Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:48712/24.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
ALEGAÇÃO DE FACTOS
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DETERMINAÇÃO DO ESTADO RESPONSÁVEL
FALHAS GRAVES
PREVISÍVEL TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE
Sumário:I - Nada tendo o autor alegado para caracterizar uma situação de previsível tratamento desumano ou degradante pelas autoridades de Itália, inexistem indícios falhas graves, pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/13, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013.
II - Consequentemente, é desnecessária uma específica actividade instrutória, antes da determinação da transferência, para verificação de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente de protecção internacional, também não se impondo à entidade demandada a averiguação oficiosa acerca da existência de razões indicativas do risco de refoulement.
III - Na falta de indícios de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente de protecção internacional por parte das autoridades italianas, não cabe às autoridades nacionais apreciar o pedido de protecção internacional formulado pelo requerente, competindo tal responsabilidade, antes, às autoridades do Estado italiano – nos termos do citado Regulamento n.º 604/2013 -, a quem incumbe, não só a apreciação do eventual risco que implicará o regresso do requerente ao seu país de origem, mas também a aplicação do princípio do non refoulement.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

S… veio instaurar, ao abrigo do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, acção administrativa urgente contra a AIMA-AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I. P.. Pede a anulação da decisão que considerou o seu pedido de protecção internacional inadmissível e decidiu a sua transferência para a Itália.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e, em consequência, a absolver a entidade demandada do pedido.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
A) O Recorrente alegou factos que permitem concluir que a sua vida ou integridade física esteve em perigo e que ainda está;
B) Das declarações do Recorrente é possível perceber o seu medo de regressar à Argélia, local onde é procurado, por saber, de antemão, o que significará regressar ao seu país.... a sua morte, tendo em conta todo o circunstancialismo do seu país de origem;
C) Os artigos 33.º da Convenção de Genebra, 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.º e 19.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, preveem o princípio do non refoulement, que deve ser aplicado aos casos das transferências realizadas ao abrigo da regulação Dublin, sempre que o caso concreto seja alusivo à possibilidade do transferido vir a sofrer o risco sério de ficar sujeito a tratamentos degradantes ou desumanos.
D) Cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros indagar oficiosamente da observância e adequada aplicação do direito da União Europeia, em concretização do princípio da efetividade do direito europeu e os seus corolários, incluindo as inerentes consequências processuais.
E) O retorno do Recorrente ao seu país de origem pode constituir um sério risco de o colocar em situação de sujeição a tratamento desumano ou degradante, ou de ameaça à sua vida ou integridade física.
F) Cumpre proceder a uma adequada instrução do procedimento, por forma a que o Recorrido adquira toda a informação relevante sobre a situação e perfil pessoal do Recorrente.
G) Deverá esse procedimento seguir os trâmites previstos no artigo 18.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 27/2008 de 30 de junho.
H) O Recorrente apresentou argumentos válidos que permitem concluir que a sua esfera pessoal pode vir a ser afetada por uma situação violadora dos seus direitos fundamentais, pelo que poderá a vir a acontecer, na verdade, uma contradição ao Princípio de não-devolução ou Princípio non-refoulement, princípio internacional de jus cogens, que tem por escopo garantir a proteção humana, caso o processo seja transferido para outro Estado-membro (Itália).
I) Não devemos ignorar o que sucedeu no passado e prevenir riscos que possam resultar da atuação interna do nosso ordenamento jurídico, razão pela qual deverá ser admitido o pedido de asilo do Recorrente, ou pelo menos a autorização para residência para proteção subsidiária.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, que por certo V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado e, por via dele, revogada a douta decisão e substituída por outra nos sobreditos termos;
Assim decidindo farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!”
Notificada das alegações apresentadas, a entidade demandada não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por ocorrer défice instrutório quanto à ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente de protecção internacional e, consequentemente, se impor a análise do pedido de protecção internacional nos termos do artigo 17.º do Regulamento de Dublin.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:

