Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:54634/24.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:LINA COSTA
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
PEDIDO INADMISSÍVEL
NULIDADES
RETOMA A CARGO
Sumário:I - O indeferimento do meio de prova de declarações de parte consta de despacho que antecedeu a prolação da sentença recorrida e saber se o tribunal recorrido decidiu bem ou não, ao indeferir os meios de prova que apresentou na petição, não contende com qualquer das nulidades indicadas no artigo 615º do CPC, mas sim com a substância do que foi decidido, quer de facto quer de direito;
II - Dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, devendo o Recorrente explicitar a contradição lógica que considera ocorrer;
III - A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao/s pedido/s, à/s causa/s de pedir e à/s excepção/ões invocadas - que devesse apreciar/conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à apreciação/decisão do tribunal pelos sujeitos processuais, sem que a sua decisão se encontre prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras, mas não quando não se pronuncia sobre cada um dos motivos, argumentos, opiniões, razões, invocados pelas partes em defesa da respectiva pretensão;
IV - O recurso não tem por finalidade reapreciar a causa decidida na sentença recorrida com base em questões novas ou novos vícios do acto;
V - Do regime legal consagrado na Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio e no Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, resulta que, tendo a AIMA constatado na análise do pedido de protecção internacional da Recorrente que a mesma formulou pedido anterior noutro Estado-Membro, ficou, primeiro, sujeita ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela sua análise, previsto no capítulo IV, artigos 36º a 40º, da Lei do Asilo (procedimento administrativo especial dentro do procedimento inicial que a proceder implica o termo deste), de acordo com o disposto nos artigos 3º, nº 2, e 18º, nº 1, alínea d), do Regulamento, e, segundo, uma vez aceite a retoma pelo Estado tido como responsável, obrigada a considerar o pedido em apreciação inadmissível [cfr. artigo 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei do Asilo], sem ter o dever de conhecer do respectivo mérito ou verificar do regular funcionamento do sistema de acolhimento dos requerentes de protecção nesse Estado;
VI - São as autoridades suíças que terão de aferir, em função do caso da Recorrente e dos seus filhos, das declarações que aquela aí terá prestado e da informação actual disponível sobre o seu país de origem, se devem determinar o seu retorno a esse país, ou se é forte e grave o risco ou o receio de que aí venham a ser vítimas de tratamento desumano e degradante, na acepção do artigo 4º da CDFUE. Não a AIMA, a quem apenas compete promover a sua transferência para a Suíça.
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:D…, devidamente identificada como Requerente nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, instaurados contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, i.p., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 21.3.2025, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a acção totalmente improcedente, e, em consequência, determinou a absolvição da Entidade Demandada do peticionado [anulação da decisão de recusa/inadmissibilidade de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, emitindo-se decisão no sentido da sua concessão].
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
«I Concomitantemente à Sentença, o Tribunal a quo emana despacho no qual recusa a produção de prova apresentada pela Impugnante, ora recorrente, para o efeito de demonstração do por si alegado e assim, refutar o veiculado num procedimento no mínimo inóspito.
II Era absolutamente essencial à boa decisão da causa, tendo a Recorrente uma tutela jurisdicional efectiva, a audição das testemunhas apresentadas na Petição Inicial, bem como a sua própria audição.
III Seria a prova bastante para demonstrar a veracidade, não só das suas declarações, como também para justificar a razão de ter feito o pedido de asilo em Portugal, estado onde deve o mesmo ser aceite e instruído.
IV A ora Recorrente refutou expressamente, seja nas declarações iniciais, seja nos esclarecimentos prestados, seja a respetiva Petição Inicial (para a qual se remete, fazendo parte integrante do presente recurso), “não existirem ou ocorrerem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Suíça” e “que não implicam um risco de tratamento desumano ou degradante”.
V O órgão jurisdicional a quo, em manifesta violação do princípio do benefício da dúvida, assim como em violação do princípio da mediação e oralidade (diga-se que, em abono da verdade, nem a um indiciado criminoso se limitam tão elementares direitos de “defesa”), não permite que a Impugnante, ora Recorrente, possa exercer os seus direitos e assim só veja a decisão que pretende.
