Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:454/15.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:11/21/2024
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:IRS
NOTIFICAÇÃO
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:I – Estando em causa notificações de actos de alteração dos rendimentos declarados e actos de fixação de rendimentos sujeitos a tributação e não declarados, as mesmas têm de ser efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.
II – Pelo que, uma liquidação adicional ou oficiosa que materialize um acto de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com aviso de recepção.
III – No caso concreto, encontrando-nos perante um acto de liquidação oficiosa que corporiza a fixação de matéria tributável não declarada, decorrente da consideração da alienação de um bem imóvel, e consequente tributação enquanto rendimento de mais valias, a mesma carecia de ser efectuada por carta registada com AR, em conformidade com o disposto nos artigos 65.º n.º 4, 66.º e 149.º nº 2 do CIRS, pelo que, não tendo sido cumprida essa formalidade, ter-se-á de concluir que a mesma não foi notificada ao visado.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença, proferida em 30 de Setembro de 2019, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou, entre outras situações, procedente a impugnação deduzida por S......, melhor identificado nos autos, na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, deduzido contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com os números ........95, ........20 e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2006, e, em consequência, determinou a sua anulação.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

« I) Decidiu o Meritíssimo Juiz a quo pela procedência da impugnação “anulando-se as liquidações impugnadas ........36 e ........95“ decorrentes da liquidação oficiosa de IRS, referente ao ano de 2006, por considerar que “O artigo 66.° do CIRS, para o qual remete o n.°2 do artigo 149.°, refere-se aos actos de fixação ou alteração dos rendimentos previstos no artigo 65.°, pelo que estes actos, se notificados por via postal, devem ser efectuados através de carta registada com aviso de recepção”;

II) O Mm° Juiz a quo fundamenta que “estatui o n.°1 do artigo 38.° do Código de Processo e de Procedimento Tributário que a notificação do acto de liquidação oficiosa de impostos, por ser um acto susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, é efectuada por carta registada com aviso de recepção”;

III) Por tal motivo, considerou ineficazes “as notificações das liquidações, as quais se destinavam a alterar a situação tributária do contribuinte, (...) enviadas (...) ao representante fiscal do Impugnante por carta registada simples” e, como tal, não interromperam o prazo de quatro anos para a caducidade a que alude do art.°45.° da LGT, que ocorreu;

IV) Salvo melhor e douta opinião, não pode a FP concordar com tal conclusão;

V) Considera a FP que as notificações foram eficazes e, como tal interromperam o prazo de caducidade face ao direito que conformou os atos de notificação das liquidações, nomeadamente a versão do CPPT e do Código do IRS (na versão com as alterações introduzidas pela Lei n.°3-B/2010, de 28.04 e pelo Decreto-Lei n.°198/2001, de 3 de Julho, respetivamente), então vigentes;

VI) Consta do probatório da sentença “a quo”, alíneas C), D), E), F) e H), que o Impugnante em 2006 alienou o prédio identificado em B), mas não apresentou a declaração de IRS com o anexo G - Mais Valias, situação que determinou que fosse elaborada, uma declaração oficiosa (DCU), para ser efetuada liquidação nos termos dos artigos 75.° e 76, n.°1, alínea b) do CIRS;

VII) Acontece que, o art.° 149.° do CIRS (em vigor até 31.12.2014) previa que só as notificações a que se refere o art.° 66.° do CIRS, quando por via postal, terão de ser realizadas por meio de carta registada com aviso de receção;

VIII) Por sua vez o art.° 66.° do CIRS, na redação à data em vigor, quanto ao dever de notificação, remete para os atos de fixação previstos no art.°65.° do CIRS, disposição que já não previa a fixação de rendimentos por falta de entrega da declaração de rendimentos a que se reporta o art.°57.° do CIRS;

IX) Assim, a declaração oficiosa elaborada pela AT foi realizada por omissão do dever do contribuinte de entrega da declaração de rendimentos referente ao ano de 2006 e não devido a qualquer alteração (oficiosa) aos rendimentos declarados ou de atos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação nos termos do n.°4 do art.°65.° do CIRS, conforme entendimento da sentença a quo;

X) Termos em que é aplicável a previsão do n.°3 do art.° 149.° do CIRS, norma especial em relação ao art.°38.° do CPPT;

XI) Logo, ao contrário da decisão a quo entendemos que as notificações das liquidações são válidas e eficazes e realizadas dentro do prazo de caducidade a que alude o artigo 45.° da LGT.

Pelo exposto e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.»


