Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 84/09.6BESNT |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 06/26/2025 |
![]() | ![]() |
Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
![]() | ![]() |
Descritores: | IRC ARTIGO 61º DO CIRC/SUBCAPITALIZAÇÃO RESIDENTE NA SUIÇA EFTA CDT PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO PRIMADO DO DIREITO EUROPEU LIBERDADE DE CIRCULAÇÂO DE CAPITAIS |
![]() | ![]() |
Sumário: | I – A subcapitalização corresponde a uma situação de "endividamento excessivo" de uma entidade residente para com entidades não residentes com as quais existam relações especiais; II – A consequência fiscal do excesso de endividamento é a não dedutibilidade fiscal dos juros pagos por uma entidade residente relativos à parte considerada em excesso; III – O regime de subcapitalização previsto no artigo 61.º, n.º 1 do CIRC (na redacção vigente à data dos factos), constitui uma cláusula anti-abuso especifica no âmbito das correcções para efeitos de determinação da matéria tributável, das entidades sujeitas a IRC, que tem em vista evitar a utilização de endividamento junto de entidades não residentes com vista à redução artificial do lucro tributável; IV – Ainda que constitua uma norma anti-abuso, o artigo 61.º do CIRC ao estabelecer uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes em território português para efeitos de dedução de juros de empréstimos pagos por uma empresa residente a um residente de outro Estado contratante, viola o princípio de livre circulação de capitais garantido pelo artigo 63.º do TSFUE bem como o artigo 8.º n.º 4 da CRP, V - A aplicação do artigo 61º do CIRC, pondo em causa a dedutibilidade dos custos respeitantes aos juros, viola ainda o nº 4 do artigo 24.º da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça. dessa forma violando o artigo 8.º n.ºs 1 e 2 da CRP. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - RELATÓRIO S…, Lda., incorporada por fusão na sociedade J…, LDA, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a presente acção administrativa especial contra o acto de indeferimento do pedido de aceitação da dedução ao lucro tributável dos juros incorridos e contabilizados decorrentes do financiamento que obteve durante o ano de 2004, por prova insuficiente de que o mesmo foi estabelecido em condições análogas a uma entidade independente. Inconformada com a sentença proferida pelo referido Tribunal que julgou improcedente a sua pretensão, dela veio interpor recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A. Sobre a compatibilidade do artigo 61º do CIRC com os princípios da liberdade de estabelecimento e de circulação de capitais previstos no ordenamento jurídico comunitário, entendeu a douta sentença recorrida que, no caso sub judice, não pertencendo a sociedade mutuante a um país da União Europeia não havia que aferir da compatibilidade daquela disposição com as liberdades fundamentais que regem as relações estre Estados Membros daquela Comunidade. B. Ao assim decidir, o Tribunal a quo manifestamente contrariou não só o decidido no Acordão do TJUE de 3 de Outubro de 2013, proferido no Processo C-282/12, mas também a jurisprudência firmada no Acordão do STA de 8 de Novembro de 2017, proferido no Processo 0770/14. C. Jurisprudência essa que não foi sequer ponderada para afastar a sua aplicabilidade no caso concreto dos presentes autos. D. No Acórdão do TJUE de 3 de Outubro de 2013, Processo C-282/12, foi aquele Tribunal chamado a pronunciar-se sobre a seguinte questão: "Os artigos 63.° [TFUE] e 65.°[TFUE] (antigos artigos 56.° [CE] e 58.° [CE]) opõem-se à legislação de um Estado- Membro, como a do artigo 61.° CIRC [...] que, no âmbito de uma situação de endividamento de um sujeito passivo residente em Portugal para com entidade de país terceiro com a qual mantenha relações especiais nos termos do artigo 58. °, n. °4, do CIRC, não permita a dedutibilidade como custo fiscal dos juros, relativos à parte do endividamento considerada em excesso nos termos do artigo 61.° n.°3, do CIRC, suportados e pagos pelo sujeito passivo residente em território nacional nas mesmas circunstâncias que aos juros suportados e pagos por sujeito passivo residente em Portugal cujo excesso de endividamento se verifique perante uma entidade residente em Portugal com a qual mantenha relações especiais?" E. Sobre a referida questão, declarou o Tribunal de Justiça que “0 artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação." F. Sobre questão idêntica à em causa nos presentes autos, se pronunciou o STA no Acordão de 8 de Novembro de 2017, proferido no Processo 0770/14, em sede de recurso de revista interposto ao abrigo do artigo 150º do CPTA. G. No referido aresto foi aquele Tribunal chamado a pronunciar-se, entre outras, sobre a questão da compatibilidade do regime da subcapitalização previsto no artº 61º do CIRC com os artigos 26º nº. 2, 4 e 5 e 11º nº 8 da Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, bem como sobre a compatibilidade de tal regime com o princípio europeu da liberdade de circulação de capitais, questões essas que o Tribunal considerou de importância jurídica fundamental, assim justificando a admissão da revista. H. Naqueles autos, estavam em causa juros pagos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade residente nos Estados Unidos da América, com quem tinha relações especiais nos termos do artigo 58º nº 4 do CIRC, gerados por financiamentos que excediam o rácio de subcapitalização previsto nos números 1 e 3 do artigo 61º do CIRC. I. Considerando que a empresa não havia comprovado que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento junto de uma entidade independente nem que as condições dos financiamentos em causa eram análogas às que seriam contratadas com uma entidade independente, a Administração Tributária considerou como não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 61º do CIRC. J. No que respeita à questão da compatibilidade do regime da subcapitalização com o princípio europeu da liberdade de circulação de capitais, o STA reconhecendo, embora, que os artigos 61 e 58 do CIRC são adequados como forma de evitar a evasão e fraude fiscal, entendeu que tal restrição se mostra desproporcionada ao fim visado. K. Perfilhando a interpretação adoptada no referido Acórdão do TJUE de 3 de Outubro de 2013, considerou o STA que "englobando o artigo 58 do CIRC situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um pais terceiro no capital da sociedade mutuária residente e constatando-se que na falta dessa participação resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no nº 3 do artigo 61 que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo, o artigo 61 consagra uma medida discriminatória limitadora da livre circulação de capitais pois que apenas as entidades não residentes ficam sujeitas ao regime do artigo 61 do CIRC quando o direito tributário em sede de IRC não distingue para efeitos de determinação de rendimento tributável em sede de IRC entre sociedades com sócios residentes e sociedades com sócios não residentes não se justificando por isso esse tratamento diferenciado". L Mais considerou que "se é certo que a evasão e luta contra a fraude fiscal e a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais são situações previstas no artigo 65 do TSFUE que permitem aos Estados Membros tomarem medidas que de algum modo restrinjam a liberdade de circulação referida tais medidas não podem em caso algum constituir um meio de discriminação arbitrária ou de dissimulação à livre circulação de capitais e pagamentos - cfr nº 3 do artigo 65 do TSFUE. O que implica que para que tais medidas restritivas possam ser aplicadas terão que ser apresentadas razões que o justifiquem dado que só assim se pode controlar a sua adequação e proporcionalidade. O que no caso em apreço não sucede." M. Concluiu assim o STA, que o artigo 61º do CIRC, sendo uma medida anti abuso que estabelece uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes em território português para efeitos de dedução de juros de empréstimos, viola o princípio de livre circulação de capitais que o artigo 63º do TSFUE garante bem como o artigo 8º nº 4 da CRP. N. Face à jurisprudência citada, em tudo aplicável à situação em causa nos presentes autos, a douta sentença recorrida ao entender que não haveria, sequer, que aferir da compatibilidade do artigo 61º do CIRC com as liberdades fundamentais previstas no ordenamento jurídico comunitário, manifestamente incorreu em erro de julgamento, violando o artigo 63 do TSFUE e, consequentemente, o artigo 8º nº 4 da CRP. O. À data a que se reportam os factos no caso sub judice, dispunha o nº 4 do artigo 24º da CDT com a Suíça que: "As empresas de um Estado Contratante cujo capital, total ou parcialmente, directa ou indirectamente, seja possuído ou controlado por um ou mais residentes do outro Estado Contratante não ficarão sujeitas, no Estado Contratante primeiramente mencionado, a nenhuma tributação com eia conexa diferentes ou mais gravosas do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitas as empresas similares desse primeiro Estado." P. A A. sustentou que o disposto no artigo 61.