VI Da Douta sentença resulta como matéria factual provada que a Recorrente apresentou motivos no pedido de proteção internacional, bem como invocou o tratamento desumano que teve conjuntamente com os seus filhos de 2 e 10 anos naquele país:
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VII A Douta sentença do Tribunal a quo, deu como provados os esclarecimentos prestados pela Recorrente:
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VIII O mesmo Tribunal a quo que “recusa liminarmente” o escrutínio judicial da prova que a Recorrente tem ao seu dispor, duas testemunhas e as suas declarações, o que por uma questão de bom senso e na dúvida deveria permitir.
IX O mesmo Tribunal a quo que aceita, sem qualquer pudor, que “alguém” lavre o depoimento da Impugnante, ora Recorrente (cuja tradução é feita por um serviço telefónico), sem apresentar quaisquer competências, sem se identificar e/ou demonstrar as qualidades que detém.
X Se o instrutor só foi designado a 24.07.2024, quem é “N…” que instruiu as declarações da então Impugnante a 22.07.2024?
XI O Tribunal a quo não responde e o Recorrente mantém a invocada falta de poderes da pessoa que registou (ou a legítima suspeita de usurpação ou abuso de poder), bem como o deficit instrutório, o que se reitera, face à manifesta omissão de pronúncia.
XII Pela sua importância, reforça-se e reitera-se nesta sede, o atendimento da necessidade da produção da prova requerida na Petição Inicial, injustificadamente omitida, sem prejuízo do que de seguida se invoca.
XIII É a lei que atribui a competência aos órgãos administrativos, falando-se, a tal propósito, num princípio da legalidade da competência.
XIV A competência dos órgãos administrativos é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo da possibilidade do seu exercício por órgãos diferentes, nos termos da delegação de poderes, da suplência ou da substituição (n.º 1 do artigo 36.º do Código do Procedimento Administrativo).
XV No caso dos presentes autos, o ato administrativo está assinado pelo presidente do Conselho Diretivo e o artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, atribui competência ao Conselho Diretivo da AIMA, não sendo feita qualquer menção à existência de delegação de poderes, suplência ou substituição.
XVI O ato administrativo encontra-se viciado por preterição da regra de competência, pois foi praticado por autor que não tinha poderes para o praticar, embora se inscreva no contexto das atribuições da pessoa coletiva pública ou da unidade orgânica em que o autor se insere.
XVII O ato administrativo sub judice está viciado de incompetência, razão pela qual é anulável, nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
XVIII Não é possível acompanhar o sentido da decisão em crise, por considerar que a sentença recorrida, a cuja fundamentação não se adere, não encarou devidamente a questão do princípio do non-refoulement indireto, atentas as particularidades que no caso em apreço se denota.
XIX Acrescem ainda, outras preocupações, como os motivos que levaram à saída da Suíça e a posição vulnerável da Recorrente e dos dois filhos menores (de 2 e 10 anos), neste contexto e procedimento migratório, e o superior interesse das crianças envolvidas, assim como, o risco de desagregação familiar (pois o cônjuge da Recorrente e pai dos filhos, encontra-se a trabalhar legalmente em Portugal), o qual já se evidencia.
XX Tendo a Recorrente requerido proteção internacional para si e para os seus dois filhos menores, a saber, de 2 e 10 anos, a Recorrida solicitou à Suíça a transferência dos seus filhos menores da Recorrente em associação ao seu pedido de transferência (?)
XXI Dos autos resulta que a Recorrente foi “expulsa”, pois foi ameaçada de deportação para a Colômbia, conjuntamente com os seus dois filhos menores, sem que, em algum momento, na Suíça considerassem a Colômbia como um país perigoso e as provas apresentadas, tratando-os como criminosos, de forma desumana e degradante, sobejamente mencionado nas declarações e esclarecimentos prestados pela Recorrente em sede de procedimento administrativo, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido nesta sede, da qual faz parte integrante.