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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, advogando a revogação da douta sentença sob recurso e a sua substituição por outra que julgue improcedente a impugnação apresentada.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a Recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a sentença sofre de erro de julgamento por ter entendido ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação por falta da sua notificação válida no respectivo prazo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

A) Em 05.05.2000, encontrava-se registado no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC), como representante de S...... cidadão do Reino Unido e Irlanda do Norte, residente no estrageiro, (também designado por Impugnante), B........, com domicílio na C........, sita no Colmeal, freguesia de Santa Barbara de Nexe, concelho de Faro - cf. documento de fls. 199 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

B) Em 10.05.2000, S...... adquiriu o prédio misto sito em Colmeal, freguesia de Santa Bárbara de Nexe, concelho de Faro, inscrito na matriz, a parte rústica sob os artigos 25 secção AG e a parte urbana sob o artigo 2 623, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número 5016, pelo valor de dez milhões de escudos - cf. documento de fls. 76 a 77/v do processo de pedido de revisão oficiosa apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

C) Em 13.12.2006, S......, residente em 88 North View, Pinner, Middelesex HA51PE, Inglaterra, vendeu o prédio acima melhor identificado pelo valor de €200.000,00 - cf. documento 3 junto com a p.i., cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

D) Em 28.10.2010 a Administração Tributária emitiu a declaração oficiosa de IRS do Impugnante, relativa ao exercício de 2006, de cujo anexo G consta o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

Cf. documento de fls. 118 a 122 do processo administrativo junto aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

E) Em 08.11.2010 a Administração Tributária efectuou a liquidação de IRS do Impugnante com o n.° ........95, relativa ao exercício de 2006, da qual resultou um montante a pagar pela Impugnante de € 44.831,93 - cf. documento de fls. 186 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

F) Em 18.11.2010 foi enviada a notificação da liquidação supra identificada, por carta registada simples com o n.° RY515182895PT para B........, C........, em Faro - cf. documento de fls. 186 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

G) Em 20.12.2010 a Administração Tributária efectuou a liquidação de IRS do Impugnante, com o n.° ........36, relativa ao exercício de 2006, da qual resultou um montante a pagar pela Impugnante de € 51.105,94, sendo que o referido valor compreendia a liquidação de juros compensatórios de €6.274,01 - cf. documento de fls. 189 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

H) Em 29.12.2010 foi enviada por carta registada simples a notificação da liquidação supra identificada com o n.° RY518383785PT para B........, C........, em Faro - cf. documentos de fls. 189 e 193 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

I) Em 27.12.2010 foi efectuada pela Administração Tributária a liquidação de juros compensatórios n.° ........20 no valor de €6.274,01 (relativos à liquidação n.° ........36), cuja demonstração da liquidação foi enviada em 29.12.2010 por carta registada simples com o n.° RY518425928PT - cf. documentos de fls. 190 a 193 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

J) Em 30.12.2010 a Administração Tributária enviou por carta registada simples com o n.° RY518298124PT a B........, para a morada C........, em Faro, a notificação de liquidação dos dos juros compensatórios de IRS do Impugnante no valor de €6.274,01 - cf. 194 a 196 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

K) Em 18.10.2013 foi enviado ao Impugnante, no âmbito do procedimento de assistência mútua na cobrança de créditos entre as Autoridades Tributárias da União Europeia, a citação para pagamento dos valores em cobrança nos processos de execução fiscal com os números: ........24, ........89 e ........75 - cf. documento 2 junto com a p.i., cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

L) Em 19.11.2014 deu entrada no Serviço de Finanças de Faro um pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Impugnante - cf. documento de fls. 2 a 82 do processo de revisão oficiosa apenso aos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;

M) Em 19.06.2015 deu entrada neste Tribunal, via ctt a presente Impugnação Judicial - cf. documento de fls. 113 dos autos;

N) Por despacho de 05.11.2015, a Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Faro revogou parcialmente a liquidação n.° ........95, tendo sido apurado o valor a pagar pelo Impugnante de €22.961,86, referente ao IRS do ano de 2006 - cf. documentos de fls. 173 a 178 dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.

Refere, ainda, a sentença recorrida que “Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.

Quanto à motivação da matéria de facto, a sentença tem o seguinte teor:

Os factos acima enunciados encontram-se todos eles provados por documentos acima discriminados, os quais não foram impugnados pelas partes, nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais.