º do CIRC violava aquela disposição da CDT com a Suíça, na medida em que se uma sociedade residente for detida por sócios residentes em Portugal, independentemente dos rácios de endividamento, poderá deduzir fiscalmente os juros pagos, o mesmo não acontecendo no caso da sua detenção por sócios residentes na Suíça. Q. Considerou a douta sentença recorrida que, não prevendo a CDT celebrada com a Suíça qualquer clarificação quanto á limitação da regra convencional de não descriminação com a norma de subcapitalização interna, "tal será de analisar á luz do excesso de endividamento que subjaz ao nº 6, do artº llº da CDT aplicável aos juros provenientes de concessão de créditos de qualquer natureza." R. Concretizando, entendeu o Tribunal a quo que a compatibilidade do artigo 61º do CIRC com a norma de não discriminação da CDT também se afere pelo princípio da livre concorrência de acordo com o nº 6, do artº 11º, da CDT, "sempre que em presença de certas relações entre empresas associadas, se verifique que, face ao valor do crédito concedido, o montante de juros pagos exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário na ausência de tais relações, o que releva não apenas da referida remuneração daquelas aplicações financeiras, mas também do excesso de endividamento entre entidades associadas, ainda que assente num coeficiente de endividamento fixo nos termos da lei interna. S. Concluindo que "tanto é assim que a susceptibilidade da dedutibilidade do custo se basta com a observação dos pressupostos contidos no respectivo teste da finalidade comercial da operação entre pessoas independentes vertido na lei (general business purpose test) - cfr nº 6, do artº 61º do CIRC. Daí que a Adm. Fiscal tenha constatado que o A. não demonstrou a obtenção de idêntico nível de endividamento de uma entidade independente." T. Dispõe o nº 6 do artº 11°; da CDT com a Suíça que "Quando, devido a relações especiais existentes entre o devedor e o credor ou entre ambos e qualquer outra pessoa, o montante dos juros atribuídos ou pagos, tendo em conta o crédito pelo qual são atribuídos, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o credor, na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso, o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada Estado Contratante, tendo em conta as outras disposições desta Convenção." U. Ora a situação contemplada naquela disposição não se confunde com a que que subjaz ao nº 1 do artº 61º do CIRC. V. Ao abrigo do nº 6 do artº 11.º, da CDT, estando em causa juros pagos entre entidades relacionadas, poderá ser desconsiderado fiscalmente o excesso dos juros pagos quando comparados com os que seriam pagos entre entidades independentes. W. Enquanto que ao abrigo do nº 1 do artº 61º do CIRC, podem ser desconsiderados fiscalmente todos os juros que resultem de empréstimos que excedam o dobro da participação do mutuante no capital próprio do mutuário (cfr. nº 3 do artº 61º). X. O artigo 61º do CIRC, ao partir de um coeficiente objectivo, fixo e pré-determinado, que só se aplica nos casos em que o credor seja não residente, assim legitimando a não aceitação da dedutibilidade de todos os juros relativos a esse excesso de endividamento manifestamente não é compatível com a regra de não discriminação constante do nº 4 do artigo 24 da CDT. Y. Também o Acordão do STA de 08.11.2017, proferido no Proc. 0770/14, se pronunciou sobre a questão da compatibilidade do regime da subcapitalização previsto no artigo 61º do CIRC, no caso, com os artigos 26º nºs 4 e 5 e 11.º nº 8 da CDT celebrada com os Estados Unidos da América (sendo a redacção dos artigos 26º nº 5 e 11.º nº 8 da CDT com os Estados Unidos idêntica, respectivamente, à dos artigos 24º nºs 4, à data a que se reportam os factos, e 11.º nº 6 da CDT com a Suíça.) Z. Como se refere no citado aresto, decorre da interpretação daquelas normas da CDT que as mesmas previnem todo e qualquer tipo de discriminação a título de tributação dos juros. AA. E como entendeu o STA "o excesso do montante de juros referido no nº 8 do artigo 11 da CDT nada tem a ver com o endividamento excessivo a que se refere o artigo 61 do CIRC." BB. Sendo que "O nº 8 do artigo 11 da CDT permite apenas desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes. Enquanto o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio. CC. Ou seja, como mais se explicita naquele aresto, o artigo 61º do CIRC exclui da dedução como custos consentida pelo artigo 23º do CIRC os juros pagos a entidades não residentes em caso de endividamento excessivo, mas já não exclui tal dedutibilidade relativamente aos mesmos juros quando pagos a uma entidade residente. DD. E conclui o STA que "Ora não sendo um caso de aplicação do nº 8 do artigo 11 da CDT como dissemos anteriormente a aplicação do artigo 61 do CIRC pondo em causa a dedutibilidade dos custos respeitantes aos juros pagos por uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante nessa medida inquinando a determinação do lucro tributável de tal empresa o que não sucederia caso fossem pagos a um residente, o artigo 61 viola o nº 4 do artigo 26 da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América dessa forma violando o artigo 8- nºs 1 e 2 da CRP. EE. Face à jurisprudência firmada no citado Acordão, plenamente aplicável à situação sub judice, impõe-se concluir que também no caso dos presentes autos, o artigo 61º do CIRC viola o nº 4 do artigo 24 da CDT com Suíça, e consequentemente, o artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP. FF. É assim manifesto que a douta sentença recorrida, ao decidir pela improcedência da acção, incorre em erro de Direito, por incorrecta interpretação das disposições conjugadas do nºs 1 e 4 do artigo 24 e nº 6 do artigo 11.º da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça, violando tais disposições e, em consequência, o artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, Assim fazendo Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.» * A Recorrida Fazenda Pública apresentou as suas contra-alegações, rematando-as com as seguintes conclusões: «1a) A sentença, a fls..., ao ter julgado improcedente a acção administrativa especial e ao julgar válido o acto de indeferimento da pretensão da consideração do endividamento do sujeito passivo e para efeitos de dedutibilidade dos juros, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantida. Na verdade: 2a) A Suíça não é um Estado membro da União Europeia e, como tal, a S… do grupo S… é entidade não residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia, donde, é potencialmente aplicável, in casu, a norma anti- abuso à data constante do art. 61° do CIRC. 3a) E, ainda que a ora recorrente invoque uma eventual violação da livre circulação de capitais, à luz do direito comunitário, também à luz da jurisprudência comunitária continua a ser possível aos Estados Membros a aplicação de cláusulas anti-abuso, desde que estejam em causa procedimentos, por parte dos sujeitos passivos, puramente artificiais que visam a fraude ou a evasão fiscais. 4a) Designadamente no caso Thin Cap, acórdão de 13/03/2003, processo C-524/04 foi considerada justificada a imposição de restrições fiscais entre empresas em relação de grupo, com base no facto de os termos e condições das operações financeiras entre empresas residentes em Estados membros diferentes se desviarem das que seriam acordadas entre partes independentes. E a restrição fiscal foi considerada como proporcional, desde que o sujeito passivo tenha oportunidade de provar que tal prática não diverge da que seria praticada entre empresas independentes. Conclui-se, pois, em tal Acórdão, que o estabelecimento de critérios presuntivos razoáveis pode garantir e legitimar a aplicação de uma medida anti-abuso. 