liquidação em concreto em que tenha ocorrido violação da tributação pelo lucro real, mas o teor das normas em que se sustenta o regime da prova efetiva do preço quando se pretende demonstrar, como in casu, que as vendas ocorreram por valores inferiores ao VPT. Essa possibilidade de ilidir a presunção do valor das vendas das frações foi facultada à recorrente, tanto que apresentou o requerimento para tal nos termos do artigo 129º do CIRC que veio a ser indeferido por faltarem as autorizações para aceder às contas bancárias.


Pelo que, apesar da leitura feita do normativo pela recorrente, que não é diferente da vazada pelo Tribunal recorrido (quanto à admissão de prova para demonstrar o preço efetivo), a argumentação jurídica que faz acerca da interpretação dos normativos não deixou, ainda assim, de ser considerada pelo Tribunal no seu discurso norteador quanto à decisão que proferiu.


Visitando a decisão recorrida, ali se diz, com apelo à jurisprudência do TC que:


“A consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em sede de IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Para afastar a presunção constante do n.º 2 do artigo 58.º-A do CIRC, o legislador criou um procedimento próprio em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT, que encontra consagração legal no artigo 129.º do CIRC aplicável…”


Referindo mais adiante que: “…em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal - incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a distribuição equitativa da carga fiscal -, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (…)”


Sublinhando ainda que: “O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio”.


Diante de todo o exposto, improcede a apontada nulidade por omissão de pronúncia.


- Defende ainda a recorrente que a decisão recorrida erra quanto à interpretação do artigo 129º nº 6 do CIRC, na redação à data dos factos tributários (2006), ou seja, na redação anterior à redação dada pela Lei 53-A/2006 de 29.12, sublinhando que deveria ser convocado o artigo 63º-B da LGT com vista a obter autorização judicial para aceder às contas bancárias da sociedade e seus administradores.


Vejamos.


As transmissões dos imóveis aqui em causa ocorreram em 2006, entendendo a recorrente que, naquela data, o artigo 129.º, n.º 6, do Código do IRC não impunha qualquer obrigação de apresentação de documento de autorização da derrogação do sigilo bancário, o que só passou a ser exigido com a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro e que a AT teria de socorrer-se do artigo 63.º-B da LGT, que exigia autorização judicial para aceder às contas bancárias. Pelo que, afirma, a obrigatoriedade de juntar as autorizações dos administradores para aceder às suas contas bancárias só surgiu após as transmissões ocorridas em 2006. Ou seja, no entendimento da recorrida, não se exigia, à data dos factos tributários, qualquer autorização prévia da sua parte, nem dos seus administradores para aceder às contas bancárias e por essa razão, essa falta não podia servir de fundamento para o arquivamento do requerimento, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC.


A decisão recorrida depois de escalpelizar o quadro legal aplicável, desde logo os artigos 58º-A e 129º do CIRC, que transcreve, esclarece que:


“ Na redacção anterior à dada pelo artigo 52.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, o n.º 6 do artigo 129.º do CIRC determinava que “em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior”.


A A. situa a resolução da questão decidenda no âmbito da aplicação da lei no tempo.


Todavia, a alteração introduzida pelo artigo 52.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, na redacção do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC aplicável não assume relevância decisiva, apenas deixando expressamente consignado, que, para efeito de exequibilidade do acesso da administração fiscal à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes, deveriam “ser anexados os correspondentes documentos de autorização”.


Quer dizer, a A. dispunha dos mesmos direitos consagrados na redacção do n.º 6 do artigo 129.º do CIRC aplicável anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro. Ou, de outro modo, já antes da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, era sobre o requerente que recaía o ónus de instruir o pedido inicial do procedimento administrativo tendente à demonstração do preço efectivo praticado na transmissão de direitos reais sobre imóveis com a autorização de acesso à sua informação bancária e dos respectivos administradores ou gerentes. Isso mesmo decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão de 19 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 06599/13…”


Como se disse, o legislador criou um procedimento tributário em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, assim, afastar a presunção resultante do n.º 2 do artigo 58.º-A do CIRC, presunção cuja ilisão requer a prova em contrário (cf. artigo 350.º do CC) e prova cujo ónus recai sobre o requerente (cf. artigo 74.º, n.º 1, da LGT).


Por outro lado, dada a massificação das relações tributárias, assentes no princípio declarativo e a concomitante massificação das relações bancárias, cujos registos servem de suporte aos lançamentos contabilísticos, o acesso aos dados bancários do contribuinte [e dos respectivos administradores ou gerentes, acrescente-se] constitui o meio de prova, por excelência, da veracidade das declarações e dos registos contabilísticos (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 06090/12…”


O assim ajuizado é acertado.


Contrariamente ao apregoado pela recorrente, antes da redação dada ao artigo 129º nº 6 do CIRC, a AT podia ter acesso à informação bancária, como bem esclarece a decisão recorrida, sem ter de se socorrer da autorização judicial a que se refere o artigo 63º-B da LGT.


O inconformismo da recorrente centra-se, essencialmente, no facto de entender a decisão recorrida, que era necessário que tivesse instruído o seu requerimento para prova efetiva do preço dos imóveis, com as autorizações para aceder às informações bancárias, sobretudo dos seus administradores (não bastando unicamente a junção das escrituras e comprovativos de pagamento do preço).


A verdade é que essas autorizações, constituem uma condição para apreciação daquele requerimento para prova do preço efetivo, sendo o acesso à informação bancária da sociedade alienante e dos seus administradores um meio de prova adequado quando se trata de demonstrar que o preço de venda do prédio foi inferior ao seu VPT.


A este respeito, sumariou-se no acórdão deste TCAS de 07.11.2024, tirado do processo nº 1211/10.6BELRS, que na íntegra acompanhamos, o seguinte:

III -A ilisão da presunção mencionada no nº 2 do artigo 64º do CIRC, é efetuada nos termos do disposto no artigo 129º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos (atual artigo 139º), que podem, deste modo, efetuar a prova do preço efetivo da venda, sendo que no seu nº 6 se prevê que os requerentes têm de juntar ao requerimento inicial os documentos de autorização de acesso às suas contas bancárias, bem como dos seus gerentes ou administradores, no ano em que ocorreu a transação e no ano antecedente. IV –O disposto no nº 6 do artigo 129º (atual 139º), afasta o regime de segredo consagrado no artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF), dispensando a AT de lançar mão do procedimento instituído no artigo 63º-B da LGT.

V-Esta obrigatoriedade constitui uma condição necessária de apreciação do mencionado pedido, sem que com isso se mostrem afrontados os Princípios Constitucionais da Reserva da Vida Privada, da Proporcionalidade, da Igualdade, da Tributação pelo Lucro Real e do Acesso aos Tribunais e à Tutela Jurisdicional Efetiva”.

Discorreu-se ainda naquele aresto, que envolvia as mesmas partes e questões, relativamente à interpretação do artigo 129º nº 6 do CIRC, na redação vigente em 2006 (redação anterior à Lei 53-A/2006 de 29.12), e que na íntegra acompanhamos, o seguinte:


“(…) “Ora, a este propósito, a principal reivindicação da recorrente respeita ao facto de a alteração ao artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, impondo-lhe a junção com a instauração do procedimento de documentos subscritos pelos administradores do sujeito passivo autorizando o acesso a dados bancários, ter aliviado a AT de instaurar o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, que regulamentava, à data da operação de alienação, o acesso a informações e documentos bancários.


Este é, porém, entendimento sobre a norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC que não vemos refletido no acórdão recorrido e que, de resto, não resulta do quadro legal aplicável. De facto e desde logo, antes da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, o citado dispositivo já associava à instauração do procedimento para demonstração do preço efetivo de imóveis – como seu efeito direto – o acesso pela AT “à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior”, abrogando o regime de segredo estabelecido no artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF). Esta prerrogativa conferida à administração gozava de eficácia sobre as entidades bancárias, desprovendo-as da possibilidade de recusar o acesso à competente informação (cfr. artigo 79.º, n.º 2, alínea e), do RJICSF, na redação em vigor à altura, anterior à Lei n.º 94/2009 de 01 de setembro) e, sendo assim, não se divisa que fosse necessário ao abrigo da Lei antiga a instauração pela AT de um segundo procedimento administrativo (artigo 63.º-B da LGT) para aceder a elementos bancários: esse acesso era já autorizado por decorrência do quadro legal referente ao procedimento para demonstração do preço efetivo da transmissão de imóveis proposto, sem outros requisitos, substantivos ou procedimentais.


Senão, veja-se que o acesso a informação bancária ao abrigo do artigo 63.º-B da LGT, na redação à altura, tinha por fundamento previsivo uma de duas situações: a (i) aquisição de indícios de crime ou de falsidade das declarações fiscais apresentadas pelo sujeito passivo (n.º 1, alíneas a) e b)), ou a (ii) recusa ou a obstrução, ilegítimas, de exibição ou de permissão de consulta a elementos bancários (n.ºs 2 e 3). Sinalizam-se, pois, situações muito distantes da norma do artigo 129.º, n.º 6 do CIRC, que, nos antípodas, busca na iniciativa do particular (não na sua oposição) a fonte de legitimação para capacitar a AT a aceder a dados acobertados por segredo bancário.


De outra parte, seria incompreensível a necessidade de prolatar um despacho com “indicação dos motivos concretos” justificativos do acesso à informação (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT), quando esse acesso decorreria eo ipso da norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC e da iniciativa do sujeito passivo afetado pela medida. Menos ainda se compreenderia o deferimento da respetiva competência para o Diretor-Geral dos Impostos (sem possibilidade de delegação) (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT), a necessidade de audição prévia do contribuinte num procedimento em que a iniciativa lhe cabe a ele (artigo 63.º-B, n.º 5, da LGT) e, por último, tanto menos a admissibilidade de recurso judicial da decisão de aceder a informação bancária para sindicância de um efeito material indissociável do procedimento instaurado pelo sujeito passivo e cujo efeito (devolutivo ou suspensivo), nestes casos e para mais, seria um absoluto mistério (artigo 63.º-B, n.º 6, da LGT).