XXII É do conhecimento público, enquanto facto notório, o clima de intimidação que se vive na Suíça, onde a deportação não só aumentou, como foram endurecidas as regras, no sentido de aumentarem.
XXIII Só com informação atual e não com Acórdãos com 4 e 5 anos, se deve instruir um procedimento administrativo de asilo e na Petição Inicial, a ora Recorrente, pelo menos isso fez, apesar de não ter meios ao seu dispor, como tem a Recorrida.
XXIV É uma violação dos princípios basilares da atividade administrativa, como o da Boa-fé, Igualdade, Legalidade e Justiça, colocar o ónus de uma tradução de Espanhol para Português, de documentos (vários) de prova, a uma pessoa migrante que acabou de chegar a Portugal, solicitando asilo com dois filhos menores, por não ter, nomeadamente capacidades económicas, e assim a Recorrida negar a aceitação da respetiva e única prova, o que revela bem, não só a desvantagem da Recorrente, como também a discriminação negativa que a Recorrida exerce sobre os mais desfavorecidos.
XXV A Recorrente, viu o seu pai sequestrado e o mais certo é nunca mais o voltar a ver, pois muito provavelmente estará morto, teve ameaças de morte, bem como os seus filhos e marido, e não obstante o recurso às autoridades judiciárias colombianas, as ajudas nunca chegaram, tendo chegado o momento em que tiveram que fugir pela vida.
XXVI Na Suíça não quiseram saber das provas que a Recorrente tem, tomando a decisão de não concessão de asilo, bem como aos filhos menores e determinando a deportação para a Colômbia.
XXVII Na Suíça, a Recorrente viu as suas condições de vida a deteriorarem-se, com tratamentos indignos, desumanos e degradantes, afetando o bem estar físico e psíquico, seja da Recorrente, seja dos filhos menores.
XXVIII A Recorrente foi compelida a deixar este país, com o justo receio de ser deportada para a Colômbia, e agora, o Tribunal a quo, que até reconhece algumas das provas apresentadas pela Recorrente (diga-se, que a Recorrida não reconheceu), acaba por considerar também o pedido Inadmissível por já existir aquele outro (em vez de determinar uma instrução adequada por parte da Recorrida), dito de outro modo, a Recorrente não pode aceitar com naturalidade um sistema de migração, que mais parece uma câmara de horrores, numa espécie de tortura em looping ou com uma justiça kafequiana.
XXIX O respeito que a dignidade humana impõe, não pugna pela transferência desta pessoa, junta com duas pessoas vulneráveis, menores de 2 e 10 anos, separando-os do marido e pai (encontrando-se este legalmente em Portugal), para um país como a Suíça, tendo em consideração o estado em que o mesmo se encontra politicamente e/ou inserido na atual geopolítica, pois só a possibilidade que possa acontecer já é horripilante, quanto mais para 3 pessoas, duas delas vulneráveis, como é o caso da Recorrente e dos seus dois filhos menores.
XXX Pior do que no ato impugnado não ter sido feita esta análise, é o Tribunal a quo assumir as dores de tal enfermidade por parte da Recorrida, ao ponto de se contradizer, pois considerando provado o supra indicado e ainda o ponto 16 e 17 da Sentença, deveria então ter pugnado pela procedência do pedido:
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XXXI O sobredito, contraria expressamente a evidente omissão de fundamentação por parte da Recorrida (e da Suíça) quanto aos filhos menores, por correrem vários riscos, muitos dos quais já se avizinham, como seja a deportação ou de serem separados do progenitor, o que demonstra cabalmente que a decisão impugnada foi tomada em erro sobre os pressupostos de facto, o que, só por si, exige nova instrução do caso, continuado pelo erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
XXXII Dadas as particularidades do caso concreto, o respeito pela cláusula de salvaguarda e pelo princípio de proibição do non refoulement, conjugado com o art. 58.° do CPA, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a Recorrida deveria ter trazido ao procedimento factos pertinentes à existência e termos da ordem de expulsão da Recorrente (e filhos menores) para a Colômbia, que segundo a Recorrente foi emanada e/ou invocada pelas autoridades Suíças para coagir a mesma a sair do Estado Suíço, com dois filhos menores e, ainda, factos que sustentem que na Suíça a Recorrente (e seus filhos menores) poderão contestar a ordem de expulsão com base no risco de virem a ser vítimas de tratamento desumano ou degradante na Colômbia, por ficarem expostas a todo o tipo de sevícias, seja por parte de grupos armados, seja por parte de cartéis, para tráfico humano, de drogas ou outros, homicídios, violações, prostituição, raptos, sequestros, etc., (como aconteceu com o seu pai), o que terá conduzido à fuga da Recorrente para a Europa (com dois filhos menores de 2 e 10 anos), e, ainda, factos que permitam concluir que existem mecanismos que garantam que a Recorrente e os seus dois filhos menores, não serão separados do marido e progenitor, que se encontra legalmente em Portugal.