5a) A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se pode considerar que não vai além do necessário para evitar a fraude e evasão fiscais uma legislação que se baseia numa análise de elementos objectivos e verificáveis para determinar se uma transacção tem carácter de expediente puramente artificial apenas para fins fiscais e que, sempre que a existência desse expediente não possa ser excluída, se permita ao contribuinte, sem o submeter a contingências administrativas excessivas, apresentar elementos relativos às eventuais razões comerciais pelas quais esta transacção foi concluída (v., neste sentido, acórdãos Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido). Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando a transacção em causa ultrapasse o que as sociedades tinham acordado em circunstâncias de plena concorrência, a fim de não ser considerada desproporcionada, a medida fiscal de correcção deve limitar-se à fracção que ultrapasse o que tinha sido acordado nessas circunstâncias (v., neste sentido, acórdão já referido). 6a) No caso, a aplicação do art. 61° do CIRC teve por base um contexto de relações especiais, já que, embora o sócio minoritário detenha uma participação de 0,31, o mesmo é detido igualmente pelo sócio maioritário da A., a S… LTD, cfr. informação para que se remete no ponto A) dos factos dados como provados. 7a) Assim, existindo, manifestamente, no caso concreto, a possibilidade por via da existência de relações especiais entre as empresas do grupo de influência significativa nas decisões de gestão da residente, é necessário e proporcional que a AT tenha, no caso concreto, solicitado ao sujeito passivo, ora recorrente, prova de que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente, cfr. ponto C) dos factos dados como provados. 8a) Ou seja, ao permitir essa prova, o art. 61° do CIRC estabelece uma presunção que é ilidível e que permite ao sujeito passivo, de uma forma proporcional e sem o submeter a contingências administrativas excessivas ou inexequíveis, afastar a aplicação da norma, pelo que, tal norma não violou, no caso concreto, a livre circulação de capitais por se ter aplicado num quadro de relações especiais, de práticas artificiais, em que a recorrente não conseguiu demonstrar que os termos do financiamento através de empresas em relação de grupo se manteria dentro dos limites do que seria acordado entre empresas independentes. 9a) Quanto à aplicação do n° 4 do art. 24° da Convenção celebrada entre Portugal e a Suíça para evitar a Dupla Tributação, também a sentença recorrida considerou, e bem, que o art. 61° do CIRC na interpretação e aplicação que dele foi feita pela AT, não violou tal norma. 10a) Assim, a não discriminação aí patente não afasta a possibilidade de Portugal aplicar às deduções de juros um regime limitado face ao aplicado a nacionais ou a membros da União Europeia, sempre que esteja em causa uma prevenção da evasão fiscal e a norma que a visa combater seja compatível com os art.s 9° e 11° da referida Convenção. 11a) Ora, como se entendeu na sentença recorrida, " Sendo óbvio que a CDT celebrada com a Suíça não prevê qualquer clarificação quanto à limitação da regra convencional de não discriminação com a norma de subcapitalização interna, tal será de analisar face à luz do excesso de endividamento que subjaz ao n° 6, do art° 11° da CDT aplicável ao juros provenientes de concessão de créditos de qualquer natureza. Ora, ao contrário do que pugna a A. sustentada na posição do Ilte jurisconsulto A. Xavier (na obra aí citada), a compatibilidade da dita norma com a CDT no que tange à não discriminação também se afere pelo princípio da livre concorrência de acordo com o referido n° 6, do art. 11° da CDT, sempre que em presença de certas relações entre empresas associadas, se verifique que, face ao valor do crédito concedido, o montante de juros pagos exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário na ausência de tais relações, o que releva não apenas da referida remuneração daquelas aplicações financeiras, mas também do excesso de endividamento entre entidades associadas (...)” 12a) Ou seja, é possível ao Estado Português, atendendo às disposições da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça, a aplicação de uma norma como a constante do art. 61° do CIRC, uma vez que, contrariamente ao que invoca a recorrente, pese embora ela parta de um coeficiente fixo e pré-determinado, a mesma visa obstar à evasão fiscal e só é aplicável, quanto ao excesso do endividamento, desde que existam relações especiais entre empresas associadas e o sujeito passivo não demonstre que podia obter o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente. Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Ex.a, deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida, com todas as legais consequências.» * O Ministério Público, junto deste Tribunal Central, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir se a sentença recorrida efectuou errado julgamento de facto e de direito quanto à aplicação ao caso do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto nos artigos 43.° e 56.º do Tratado CE bem como por violação dos artigos 11.º, n.º 6 e 24.º da CDT celebrada entre Portugal e a Suíça.
III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «A) A A. é uma sociedade que tem por objecto a comercialização de aparelhos e material cirúrgico e ortopédico, sendo detida por duas sociedades com sede na Suiça, respectivamente a “S… Ltª” em 99,69% e a “S…, em 0,31%. –cfr “Certidão Permanente” do Portal da Empresa, de fls 19 e segs, e “Projecto de Decisão2 de fls 42 e segs, dos autos. B) A Adm. Fiscal procedeu a uma acção inspectiva a A. relativo ao ano de 2004, tendo verificado que foram contabilizados como custos do exercício no montante de € 288.240,27, relativo a juros com empréstimos contraídos junto do sócio minoritário, tendo obtido um financiamento no valor total de € 5.770.905,01, pelo que procedeu á verificação do nível de endividamento face ao cálculo efectuado de capital próprio da mutuária e da participação da mutuante no respectivo capital social, tendo apurado um limite de endividamento que se cifra em € 19.781,38, e considerado como juros não dedutíveis a quantia correspondente ao excedente daquele endividamento . –cfr “Informação” dos Serviços de fls não numeradas do P.A. e artºs 10º a 14º da contestação. C) Notificada a A. para os efeitos do disposto no nº 6, do artº 61º do CIRC, demonstrativa de que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente, veio a A. juntar uma proposta apresentada junto do “D… (Portugal), S.A.”, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, e do qual consta que aquela proposta não obriga a concedente a efectuar a mesma nas condições aí estabelecidas, que se observa um reforço do capital da mutuária, o montante a financiar limitava-se ao total de € 3 500.000,00 a uma taxa de juro “Eonia” acrescida de 1,2% de “Spread” e sujeita a condições estabelecidas entre o “D… A.G.” e o grupo “S…”. –cfr Oficio, Proposta e requerimento de fls não numeradas do P.A. apenso. D) Em resultado da resposta referida supra, a Adm Fiscal considerou aquela prova insuficiente e não demonstrativa de situação comparável á obtida pela A. com a entidade relacionada, tendo merecido decisão de indeferimento do pedido de dedução de juros de financiamento, por despacho de 22.10.2008.- cfr Oficio nº 20686, de 24.10.08, Despacho aposto sobre Parecer e Adenda á Informação nº 1046/08 e Informação resultante da O.S. nº O1200704266, do P.A apenso.» * A título de factualidade não provada exarou-se na decisão recorrida que: «Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.» Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que: «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.» * III – 2. De Direito Os serviços de inspecção verificaram que a recorrente contabilizou € 288 240,27, como custo no exercício de 2004, relativos a juros pagos por empréstimos concedido pelo sócio minoritário S…, com a qual tem relações especiais, na medida em que ambas são detidas pela S…, Ltd. Pelo que, considerou aplicável o disposto no artigo 61.º do CIRC, corrigindo o que considerou constituir excesso de endividamento. Em Janeiro de 2005 a ora recorrente requereu ao abrigo do disposto no artigo 61.º n.º 6 do CIRC «a não aplicação do n.