Em essência, o acesso a informação sigilosa é produto decorrente da natureza cooperativa e comutativa de que se achava dotado o procedimento tributário instaurado ao abrigo do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, de que decorria e que justificava a abrogação do segredo bancário, assim por contraste com a natureza contenciosa que caracteriza o procedimento do artigo 63.º-B da LGT, em que se denota a indiciação de fraude e/ou a obstrução à atividade de fiscalização tributária.


Conquanto o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC já previa a desproteção da informação bancária de administradores do sujeito passivo antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, não importando uma agravação da posição subjetiva dos particulares afetados pela norma, é de concluir que o novo ónus criado pelo diploma cinge-se a um ato de natureza burocrática: o sujeito passivo terá de elaborar documentos de autorização e de recolher a respetiva assinatura dos membros do seu órgão executivo (em funções à data da operação), dessa forma materializando a instrução necessária do procedimento administrativo nos termos da Lei nova.


Cumpre assinalar que a jurisprudência tributária vem compreendendo o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, nesta nova redação (hoje transposta, expressis verbis, para o artigo 139.º, n.º 6, do diploma), como não produzindo um efeito derrogatório, direto ou próprio, da confidencialidade bancária (v., neste sentido, os acórdãos do TCA Norte de 25 de fevereiro de 2021 no Proc. 735/12.5BEPRT e de 11 de março de 2021 no Proc. 1408/12.4BEPRT e acórdão do TCA Sul de 17 de outubro de 2019 no Proc. 387/18.9BELLE), antes deixando o levantamento do sigilo dependente de um ato declarativo dos respetivos beneficiários, que é dizer, do seu consentimento, formalizado em documento escrito e apresentado nos termos do mesmo articulado legal.”


Porque acompanhamos integralmente a fundamentação assim expendida, consoante referimos, também na situação trazida, o recurso terá igualmente de naufragar quanto ao erro na interpretação do artigo 129º nº 6 do CIRC na redação então vigente e bem assim do artigo 63º-B da LGT.


- Por fim, diz a recorrente que, a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao entender que, no “procedimento” de prova do preço de venda efetivo, estabelecido no artigo 129º do CIRC, devem ser juntos os extratos bancários dos seus administradores em violação os princípios constitucionais da reserva da vida privada, do Estado de Direito, da proporcionalidade e tributação pelo lucro real, entendendo a recorrente que se verificam todas estas inconstitucionalidades e que mal andou o Tribunal a quo ao não ter assim entendido.


Mas, não sem razão.


Concordamos, também aqui, com o ajuizado pela decisão recorrida quanto à não violação dos princípios constitucionais apontados, assente que está em jurisprudência sólida do Tribunal Constitucional (TC).


A respeito das inconstitucionalidades aqui em causa, tem sido vasta a jurisprudência do TC e deste TCAS, dando-se conta desde já do sumariado no recente acórdão deste TCAS, datado de 21.11.2024, prolatado no processo nº 1809/09.5BELRS, onde se sumariou que:


“3. O regime de derrogação do sigilo bancário da sociedade alienante e dos seus administradores, à data do negócio e no exercício anterior, não enferma de inconstitucionalidade material por violação do direito à reserva da vida privada, do princípio da tutela judicial efectiva, do princípio da proporcionalidade e do princípio da tributação do rendimento real das empresas.


4. Tal regime não colide com o regime de acesso por parte da Administração Tributária à informação bancária.


5. O acesso à informação bancária da sociedade alienante e dos seus administradores é um meio de prova adequado quando se trata de demonstrar que o preço de venda do prédio foi inferior ao seu vpt.”


A para disso, socorrendo-nos novamente do acórdão deste TCAS de 07.11.2024, que vimos seguindo de perto, a respeito da não verificação das mesmas inconstitucionalidades, esteado em jurisprudência sólida do TC, disse o seguinte, que na sua integralidade acompanhamos:


“Sobre a questão em apreço é vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional e toda no sentido de considerar que o nº 6 do artigo 129º do CIRC, não padece dos vícios que lhe são aqui assacados.


Por concordarmos, sem reservas, com a interpretação reiterada daquele Tribunal, e tendo em vista obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como determina o art. 8º, nº 3 do Código Civil, transcrevemos, o Aresto nº 176/2023, de 30/03/2023, tirado no processo nº 1213/2021, onde são tratadas todas as questões aqui suscitadas.


Assim, e sobre o princípio da Reserva de Intimidade da Vida Privada, Estado de Direito, Tutela Jurisdicional Efetiva e da proporcionalidade, discorre aquele Acórdão do seguinte modo:


11.1. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa) integra o catálogo de direitos, liberdades e garantias, estando dotado da especial eficácia que deriva do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. É habitual desdobrar este direito fundamental em três dimensões: o direito à solidão, o direito ao anonimato e o direito à autodeterminação informativa. Este último, por sua vez, é entendido como “o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada” (v. Acórdãos do TC n.º 442/2007 e 517/2015), definindo um espaço de arbítrio conferido a cada pessoa para “decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar” (ibid.) e é a dimensão que mais nos interessa no contexto colocado (em sentido parcialmente convergente, v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Almedina, 2007, pp. 467-468).


A grande dificuldade na compreensão deste direito, logo numa primeira abordagem, reside em distinguir, de entre o vasto espectro de informação relativa a uma pessoa, qual a que se inscreve no espaço de confidencialidade definido pelo seu perímetro defensivo e, dentro dele, em que medida se estabelecem graus de permeabilidade a exposição a publicidade entre categorias (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468). Se parece certo que a reserva de informação variará em função de estratos de natureza polarizada – entre a sua natureza íntima ou indiferenciada – é igualmente desafiante definir com segurança em que medida se pode entender que interesses jurídicos ou direitos justificarão limites ao direito e em função de que parâmetros.


Existirá, com toda a certeza, um núcleo de intimidade inviolável, mas a privatividade da informação relativa a uma pessoa dependerá de uma articulação multifatorial que permita compreender o contexto e dinâmicas em que está colocada: de uma parte, da sensibilidade da informação e da forma como se pode entender expressiva da personalidade e, por inerência, como uma componente da dignidade humana (artigo 26.º, n.º 2); de outra, da forma como a informação se correlaciona com terceiros ou com a comunidade jurídica e a eles também respeita, em maior ou menor medida, suscitando interesses legítimos de sinais opostos entre reserva, cognoscibilidade, publicidade e integração no domínio público.


Assim (v. g.), dada informação poderá entender-se protegida pelo direito a reserva se relativa ao comercial de uma empresa, mas não se respeitar a um deputado ou ao gestor de uma empresa de capitais públicos, atenta a relevância para a ordem pública de ambas as ocupações; dada informação relativa a uma criança estará protegida da curiosidade dos seus vizinhos, mas não dos seus pais, encarregues das respetivas responsabilidades parentais; informação haverá, relativa a todas estas pessoas, que será inviolável em qualquer caso, porque inscrita no estrito âmbito da intimidade individual, sem ramificações para terceiros e desprovida de ressonância interpessoal; e outras haverá, por oposição, cuja cobertura constitucional de reserva será inexistente, porque coevas ao contacto social e mundano. Entre estes dois extremos, imensas gradações intermédias se colocam, mesmo no plano teórico.


Assinalamos que o balizamento entre parâmetros não pretende exprimir as condições para a admissibilidade de intrusões no direito à reserva da vida privada tendo por orientação um referente legitimador, mas, a montante desse problema, sinalizar o caráter complexo da delimitação da esfera de proteção conferida pelo direito e da intensidade da sua tutela. Este deverá definir, assim um espaço de proteção conjunto, mas estratificado, social e “culturalmente adequado à vida contemporânea” (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468), que constitua manifestação da pluralidade de vetores inerente ao contexto pessoal de quem dela beneficia (e de quem pode prejudicar) e adequada concretização jurídico-constitucional das variáveis, de segurança e interpessoais, inerentes às relações entre o individuo, terceiros e a própria comunidade jurídica.


11.2. De entre as múltiplas categorias de informação cujo direito à autodeterminação se coloca, a jurisprudência constitucional veio sinalizando “uma „esfera privada de ordem económica‟, também merecedora de tutela” (acórdão do TC n.º 442/2007 citando ALBERTO LUÍS, Direito bancário, Coimbra, 1985, p. 88; v. também acórdãos do TC n.ºs 278/95 e 517/2015), que compreenderá a reserva de informação sobre o património e sobre operações económico-financeiras, agasalhando do ponto de vista jurídico-constitucional o segredo bancário, este o problema de charneira colocado pelo recorrente:


“a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, nº 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito. De facto, numa época histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes designadamente às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido” (acórdão do TC n.º 278/95)


A propósito de sigilo bancário, há ainda quem acrescente um enquadramento de natureza mais pessoal e proponha a sua integração num plano defensivo muito mais intenso. Defende-se que os dados bancários contêm em si mesmos uma miríade de informação acerca do seu titular apta a expor indiretamente vertentes íntimas da sua personalidade: da análise das posições bancárias e respetivos lançamentos, diz-se, obter-se-á “um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respetivo titular” (acórdão do TC n.º 442/2007), ou, por outras palavras, “são um espelho e um relatório circunstanciado do mais importante que uma pessoa moderna realiza ao longo da sua vida. Por isso, é, principalmente, no direito à reserva da vida privada que hodiernamente se baseia o segredo bancário e se procura que o regime deste seja conforme com a natureza de tal direito” (CAPELO DE SOUSA, “O Segredo Bancário – em Especial, Face às Alterações Fiscais da Lei nº 30-G, de 29 de dezembro”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles”, Vol. II, Almedina, Lisboa, 2002, p. 177).