“1. S… é nacional da Guiné-Bissau.
(PA, fls. 52-174).
2. Em 2024.09.21, foi recusada a entrada de S… em território nacional, com fundamento em falta de documentação válida comprovando a finalidade e as condições de estada, e em insuficiência de meios de subsistência para o período e tipo de estada ou para o regresso ao país de origem ou de trânsito.
(PA, fls. 52-174).
3. Em 2024.09.25, S… apresentou junto dos serviços da AIMA pedido de proteção internacional - processo n.° 2155/24.
(PA, fls. 52-174).
4. Pela AIMA foi aberto, em 2024.10.09, um processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional (Regulamento Dublin) Retoma a Cargo - processo n.° 01496/24.
(PA. fls. 52-174).
5. Das declarações de S…, a AIMA, conclui entre o mais, que:
(...)

(PA, fls. 52-174).
6. Em 2024.10.01, a AIMA comunicou a S… o seguinte:
(...)

«Imagem em texto no original»



(PA, fls. 52-174).
7. A AIMA apresentou um pedido de retoma a cargo das autoridades italianas.
(PA, fls. 52-174).
8. Em 2024.10.23, Itália aceita o pedido de retoma.
(PA, fls. 52-174).
9. S… prestou declarações no Centro Nacional para o Asilo e Refugiados, constando das mesmas, entre o mais, o seguinte:
(...)

«Imagem em texto no original»

(...)

«Imagem em texto no original»


(...)

(PA, fls. 52-174).
10. Pelos serviços da AI MA foi elaborada a informação/proposta/ n.° 2352/CNAR-AIMA/2024, onde se conclui que pelo exposto, e tendo em consideração que os pedidos são analisados por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento n.° 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, designarem como responsável, propõe-se que o pedido seja considerado inadmissível, uma vez que a Itália ê, no caso em apreço, o Estado responsável pela tomada a cargo ao abrigo do artigo 12 °, n ° 2 do Regulamento (UE) n ° 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho.
(PA, fls. 52-174).
11. Consta ainda da referida informação, entre o mais, o seguinte: (...)




(...)
(PA, fls. 52-174).
12. Em 2024.10.24, o conselho diretivo da AIMA profere despacho de concordo sobre a informação referida no ponto anterior.
(PA, fls. 52-174).
13. No mesmo dia, foi comunicada a S… a decisão, referida no ponto anterior, através do documento intitulado Notificação sobre PPI apresentado em posto de fronteira.
(PA, fls. 52-174).”
*
Inexistem factos dados como não provados com relevância para a decisão da causa.
*
A convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação livre - artigos 396 ° do Código Civil (CC) e 607.°, n.° 5 do CPC, aplicável por via do art.° 1.° do CPTA - efetuada à luz das regras da experiência comum necessariamente cotejada com toda a documentação constante dos autos e com a posição concordante das partes quantos aos mesmos, sendo especificados em cada facto dado como provado.
A prova documental foi valorada em concordância com o disposto nos artigos 362.° e ss. do CC, indicando-se em cada um dos pontos do probatório os elementos documentais que estiveram na base da demonstração do facto e da formação da convicção do Tribunal.
Quanto os restantes factos alegados pelas partes, o Tribunal não os julga provados ou não provados, por ser irrelevante para a decisão da causa ou por constituírem alegação conclusiva ou de direito.
É esta a motivação implícita no juízo probatório formulado.”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