º 1 do mesmo artigo, aceitando a dedução ao lucro tributável dos juros no valor de 288.240,27 euros contabilizados e devidos pela exponente à S…, Suíça, já que fica evidenciado que o sujeito passivo cuja actividade implica um constante reforço de tesouraria devido à contínua dilação no pagamento por parte dos seus clientes, poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas aos de uma entidade independente.» Solicitada a apresentar prova de que poderia ter obtido junto de entidade independente o mesmo nível de endividamento em condições análogas às que se verificaram, a recorrente apresentou esclarecimentos relativos à taxa Euribor em vigor, spread, e garantia bancária, alegando que o financiamento de 3 500 000 euros por um Banco nacional rondaria os 5,3% que seria superior em 0,3% à que obteve intra grupo, concluindo que as condições seriam muito semelhantes. Em resposta a AT informou que a prova apresentada foi insuficiente e que deveria consistir num documento emitido por uma entidade independente declarando estar disposta a conceder-lhe idêntico montante de empréstimo e em condições similares às que obteve. A recorrente apresentou o documento datado de 5/8/2005 a que se refere o ponto C) da matéria de facto provada, nos termos do qual, na sequência de pedido formulado pela recorrente, o D… (Portugal) informa que a proposta ao pedido de empréstimo relativo a fundo de maneio no valor de € 3 500.000,00 a 12 meses, a uma taxa de juro “Eonia”, “Spread” 120bps, devendo a proposta observar o acordo assinado entre o D… AG F…, ramo Z… e a S… AG, S… AG, M… Ag celebrado em Julho de 2004, reservando-se o D… (Portugal) o direito de cancelar a proposta a qualquer momento através de simples comunicação à S…. O índice médio da taxa de juro do euro a um dia (EONIA) constituiu um índice de referência que representava as taxas de juro das operações de empréstimo a um dia sem garantia denominadas em euros, e que a partir de 3 de Janeiro de 2022 foi substituído, tendo sido designada a EURSTR - Taxa de juro de curto prazo do euro, conforme resulta do REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2021/1848 DA COMISSÃO de 21 de Outubro de 2021. A AT considerou insuficiente a prova documental a que se refere o ponto C) da matéria de facto provada, conforme decorre do ponto D) da matéria de facto, porquanto: a) não compromete o proponente a efectuar o empréstimo durante o exercício de 2004, dado que está datada de 5/08/2005; b) nessa data, as condições do mercado eram distintas e a situação financeira do SP foi igualmente alterada, designadamente devido ao reforço do seu capital próprio em Novembro de 2004 relativa a prestações suplementares; c) as condições indicadas são distintas das obtidas através da S…; d) a proposta está dependente dos termos e condições existentes do acordo entre D… AG e o grupo, logo subsiste o envolvimento das entidades com as quais o sujeito passivo tem relações especiais contrariando o disposto no artigo 61.º, n.º 6 do CIRC. A AT considerou que a situação em causa configurava excesso de endividamento previsto no artigo 61.º, n.º 3 do CIRC porquanto o valor do endividamento é superior ao dobro da correspondente participação no seu capital próprio. Notificada para exercer o direito de audição prévia, a recorrente não usou de tal faculdade, pelo que, a AT converteu o projecto em decisão definitiva. A recorrente deduziu a presente acção administrativa formulando a pretensão de ver autorizada, nos termos do artigo 24.º, n.º 4 da CDT entre Portugal e a Suíça, a dedução dos custos consubstanciados no pagamento de juros suportados, correspondentes à parte do endividamento considerado excessivo, nos termos do artigo 61.º do CIRC, no montante de € 287 261,63. Sustentou a sua pretensão na incompatibilidade do artigo 61.º do CIRC com o disposto no n.º 4 do artigo 24.º da CDT entre Portugal e a Suíça. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 66.º do CPTA, na redacção vigente à data da propositura da acção, «a acção administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado.» Decorrendo do n.º 2 do citado preceito legal que «ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória.» Sublinha-se assim, que nas acções administrativas de condenação à prática de acto devido, o acto de indeferimento não constitui o objecto do processo, sendo este constituído pela pretensão material que o Autor pretende fazer valer na acção, sendo a eliminação do acto impugnado consequência que decorre da pronúncia condenatória, caso se verifiquem os seus pressupostos, isto é, se o acto for legalmente devido. O Tribunal recorrido julgou a acção improcedente no entendimento de que a «desconsideração daquele excesso de endividamento para efeitos da sua dedutibilidade ao respectivo lucro tributável encontra a sua fundamentação legal na verificação dos pressupostos de facto e de direito da respectiva tributação.» Insurge-se a recorrente contra entendimento do Tribunal recorrido quando considera «que a presente disposição anti abuso relativo a subcapitalização, ao excluir as empresas emprestadoras sediadas na U.E., resulta da incompatibilidade da mesma com o ordenamento jurídico comunitário de que a mutuante não pertence, pelo que não há que aferir da sua compatibilidade com as liberdades fundamentais que regem as relações estre Estados Membros daquela Comunidade.» Assiste-lhe inteira razão. Na verdade, à data dos factos o Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, na redacção que lhe foi dada pelo Tratado de Nice então denominada União Europeia estatuíam a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros, como já antes o estabeleciam os artigos 73°-A a 73°-H aditados pelo artigo G.15 TUE. Como tal, ainda que a Confederação Suíça integre os países da Zona Europeia de Comércio Livre (EFTA), não subscreveu o Espaço Económico Europeu (EEE) que foi criado em 1994 para alargar as disposições do mercado interno da EU aos países que integram a EFTA, por via da referida proibição, são lhe aplicáveis as normas da União Europeia sobre movimentos de capitais e pagamentos entre Estados Membros, por via da disposto no artigo 56.º do Tratado, sem necessidade de qualquer acordo bilateral previsto no artigo 217.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Acordos de Associação). Nessa medida, a questão da subcapitalização subjacente ao artigo 61.º do CIRC, coloca-se, além da sua compatibilidade com a Convenção sobre Dupla Tributação Celebrada com a Suíça (CDT), sobretudo, com o Direito da União sobre movimentos de capitais e pagamentos. Vejamos, então. Alega a recorrente que o Tribunal a quo contrariou manifestamente não só o decidido no Acórdão do TJUE de 3 de Outubro de 2013, proferido no Processo C-282/12, mas também a jurisprudência firmada no Acórdão do STA de 8 de Novembro de 2017, proferido no Processo 0770/14, jurisprudência que não foi sequer ponderada para afastar a sua aplicabilidade no caso concreto dos presentes autos. Também quanto a tal alegação assiste inteira razão à recorrente. Na citada jurisprudência foi discutida questão similar à subjacente aos presentes autos, apenas com a nuance de estar em causa a dedução dos custos suportados com o pagamento de juros a sociedade residente nos Estados Unidos da América, na parte do endividamento considerado excessivo, nos termos do artigo 61.º do CIRC, e nos presentes autos está em causa o pagamento nas mesmas circunstâncias a uma sociedade sediada na Suíça, sendo aplicável o artigo 24.º, n.º 4 da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça, sobre não discriminação, e no caso do Acórdão citado a referida norma está consagrada nos mesmos termos no artigo 26.º, n.º 4 s CDT entre Portugal e Estados Unidos da América, ambas baseadas no Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património. Está assim em causa a aplicação do artigo 61º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos, estabeleceu a não dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, de custos correspondentes a juros em caso de endividamento excessivo, constituindo uma norma especial anti-abuso que não depende do procedimento previsto no artigo 63.º do CIRC, ao contrário, do que se refere na sentença recorrida, porquanto não está em causa a consagração da ineficácia de actos ou negócios jurídicos, antes a não dedutibilidade parcial da custo. Neste sentido v.g. o Acórdão de 08/11/17, citado pela recorrente, prolatado pelo STA, no processo nº 770/14. Tendo presente o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, nos termos do qual «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito», por ser aqui inteiramente aplicável, impõe-se assim ter presente e acolher o julgamento efectuado no referido Acórdão do STA, em sede de recurso de revista, que apreciou em detalhe a «concatenação de normas nacionais de aplicação exclusiva a não residentes – como era o regime da subcapitalização – com os princípios de direito europeu e de direito internacional». Procede-se assim à citação do seu discurso fundamentador, devendo ter-se em conta que no caso dos autos está em causa a CDT celebrada entre Portugal e a Suíça cujas normas têm o mesmo teor das correspondentes normas constantes do CDT celebrado entre Portugal e os EUA: «No caso em apreço está em causa a incompatibilidade entre a norma de subcapitalização interna e a norma de não descriminação constante nos n.