Numa formulação adotada pelo Tribunal constitucional espanhol que ficou famosa, pretende-se que dos registos bancários decorra “a possibilidade de que, através da investigação das contas, se penetre a zona mais reservada da vida privada, já que, na nossa sociedade, uma conta corrente pode constituir «a biografia em números»” da pessoa humana (sentença do Tribunal Constitucional espanhol n.º 110/1984 in www.informatica-juridica.com; v., também, acórdão do TC n.º 278/95). Alguma doutrina portuguesa, alinhando com esta corrente, chega a ser ainda mais ilustrativa:


“[o] acesso à (…) conta bancária permite uma devassa sem freio e em todos os azimutes a todos os passos mais comezinhos da (…) vida particular. As suas fetiches, os seus hobbies, os seus devaneios, o seu percurso de vida pessoal, profissional e familiar, está hoje espelhado na sua conta bancária” (v. JORGE NETO, “Sigilo Bancário: que futuro?”, Fisco, n.º 107/108, 2003, pp. 47- 54); “O que cada um veste; o que oferece ao cônjuge e aos filhos; os restaurantes que frequenta; as viagens que realiza; como decora a casa; os estudos dos filhos; o volume da sua leitura; as próprias aventuras extra-conjugais, tudo é revelável através de uma consulta perspicaz a partir da sua conta bancária” (v. LEITE DE CAMPOS, Sigilo Bancário e Direito Constitucional, in: “O Sigilo Bancário”, Instituto de Direito Bancário, Edições Cosmos, Lisboa, 1997, p. 16)


Serve por dizer, a preservação por entidades bancárias da confidencialidade da informação de que disponham ao abrigo da relação entre cliente e banco, nesta conceção, será muito mais do que uma mera prestação contratual a cargo da instituição financeira ou um dever jurídico essencialmente decorrente de opções de política legislativa: a prestação a cargo do banco ou instituição financeira concretiza um dever jurídico de segredo com respaldo constitucional, ex vi artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que protege as vertentes da personalidade individual do ser humano mais íntimas, ficando, por inerência, dotado da inerente eficácia perante entidades públicas e privadas (cfr. artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa).


Não falta, porém, quem venha alertando para as inconsistências destas duas formas de observar o problema, que, com a extensão pretendida, parecem dificilmente compatíveis com a disposição constitucional (por nela não encontrarem respaldo) ou mesmo com a realidade empírica a que reportam:


“É problemática a inclusão nestes direitos de personalidade do pretenso «direito ao segredo do ter» («segredo bancário», «segredo dos recursos financeiros e patrimoniais», «segredo de aplicações do dinheiro», sigilo fiscal). Além de não haver qualquer princípio ou regra constitucional a dar guarida normativa a um «segredo do ter» (o que obriga alguns autores a recorrem forçada e esforçadamente a «direitos fundamentais implícitos»), sempre haverá que ter em conta a necessidade de concordância prática com outros interesses (ex.: combate à criminalidade organizada, combate à corrupção e tráfico de influências, combate à fraude fiscal, combate ao branqueamento de capitais, combate ao financiamento do terrorismo, etc.). Note-se que mesmo a aceitar-se algumas refrações do «segredo do ter» como dimensões do direito de personalidade, elas terão sempre maiores restrições do que o «segredo do ser», desde logo para efeitos de benefícios e subvenções públicas. Quem se candidata a benefícios ou fundos públicos aceita implicitamente limitações nos «direitos de personalidade patrimoniais»” (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 469)


Estoutra abordagem ao problema tem de interessante, desde logo, levar em conta a complexidade da rede interpessoal do sujeito e da tensão que exprime para com direitos e interesses de terceiros – ou para com interesses de ordem pública – quando se afere da privatividade e grau de defesa da informação sob reserva no plano constitucional, a que acima nos referimos e que se aconselha pela natureza do valor jurídico protegido.


Estoutra abordagem ao problema tem de interessante, desde logo, levar em conta a complexidade da rede interpessoal do sujeito e da tensão que exprime para com direitos e interesses de terceiros – ou para com interesses de ordem pública – quando se afere da privatividade e grau de defesa da informação sob reserva no plano constitucional, a que acima nos referimos e que se aconselha pela natureza do valor jurídico protegido.


A privatividade da informação de índole patrimonial e económica não se pode admitir equiparável à informação íntima, já que necessariamente se entrecruza com interesses de terceiros e da ordem jurídica observada na sua globalidade: se, como dissemos, certas informações apenas sinalizam os interesses pessoais do indivíduo a que respeitam ou a curiosidade frívola de outros (v. g., o culto que professa, a sua orientação sexual, preferências de doutrina filosófica, sentimentos amorosos ou de ressentimento, etc.), o património e as operações que o envolvem lançam ramificações sobre a situação de terceiros e da própria ordem jurídica, (v. g.) impondo deveres gerais de abstenção e representando a garantia geral das obrigações de que beneficia o universo de credores do indivíduo, atuais e potenciais. Inclui-se neste universo os credores de pensão de alimentos, de trabalhadores por prestações remuneratórias e da posição ativa sobre créditos fiscais: todos estes direitos estão dotados de dimensões que em muito excedem, em termos de natureza, carga ética e valor jurídico, o vínculo obrigacional de mera fonte contratual.


Por outro lado, operações de transferência de capitais, especialmente fluxos destinados a países estrangeiros, a subscrição de produtos financeiros, ações de resgate e toda uma constelação de atos e negócios jurídicos semelhantes, podem representar perigos de ordem pública, seja de descapitalização da economia, de ineficiência ou de desorganização de setores económicos, ou de potenciação de mecanismos de branqueamento de capitais de origem ilícita ou criminosa; podem também caracterizar práticas de fraude, de burla, de abuso de confiança, de frustração de créditos, de insolvência dolosa ou de evasão fiscal; significa isto que operações patrimoniais impactam em interesses regulatórios públicos, em especial, e no governo económico do país na sua globalidade, bem como em certas áreas do Direito criminal.


Quando falamos de informação sobre o património e, em especial, de informação bancária, estamos, pois claro, num locus muito distante da estrita natureza individual, endógena e personalística, própria da intimidade, dos dados informativos relativos a uma pessoa.


De sua parte, a justificabilidade do sigilo bancário ao abrigo da «esfera privada de ordem económica» quando concebida como espaço de tutela constitucional equiparável à informação da vida íntima ou familiar, tem contra si a poderosa evidência de que se limita a aplicações financeiras realizadas junto de Bancos e outras sociedades do setor (artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras). Se a informação relativa à situação económica pudesse ser entendida como a defesa do núcleo de informação mais privativo da pessoa humana, não se divisaria fundamento para um tratamento dos direitos patrimoniais de índole financeira tão mais garantístico face a outros, tanto ou mais aptos a exprimir a situação de riqueza pessoal: aplicações de capitais em bens imobiliários, propriedade de veículos, de aeronaves ou de barcos de recreio – que facilmente excederão o valor nominal da generalidade dos produtos bancários titulados pelo homem médio e que, por esse motivo, exporão de forma muito mais expressiva a sua posição económica –, não apenas não beneficiam de reserva de segredo, existe um regime legal de publicidade injuntivo por via de registo de acesso público, cuja brutal tensão com o direito constitucional à reserva da vida privada, a ser como se diz, constituiria uma enorme entropia do ordenamento nacional.


Também obras de arte e artigos de colecionador são objeto de ações de investimento em grandezas importantes (mesmo comparáveis a mercados financeiros) e, se não existe registo de conservação de acesso público quanto a eles, igualmente não se impõe (nem permite) a intermediários e a agentes fiduciários envolvidos no seu giro comercial especial dever (ou direito) de segredo que se pudesse dizer concretização daquele arquétipo da privatividade da informação económica do particular.


A exposição da informação patrimonial referente a uma pessoa é ainda mais gritante no que respeita à publicidade conferida a ações civis, designadamente de cobrança e incluindo processos executivos (cfr. artigos 163.º e 164.º, ambos do CPC). Tanto mais assim no domínio do processo insolvencial, em que a situação de colapso financeiro do sujeito, para além de pública, é anunciada (cfr. artigos 9.º, 37.º, n.ºs 7 e 8 e 38.º, todos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas [CIRE]) e que franqueia a terceiro (o administrador de insolvência) total acesso à informação patrimonial do insolvente, também para efeitos de gestão (cfr. artigo 81.º do CIRE). Não se conhece que alguma vez se tenha debatido a necessidade, neste panorama normativo, de resguardo por vertentes da personalidade assente na máxima privatividade da posição económica a coberto do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.


Sobre a animada defesa do sigilo bancário como instrumento de tutela da esfera íntima do indivíduo – ou seja, não tanto por se atribuir relevo constitucional maximizado ao segredo da posição económica, mas porque a informação bancária expõe vertentes efetivamente íntimas da pessoa de forma indireta –, há que notar que toda a argumentação apresentada está construída tendo por única referência «contas bancárias» e apenas quando observadas como registo histórico de pagamentos. Mesmo a ser como se propõe, teríamos por excluída da reserva de confidencialidade toda a informação referente aos demais contratos bancários e ao restante universo de atos e operações passíveis de execução por um Banco sob ordem do seu cliente. Não é com esse alcance, porém, que aquela parte da doutrina compreende o segredo bancário e seu regime de eficácia, razão por que o espaço de tutela que se pretende conferido excede, em muito, o que se diz seu fundamento.


Mesmo quanto a contas bancárias, o segredo apenas se justificaria, na aceção proposta, quanto ao seu registo de movimentos, não quanto às demais informações a elas respeitantes (v. g., saldos, contitularidade e identidade de outros beneficiários, de procuradores, condições de juro, de vencimento, de comissionamento, etc.), sendo que contas de depósito imobilizadas ou que não sejam objeto de operações de caixa regulares (v. g., contas de depósitos a prazo), jamais se justificaria ficassem acobertadas por sigilo, já que são impassíveis de exprimir o quotidiano do titular.