XXXIII O presente recurso abrange o invocado erro de julgamento, quanto ao vício de violação de lei, por o procedimento de proteção internacional relativo ao pedido padecer de insuficiência instrutória.
XXXIV E dado o teor das declarações e esclarecimentos da Recorrente supra elencados e da petição inicial poder-se-á concluir que pelo menos as declarações não são falsas e até serem verdadeiras, por benefício da dúvida.
XXXV Compete à Impugnada/Recorrida alegar e demonstrar porque é que assentou a sua decisão, no art.º 19.º A, n.º 1, alínea a) da Lei do Asilo, especialmente quando, com elevado grau de probabilidade, as razões da Recorrente para o pedido de proteção internacional não foram apreendidas, analisadas e instruídas pela Impugnada, ora Recorrida, devido à inexistência de confirmação do alegado pela Recorrente e/ou de obtenção de informação sobre o país de origem e/ou sobre o país de retoma, junto das entidades competentes destes países ou de entidades acreditadas para o efeito.
XXXVI A isso mesmo obriga o vertido no ponto 205 do Manual de Procedimentos da ACNUR, in https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/BDL/2011/3391.pdf onde é mencionado que a Recorrida deve: (i) Assegurar que o requerente apresente o seu caso de forma tão completa quanto possível e com todos os elementos de prova disponíveis. (ii) Apreciar a credibilidade do requerente e avaliar os elementos de prova (se necessário, dando ao requerente o benefício da dúvida) a fim de estabelecer os elementos objetivos e subjetivos do caso. (iii) Relacionar estes elementos com os critérios relevantes da Convenção de 1951, de modo a obter uma conclusão correta sobre a concessão da condição de refugiado ao requerente.
XXXVII Torna-se evidente que o Tribunal a quo deveria concluir pela existência de um défice de instrução procedimental e pela ilegalidade do ato impugnado (art.º 115.º do CPA) pois assentou em pressupostos de facto que não estão (nem podem estar) devidamente esclarecidos e que se funda numa análise puramente subjetiva de apreciação por parte da Recorrida AIMA, que assim não decidindo erra no julgamento.
XXXVIII Deve a Decisão sub judice ser revertida, no sentido da Recorrida ser condenada a apreciar e decidir do pedido formulado pela Recorrente, após nova instrução procedimental, onde se tenha em conta informação atual e de fontes imparciais.
XXXIX Estamos perante a preterição de formalidade essencial, a qual conjugada com a falta de produção de prova testemunhal e de declarações de parte pela Recorrente em sede de julgamento, a coloca numa situação de indefesa inconcebível num Estado de Direito Democrático, cujo pilar fundamental é a dignidade da pessoa humana e o direito de ter um julgamento onde se possa defender.
XL Na apreciação do pedido de protecção internacional ora em apreço, cumpre notar, quanto ao ónus da prova subjectivo, que à Recorrente incumbe demonstrar a veracidade dos “(…) factos constitutivos das características e experiências pessoais [da interessada] que terão gerado o receio alegado e a consequente ausência de vontade de beneficiar da protecção das autoridades do país de origem.”