ºs 4 e 5 do artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, sendo igualmente necessário apreciar o disposto no artigo 11.º n.º 8 da referida CDT, que estabelece o tratamento fiscal a conferir aos juros excessivos face à regra de mercado. (…) Vejamos: Preceitua o artigo 61 do CIRC sob a epígrafe subcapitalização: 1«Quando o endividamento de um sujeito passivo para com entidade não residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia com a qual existam relações especiais, nos termos definidos neste artigo, for excessivo, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável»; 2]; «É equiparada à existência de relações especiais para efeitos da aplicação do nº 1 a situação de endividamento do sujeito passivo para com um terceiro não residente em território português ou em outro Estado membro da União Europeia em que tenha havido prestação de aval ou garantia por parte de uma das entidades referidas no número 4 do artigo 58 3]: «Existe excesso de endividamento quando o valor das dívidas em relação a cada uma das entidades referidas nos números anteriores, com referência a qualquer data do período de tributação, seja superior ao dobro do valor da correspondente participação no capital próprio do sujeito passivo». 4]; «Para o cálculo do endividamento são consideradas todas as formas de crédito, em numerário ou em espécie, qualquer que seja o tipo de remuneração acordada, concedido pelas entidades mencionadas no nº 2, incluindo os créditos resultantes de operações comerciais, quando decorridos mais de seis meses após a data do respectivo vencimento» 5]; «Para o cálculo do capital próprio adiciona-se o capital social subscrito e realizado com as demais rubricas como tal qualificadas pela regulamentação contabilística em vigor, excepto as que traduzem mais-valias ou menos-valias potenciais ou latentes, designadamente as resultantes de reavaliações não autorizadas por diploma fiscal ou da aplicação do método da equivalência patrimonial» [6]; Com excepção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças não é aplicável o disposto no n.º 1 se, encontrando-se excedido o coeficiente estabelecido no n.º 3, o sujeito passivo demonstrar, tendo em conta o tipo de actividade, o sector em que se insere, a dimensão das empresas e outros critérios pertinentes, e tomando-se em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvimento das entidades com as quais tem relações especiais que podia ter obtido o mesmo nível do endividamento e em condições análogas de uma entidade independente» 7… A prova mencionada no número anterior deve integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121. Entendemos dever equacionar, desde, já algumas considerações sobre o regime de subcapitalização que o artigo 61 do CIRC regula. O regime de sub capitalização previsto no artigo 61 do CIRC é uma medida anti abuso que visa nas palavras de Glória Teixeira evitar a erosão da base tributável das pessoas colectivas residentes em Portugal mas detidas ou controladas maioritariamente por entidades estrangeiras como é o caso dos autos cfr A tributação do rendimento perspectiva nacional e Internacional pp. 129. Traduzindo-se - se a subcapitalização numa situação de endividamento excessivo de uma entidade residente para com entidades não residentes com as quais mantém relações especiais procura-se através deste regime limitar a dedutibilidade do pagamento de juros a entidades não residentes relativamente à parte considerada em excesso - cfr nº 1 do artigo 61 do CIRC. De facto sendo os juros de capitais alheios aplicados na exploração do sujeito passivo considerados custos nos termos da alínea c) do nº 1 d artigo 23 do CIRC a não dedutibilidade dos juros respeitantes à parte considerada em excesso é considerada pela recorrente como ilegal por ser discriminatória já que tal limite não é aplicável no caso de o pagamento dos juros referidos a entidades residentes, pese embora essa não dedutibilidade seja passível de contestação nos termos do nº 6 do citado artigo 61. No caso em apreço a recorrente considera que a limitação em causa viola a Convenção Sobre a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, mais concretamente o disposto no artigo 26 nºs 4 e 5 da CDT. A Convenção em causa como se depreende do artigo 11 que regula os juros apenas regula a sua tributação estabelecendo no nº 8 deste artigo que quando em virtude de relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa o montante de juros, tendo em conta o crédito pelo qual são pagos, exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações, as disposições deste artigo são apenas aplicáveis a este último montante. Nesse caso a parte excedente continua a poder ser tributada de acordo com a legislação de cada Estado contratante tendo em conta outras disposições da Convenção. Nos termos do nº 1 do artigo 26 da citada CDT sob a epigrafe “não discriminação” os nacionais de um Estado contratante não ficarão sujeitos no outro estado contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas que estejam ou possam estar sujeitas os nacionais desse outro Estado que se encontre na mesma situação. Nesse sentido o nº 4 deste artigo estipula que salvo se for aplicável o disposto no nº 8 do artigo 11 os juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante serão dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa como se fossem pagos a um residente do Estado primeiramente mencionada. Todavia o nº 8 do artigo 11 da CDT preceitua também que “quando devido a relações especiais existentes entre o devedor e o beneficiário efectivo ou entre ambos e qualquer outra pessoa o montante de juros pagos tendo em conta o crédito pelo qual são pagos exceder o montante que seria acordado entre o devedor e o beneficiário efectivo na ausência de tais relações as disposições deste artigo são aplicáveis apenas a este último montante. Neste caso o excesso pode continuar a ser tributado de acordo com a legislação de cada estado contratante tendo em conta as outras disposições desta Convenção. Decorre da interpretação destas cláusulas que as mesmas previnem todo e qualquer tipo de discriminação a título de tributação dos juros. Todavia como bem assinala a recorrente o excesso do montante de juros referido no nº 8 do artigo 11 da CDT nada tem a ver com o endividamento excessivo a que se refere o artigo 61 do CIRC. O nº 8 do artigo 11 da CDT permite apenas desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes. Enquanto o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio. De facto, o artigo 61 do CIRC exclui da dedutibilidade fiscal consentida pelo artigo 23 do CIRC, como custos, os juros pagos a entidades não residentes em caso de endividamento excessivo mas já não exclui tal dedutibilidade relativamente aos mesmos custos ou seja os juros quando for beneficiária desse pagamento uma entidade residente. No fundo significa que tais custos deixam, quando derivados de pagamentos a entidades não residentes de ser indispensáveis para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do nº 1 do artigo 23 do CIRC, revestindo tal característica quando auferidos por entidades residentes. Sendo que o nº 3 do artigo 61 traduz uma manifesta presunção legal ilidível (presunção juris tantum) relativamente aos juros em situação de endividamento excessivo. De qualquer forma essa não dedutibilidade viola o disposto no nº 4 do artigo 26 da CDT que estipula que salvo o disposto no nº 8 do artigo 11 os juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante serão dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa como se fossem pagos a um residente do Estado primeiramente mencionada. Ora não sendo um caso de aplicação do nº 8 do artigo 11 da CDT como dissemos anteriormente a aplicação do artigo 61 do CIRC pondo em causa a dedutibilidade dos custos respeitantes aos juros pagos a uma empresa contratante a um residente de outro Estado contratante nessa medida inquinando a determinação do lucro tributável de tal empresa o que não sucederia caso fossem pagos a um residente, o artigo 61 viola o nº 4 do artigo 26 da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América dessa forma violando o artigo 8º nºs 1 e 2 da CRP.» Tal como no caso dos presentes autos, assiste razão à recorrente, impondo-se a procedência do recurso, no entanto, vem ainda invocada a incompatibilidade de tal regime com as normas do direito europeu, questão que também foi afrontada pelo Acórdão