Caberia ainda aos partidários desta posição explicar a distância de tratamento que reservam para o sigilo sobre a informação bancária face a toda a demais que seja obtida e conservada por empresas fora do setor financeiro no âmbito das relações contratuais que estabelecem com o público. A análise dos instrumentos de faturação ou de extratos da conta de clientes de (v. g.) uma concessionária de troços rodoviários, de uma empresa de viaturas de aluguer, de serviços de entretenimento, ou de compras online, pode exprimir, de forma semelhante ao extrato de uma conta bancária e com valor enciclopédico, dados de natureza muito pessoal do respetivo cliente, incluindo quanto às suas rotinas, as suas presenças, deslocações e consumos, preferências literárias e hábitos de lazer. Os dados contratuais de um cliente de uma operadora de serviço web, para oferecer apenas mais um exemplo, poderão permitir identificar o autor de um «blog» político anonimizado no espaço web, ou, ao menos, adquirir uma constelação de informação sobre ele que permita singularizá-lo de entre um universo indiferenciado pelo cruzamento com dados circunstanciais.


De radical e por fim, se o segredo bancário tivesse por subjacente o nível de tutela constitucional que lhe é atribuída, teríamos também por francamente intrigante a total disponibilidade dessa informação que é permitida ao Banco, uma vez deflagre litígio com o seu cliente. Pense-se nas ações de cobrança com fundamento em contrato de cartão de crédito, incidência abundante no giro judiciário. Nestas ocasiões, dir-se-ia, ocorre com total impunidade a penalizadora «devassa» da vida privada do cliente que se pretende repelida, deixando-o à mercê da exposição da sua vida pessoal e íntima pela documentação no processo judicial, com inerente publicidade, do seu histórico de pagamentos (constitutivo da obrigação de reembolso e de juro à instituição financeira), sem que se observe no regime processual qualquer peculiaridade que traduzisse um esforço de concordância prática com o direito à reserva sobre essa informação, na aceção que se defende.


Em face de todo o exposto, ainda que uma esfera de privacidade de ordem económica se possa entender acobertada pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, esta localizar-se-á num espaço altamente periférico do direito à autodeterminação informativa, resultando fragmentária quanto a objeto (de tal forma que não se afigura defensável um princípio geral de reserva sobre informação patrimonial) e particularmente permeável a fórmulas de intrusão quando em presença de interesses constitucionais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).


O sigilo bancário, por conseguinte, “não é, não pode ser, uma concretização do princípio constitucional do direito à intimidade privada” (COSTA ANDRADE, “Manual da Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – uma perspetiva jurídico-criminal”, Coimbra, 1996, pp. 98-100, apud VANESSA RAQUEL FERREIRA COELHO, “Sigilo Bancário, Problemas Fiscais e Constitucionais”, 2012, Porto, p. 33), precisamente porque não respeita a “questões claramente íntimas, no sentido de questões conexas com as escolhas e vivências mais impregnadas de subjetividade de um qualquer cidadão” (SALDANHA SANCHES, in “Segredo Bancário, Segredo Fiscal: uma perspetiva funcional”, in “Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira”, CEJ, Coimbra, 2004, pp. 33-42, apud VANESSA RAQUEL FERREIRA COELHO, ibid.). Dito de outra forma, o sigilo bancário não conforma um regime jurídico de cobertura aos valores jurídico-constitucionais a que, de forma mais intensa, o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa oferece proteção. Este, abrangerá apenas “aqueles domínios que, sendo emanação da personalidade humana, expressam valores ou opções do foro íntimo que não têm de ser conhecidas relacionalmente por encarnarem valores de dignidade do Homem enquanto Homem, visto como dono exclusivo do seu corpo, do seu espírito e das suas manifestações segundo a concepção civilizacional vigente (opções filosóficas, religiosas, políticas, sexuais, etc.)” (BENJAMIM RODRIGUES, “O sigilo bancário e o sigilo fiscal - Segredo Bancário”, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, p.104), já não os movimentos de tesouraria ou de investimento de uma qualquer pessoa.


Foi com este alcance que, no acórdão n.º 42/2007, o Tribunal Constitucional definiu a tutela jurídico-constitucional que subjaz ao segredo bancário, sinalizando a medida relativizável por que atinge o direito à autodeterminação informativa e, por inerência, excluindo-o dos atos sob reserva necessária de juiz em processo criminal:


“O âmbito da privacidade atingido pelo levantamento do sigilo bancário não é equiparável à liberdade pessoal (afectada com a aplicação de medidas de coacção) ou ao núcleo da reserva de privacidade que é afectado com uma escuta telefónica ou com uma busca domiciliária. O segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional da reserva da intimidade da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal (…) o segredo bancário não é um direito absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…) o levantamento do sigilo bancário é instrumento especialmente relevante em matéria de criminalidade económica; por outro lado, abrange uma dimensão da vida do investigado diversa daquela que reclama necessariamente do ponto de vista constitucional a intervenção do Juiz” (acórdão do TC n.º 42/2007; v., também, acórdão do TC n.º 602/2005)


Abordando matéria mais próxima do caso sub iudicio, este Tribunal Constitucional, em linha com o exposto, já antes fez ver que “o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República”, mas impõe-se assinalar que “se localiza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes.”. Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” e é mais suscetível a “restrições (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. (v. Acórdão do TC n.º 145/2014 e, também, Acórdãos do TC n.ºs 442/2007 e 517/2015).


À guisa de remate, concluímos que a verdadeira complexidade ao definir “um conceito de esfera privada de cada pessoa culturalmente adequado à vida contemporânea” (v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., p. 468) reside no processamento e apreensão da dinâmica da atual condição de existência humana, observando-a em erspetivas auto - e heterocêntricas e abarcando as peculiaridades e desafios que coloca, bem como em apreender a tangibilidade da noção de individualidade do ser humano que ainda subsiste, do seu direito ao isolamento e a impedir a exposição da sua informação pessoal a terceiros, também no âmbito patrimonial quando seja essa individualidade humana que esteja em causa, não apenas uma ambição (ou obsessão) por clandestinidade.


Este problema é particularmente candente quando se debate segredo bancário e os interesses que subjazem ao Estado fiscal, e ultrapassa as fronteiras nacionais, sem que por isso a solução seja mais difícil da que subjaz a outros problemas relativos a direitos, liberdades e garantias:


“O futuro provavelmente não nos reserva outro caminho senão o da crescente abertura da informação bancária às administrações tributárias dos estados. Pois, manda o bom senso, que não podemos querer simultaneamente os com moda da sociedade de informação, que por toda a parte escancara portas, e os com moda de amplos domínios reservados ou sigilosos, que insistem em manter-se ou até reforçar-se. O que, claro está, coloca em novos moldes o velho (e sempre novo) problema do Estado de Direito, que é, como sabemos, o problema do justo equilíbrio entre os direitos dos cidadãos, de um lado, e os poderes da administração, de outro.


Por isso, há que enfrentar este novo desafio com coragem e sem maniqueísmos. Pois entre o segredo absoluto, que tudo sacrifica nos altares da arcana praxis, e a devassa, própria do mais descarado voyeurismo, há uma infinidade de oportunidades de realização do justo equilíbrio. Ou por outras palavras entre o oito e o oitenta há, afinal de contas, setenta e duas hipóteses de concretização de um tradeoff que não debite todos os custos e ónus a uns e credite todos os proveitos e benefícios a outros. Ousemos, pois, enfrentar os extremos e buscar o juste milieu, onde, segundo reza um aforismo bem conhecido, reside a virtude.” (v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 78-79)


De outra parte e também com interesse para o caso sub iudicio, já resulta do que ficou dito que o direito à reserva de privacidade recenseado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa tem como perspetiva e objeto de observação o Ser Humano, na sua individualidade, intimidade e endogenia, pelo que, em princípio, dir-se-ia que as pessoas coletivas, ao menos quando se trate de entidades instrumentais ao desenvolvimento de uma atividade económica (maxime, sociedades comerciais), estariam excluídas do âmbito de tutela do direito. Estes entes coletivos são apenas uma forma de organização de interesses empresariais, achando-se por isso distantes, por sua própria natureza e pelos princípios ordenadores do seu escopo jurídico, do núcleo de valores constitucional em que assenta o direito à reserva de intimidade da vida privada, razão por que a respetiva proteção resulta excluída (cfr. artigo 12.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).


O Tribunal Constitucional expressou já dúvidas sobre esta matéria, assinalando que a inclusão no espaço de defesa da privacidade “é problemática em relação às pessoas coletivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações fundamentadoras acima aduzidas, que se apoiam na possibilidade de acesso à esfera mais pessoal” da pessoa humana (v. Acórdão n.º 442/2007). Frontalmente contra, já se defendeu: “Considero que a inclusão do sigilo bancário de que sejam titulares pessoas colectivas no ambito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, não será apenas problemática, como o acórdão concede (n.º 16.2, último parágrafo), mas é, mais radicalmente, de afastar. E, como só na medida em que constitui refracção deste direito à reserva da privacidade se me afigura possível dar guarida ao sigilo bancário no elenco dos direitos fundamentais, entendo que o legislador não está subordinado, no reconhecimento e conformação do sigilo bancário relativamente a pessoas colectivas (e entes equiparados), ao regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias. Efectivamente, os direitos fundamentais são primordialmente direitos de indivíduos, de pessoas singulares. (…)


(…) o que pode justificar que aspectos do "segredo do ter" da pessoa, patentes na conta e noutros dados da situação económica do titular em poder de uma instituição bancária, sejam assimilados ao "segredo do ser" protegido pela reserva da intimidade da vida privada é o que esses elementos podem revelar das escolhas ou contingências de vida do indivíduo, dos seus gostos e propensões, do seu perfil concreto enquanto ser humano, que cada um deve ser livre de resguardar do conhecimento e juízo moral de terceiros. Esta teleologia intrínseca surge eminentemente ligada à protecção da dignidade da pessoa humana, não sendo extensível a entes que apenas tem uma capacidade jurídica funcional, limitada pelo princípio da especialidade do fim que estatutariamente prosseguem, que não têm projecto de vida livremente determinado, pelo que o direito ao segredo bancário que contratual e legalmente se lhes reconheça não goza da protecção constitucional especificamente conferida pela inclusão do bem protegido pelo sigilo no âmbito do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.”