XLI Sendo que, sem prejuízo das regras gerais do ónus da prova objectivo, a ausência de elementos de prova, e consequente incapacidade da Impugnante/Recorrente demonstrar cabalmente a veracidade dos factos alegados, não deverá conduzir, necessariamente, a uma exclusão automática da existência da violação dos direitos humanos alegada, em atenção à particular incidência do Princípio do Benefício da Dúvida no regime jurídico do asilo, conforme supra alegado e que se reforça.
XLII Assim sendo, ainda que se entenda que a Recorrente carreou para o processo escassos elementos de prova (e não mais, por indeferimento do requerido junto do Tribunal a quo), que ajudem a determinar a veracidade dos factos declarados, convém relembrar que na apreciação da credibilidade desses factos, à entidade instrutora é cometido, contudo, por força do princípio do inquisitório, “(…) um papel activo na busca da prova e na direcção do procedimento, gozando de ampla liberdade na determinação dos actos de instrução tidos por necessários, em função das circunstâncias de cada caso”.
XLIII Sem prejuízo para a liberdade instrutória da Recorrida em apreço, já a mesma não relevará sempre que leis procedimentais especiais prevejam diligências probatórias de verificação obrigatória, como é o caso da obrigatoriedade legal da AIMA considerar especialmente, na apreciação dos pedidos de protecção internacional, não só à avaliação das declarações e documentos que comprovariam a limitação da Recorrente, por força das circunstâncias pessoais, da capacidade de exercer direitos e cumprir obrigações, assim como “os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, bem como do país de transferência, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido de asilo, incluindo a respectiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação“, sob pena de violação de formalidade essencial à validade da apreciação dos pedidos de protecção internacional ou de erros sobre os pressupostos de facto da mesma.
XLIV Por oposição à fase de concessão, plasmada na Secção III do Capítulo III da Lei do Asilo, não se trata aqui de analisar, a título principal, sobre a provável verificação dos requisitos substantivos subjacentes ao reconhecimento do estatuto de refugiado ou da concessão da protecção subsidiária, mas antes e tão só, de verificar se a decisão ora em crise sopesou adequadamente a subsunção da situação em apreço numa das cláusulas de tramitação acelerada e de inadmissibilidade consagrada no artigo supra citado.
XLV Deverá a pretensão da Recorrente ser “(…) sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado inadmissível” porque “Está sujeita ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV ”?
XLVI Comportam as cláusulas de tramitação acelerada riscos acrescidos em matéria de eventual violação do princípio de nonrefoulement, a sua interpretação deve ser restritiva e particularmente cautelosa, limitando o seu escopo de aplicação, em conformidade com as relevantes Conclusões do Comité Executivo do ACNUR, aos casos “claramente fraudulentos ou não relacionados com os critérios para a concessão do estatuto de refugiado consagrados na Convenção de Genebra de 1951 das Nações Unidas relativa ao estatuto dos refugiados”.
XLVII A recusa acelerada do mérito dos pedidos de protecção internacional deverá ser excluída nos pedidos de protecção internacional em que seja feito início de prova do preenchimento dos critérios tendentes ao reconhecimento do estatuto de refugiado, ou à concessão da protecção subsidiária.
XLVIII Sobre os requisitos do reconhecimento do estatuto de refugiado, determina o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho (com as devidas atualizações subsequentes), em sintonia com a definição constante do artigo 1-A (2) da Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados e pelo artigo 1 (2) do seu Protocolo de Nova Iorque de 1967: “Têm ainda direito à concessão do asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em razão da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.”, no caso por ser mulher e ter o seu pai sequestrado e muito provavelmente morto, bem como ter dois filhos menores, correndo um risco sério de lhes suceder o mesmo.