No n.º 8 do artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa, “É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
Tal direito de asilo mostra-se concretizado na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro. Nos seus artigos 36.º a 40.º está previsto o “procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional”. Assim, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º, quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertence a outro Estado-Membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, a AIMA, I. P., solicita às respectivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo, e, aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, profere decisão, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A, a considerar o pedido inadmissível, caso em que, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º-A, se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção internacional.
Nestes termos, o apuramento da responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional é feito nos termos do citado Regulamento, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. Sobre o “Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional”, dispõe o n.º 1 do seu artigo 3.º que “Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro (…). Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.” Todavia, estabelece o n.º 1 do artigo 17.º que “Em derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”
Com relevância para a decisão do caso em apreço, importa referir que, nos termos do segundo parágrafo do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.”
A jurisprudência dos tribunais administrativos tem vindo a decidir uniformemente pela «“desnecessidade de uma específica atividade instrutória antes da determinação da transferência, tendente ao apuramento da verificação de falhas sistémicas nos procedimentos de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional quando não existam indícios que o requerente tenha sido, ou venha a ser, vítima dessas falhas, nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante no art. 3.º n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/13, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013” (cfr. acórdãos de 16/01/2020, P. 02240/18.7BELSB; de 04/06/20, P. 01322/19.2BELSB; de 02/07/2020, P. 01786/19.4BELSB e P. 010/88/19.6BELSB; de 09/07/20, P. 1419/.9BELSB; de 10/09/2020, P. 01705/19.8BELSB e P. 03421/19.1BEPRT; de 5/11/2020, P. 2364/18.0BELSB; de 19/11/2020, P. 1301/19.0BELSB; de 19/11/2020, P. 1009/20.3BELSB; de 04/02/2021, P.115/20.9BELSB; de 11/03/2021, P. 01282/20.7BELSB; de 24/11/2022, P.0269/22.0BELSB)» e que, «apenas em casos devidamente justificados, naqueles casos em que existam motivos válidos para crer que «há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes» e que tais falhas impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente, por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação atualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos» - cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Abril de 2023, proferido no processo n.º 1988/20.0BELSB (in www.dgsi.pt).
Finalmente, a «Proibição de repelir ('princípio de não repulsão ou non-refoulement')», “é o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, direta ou indireta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta proteção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave” – cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea aa), da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.