II. De Direito
A sentença recorrida, na parte objecto do presente recurso, julgou a impugnação procedente e anulou as liquidações de IRS e respectivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2006, por ter entendido que, não tendo as mesmas sido notificadas por carta registada com AR, como impunham os artigos 149.º n.º 2, 66.º e 65.º do CIRS e 38.º n.º 1 do CPPT, o acto de liquidação não produziu efeitos em relação ao sujeito passivo, não se podendo considerar ter havido válida notificação, capaz de obstar ao decurso do prazo de 4 anos de caducidade do direito à liquidação, a qual teria ocorrido.

A Recorrente não concorda e defende que a declaração oficiosa, elaborada pela AT foi realizada por omissão do dever do contribuinte de entrega da declaração de rendimentos referente ao ano de 2006 e não devido a qualquer alteração (oficiosa) aos rendimentos declarados ou a actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, nos termos do n.° 4 do art. 65.° do CIRS, pelo que é aplicável a previsão do n.° 3 do art. 149.° do CIRS, norma especial em relação ao art. 38.° do CPPT. Conclui, por isso, que as notificações foram validamente feitas e, como tal, interromperam o prazo de caducidade.

No caso concreto estamos perante a notificação de liquidações oficiosas de IRS relativas ao ano de 2006, que ocorreram em 2010, liquidações essas feitas pela AT em virtude da ausência declarativa por parte do Recorrido, na sequência da obtenção de rendimentos decorrentes da alienação de um imóvel.
Do probatório resulta, e tal não é questionado, que a notificação das liquidações foi feita ao representante legal do Impugnante através de carta registada simples.

Vejamos, pois, começando por indicar o teor dos normativos legais a que ambas as partes fizeram apelo em defesa das respectivas posições e que, de resto, regem a situação sub judice:
O artigo 149.º, do CIRS, que contém regras especiais quanto às notificações, preceitua que:
1 - As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.
2 - As notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efetuadas por meio de carta registada com aviso de receção.
3 - As restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efetuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil.
4 - Não sendo conhecido o domicílio fiscal do notificando, as notificações podem ser feitas por edital afixado no serviço de finanças da área da sua última residência.
5 - Em tudo o mais, aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O n.º 1 do art. 66.º do CIRS dispõe que:
1 - Os atos de fixação ou alteração previstos no artigo 65º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respetiva fundamentação.

Por seu turno, o art. 65.º do CIRS preceitua que:
1 - O rendimento coletável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes e com as regras relativas a benefícios fiscais a que os sujeitos passivos tenham direito, com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha.
2 - A Direcção-Geral dos Impostos procede à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando ocorra alguma das situações ou factos previstos no n.º 4 do artigo 29.º, no artigo 39.º ou no artigo 52.º
3 - (Revogado pelo artigo 46º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12).)
4 - A Direcção-Geral dos Impostos procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o nº 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.
5 - A competência para a prática dos atos de apuramento, fixação ou alteração referidos no presente artigo é exercida pelo diretor de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique.”

Finalmente, o artigo 38.º, n.º 1, do CPPT, dispõe que:
1 – As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.”

Ou seja, de acordo com o regime legal acabado de expor, num caso como o dos autos em que, por ausência de declaração do sujeito passivo, a AT liquidou o imposto oficiosamente, tratando-se, claramente, de uma situação de alteração da situação tributária através da fixação de rendimentos, tanto nos termos do art. 149.º n.º 2 do CIRS, como, coincidentemente, de acordo com o art. 38.º n.º 1 do CPPT, a notificação da liquidação deve ser feita através de carta registada com AR. E, por isso, não tem razão a Recorrente quando defende ser aplicável a norma do n.º 3 do art. 149.º do CIRS, que se refere aos restantes casos não abrangidos pelo n.º 2, nomeadamente, para os casos em que a liquidação é feita com base na declaração anual apresentada pelo sujeito passivo.