que vimos citando, nos seguintes termos que aqui acolhemos como fundamentação: «E será tal regime compatível com as normas do direito comunitário? Face ao primado do direito comunitário na ordem interna ex vi do disposto no nº 4 do artigo 8º da CRP importa também decidir se o artigo 61 contraria o princípio de livre circulação de capitais consagrado no artigo 63 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia Nos termos do nº 1 do artigo 63 do citado Tratado (TSFUE) são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Países Terceiros. Estipulando o nº 2 do mesmo preceito que são proibidas todas as restrições a pagamentos entre Estados membros e países terceiros. Todavia a alínea b) do nº 1 do artigo 65 do Tratado em causa dispõe que o disposto no artigo 63 não prejudica os Estados Membros de tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, prever processos de declaração de movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. Sendo que o nº 3 do mesmo artigo refere que as medidas e procedimentos a que se referem os nºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos tal como definida no artigo 63. Perante estes normativos questiona-se se o artigo 61 do CIRC não será uma medida anti abuso violadora das normas comunitárias referidas. Sobre o regime de subcapitalização e sua compatibilidade com as normas comunitárias acima transcritas foi já por diversa vezes chamado a pronunciar-se o TJUE na medida em que por força do disposto no artigo 267 o mesmo é o competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação dos tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições órgãos e organismos da União. Sendo o processo de reenvio prejudicial uma via de cooperação judiciária pela qual pela a jurisdição nacional e o Tribunal de Justiça são chamados a contribuir directa e reciprocamente à elaboração de uma decisão que visa assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário no conjunto dos Estado Membros é o Tribunal de Justiça o único habilitado a pronunciar-se sobre a interpretação dum texto comunitário a partir de factos indicados pela jurisdição nacional competindo a esta última aplicar as regras do direito comunitário ao caso concreto Neste sentido os acórdãos do TJUE C 458/06 de 12 06 2008 caso Skatteverket c/ Gourmet Classic e C 279/06 de 11 09 2008 CEPSA. O Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial pronunciou-se sobre questão análoga à dos autos no processo nº 5365/12 do TCA SUL através do acórdão TJUE de 3 de Outubro no P C 282/12 al. O TJUE tendo presente o quadro jurídico português - o artigo 61 do CIRC sob a epígrafe “subcapitalização” foi chamado a pronunciar-se sobre a seguinte questão: «Os artigos 63.° [TFUE] e 65.° [TFUE] (antigos artigos 56.° [CE] e 58.° [CE]) opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a do artigo 61.° CIRC [ […]] que, no âmbito de uma situação de endividamento de um sujeito passivo residente em Portugal para com entidade de país terceiro com a qual mantenha relações especiais nos termos do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, não permita a dedutibilidade como custo fiscal dos juros, relativos à parte do endividamento considerada em excesso nos termos do artigo 61.° n.° 3, do CIRC, suportados e pagos pelo sujeito passivo residente em território nacional nas mesmas circunstâncias que aos juros suportados e pagos por sujeito passivo residente em Portugal cujo excesso de endividamento se verifique perante uma entidade residente em Portugal com a qual mantenha relações especiais?» O Tribunal ponderou os argumentos referentes a tal questão da forma que aqui se dá como inteiramente reproduzida …. …… 13 Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos de determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações. Quanto à liberdade aplicável 14 Quanto à aplicabilidade do artigo 56.° CE às circunstâncias em causa no processo principal, há que constatar, à partida, que os mútuos e os créditos financeiros concedidos por não residentes a residentes constituem movimentos de capitais na aceção desta disposição, como é de resto indicado na rubrica VIII da nomenclatura reproduzida no anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.° Do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5), e nas suas notas explicativas (v., neste sentido, acórdão de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz, C-452/04, Colet., p. I-9521, n.os 41 e 42). 15 No entanto, o Governo português alega que a legislação em causa no processo principal constitui um regime baseado na existência de «relações especiais» resultante do facto de a entidade mutuante ter o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão e de financiamento da entidade mutuária. O Tribunal de Justiça examinou esses regimes exclusivamente à luz da liberdade de estabelecimento, que não é aplicável a operações efetuadas, como no presente caso, com uma entidade com sede num país terceiro. 16 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, no caso de uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos originários de um país terceiro, importa considerar que o exame do objeto dessa legislação é suficiente para apreciar se o referido tratamento fiscal está abrangido pelas disposições do Tratado CE relativas à livre circulação de capitais. Com efeito, uma vez que o capítulo do Tratado relativo à liberdade de estabelecimento não contém nenhuma disposição que alargue o âmbito de aplicação das suas disposições às situações que respeitem ao estabelecimento de uma sociedade de um Estado-Membro num país terceiro ou ao estabelecimento de uma sociedade de um país terceiro num Estado-Membro, tal legislação não é suscetível de ser abrangida pelo artigo 43.° CE (v. acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-35/11, n.os 96 e 97 e jurisprudência referida). 17 O Tribunal de Justiça também declarou que, quando resulte do objeto de uma legislação nacional desta natureza que a mesma só é aplicável às participações que permitam exercer uma influência efetiva nas decisões da sociedade em causa e determinar as respetivas atividades, os artigos 43.° CE e 56.° CE não podem ser invocados (acórdão Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 98). 18 Em contrapartida, uma legislação nacional relativa ao tratamento fiscal de dividendos provenientes de um país terceiro, que não se aplique exclusivamente às situações em que a sociedade-mãe exerce uma influência decisiva na sociedade que distribui os dividendos, deve ser apreciada à luz do artigo 56.° CE. Por conseguinte, uma sociedade residente num Estado-Membro pode invocar esta disposição para questionar a legalidade de uma legislação deste tipo, independentemente da importância da participação que detém na sociedade que procede à distribuição de dividendos estabelecida num país terceiro (acórdãos Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 99, e de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, n.° 30). 19 Estas considerações são aplicáveis relativamente a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que respeita ao tratamento fiscal dos juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais. Com efeito, uma legislação deste tipo não estaria abrangida pelo artigo 43.° CE nem pelo artigo 56.° CE se dissesse apenas respeito às situações em que tal sociedade mutuante detivesse uma participação na sociedade mutuária residente que lhe permitisse exercer uma influência efetiva nesta última. 20 Quanto à legislação em causa no processo principal, como salientam a I… e a Comissão Europeia, o conceito de «relações especiais», conforme definido no artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, não visa apenas as situações em que a sociedade mutuante de um país terceiro exerce uma influência efetiva, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida, na sociedade mutuária residente, devido à sua participação no seu capital. Em particular, as situações enumeradas no referido n.° 4, alínea g), que dizem respeito a relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre as sociedades em questão, não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante no capital da sociedade mutuária. 21 Na audiência, o Governo português indicou, todavia, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, que a referida legislação se aplica apenas às situações em que a sociedade mutuante detém uma participação direta ou indireta no capital da sociedade mutuária. 