(voto de vencido do Cons. Vítor Gomes ao Acórdão do TC n.º 442/2007)


Esta posição, porém, não é congruente com a aceitação de uma dimensão de ordem económica do direito à privacidade, que, ainda que volúvel e permissiva a ingerências quando em presença de valores constitucionais, se reconhece contida no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, como acima assinalado. Não se perceberia que, de um lado, fosse reconhecida a uma pessoa privatividade sobre informação relativa a titularidade de bens e a atos e negócios de natureza económica, quando observada ou agindo singularmente, e, de outro, se lhe negasse qualquer forma de tutela constitucional quanto às mesmas informações quando se ache associada a outras numa estrutura jurídica de organização de interesses, ou quando, agindo singularmente, se enroupe de uma fórmula jurídica de idêntica natureza (v. g., sociedades unipessoais).


Poder-se-ia contrapor que certas entidades coletivas – dotadas de personalidade jurídica, ou de subjetividade bastante para que lhes seja possível atuar no tráfego jurídico com autonomia: (v. g.) sociedades de capitais, fundos de investimento ou fiduciários, fundações e estabelecimentos estáveis, etc. – não possuem substrato pessoal tangível que permitisse caracterizar a titularidade do negócio e a prática de atos por pessoas, antes se reduzindo a formas de organização de acervos patrimoniais ou a fórmulas de investimento financeiro de caráter estrito, tornando ainda mais fantasiosa a sua equiparação, para efeitos de tutela, ao Ser Humano.


A nosso ver, o problema aqui está invertido: em último termo, qualquer uma destas entidades tem por atributo essencial a titularidade de bens e a realização de operações económicas por uma (ou mais) pessoa humana, por vezes apelidada de beneficiário efetivo (cfr. Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto), que, de uma maneira ou de outra, será também a última responsável pela respetiva gestão; o exposto, porém, já se pode entender altamente ilustrativo da insipidez e da tibieza da informação económica para que a sua exposição possa impactar na integridade do indivíduo e se possa entender abarcada por um direito fundamental dirigido à tutela da confidencialidade sobre a vida pessoal e familiar: quando destilada para o seu estado purificado, como é o caso quando a encontramos associada a uma estrutura jurídica de interesses e de investimento, obtemos prova de que a informação económica pouco ou nada revela sobre os conteúdos humanos do indivíduo a que respeita e que se acobertam pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.


Assim, se se pode admitir que as entidades coletivas beneficiem de privacidade e exclusividade gestionária sobre a sua informação pessoal, designadamente a detida por entidades bancárias, a sua natureza exclusivamente económica e a sua estrita contextualização nesse âmbito colocará a tutela num espaço ainda mais periférico do espectro de defesa definido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, resultando tanto mais permeável a ingerências fundadas em valores constitucionais (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).


9.3. Regressando ao caso sub iudicio e observando a alegação do recorrente de forma integrada, este suporta o vício de inconstitucionalidade material que aponta ao artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, no direito à reserva da informação privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), que viemos de analisar, que depois articula com os princípios de Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), de efetividade da tutela jurisdicional (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4, também da Lei Fundamental) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).


O argumento do recorrente reside no seguinte: ao subordinar-se a validade da instauração do procedimento para prova efetiva do preço do imóvel (artigo 129.º, n.º 6, do CIRC) à apresentação, com o requerimento inicial, de documentos autorizando o acesso a informação protegida por segredo bancário (do sujeito passivo e seus administradores), o requerente é colocado perante um dilema que se diz incomportável à luz da Lei Fundamental: ou se conforma com esse acesso, ou vê precludido o seu direito a ilidir a presunção de valor do imóvel por aplicação do VPT, nos casos em que este valor seja superior ao preço declarado na operação (cfr. artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2 do CIRC, hoje artigo 64.º, n.ºs 1 e 2, do diploma). É este o efeito que o recorrente entende abusivo e que diz violação dos citados princípios constitucionais.


Ora, desde logo ressalve-se que a norma apenas permite, não obriga, a AT a aceder a dados bancários, pelo que a linha argumentativa da recorrente logo por aqui surge enviesada.


Há que conceder, porém e sem receios, que, fora de situações particularmente evidentes, será, na prática, inevitável que se controlem, no âmbito do procedimento administrativo em referência, os movimentos financeiros verificados no período da operação geradora da mais-valia e nas suas cercaduras, o que apenas será possível acedendo à informação detida por instituições bancárias. O controlo destes fluxos será, de resto, a única forma de ver comprovada uma intensa improbabilidade, a de que um imóvel tenha sido transacionado abaixo do VPT.


Em condições normais, este resultado apenas se verificará em três situações: quando a fórmula do CIMI se mostre inflacionária face aos indicadores de mercado (processo de subvalorização estatisticamente muito infrequente); quando o negócio possua atipicidades face à natureza da operação, estando dotado de caráter de liberalidade em alguma medida (v. g., preços com desconto, de índole promocional ou consequência de táticas agressivas de mercado, estratégias de valorização de propriedades circundantes, criação de lojas-âncora em superfícies comerciais, etc.); ou quando as necessidades de tesouraria do vendedor imponham a conversão do ativo em liquidez de forma imediata, tornando gerível o encaixe da perda do ponto de vista económico.


Ainda que situações desta natureza sejam, naturalmente, equacionáveis e legítimas, a jurisprudência constitucional vem fazendo ver (v. Acórdãos do TC n.ºs 145/2014, 442/2007, 517/2015, 514/2022, 392/2022 e 393/2022) que a erosão da base de tributação verificada nestes casos não deixa de sinalizar a possibilidade (ou a probabilidade) de arquiteturas evasivas de imposto, ou seja, a adoção de construções que conduzam a que a formalização do negócio não manifeste o verdadeiro quantitativo da contrapartida económica do vendedor, seja, v. g., por simulação da cláusula de preço ou por esquemas mais complexos, caracterizados pela ocultação ou enviesamento da substancialidade económica do negócio (cfr. artigos 39.º e 38.º, n.ºs 2, 3 e 4, da LGT). O exposto é o bastante para expor a evidente tensão que a situação exprime para com a adequação da carga fiscal no âmbito do IRC, que se impõe e deriva diretamente de fonte constitucional (artigo 12.º, n.º 1, 2.ª parte, 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa).


É neste contexto e inspirada por estas preocupações que surge a necessidade de correção da matéria coletável para o VPT do imóvel para efeitos de fixação do valor de realização presumido da mais-valia (cfr. artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2 do CIRC, na redação em vigor à altura) e será nesse domínio e nesse pressuposto que se aferirá o limiar probatório que permitirá ao sujeito passivo ilidir essa presunção.


Ora, se não merece dúvidas que a base empírica que justifica a presunção legal radica, precisamente, na insuficiência da informação documental que formaliza a operação e que a suporta contabilisticamente para que exista segurança sobre a adequação da carga fiscal sobre a mais-valia, temos por óbvio que o procedimento para ilisão do preço efetivo seria absurdo (e inútil) se pudesse ser apreciado e decidido limitando-se, no plano probatório, à análise dessas mesmas informações documentais. Dito de outra forma, a natureza cooperativa do procedimento administrativo-tributário, de um lado, e, de outro, o padrão de prova exigível para ilidir a presunção face às peculiaridades da situação colocada, impõem que sejam trazidos à AT outros dados probatórios que não aqueles de que a administração já dispõe ou a que pode aceder em condições gerais.


É neste âmbito que surge a informação sobre fluxos financeiros em instituições bancárias relacionados com o sujeito passivo como elemento essencial de prova, já que apenas por essa via será possível compreender racionalmente de que forma a situação de riqueza foi transferida no período da operação e de concluir que os movimentos de cash flow são compatíveis com a natureza e efeitos das operações declaradas e documentadas.


O acesso à informação bancária relativa a administradores em funções à data da operação e aos exercícios económicos que a envolvem será condição não menos importante da aquisição de um juízo de convicção mínimo sobre o objeto do procedimento. Impõe-se levar em conta o caráter tendencialmente anómalo do valor de realização declarado e que a proximidade para com a gestão da empresa dos instrumentos financeiros de que os executivos disponham conferem-lhes especial aptidão para constituírem veículos de fluxos de capitais periféricos à operação, mas potencialmente assimiláveis à noção de contrapartida. Pense-se na utilização de «side letters» ou de estipulações em contratos particulares vestibulares à formalização da alienação (v. g., promessas ou acordos atípicos) e na facilidade com que se podem estabelecer, paralelamente ao negócio que realiza a mais-valia, formas de contrapartida formalmente classificáveis como rendimentos de outra categoria, mas em substância complementares a preço, bem como estipulações que as transfiram do território para efeitos de conexão à Lei fiscal, ou que lhes confiram outro destino aparente. Em todos estes casos, obtém-se a externalização do input financeiro, erodindo a base de tributação em IRC da empresa alienante. Operações posteriores poderão permitir, mais tarde, o ingresso desta parte da mais-valia, marginal ao lucro do exercício, na empresa, porventura com registo como dívida ou capital (v. g., realização de suprimentos, de prestações acessórias ou complementares, subscrição de capital ou de obrigações, etc.) e, assim, persistindo subtraída a tributação em aparência. A operacionalização deste tipo de arquiteturas terá de encontrar em contas bancárias exteriores ao sujeito passivo um interposto e canal de passagem do fluxo financeiro, surgindo, por isso, as contas bancárias dos seus executivos como especialmente adequadas para esse propósito, em face da sua proximidade para com a atividade social, da relação fiduciária que mantêm para com a entidade empresarial gerida e do seu compromisso para com os seus interesses patrimoniais. Isto não significa que o procedimento em causa se destina a ilidir uma presunção de fraude, precipitadamente extraída, sobre empresa e administradores, de nada mais que da alienação de um imóvel por valor abaixo do VPT, ou que fosse nesse tipo de esquema mental que se buscasse fundamento para a intrusão no direito a privacidade. Algumas destas arquiteturas, mesmo no âmbito dos exemplos acima elencados, poderão constituir meras opções de gestão ou modelos jurídico-económicos permitidos e é também possível que nem sequer existam (relembre-se os exemplos supra oferecidos de situações em que imóveis são transacionados abaixo do VPT). Em todo o caso, a situação, em toda a sua extensão e qualquer que seja, terá de ser adequadamente compreendida na sua globalidade e de acordo com uma visão panorâmica da realidade da empresa. Só assim será possível concluir pelo equilíbrio da tributação, também porque é a substancialidade dos atos e negócios jurídicos que importam para efeitos de apuramento da matéria coletável, não tanto a arquitetura formal que lhes subjaz.