Neste sentido, numa situação similar à dos autos, referindo-se a uma liquidação oficiosa de IRS do ano de 2005, cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no proc. n.º 558/11.9BELLE, de 15-04-2021 (que, de resto, cita diversa jurisprudência do STA), com o qual concordamos inteiramente e a cuja fundamentação aderimos, no qual ficou consignado o seguinte:
In casu, encontramo-nos perante um ato de liquidação oficiosa que corporiza a fixação de matéria tributável não declarada, decorrente da consideração da alienação de um bem imóvel, e consequente tributação enquanto rendimento de mais valias.
Conforme resulta do probatório, a AT aquiescendo que Y..... alienou um bem imóvel, no ano de 2005, e não entregou a respetiva declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, procedeu à notificação, mediante carta registada com aviso de receção, atinente à sua regularização.
Face ao incumprimento declarativo, a AT procedeu ao documento de correção, tendo emitido o respetivo ato de liquidação oficiosa no qual procedeu à visada correção e tributação enquanto rendimento de mais valias.
Com efeito, o ato de liquidação subsume-se no conceito “atos (…) suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes”, conforme entende de forma unânime a Jurisprudência e a doutrina. Neste particular, vejam-se, designadamente, os Arestos do STA, proferidos nos processos nºs 25310, 0412/06, 01940/13, de 18.10.00, 29.11.2006 e 05.02.2015, respetivamente.
Em termos doutrinais descreve Jorge Lopes de Sousa [2]:
“[c]omo atos e decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes devem considerar-se não só aqueles que efetivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.
Assim, deverão ter essa qualificação os atos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter. Serão assim de efetuar por carta registada com aviso de receção, entre outras, as notificações de atos de liquidação de tributo (…)”.
Neste âmbito, importa, outrossim, chamar à colação o Acórdão do STA, proferido no processo nº 01940/13, de 05 de fevereiro de 2015, extratando-se na parte que para os autos releva o seguinte:
“Como se sabe, o art. 38.º do CPPT preceitua, no seu nº 1, que «as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências».
O que significa que, estando em causa actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, a lei impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção; e como os actos ou decisões susceptíveis de alterar a situação tributária são, não só, os actos de alteração, pela administração, dos rendimentos declarados e os actos de fixação, pela administração, dos rendimentos sujeitos a tributação, como, também, os actos de liquidação de impostos
(…)
O referido Dec. Lei nº 198/2001 introduziu uma alteração na redacção do art. 149º do CIRS e, abrindo uma excepção àquela regra, passou a estipular que apenas as notificações a que serefere o art. 66º do CIRS devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção (nº 2), sendo que as restantes devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil. (nº 3).
Isto é, apenas a notificação dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção, ficando os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte sujeitos a notificação por mera carta registada.
Por conseguinte, após a alteração introduzida na redacção do art. 149º do CIRS pelo Dec.Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, apenas são efectuadas por carta registada com a.r. as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS, ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável previstos no art. 65º desse Código.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face ao supra aludido, a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2005, teria de ser realizada por carta registada com aviso de receção.
É certo que a AT aduz que a liquidação foi efetuada ao abrigo do artigo 76.º, nº3 do CIRS, e por isso não se subsume no artigo 149.º, do CIRS.
Porém, não logra provimento a sua esteira de entendimento, porquanto tal normativo apenas preceitua os pressupostos prévios à emissão da liquidação oficiosa, mas não retira, necessária e naturalmente, essa natureza ao ulterior ato de liquidação [3].
Com efeito, o que dimana do aludido normativo é que antes de estruturar a liquidação oficiosa de sua iniciativa, a AT deve notificar o sujeito passivo faltoso, por carta registada, para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, sendo que, só após esta notificação, e caso a situação de incumprimento do dever declarativo persista, é que pode ter lugar a tributação com base nos elementos que a AT disponha.

Destarte, a liquidação sub judice e correspondente ato de liquidação de juros compensatórios, materializam atos de fixação da matéria tributável que cabem na previsão dos artigos 65.º e 66.º, do CIRS face ao qual, estatui o legislador, que a respetiva notificação se deve efetuar através de carta registada com aviso de receção, tudo conforme já decidira oTribunal a quo.

Em sentido consonante, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº0297/16, de15 de junho de 2016, cujo sumário se extrata na parte que para os autos releva: “Uma liquidação oficiosa que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65.º nº 4, 66.º e 149º nº 2 doCIRS. [4]”
(…)
Face a todo o exposto, e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, a visada notificação carecia de ser efetuada por carta registada com aviso de receção, pelo que não tendo sido cumprida essa formalidade, e não tendo sido demonstrado que a notificação da liquidação chegou ao conhecimento do Recorrido através do meio utilizado ou de qualquer outro, ter-se-á de concluir que a mesma não foi notificada ao visado.

Tendo em conta a jurisprudência citada e os fundamentos nela consignados, os quais aqui fazemos nossos, o recurso da FP tem, necessariamente, que improceder, devendo, por isso, manter-se a decisão recorrida, a qual concluiu que, por falta de válida notificação da liquidação no prazo de 4 anos, tinha caducado o direito à liquidação, tendo anulado a liquidação oficiosa com tal fundamento.


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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.




Lisboa, 21 de Novembro de 2024

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[Teresa Costa Alemão]


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[Tiago Brandão de Pinho]


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[Margarida Reis]