22 Ora, supondo que a aplicação da legislação em causa no processo principal se limita às situações de relações entre uma sociedade mutuária e uma sociedade mutuante que detém uma participação de, pelo menos, 10% do capital ou dos direitos de voto na primeira sociedade, ou entre sociedades em que os mesmos titulares detêm essa participação, conforme prevê o artigo 58.°, n.° 4, alíneas a) e b), do CIRC, há que concluir que uma participação desta importância não implica necessariamente que o titular dessa participação exerça uma influência efetiva nas decisões da sociedade de que é acionista (v., neste sentido, acórdãos de 13 de abril de 2000, Baars, C-251/98, Colet., p. I-2787, n.° 20, e de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.° 58). 23 Daqui decorre que uma sociedade residente pode, independentemente da existência de uma participação de uma sociedade mutuante de um país terceiro no seu capital, ou da importância dessa participação, invocar as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, para questionar a legalidade dessa legislação nacional (v., por analogia, acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 104). 24 De resto, segundo a interpretação das referidas disposições quanto às relações com países terceiros, não existe, neste caso, o risco de as sociedades mutuantes com sede nestes, que não se enquadrem nos limites do âmbito de aplicação territorial da liberdade de estabelecimento, poderem beneficiar desta liberdade. Com efeito, contrariamente ao que o Governo português alegou na audiência, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não visa as condições de acesso ao mercado dessas sociedades no Estado-Membro em questão, mas diz unicamente respeito ao tratamento fiscal dos juros suportados relativamente ao endividamento considerado excessivo contraído por uma sociedade residente para com uma sociedade de um país terceiro, com a qual mantém relações especiais na aceção do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC (v., por analogia, acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 100). 25 Daqui resulta que uma legislação como a que está em causa no processo principal deve ser examinada exclusivamente à luz da livre circulação de capitais consagrada no artigo 56.° CE. Quanto à existência de uma restrição e de eventuais justificações 26 Importa recordar que, de acordo com jurisprudência constante, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, n.° 14 e jurisprudência referida). 27 Resulta igualmente de jurisprudência constante que as medidas proibidas pelo artigo 56.°, n.° 1, CE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as medidas que sejam suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (acórdão de 25 de janeiro de 2007, Festersen, C-370/05, Colet., p. I-1129, n.º 24, e acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.° 15). 28 No presente caso, resulta do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC que, quando o endividamento de uma sociedade residente para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais na aceção do artigo 58.°, n.° 4, do CIRC, for considerado excessivo no sentido do n.° 3 do referido artigo 61.°, os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade residente. 29 Em contrapartida, resulta também do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC que esses juros são dedutíveis quando a sociedade mutuante reside no território português ou noutro Estado-Membro. 30 Como reconhece o Governo português, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que a situação em questão no processo principal se enquadra na livre circulação de capitais, esta situação implica um tratamento fiscal menos favorável de uma sociedade residente que contrai um endividamento que excede um certo nível para com uma sociedade com sede num país terceiro do que o tratamento reservado a uma sociedade residente que contrai o mesmo endividamento para com uma sociedade residente no território nacional ou noutro Estado-Membro. 31 Esse tratamento desfavorável é suscetível de dissuadir uma sociedade residente de se endividar de uma maneira que é considerada excessiva para com uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais na aceção da legislação em causa no processo principal. Consequentemente, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE. 32 Segundo jurisprudência constante, essa restrição só pode ser admitida se se justificar por uma razão imperiosa de interesse geral. Mas é ainda necessário, nesse caso, que seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objetivo (v. acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, já referido, n.° 55 e jurisprudência referida). 33 O Governo português alega que a legislação em causa no processo principal tem por objetivo o combate à fraude e evasão fiscais, ao impedir a prática da «subcapitalização» que consiste em reduzir a base tributável do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas em Portugal através do pagamento de juros dedutíveis em vez de lucros não dedutíveis. Esta prática tem por objetivo transferir arbitrariamente rendimentos tributáveis deste Estado-Membro para um país terceiro, tendo por consequência que o lucro de uma sociedade não seja tributado no Estado onde foi gerado. 34 A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, uma medida nacional que restrinja a livre circulação de capitais pode ser justificada quando visa especificamente expedientes puramente artificiais, desprovidos de realidade económica, cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional (v., neste sentido, acórdãos de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, C-524/04, Colet., p. I-2107, n.os 72 e 74, e de 17 de setembro de 2009, Glaxo Wellcome, C-182/08, Colet., p. I-8591, n.º 89). 35 Ao prever que certos juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade com sede num país terceiro, com a qual mantém relações especiais, não sejam dedutíveis para efeitos da determinação dos lucros tributáveis da sociedade residente, uma legislação como a que está em causa no processo principal é suscetível de evitar práticas cujo único objetivo seja eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades exercidas no território nacional. Por conseguinte, essa legislação é adequada para alcançar o objetivo de combate à fraude e evasão fiscais (v., por analogia, acórdão Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 77). 36 No entanto, há que verificar se a referida legislação não ultrapassa o necessário para alcançar esse objetivo. 37 A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se pode considerar que não vai além do necessário para evitar a fraude e evasão fiscais uma legislação que se baseia numa análise de elementos objetivos e verificáveis para determinar se uma transação tem caráter de expediente puramente artificial apenas para fins fiscais e que, sempre que a existência desse expediente não possa ser excluída, permite ao contribuinte, sem o submeter a contingências administrativas excessivas, apresentar elementos relativos às eventuais razões comerciais pelas quais esta transação foi concluída (v., neste sentido, acórdãos Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, já referido, n.° 82, e de 5 de julho de 2012, SIAT, C-318/10, n.° 50). 38 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando a transação em causa ultrapasse o que as sociedades tinham acordado em circunstâncias de plena concorrência, a fim de não ser considerada desproporcionada, a medida fiscal de correção deve limitar-se à fração que ultrapasse o que tinha sido acordado nessas circunstâncias (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation, n.° 83, e SIAT, n.° 52). 39 Neste caso, é certo, por um lado, que o artigo 61.°, n.° 6, do CIRC prevê que, com exceção dos casos de endividamento perante entidade residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável, a sociedade residente que contraiu um endividamento considerado excessivo para com uma sociedade de um país terceiro, com a qual mantém relações especiais, pode demonstrar que podia ter obtido o mesmo nível de endividamento, em condições análogas, de uma entidade independente. Por outro lado, por força do artigo 61.°, n.° 1, do CIRC, apenas os juros suportados relativamente à parte considerada em excesso não são dedutíveis. 40 Todavia, uma legislação como a que está em causa no processo principal ultrapassa o que é necessário para alcançar o seu objetivo. 41 Com efeito, como decorre do n.° 20 do presente acórdão, o conceito de «relações especiais», conforme definido no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC, engloba situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um país terceiro no capital da sociedade mutuária residente. Na falta de tal participação, resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no artigo 61.