Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:140/24.0BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:ACÇÃO POPULAR
PUBLICAÇÃO DE DECISÕES
CAUTELAR
Sumário:O artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, ao determinar a publicação de decisões judiciais, reporta-se às decisões de tutela definitiva de direitos – proferidas em acções principais -, e não a decisões cautelares, que se limitam a conferir uma tutela provisória aos seus requerentes
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS AMIGOS DOS CASTELOS instaurou processo cautelar contra B…, UNIPESSOAL, LDA, e PATRIMÓNIO CULTURAL, I.P., pedindo a intimação da primeira a, no prazo máximo de 60 dias, colocar uma cobertura provisória elevada de protecção/conservação sobre a “Casa do Alcaide-Mor” (e toda a sua área circundante, também classificada), visando que se acautele a continuidade da deterioração a este Monumento Nacional por via da sua exposição a fenómenos naturais, e, no caso de atraso ou falta de cumprimento pela mesma, a intimação da segunda nos mesmos termos.
Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja foi proferida sentença a julgar improcedente o pedido por falta de verificação do requisito do fumus boni iuris.
Por despacho de 14.11.2024, foi determinada, ao abrigo do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a publicação de texto e extracto da sentença pela requerente nos jornais “Correio da Manhã” e “Público”, por anúncio com a menção da data do trânsito em julgado.
A requerente interpôs o presente recurso de apelação, tendo por objecto o referido despacho, concluindo do seguinte modo a sua alegação:
“1- Vem o presente Recurso interposto do despacho do tribunal a quo, de 22- 11-2024, que em virtude do indeferimento do procedimento cautelar apresentado pela Requerente, ordenou a publicação de excerto da respetiva sentença através de anúncio em dois dos jornais de maior impacto mediático a nível nacional.
2- O despacho ora em crise resulta de uma errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 19.º, n.º 2 da Lei n.º 83/95, de 31-08, dado que o mesmo tem um âmbito aplicativo diverso da subsunção realizada pelo tribunal a quo, traduzindo-se a obrigação de publicação em erro na aplicação de direito, uma vez que a norma respeita apenas a decisões principais transitadas em julgado, com efeitos definitivos e com caso julgado material.
3- O que não sucede, por natureza, na sentença de um procedimento cautelar, caraterizada pela provisoriedade, instrumentalidade e ausência de caso julgado material, podendo o que aí foi decidido, em termos perfunctórios, ser alterado no julgamento da ação principal.
4- Podendo, até, tal publicação ter o efeito de criar confusão nos destinatários quanto ao verdadeiro alcance da decisão publicada, tanto mais que a decisão a proferir na ação principal, seja em que sentido for, essa sim deverá ser publicada.
5- Sem conceder e subsidiariamente, sendo certo que o tribunal recorrido deve ter liberdade de escolha dos jornais, é critério legal que os mesmos devem integrar os jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, no que se afigura que o tribunal recorrido cometeu erro de julgamento, ademais onerando a Requerente com publicações em dois jornais nacionais, de publicações muito dispendiosas.”
Notificadas das alegações apresentadas, as entidades requeridas não apresentaram contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela procedência do recurso, nos termos da alegação de recurso da recorrente.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se o despacho recorrida padece de erro de julgamento de direito.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida não fixou factos.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O despacho recorrido determinou, ao abrigo do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a publicação de texto e extracto da sentença pela requerente nos jornais “Correio da Manhã” e “Público”, por anúncio com a menção da data do trânsito em julgado.
Alega a recorrente que o despacho recorrido padece de erro de julgamento porquanto o artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, no qual assenta, não é aplicável ao caso por respeitar apenas a decisões proferidas em processos principais, e não em cautelares, dado que estas revestem uma natureza provisória e instrumental, podendo, assim, ser alteradas em sede de julgamento da acção principal. Mais alega que a publicação da sentença, tal como determinado, pode até criar confusão quanto ao verdadeiro alcance da decisão, além de que, ao determinar a publicação nos dois jornais em causa, onera a recorrente por se tratar de publicações dispendiosas.
Vejamos.
A Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição. Relativamente ao exercício da acção popular, dispõe o n.º 2 do seu artigo 19.º que “As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.”
Esta norma legal, embora não o refira expressamente, reporta-se às decisões de tutela definitiva de direitos – proferidas em acções principais -, e não a decisões cautelares, que se limitam a conferir uma tutela provisória aos seus requerentes. Com efeito, atenta a natureza provisória, precária e instrumental da tutela conferida pelos processos cautelares, não se justifica a publicação das decisões nos mesmos proferidas, designadamente porque podem ser alteradas e porque o decretamento ou indeferimento de providências cautelares não dita o desfecho da acção principal da qual depende o processo cautelar. Diferentemente, já se mostra justificada a publicação quanto a decisões de fundo, que resolvem litígios e definem relações jurídicas com carácter definitivo. Neste sentido, pronunciou-se já o Acórdão da Relação de Lisboa de 15.02.2018, proferido no processo n.º 3375/16.6T8FNC.L3-6, in www.dgsi.pt.
Volvendo ao caso em apreço, a presente acção foi instaurada ao abrigo da referida lei da acção popular. Mas trata-se de um processo cautelar, e não de uma acção principal, pelo que a norma em causa, pelas razões expostas, não é aplicável ao caso.
Tendo o despacho recorrido aplicado norma sem que a situação em apreço à mesma se subsuma, estamos perante um erro de julgamento de direito, determinante da respectiva revogação.
Termos em que procede o recurso.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho de 14.11.2024, que determinou, ao abrigo do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, a publicação de texto e extracto da sentença pela requerente nos jornais “Correio da Manhã” e “Público”, por anúncio com a menção da data do trânsito em julgado.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Ricardo Ferreira Leite