XLIX A Lei do Asilo nacional prevê igualmente a protecção subsidiária, nos termos do artigo 7.º da Lei do Asilo:
1 — É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 — Para efeitos do número anterior, considera – se ofensa grave, nomeadamente (…)
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos. (…)”
L Nos termos deste normativo, constituem requisitos para a concessão da protecção subsidiária:
a. O requerente encontrar-se fora do país da sua nacionalidade;
b. b. Não preencher as cláusulas de inclusão do estatuto de refugiado;
c. c. Risco (de sofrer ofensa grave);
d. d. Ofensa grave;
e. e. Ausência de protecção do Estado.
LI Cumpre destacar, na presente análise, ainda que algumas afirmações da Recorrente tenham natureza hesitante, nomeadamente as relativas ao enquadramento das suas vivências e da sua família no país de origem, a então requerente conseguiu amplamente transmitir, naquela fase processual, a insegurança política e social e a limitação ao exercício de direitos pelos cidadãos naquele país, concretizando, com o detalhe possível, episódios relevantes e específicos, juntando inclusivamente vários documentos e gravações que o comprovam.
LII Tal insegurança e limitações, ainda que tenham ocorrido e sejam descritas num período temporal, permanecem actuais, atentos à Informação do País de Origem constante das notícias (que foi apresentada na Petição Inicial).
LIII É do domínio público que as autoridades colombianas se mostram incapazes de proteger eficazmente os cidadãos das ameaças e violência geradas pelos conflitos armados, políticos, sociais que se perpetuam no país conhecido por ser um narco-estado, existindo, ainda, provas da conivência e participação dos decisores políticos, governamentais e das forças de segurança em práticas abusivas dos mais elementares direitos humanos, cumpre notar que as referências à violência física e sexual, bem como à incapacidade e resistência das autoridades no sentido de travarem a violência, sem que consiga o estado proteger os cidadãos vítimas de práticas abusivas e de discriminação, abundam em relatórios da autoria das mais diversas fontes publicamente disponíveis.
LIV Atentos à caracterização da situação no respectivo país de origem, onde continuam a grassar grosseiras violações dos direitos humanos, bem como a sistemática discriminação da população civil que vive muito abaixo do limiar da pobreza (o que só por si consubstancia a violação do mais elementar direito humano, com seja a dignidade da pessoa humana), como a Recorrente, consideramos que os factos por esta relatados permitem objectivar, nesta fase, a verificação de um potencial risco de esta e dos seus filhos menores, virem a sofrer ofensa grave, nomeadamente um atentado contra as suas vidas, caso regressem ao país de origem.
LV Tem que ser equacionada a possibilidade de ocorrer uma situação de proibição de refoulement, no sentido de que a devolução da Recorrente para o seu país de origem pode acarretar um sério risco de a colocar na posição de ser sujeita a tratamento desumano ou degradante, nos moldes configurados pelos art.ºs 33.º, n.º 1 da Convenção de Genebra e 19.º, n.º 2 da CDFUE.
LVI A avaliação implica um conhecimento aprofundado, tanto quanto possível, do perfil pessoal da Recorrente, mormente, em termos geográficos, políticos, económicos e sociais, incluindo a retaguarda familiar, apoio familiar existente na Colômbia, competências profissionais, etc., mas os autos, bem como o processo administrativo, são parcos no que concerne a outras informações que não seja a atinente à tramitação essencial para que seja proferida decisão de indeferimento do pedido de proteção da Recorrente.
LVII O direito a um procedimento justo constitui uma garantia de efetivação do direito de asilo, encarado este como um direito fundamental internacional ao acolhimento, titulado por todos os que reúnam determinadas condições.
LVIII Razão pela qual, a necessidade de completar adequadamente a instrução procedimental deverá conduzir à procedência do recurso da Recorrente, na medida em que pode subsistir motivo válido para aplicar o princípio da não repulsão, em virtude de ser razoável, credível e expectável que venha a ser deportada para a Colômbia.