°, n.° 3, do CIRC que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo. 42 Há que concluir que, nas circunstâncias descritas no número anterior, a legislação em causa no processo principal afeta também comportamentos cuja realidade económica não pode ser contestada. A referida legislação, ao presumir nessas circunstâncias uma erosão da base tributável do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas devido pela sociedade mutuária residente, vai além do que é necessário para alcançar o seu objetivo. 43 Por outro lado, na medida em que, segundo as indicações do Governo português resumidas no n.° 21 do presente acórdão, a legislação em causa no processo principal só se aplica às situações em que a sociedade mutuante detenha uma participação direta ou indireta no capital da sociedade mutuária, pelo que não se verifica a circunstância evocada no n.° 41 do presente acórdão, a verdade é que essa limitação do âmbito de aplicação desta legislação não decorre da sua redação que, pelo contrário, parece sugerir que também são abrangidas as relações especiais em que não existe essa participação. 44 Nestas circunstâncias, a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação. Consequentemente, não satisfaz as exigências da segurança jurídica segundo as quais as regras de direito devem ser claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em especial quando podem ter consequências desfavoráveis para os indivíduos e as empresas. Ora, uma regra que não satisfaça as exigências do princípio da segurança jurídica não pode ser considerada proporcionada aos objetivos prosseguidos (v. acórdão SIAT, já referido, n.os 58 e 59). 45 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite a deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara: O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que, para efeitos da determinação do lucro tributável, não permite deduzir como custo os juros suportados relativamente à parte do endividamento qualificada de excessiva, pagos por uma sociedade residente a uma sociedade mutuante com sede num país terceiro, com a qual mantenha relações especiais, mas permite a dedução desses juros pagos a uma sociedade mutuante residente, com a qual a sociedade mutuária mantenha esse tipo de relações, quando, em caso de não participação da sociedade mutuante com sede num país terceiro no capital da sociedade mutuária residente, esta legislação presume, contudo, que qualquer endividamento desta última tem a natureza de um expediente cujo objetivo é eludir o imposto normalmente devido ou quando a referida legislação não permite determinar previamente e com precisão suficiente o seu âmbito de aplicação. Competindo ao juiz nacional perante tal interpretação decidir da sua aplicação ao caso concreto importa desde já referir que a situação que se pretende ver decidida nesta revista é no seu contorno idêntica à apreciada pelo TJUE. Efectivamente é manifesto que a situação em apreço nesta revista se enquadra na livre circulação de capitais, e que a mesma traduz um tratamento fiscal menos favorável de uma sociedade residente que contrai um endividamento que excede um certo nível para com uma sociedade com sede num país terceiro do que o tratamento reservado a uma sociedade residente que contrai o mesmo endividamento para com uma sociedade residente no território nacional ou noutro Estado-Membro. E o que está em causa é decidir se tal discriminação se pode justificar como forma de evitar práticas cujo único objectivo seja iludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por actividades exercidas em território nacional. Mas reconhecendo, embora, com o TJUE que os preceitos em causa – artigo 61 e 58 do CIRC são adequados como forma de evitar a evasão e fraude fiscal temos de convir com o mesmo Tribunal que tal restrição se mostra desproporcionada o fim visado. Como bem se refere no aresto em causa “englobando o artigo 58 do CIRC situações que não implicam necessariamente uma participação da sociedade mutuante de um pais terceiro no capital da sociedade mutuária residente e constatando-se que na falta dessa participação resulta do modo de cálculo do excesso de endividamento previsto no nº 3 do artigo 61 que qualquer endividamento existente entre estas duas sociedades deveria ser considerado excessivo o artigo 61 consagra uma medida discriminatória limitadora da livre circulação de capitais pois que apenas as entidades não residentes ficam sujeitas ao regime do artigo 61 do CIRC quando o direito tributário em sede de IRC não distingue para efeitos de determinação de rendimento tributável em sede de IRC entre sociedades com sócios residentes e sociedades com sócios não residentes não se justificando por isso esse tratamento diferenciado”. Assim sendo só perante situações em que o interesse geral justificasse esta restrição à liberdade de circulação que o artigo 63 do TSFUE garante é que este regime poderia ser admitido. E se é certo que a evasão e luta contra a fraude fiscal e a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais são situações previstas no artigo 65 do TSFUE que permitem aos Estados Membros tomarem medidas que de algum modo restrinjam a liberdade de circulação referida tais medidas não podem em caso algum constituir um meio de discriminação arbitrária ou de dissimulação à livre circulação de capitais e pagamentos cfr nº 3 do artigo 65 do TSFUE. O que implica que para que tais medidas restritivas possam ser aplicadas terão que ser apresentadas razões que o justifiquem dado que só assim se pode controlar a sua adequação e proporcionalidade. O que no caso em apreço não sucede. Neste sentido vejam-se também os acórdãos deste STA de 04 06 2008 in processo 275/08 e de 12 11 2008 in processo 0281/88. A aplicação do artigo 61/1 no caso em análise viola o artigo 63 do TSFUE e a Convenção Sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América cfr – artigo 26/4 e 6 normas de direito internacional que por força do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 8º da CRP fazem parte integrante do direito português.» Em face do julgamento efectuada pelo STA em sede de recurso de revista que se deixou transcrito, tal como nas circunstâncias dos presentes autos, importa julgar procedente o presente recurso e em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a pretensão da recorrente de ver deduzidos dos custos consubstanciados no pagamento de juros suportados, correspondentes à parte do endividamento considerado excessivo, no montante de € 287 261,63, desaplicando o disposto no artigo 61.º do CIRC, por violação do artigo 63.º do TFUE e do artigo 24.º, n.º 4 da Convenção Sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça nos termos supra referidos. * IV – CONCLUSÕES I – A subcapitalização corresponde a uma situação de "endividamento excessivo" de uma entidade residente para com entidades não residentes com as quais existam relações especiais; II – A consequência fiscal do excesso de endividamento é a não dedutibilidade fiscal dos juros pagos por uma entidade residente relativos à parte considerada em excesso; III – O regime de subcapitalização previsto no artigo 61.º, n.º 1 do CIRC (na redacção vigente à data dos factos), constitui uma cláusula anti-abuso especifica no âmbito das correcções para efeitos de determinação da matéria tributável, das entidades sujeitas a IRC, que tem em vista evitar a utilização de endividamento junto de entidades não residentes com vista à redução artificial do lucro tributável; IV – Ainda que constitua uma norma anti-abuso, o artigo 61.º do CIRC ao estabelecer uma distinção arbitrária entre entidades residentes e entidades não residentes em território português para efeitos de dedução de juros de empréstimos pagos por uma empresa residente a um residente de outro Estado contratante, viola o princípio de livre circulação de capitais garantido pelo artigo 63.º do TSFUE bem como o artigo 8.º n.º 4 da CRP, V - A aplicação do artigo 61º do CIRC, pondo em causa a dedutibilidade dos custos respeitantes aos juros, viola ainda o nº 4 do artigo 24.º da Convenção Sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Suíça. dessa forma violando o artigo 8.º n.ºs 1 e 2 da CRP. V – DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, julgando procedente a julgar procedente a acção administrativa especial e deferir a pretensão da Autora. Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
Lisboa, 26 de Junho de 2025. Ana Cristina Carvalho - Relatora Tiago Brandão de Pinho – 1.ª Adjunta Sara Diegas Loureiro – 2.ª Adjunta |