Dito de outra forma, poderá não existir qualquer prática do sujeito passivo e seus administradores paralela à operação; existindo, algumas serão legítimas, outras serão fraudulentas e outras ainda serão descaracterizadas para efeitos de incidência fiscal, reconduzindo-se da sua forma à sua substancialidade económica por mediação de institutos anti-abuso; impõe-se, não obstante, que todas elas, e o problema em toda a sua extensão, possam ser suficientemente compreendidos, já que, no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, o que se visa é a equidade e legalidade da tributação. Assim, a análise e confronto com informação bancária, do sujeito passivo e dos seus administradores, é pouco menos do que uma inevitabilidade na ilisão da presunção legal e constitui condição indissociável da apreciação do objeto do procedimento, também (ou especialmente) quando se pretenda poder concluir pela verificação de uma situação excecional que evidencie a racionalidade subjacente a um negócio de contrapartida altamente improvável, derrubando vitoriosamente a presunção estabelecida no artigo 58.º-A, n.ºs 1 e 2, do CIRC (na redação em vigor à altura).


A melhor doutrina vem alertando, desde há muito, para a necessidade de reforço do acesso a dados bancários pela AT neste tipo de situações:


“a administração fiscal, na grande maioria das situações, não administra os impostos, antes se limita a fiscalizar se os particulares desempenham corretamente essa tarefa. Ora, para levar a cabo adequadamente esta sua missão fiscalizadora ou inspetiva, a administração fiscal há-de dispor dos correspondentes instrumentos ou meios.


Meios esses que, numa economia em que se generalizaram as relações bancárias com os indivíduos e com as empresas, ao ponto de a grande maioria das relações económicas passarem pelas instituições bancárias, dificilmente serão conseguidos, em numerosíssimas situações, se insistirmos no bloqueio quase total no domínio do acesso às informações guardadas por tais instituições.” (v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 75-76)


De resto, in casu, a não ser assim e não sendo disponibilizada à AT informação bancária, seria provável que a generalidade (senão a totalidade) dos procedimentos propostos ao abrigo do artigo 129.º, n.º 5, do CIRC tivessem por desfecho um árido juízo de fracasso, pelo insucesso do contribuinte em ilidir a presunção estatuída pelo artigo 58.º-A, n.º 2, do diploma, em face da quantidade de hipóteses plausíveis que os atos formais colocam (non liquet probatório).


Associa-se ainda ao exposto o facto de o acesso a informação bancária não significar a sua integração no domínio público ou, ao contrário do que sucede nos processos judiciais, a sua sujeição a um princípio-regra de publicidade. Nos antípodas, os elementos disponibilizados à AT ficarão sob a reserva de confidencialidade conferida pelo sigilo fiscal (artigos 64.º e 64.º-A, ambos da LGT) e com garantia de tutela criminal (artigo 91.º, n.ºs 3 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias), ou, por outras palavras, ficarão confinados ao domínio administrativo, inacessíveis ao público e impassíveis de serem instrumentalizados para saciar a curiosidade caprichosa de terceiros.


Esta não é uma observação de somenos importância, por significar a minimização do alcance da intrusão na esfera de privatividade das pessoas afetadas pela norma. Este Tribunal Constitucional já fez ver:


“quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro)” (v. Acórdão do TC n.º 145/2014 e, também, Acórdãos do TC n.ºs 442/2007 e 517/2015)


Assim, não apenas o direito a reserva da informação bancária se integra num espaço francamente periférico do perímetro defensivo definido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, especialmente no que respeita aos sujeitos passivos do IRC, como vimos, temos que o acesso a essa informação no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC constitui uma forma de ingerência no direito de impacto minimal, que, para mais, depende de uma iniciativa procedimental (do requerente) e de um ato declarativo subsequente (de todos os sujeitos jurídicos afetados), ao contrário do que sucederia, por exemplo, em procedimentos oficiosos desencadeados por entidades públicas por mero exercício de autoridade.


É também de sublinhar que a medida de intrusão é realizada por tributo a princípios constitucionais de primeira água, seja o dever fundamental de pagar impostos (artigo 12.º, n.º 1, 2.ª parte, da Constituição da República Portuguesa), sejam os princípios essenciais da Constituição fiscal, de tributação das empresas pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), de igualdade (horizontal e vertical) tributária e sua subvertente da capacidade contributiva (artigos 13.º e 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), e, em face da reduzida exposição da informação que importa, a norma acha-se em evidente obediência a critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade (proibição de excesso) face aos referentes legitimadores (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).


Assim, concluímos que o artigo 126.º, n.º 6, do CIRC não merece a censura constitucional por violação dos princípios da reserva da intimidade privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).


11.4. Finalmente, resulta do que ficou já dito que tanto menos se observa qualquer forma de cerceamento do direito a um processo jurisdicional (ou procedimento administrativo) justo e equitativo neste plano, entendido como a fórmula processual que garanta direito a prova e que dote de efetividade o exercício de direitos pela recorrente (e no plano administrativo-tributário) (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4, também da Lei Fundamental).


Sobre a noção e alcance do princípio de tutela jurisdicional, é entendimento deste Tribunal Constitucional: “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 1º, pág. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96). Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproprocionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in «Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra, 2003, pág. 839, e ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 122/02 e 403/02).” (v. Acórdão do TC n.º 145/2014)


Em face do que dissemos, não é razoável a defesa de que estes parâmetros sejam desrespeitados pela solução legal do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC: como já assinalámos, o acesso a dados bancários, em face da situação colocada, é pouco menos que uma inevitabilidade para que o sujeito passivo possa ilidir o onus probandi que o vincula e, nos casos (necessariamente contados) em que os dados financeiros sejam desnecessários, a Lei não impõe que esse acesso suceda (sem prejuízo da disponibilidade dos instrumentos de autorização necessariamente juntos pelo requerente).


Considerando os interesses substantivos que se entrecruzam na previsão legal e a natureza cooperativa do procedimento, temos que a solução legal exibe um equilíbrio entre interesses ponderado, sem que se denote qualquer forma de rutura com os direitos constitucionais e respetivas prerrogativas de defesa conferidas aos administrados, tanto menos com o seu direito a tutela jurisdicional subsequente à conclusão do procedimento administrativo.


Sobre esta questão, este Tribunal já fez ver sobre norma aqui fiscalizada:


“No caso vertente – recorde-se -, houve lugar a uma correção oficiosa do valor da transmissão de bem imóvel nos termos previstos no artigo 58º-A do CIRC por ter sido detetado que o valor constante do contrato era inferior ao valor tributário do imóvel. A lei permite nessa circunstância que o interessado faça prova, através do procedimento especial previsto no artigo 129º do CIRC, do preço efetivamente praticado, mas com a sujeição, como requisito prévio, à junção de autorização para consulta de dados bancários da requerente e dos seus administradores ou gerentes.


O procedimento é, por isso, desencadeado por iniciativa e no interesse do sujeito passivo do imposto e destina-se a ilidir a presunção – de que parte a norma do artigo 58º-A – de que o preço da venda não foi inferior ao valor tributário do prédio.


Sendo essa a finalidade do procedimento tributário, seria inteiramente inconsequente que a prova do contrário fosse efetuada, por simples iniciativa do interessado, e – como preconiza a recorrente -, através dos próprios documentos que titulam o contrato, dos meios de pagamento utilizados e dos elementos de contabilidade, quando o documento contratual é o mesmo que evidenciou a existência de uma possível simulação do preço e justificou a correção do valor da transmissão, e os outros meios de prova, em caso de ter havido a intenção de praticar fraude fiscal, deverão revelar uma aparente conformidade com o que consta do contrato.


Para além disso, o consentimento do interessado para permitir à Administração Fiscal confrontar esses elementos probatórios com outros dados cobertos pelo sigilo bancário é uma medida que se mostra consentânea com o dever de cooperação que incumbe ao contribuinte, tanto mais que o procedimento foi instaurado, no seu interesse, para repor a verdade material. A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar; e não é um meio desproporcionado ou excessivo se se considerar que a quebra de privacidade é inerente ao exercício do direito e ajusta-se aos objetivos do procedimento tributário utilizado (cfr. artigo 350º, n.º 2, do Código Civil).” (v. Acórdão do TC n.º 145/2014)


Em face de todo o exposto e por fim, resta concluir que a norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, na interpretação normativa sindicada, não viola os princípios do acesso a tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa) ou da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), razão por que improcede o recurso, também neste segmento.


Fazendo nossos os argumentos esgrimidos pelo Tribunal Constitucional, julgamos que a sentença recorrida ao ter considerado como não violados os princípios em referência, não enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado.


Passando agora a questão da violação Princípio da Tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade contributiva, o mesmo Aresto que temos vindo a seguir, sustenta o seu juízo de improcedência do seguinte modo:


10. Tributação das Empresas pelo Rendimento Real e Igualdade Contributiva


10.1. A igualdade fiscal conforma uma dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim vedado um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República).


Afirmada por esta via a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524 e acórdãos do TC n.ºs 55/2022 e 100/2022).


O artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República recorta ainda um paradigma de tributação das empresas pelo seu rendimento real, afastando o arquétipo de definição de base de incidência pelo rendimento normalizado, ou seja, aquele que poderia ser obtido pelo operador em condições medianas (levando em conta aptidões médias de gestão e as condições genéricas no sector, período e lugar). Compreende-se a adoção deste modelo em consonância com os supra citados postulados sobre igualdade fiscal e capacidade contributiva, por a abordagem concreta e individualizada à realidade económica da empresa representar o melhor registo de otimização desses princípios normativos.


Há que manter presente, porém, o facto de a praticabilidade da tributação pelo rendimento real, na sua aceção purificada, se revelar difícil ou impossível, em face da volubilidade dos modelos técnicos de valorimetria e mensuração, bem como da relativa normalização ínsita aos parâmetros de registo contabilístico. Reconhece-se por isso ao disposto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República uma operatividade postulativa de paradigma e de direcção do legislador infraconstitucional.


Na primeira aceção, a Constituição adota um modelo tendencial de tributação das empresas, expressa por advérbio de modo, “fundamentalmente sobre o seu rendimento real”; na segunda, a norma acha-se dotada de cunho proibitivo e impede a tributação normalizada onde não exista fundamento bastante, designadamente pela presença de outros valores com cobertura constitucional.


Dito de outro modo, fora do espaço proibitivo ora definido, estas duas dimensões normativas conferem ampla latitude ao legislador ordinário, que, sem ferir a moldura constitucional, gozará “de liberdade para estabelecer exceções ao princípio [ de tributação pelo rendimento real]”, desvios ao modelo cuja legitimidade terá “por suporte nomeadamente o princípio da praticabilidade das soluções” ou outros interesses atendíveis, maxime os referenciados também na Constituição fiscal (v. CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal – Por um Estado Fiscal Suportável, Almedina, 2005, pp. 373-378, cit. in p. 378; e acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 162/2004, 85/2010, 430/2016 e 55/2022).


10.2. Como já vimos acima, a recorrente não pede a fiscalização da norma legal que, sobre mais-valias por alienação de imóveis, elege o VPT como valor de realização a título presuntivo, quando superior ao preço declarado (artigo 58.º-A, n.º 2, do CIRC, na redação em vigor à altura). Este é um apontamento importante que cabe reter, para o mais que diremos.


Cabe agora acrescentar que, também no âmbito da pretensa violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade tributária de que agora tratamos, a recorrente não localiza o vício na acessibilidade da informação bancária do sujeito passivo e seus representantes executivos pela instauração de procedimento destinado a provar o valor efetivo da transação (artigo 129.º, n.º 6, do CIRC), mas apenas na obrigatoriedade de, com a apresentação do respetivo requerimento junto da AT, o requerente estar obrigado a juntar documentos subscritos por esses administradores autorizando o acesso à sua informação bancária (artigo 129.º, n.º 6, in fine, do CIRC). A recorrente critica, enfim, o facto de se tratar de um “requisito imprescindível” (conclusão 72.º) ou de “uma condição sine qua non para a apreciação do pedido de prova do preço efetivo” (conclusão 64.ª), já que a obtenção do documento de terceiros pode não ser possível ao requerente.


O argumento da requerente reside na conformação da Lei com o facto de, não sendo possível ao sujeito passivo produzir as declarações impostas pela norma, o procedimento para ilisão da presunção de valor de realização (equivalendo ao VPT do imóvel) ficar precludido, potencialmente importando um desvio ao que terá sido o ganho bruto real com a transmissão do ativo imobiliário, daí resultando uma carga fiscal mais onerosa para a operação da que teria lugar noutras condições.


Em primeiro lugar e à semelhança do que dissemos acima, não vemos que a norma possua o efeito criticado pela recorrente. Não se observa no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC a natureza férrea de que dependeria afirmar que não é permeável a contextos circunstanciais caracterizados por motivos ponderosos, específicos e fundados, que tornem atendível a impossibilidade de cumprir o ónus a cargo do sujeito passivo e, como tal, como inoperante a cominação para a sua inobservância em certas situações, peculiares e devidamente justificadas.


Em segundo lugar, e ao contrário do que defende a recorrente, a putativa recusa de um administrador em subscrever o documento autorizativo, em princípio, não se poderá entender legítima (como acima vimos e para onde remetemos), razão por que não procede o argumento de que o ónus não está inscrito na disponibilidade do requente. Da anomalia associada a uma recusa ilícita em colaborar com a entidade administrada neste âmbito, à semelhança do que sucederá em qualquer outro caso em que seja necessária a colaboração de terceiros para obter dado resultado procedimental ou processual (v. supra), não vemos que resulte especial aptidão para distorcer a capacidade contributiva ou para erodir o alcance do princípio da tributação pelo rendimento real.


Em terceiro lugar, a associação de um efeito cominatório em matéria fiscal ao fracasso em apresentar ou exibir documentação ou outros elementos de prova, exigidos por Lei, tal como se observa no caso sub iudicio, é uma incidência bastamente conhecida pela ordem jurídica, sem que se debata a sua conformidade constitucional. Existe toda uma constelação de quadros normativos que, em caso de inobservância de deveres de instrução documental ou probatória, estabelecem consequências agravativas de carga fiscal ou sujeitam o contribuinte a formas de tributação baseadas em presunções ou em indicadores económicos de índole objetiva (como é o caso do VPT dos imóveis). Sinalizando, em alguma medida, tensão com o princípio da capacidade contributiva, já que não se encontra escoramento para a liquidação do imposto na declaração do sujeito passivo, nem por isso se vem firmando juízo de inconstitucionalidade quanto a estas soluções legais.


Procurando dois exemplos muito simples (mas denotativos do que se vem de afirmar), veja-se que o artigo 23.º, n.º 3, do CIRC impõe a desconsideração de custos fiscais para efeitos de apuramento de lucro tributável (com o inerente agravamento do imposto sobre o rendimento) quando os gastos não estejam devidamente documentados: isto é assim, ainda que estes custos sejam reais e ainda que a falta de evidência contabilística seja devida a ação dolosa de terceiro (v. g., um fornecedor que recusa emitir fatura, um trabalhador que recusa subscrever o recibo de vencimento) ou a caso fortuito (v. g., documento de suporte descaminhado); da mesma forma e ainda que se deva a ato ilícito de terceiro (v. g., dos serviços financeiros ou de contabilidade), também a não-exibição de registos contabilísticos à AT ou a sua indisponibilidade no âmbito de procedimentos administrativos de fiscalização podem conduzir a que o IRC seja liquidado através de uma metodologia assente numa estrutura de presunções e indícios (métodos indiretos – cfr. artigos 87.º, n.º 1, alínea e) e 88.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos da LGT e artigo 57.º, n.º 2, do CIRC).


Em ambas as situações, a dificuldade ou impossibilidade em apresentar elementos documentais pode conduzir a formas de tributação que, potencialmente, importarão desvios à real capacidade contributiva do sujeito passivo, sem que estas soluções legislativas venham merecendo censura (v. XAVIER DE BASTO, O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, ISG, pp. 17-27). Ressalva-se que todos estes exemplos conhecem alguma plasticidade em situações fundadas (cfr. artigo 57.º, n.º 2, parte final, do CIRC e artigo 88.º, corpo do texto, da LGT, a propósito da necessidade de inviabilização da quantificação direta da matéria tributável; em matéria de custos, a norma do artigo 29.º, n.º 3, do CIRC, não exige que a documentação de suporte satisfaça as exigências, rigorosas, do artigo 36.º do CIVA), mas nenhum deles assenta em factos mais graves, nem possui efeito menos penalizador, do que aquele que se estatui para a inobservância do ónus de instrução documental no âmbito do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC.


De radical, é de notar que em contexto de organização económica assente na titularidade por privados de fatores de produção e de instrumentos de geração de riqueza, a que se associa uma progressiva «privatização» da gestão dos impostos decorrente da impraticabilidade de outras fórmulas no contexto atual, a implementação de um catálogo mais ou menos vasto de prestações e deveres acessórios à obrigação fiscal (de pagar), maxime de índole documental e comprovativa, constitui a única forma de assegurar equidade e o mínimo de eficiência da tributação. A não ser assim, o controlo da situação jurídico-fiscal de cada sujeito passivo não seria menos que uma impossibilidade absoluta, desconstruindo a viabilidade do Estado fiscal e tornando a igualdade tributária (horizontal e vertical) nada mais que um arquétipo teórico, quimérico e desprovido de efetividade (v., sobre a matéria, CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal…, pp. 68-79 e 102-118).


No caso do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC em especial, o ónus de apresentar documentos, subscritos pelo sujeito passivo e seus administradores (em funções à data da operação), em que se autorize o acesso à respetiva informação, é um ónus que possui relevância significativa no contexto procedimental colocado, precisamente por garantir o acesso à informação e, por essa via, admitindo e promovendo, de forma completa, integrada e célere, a melhor compreensão dos fluxos financeiros centrais e periféricos ao facto gerador de imposto.


Trata-se, pois, de uma obrigação que se alicerça também na estrutura cooperativa do procedimento administrativo-tributário, tendo em vista a conferência e compreensão da circulação de capitais coeva à atividade da empresa, que, se inclui um espaço perimétrico, este possui evidente correlação com a sua realidade operacional, por respeitar aos responsáveis pela sua governação.


Por outro lado, a única consequência estatuída para a preclusão do procedimento a que reporta o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC para o sujeito passivo é mesmo ver a mais-valia apurada de acordo com o VPT do prédio alienado, este por sua vez aferido nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) (cfr. artigos 17.º-19.º e 38.º-46.º, todos do CIMI).