No caso em apreço, o autor, cidadão nacional da Guiné-Bissau, proveniente deste país e portador de visto válido para Itália, apresentou um pedido de protecção internacional em Portugal, tendo a AIMA determinado a abertura de um procedimento especial com vista a aferir o Estado responsável pela análise do pedido, nos termos do artigo 36.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, no termo do qual concluiu que o responsável pela tomada a cargo do requerente seria o Estado italiano, pelo que, ao abrigo dos artigos 12.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin, e 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, solicitou àquele Estado a tomada a cargo do autor, que o aceitou, e, assim, proferiu decisão de inadmissibilidade do pedido e de transferência do autor para a Itália, nos termos conjugados dos artigos 37.º, n.º 2, 19.º-A, n.º 1, alínea a), e 18.°, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, e 29.° do Regulamento de Dublin.
Nos presentes autos, o autor pede a anulação de tal decisão, alegando que, (i) ainda que fosse portador de visto válido para Itália, era sua intenção solicitar asilo em Portugal, e que (ii) existem falhas sistémicas nas condições de acolhimento dos requerentes de pedidos de protecção internacional em Itália, pelo que deveria ter sido aplicada a cláusula de salvaguarda estabelecida no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Dublin, não podendo ser transferido para o seu país de origem por haver risco de ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, nos moldes configurados pelos artigos 32.º, n.º 1, da Convenção de Genebra, e 19.º, n.º 2, da CDFUE, e pela possibilidade de ocorrer uma situação de proibição de refoulement.
A sentença recorrida julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido, nos seguintes termos. Quanto ao primeiro fundamento invocado pelo autor, considerou que, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento de Dublin, sendo o requerente de protecção internacional titular de um visto válido, o Estado-Membro que o tiver emitido é responsável pela análise do pedido, pelo que, ainda que se provasse que era intenção do autor solicitar asilo em Portugal, o que não sucedeu, tal nunca teria como efeito o afastamento da responsabilidade do Estado Italiano pela análise do pedido. Quanto ao segundo fundamento, refere a sentença que, nem quando prestou declarações, nem no decurso do procedimento administrativo, nem mesmo no âmbito da presente acção judicial, o autor alegou qualquer factualidade sugestiva da existência de falhas nas condições de acolhimento ou no procedimento de asilo em Itália, pelo que não seria exigível que a AIMA afastasse o princípio da confiança mútua entre Estados-Membros, e que desencadeasse as diligências instrutórias tendentes a averiguar a existência das mencionadas falhas sistémicas, além de que, quanto ao princípio da não repulsão ou non-refoulement, consagrado no art.° 33.° da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, os factos relativos aos motivos que levaram o autor a sair do seu país de origem apenas assumiriam relevância para aferir do preenchimento dos pressupostos de que depende a concessão de asilo ou proteção subsidiária, sendo que é ao Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional — na situação dos autos, Itália — que caberia decidir se o autor preenche os pressupostos para que lhe seja concedida a proteção por si requerida, estando a Itália obrigada a cumprir as normas de direito europeu e de direito internacional que proíbem a repulsão, o que significa que apenas procederá ao reenvio do autor para o seu país de origem se tiver verificado, na apreciação do mérito do seu pedido de proteção internacional, que a sua vida ou liberdade aí não serão ameaçados. Conclui, assim, a sentença, que a decisão impugnada não padece dos vícios que o autor lhe assaca.
O recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando o erro de julgamento de direito por défice instrutório quanto à ocorrência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento e, consequentemente, se impor a análise do pedido de protecção internacional nos termos do artigo 17.º do Regulamento de Dublin. A propósito, alega que invocou factos que permitem concluir que a sua vida ou integridade física esteve e está em perigo, resultando das suas declarações o seu medo de regressar à Argélia, local onde é procurado, podendo o retorno do recorrente ao seu país de origem constituir um sério risco de o colocar em situação de sujeição a tratamento desumano ou degradante, ou de ameaça à sua vida ou integridade física.
Vejamos.
No caso em apreço, a este propósito, o autor recorrente alega na p.i. que Itália não oferece condições para acolher e prover pela sua segurança nem proporciona a segurança de que o mesmo não venha a ser reenviado para o seu país natal, atenta a grave pressão migratória, sendo público e notório que o actual governo italiano tem procurado desincentivar a chegada de refugiados, através da adopção de medidas restritivas anti-imigração, nomeadamente a imposição de exigências mais rigorosas para a obtenção de autorização de residência, a prisão de imigrantes que aguardam repatriamento, caso não sejam imediatamente expulsos, a detenção a partir dos 16 anos e a identificação de adultos que se façam passar por menores na chegada ao país, sendo evidente o desrespeito reiterado dos direitos humanos no que tange aos refugiados em Itália.
Assim, o autor recorrente nada alega na p.i. que caracterize uma situação de previsível tratamento desumano ou degradante pelas autoridades de Itália, limitando-se a considerações vagas e genéricas sobre o tratamento dado pelo Estado Italiano aos imigrantes, sem que do probatório resulte qualquer facto indiciador de tal tratamento.
Acerca da alegada pressão migratória em Itália – da qual o recorrente faz decorrer o desrespeito pelos direitos humanos -, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.07.2020, proferido no processo n.º 01088/19.6BELSB (in www.dgsi.pt), precisamente num caso em que estava em causa a transferência do requerente para o Estado italiano, “Não sendo demonstrada a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes num determinado Estado-Membro (nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013), e não sendo possível concluir que, independentemente da existência de uma forte pressão migratória que se constata existir nesse específico Estado-Membro, o requerente de protecção internacional tenha sido e/ou vá ser objecto de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não há motivo para admitir o pedido e para não proceder à transferência do requerente de asilo.”
Inexistem, assim, indícios de falhas graves, pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/13, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013.
Deste modo, concluímos – tal como o fez a sentença recorrida - pela desnecessidade de uma específica actividade instrutória, antes da determinação da transferência, para verificação de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente de protecção internacional, também não se impondo à entidade demandada a averiguação oficiosa acerca da existência de razões indicativas do risco de refoulement.
Na falta de indícios de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente de protecção internacional por parte das autoridades italianas, não cabe às autoridades nacionais apreciar o pedido de protecção internacional formulado pelo requerente, competindo tal responsabilidade, antes, às autoridades do Estado Italiano – nos termos do citado Regulamento n.º 604/2013 -, a quem incumbe, não só a apreciação do eventual risco que implicará o regresso do requerente ao seu país de origem, mas também a aplicação do princípio do non refoulement.
Termos em que se impõe julgar o presente recurso improcedente.
*
Sem custas, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto.

Sem custas.

Lisboa, 03 de Julho de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Carlos Araújo