LIX Perante a eventual possibilidade de subsistir um risco sério e real da Recorrente (e os seus filhos menores de 2 e 10 anos) sofrerem tratamento desumano e degradante na aceção do consagrado no art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, impunha-se, em termos de exigência mínima, que a Recorrida procedesse a uma indagação aprofundada das razões pelas quais a Recorrente declarou não querer voltar para a Suíça, mormente através da solicitação de informações sobre o procedimento de asilo a que foi sujeita (cfr. art.º 34.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Regulamento Dublin), bem como da solicitação de maiores detalhes sobre o percurso de vida enquanto esteve na Suíça e da assistência que lhe foi propiciada.
LX É que, subsiste no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento desumano ou degradante.
LXI Donde resulta a operatividade da proibição de repulsão da Recorrente para a Suíça, e que implica a avaliação da situação ao abrigo do disposto no art.º 33.º, n.º 1 da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiado e art.º 19.º, n.º 2 da CDFUE em termos de afastamento efetivo para o seu país de origem.
LXII É que, apresenta-se absolutamente razoável e lógica a conclusão de que a Recorrente (e os seus filhos menores), caso seja(m) transferido(s) para a Suíça, será(ão) afastado(s) coercivamente para a Colômbia.
LXIII Quer isto significar que, não pode deixar de ser equacionada a possibilidade de ocorrer uma situação de proibição de refoulement, entendida no sentido de que o recâmbio da Recorrente para o seu país de origem pode acarretar um sério risco de a colocar na posição de ser sujeita a tratamento desumano ou degradante, nos moldes configurados pelos art.ºs 33.º, n.º 1 da Convenção de Genebra e 19.º, n.º 2 da CDFUE.
LXIV Sopesando o manancial informativo exposto, impera concluir que o retorno da Recorrente à Colômbia pode, efetivamente, constituir um sério risco de a colocar em situação de sujeição a tratamento desumano ou degradante, ou de ameaça à sua vida ou integridade física, não estando, sequer, afastado o risco de vir a sofrer tortura ou mesmo a morte, sendo a Recorrente e os seus dois filhos menores pessoas vulneráveis.
LXV Revertendo ao caso posto, e tomando em conta todas as considerações realizadas antecedentemente sobre a situação na Colômbia, constata-se que os elementos factuais disponibilizados no processo administrativo não permitem averiguar da possibilidade de retorno da Recorrente, de 30 anos (e dois filhos menores de 2 e 10 anos) à Colômbia, para efeitos de avaliação do grau do risco da Recorrente (e seus filhos menores) poderem vir a ser sujeitos a violações, raptos, torturas ou a outros tratamentos desumanos ou degradantes, ou avaliar, até, se poderão sofrer risco de morte.
LXVI O processo administrativo é parco no que concerne a outra informação que não seja a atinente ao registo Eurodac e à tramitação essencial para proferimento da decisão de transferência da Recorrente para a Suíça.
LXVII Quer isto significar, portanto, que o intencional déficit de instrução por parte da Recorrida impede uma avaliação da subsistência, ou não, de uma proibição de repulsão da Recorrente (e seus filhos) para a Colômbia, seu país de origem, país relativamente ao qual o seu filho menor não tem qualquer vínculo.
LXVIII Ao contrário do que resulta do fundamento constante da Decisão em crise proferida pelo Tribunal a quo (a qual se bastou factualmente pela insípida alegação da Recorrida), uma adequada instrução implica adquirir toda a informação relevante sobre a situação e perfil pessoal da Recorrente, bem como sobre a situação vivenciada atualmente na Colômbia, com especial destaque e relevância para a informação e orientação fornecida pelas agências internacionais na matéria, incluindo a agência europeia vocacionada para esta matéria - o Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo (EASO- European Asylum Support Office), e que constitui uma agência europeia, que atua como um centro de conhecimento especializado em matéria de asilo, prestando igualmente apoio aos Estados Membros, bem como o Conselho Português para os Refugiados que, entre outras entidades, coopera com o ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e que é membro do Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados (ECRE- European Council on Refugees and Exiles).
LXIX A ausência de procedimento justo e individualizado para efeitos de concessão de asilo, ou o impedimento de acesso ao mesmo, pode acabar por constituir também uma infração ao art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ao art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de transferência de um requerente de asilo no domínio do Regulamento Dublin.