Este método de mensuração do rendimento, embora sofra de alguma estaticidade face às dinâmicas de valorização em mercado (e daí a Lei garantir um procedimento de prova passível de afastar a sua aplicabilidade – v. Acórdão do TC n.º 451/2010 e CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental…, pp. 497-498), pretende constituir uma aproximação razoável ao valor objetivo das propriedades imobiliárias, expondo o seu processo de aquisição de valor e a forma como se consolidou na esfera do titular: não tem por escopo, de todo, a majoração da carga fiscal, nem constitui um efeito-sanção. Se a recorrente não discute, em termos de princípio geral, a compaginação constitucional da tributação nestes termos a contra-luz do princípio da capacidade contributiva ou da tributação das empresas pelo lucro real, não vemos que a solução cominatória que critica, preclusiva do procedimento para ilisão da presunção estabelecida no artigo 129.º, n.º 6, do CIRC quando os documentos não sejam apresentados, entre em rutura com parâmetros constitucionais, especialmente quando se tenha presente a importância do ónus omitido no contexto do procedimento administrativo em causa e, bem assim, a elementaridade do ato exigido do sujeito passivo para que o satisfaça, como acima fizemos ver.


O recorrente entende, porém, o efeito preclusivo do procedimento de prova como desproporcionado, apelando, em correlação com a violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, à proibição de excesso patenteada no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Defende-se que a necessidade da documentação deveria aguardar por despacho fundamentado da AT sobre a necessidade de aceder a informação bancária e de notificação do sujeito passivo para o efeito. Apenas perante a recusa subsequente se justificaria o indeferimento do procedimento de prova com fundamento na desobediência a ónus legal.


A norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC não impõe, de facto, à AT que aceda a informação bancária dos administradores em funções à data da operação, apenas o permite, quando esse acesso se revele fundado em face das circunstâncias do caso (ainda que se trate de uma quase-inevitabilidade, como adiante melhor veremos). No entanto, não vemos a sustentabilidade da argumentação do recorrente. Pois se os documentos acompanharão a requisição de informações junto das entidades bancárias quando a AT decida que é necessário ou conveniente à apreciação da questão colocada, se o acesso a essas informações decorre de Lei e se o sujeito passivo estará obrigado a prover pela sua entrega, por que motivo a vinculação a este ónus sob cominação dependeria de despacho e de interpelação para o efeito? Porque resulta excessivo impor que, a menos que ocorra causa fundada, os documentos sejam disponibilizados, desde logo, com a instauração do procedimento?


Não vemos, de todo, por que motivo a Constituição da República Portuguesa imporia que a Lei adotasse este modelo de burocratização inútil da instrução documental de um procedimento administrativo, dilatando os seus termos e impondo a prática de atos ecundários desprovidos de utilidade, com evidente prejuízo para a celeridade da resposta administrativa e para a racionalidade da gestão dos seus recursos. A apresentação de elementos documentais relativos ao procedimento com a sua instauração é, de resto, uma solução lateral ao ramo do Direito em causa (cfr. artigo 116.º, n.ºs 1 e 3, do CPA) e é também nestes termos que devem ser apresentados em juízo (cfr. artigo 423.º, n.º 1, do CPC), ainda que esse acervo documental venha a revelar-se, mais tarde, inútil ou redundante para as necessidades, probatórias ou de outra natureza, do processo.


Em face do exposto, não é defensável concluir que o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, ao impor como condição da instauração do procedimento administrativo aí previsto a junção de documentos subscritos pelos administradores do sujeito passivo requerente, autorizando o acesso a informação bancária pessoal em conformidade com o acesso autorizado à AT pelo mesmo dispositivo legal, entre em rutura com qualquer norma ou princípio constitucional.”


Mais uma vez, tendo a decisão recorrida acompanhado o juízo efetuado pelo Tribunal Constitucional no que respeita à violação dos princípios aqui mencionados, consideramos que a mesma não enferma, também nesta parte, do erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente, Autora.


Finalmente, advoga ainda a Recorrente que o artigo 129.º nº 6 do CIRC é violador dos princípios e regime estabelecidos pelo artigo 63.º-B da LGT.


Também aqui carece completamente de razão.


Como também foi decidido no Aresto a que nos temos vindo a referir, onde também aquele Tribunal se pronunciou sobre esta questão, tendo concluído do seguinte modo:


Ora, a este propósito, a principal reivindicação da recorrente respeita ao facto de a alteração ao artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, impondo-lhe a junção com a instauração do procedimento de documentos subscritos pelos administradores do sujeito passivo autorizando o acesso a dados bancários, ter aliviado a AT de instaurar o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, que regulamentava, à data da operação de alienação, o acesso a informações e documentos bancários.


Este é, porém, entendimento sobre a norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC que não vemos refletido no acórdão recorrido e que, de resto, não resulta do quadro legal aplicável.


De facto e desde logo, antes da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, o citado dispositivo já associava à instauração do procedimento para demonstração do preço efetivo de imóveis – e como seu efeito direto – o acesso pela AT “à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior”, abrogando o regime de segredo estabelecido no artigo 78.º do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF). Esta prerrogativa conferida à administração gozava de eficácia sobre as entidades bancárias, desprovendo-as da possibilidade de recusar o acesso à competente informação (cfr. artigo 79.º, n.º 2, alínea e), do RJICSF, na redação em vigor à altura, anterior à Lei n.º 94/2009 de 01 de setembro) e, sendo assim, não se divisa que fosse necessário ao abrigo da Lei antiga a instauração pela AT de um segundo procedimento administrativo (artigo 63.º-B da LGT) para aceder a elementos bancários: esse acesso era já autorizado por decorrência do quadro legal referente ao procedimento para demonstração do preço efetivo da transmissão de imóveis proposto, sem outros requisitos, substantivos ou procedimentais. Senão, veja-se que o acesso a informação bancária ao abrigo do artigo 63.º-B da LGT, na redação à altura, tinha por fundamento previsivo uma de duas situações: a (i) aquisição de indícios de crime ou de falsidade das declarações fiscais apresentadas pelo sujeito passivo n.º 1, alíneas a) e b)), ou a (ii) recusa ou a obstrução, ilegítimas, de exibição ou de permissão de consulta a elementos bancários (n.ºs 2 e 3). Sinalizam-se, pois, situações muito distantes da norma do artigo 129.º, n.º 6 do CIRC, que, nos antípodas, busca na iniciativa do particular (não na sua oposição) a fonte de legitimação para capacitar a AT a aceder a dados acobertados por segredo bancário.


De outra parte, seria incompreensível a necessidade de prolatar um despacho com “indicação dos motivos concretos” justificativos do acesso à informação (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT), quando esse acesso decorreria eo ipso da norma do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC e da iniciativa do sujeito passivo afetado pela medida. Menos ainda se compreenderia o deferimento da respetiva competência para o Diretor-Geral dos Impostos (sem possibilidade de delegação) (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT), a necessidade de audição prévia do contribuinte num procedimento em que a iniciativa lhe cabe a ele (artigo 63.º-B, n.º 5, da LGT) e, por último, tanto menos a admissibilidade de recurso judicial da decisão de aceder a informação bancária para sindicância de um efeito material indissociável do procedimento instaurado pelo sujeito passivo e cujo efeito (devolutivo ou suspensivo), nestes casos e para mais, seria um absoluto mistério (artigo 63.º-B, n.º 6, da LGT).


Em essência, o acesso a informação sigilosa é produto decorrente da natureza cooperativa e comutativa de que se achava dotado o procedimento tributário instaurado ao abrigo do artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, de que decorria e que justificava a abrogação do segredo bancário, assim por contraste com a natureza contenciosa que caracteriza o procedimento do artigo 63.º-B da LGT, em que se denota a indiciação de fraude e/ou a obstrução à atividade de fiscalização tributária.


Conquanto o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC já previa a desproteção da informação bancária de administradores do sujeito passivo antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, não importando uma agravação da posição subjetiva dos particulares afetados pela norma, é de concluir que o novo ónus criado pelo diploma cinge-se a um ato de natureza burocrática: o sujeito passivo terá de elaborar documentos de autorização e de recolher a respetiva assinatura dos membros do seu órgão executivo (em funções à data da operação), dessa forma materializando a instrução necessária do procedimento administrativo nos termos da Lei nova.


Cumpre assinalar que a jurisprudência tributária vem compreendendo o artigo 129.º, n.º 6, do CIRC, nesta nova redação (hoje transposta, expressis verbis, para o artigo 139.º, n.º 6, do diploma), como não produzindo um efeito derrogatório, direto ou próprio, da confidencialidade bancária (v., neste sentido, os acórdãos do TCA Norte de 25 de fevereiro de 2021 no Proc. 735/12.5BEPRT e de 11 de março de 2021 no Proc. 1408/12.4BEPRT e acórdão do TCA Sul de 17 de outubro de 2019 no Proc. 387/18.9BELLE), antes deixando o levantamento do sigilo dependente de um ato declarativo dos respetivos beneficiários, que é dizer, do seu consentimento, formalizado em documento escrito e apresentado nos termos do mesmo articulado legal.”


Mais uma vez e porque acompanhamos, tal como o fez a decisão sob escrutínio, a argumentação expendida no Acórdão transcrito, improcedente terá também de ser julgado o presente recurso, nesta parte”.


Aqui volvidos, tal como no acórdão que nos vem norteando, também na situação que nos é colocada, em que as questões supra transcritas também nos são colocadas pelas mesmas partes, relativamente à mesma questão da prova efetiva do preço à luz do artigo 129 nº 6 do CIRC, relativamente a imóveis vendidos em 2006, improcede o recurso, igualmente, nesta parte.


Diante tudo que deixamos exposto, sem necessidade de mais considerações, assuma a conclusão de que o recurso terá improceder na sua integralidade, mantendo-se a decisão recorrida.


*


No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente, por ser parte vencida.



*


V- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.


Custas a cargo da recorrente.



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Lisboa, 19 de dezembro de 2024


Isabel Silva


(Relatora)


___________________


Tânia Meireles da Cunha


(1ª adjunta)


______________


Maria da Luz Cardoso


(2ª adjunta)


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