LXX O risco de violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser avaliado de modo completo e individual, abarcando não só o risco de devolução direta ou de devolução em cadeia (ou indireta), como o próprio risco da transferência em si mesma.
LXXI A Recorrida não tem instruções respeitantes à avaliação do contexto sociopolítico dos requerentes de asilo e refugiados no Estado para o qual serão transferidos, ao que acresce o facto de existir o risco de devolução em cadeia, em violação do citado art.º 3.º da Convenção, pelo que deve cessar o procedimento de transferência ao abrigo do Regulamento Dublin e socorrer-se da cláusula de soberania inscrita no art.º 17.º do Regulamento Dublin.
LXXII Ao aplicar o princípio da não repulsão, na sua dimensão indireta, denominado de “refoulement indireto”, a Recorrida não pode realizar a transferência da Recorrente (e dos seus filhos) para a Suíça, em virtude de ser razoável, credível e expectável que este país venha a deportá-los para a Colômbia, nem o Tribunal a quo deve decidir a absolvição da Recorrida quanto ao peticionado.
LXXIII Deve ser revogada a decisão recorrida e anulado o acto impugnado, devendo o procedimento administrativo ser retomado nos termos sobreditos, sob pena de violação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nos seus artigos 1.º, 4.º, 6.º,18.º, 19.º, n.º 2, 21.º, 22.º e 47.º, da Lei do Asilo, nos seus art. 33.º e 47.º, da Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados (1951), no seu art. 33.º, bem como do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do art.º 17.º do Regulamento Dublin.
LXXIV Por cautela no patrocínio e sem prescindir do supra alegado, sempre se dirá que a douta Sentença recorrida não se pronunciou sobre aquelas questões invocada pela então Impugnante, ora Recorrente, quando a devia ter apreciado, pelo que enferma de manifesta nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPCiv., aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.».

Notificada para o efeito, a Entidade recorrida não contra-alegou.

O tribunal a quo pronunciou-se pela não existência das nulidades arguidas.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, por se tratar de processo urgente, mas com remessa do projecto de acórdão aos Exmos. Juízes-Adjuntos, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativo Comum para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em saber se a sentença recorrida:
- é nula ou errada por falta de produção da prova que carreou para os autos, por omissão de pronúncia e por apresentar uma fundamentação em si própria contraditória;
- incorre em erros de julgamento por o acto que considerou o seu pedido inadmissível se encontrar viciado por incompetência e o tribunal recorrido não ter entendido que o procedimento padece de insuficiência instrutória.

Com relevância para a decisão da causa, o tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
«1. A Autora e seus filhos são cidadãos originários da Colômbia – cfr. fls. 11, 12 e 13 do PA;
2. Em 15-07-2024, a Autora apresentou, junto do Centro Nacional para o Asilo e Refugiados da AIMA, I.P. pedido de proteção internacional para a própria e seus filhos menores, que foram registados sob os n.ºs de processo 1755/2024, 1756/2024 e 1757/2024 – 11, 12 e 13 do PA;
3. No âmbito do referido processo, na mesma data, foram recolhidas as impressões digitais da Autora e, através da consulta efetuada à base de dados do sistema EURODAC, para efeitos de ativação do Regulamento de Dublin, foi detetado um acerto (CH189507726541) na Suíça, com data de 10-05-2024 – fls. 1-2 do PA;
4. Em 15-07-2024, a Autora foi sujeita a questionário preliminar para efeitos de justificar o pedido de proteção internacional por si formulado, no qual referiu, em síntese, o seguinte: “

IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS
” – cfr. fls. do PA;
5. Em 22-07-2024, foram tomadas as declarações da Autora, nos termos do artigo 16.º, n.º 1 da Lei do Asilo, que as prestou em espanhol, mediante realização de uma Entrevista/Transcrição, de onde consta, entre o mais, o seguinte: “
IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS

“ – cfr. fls. 17-22 do PA;
6. Na sequência da prestação de declarações pela Autora, pelos serviços do Centro Nacional para o Asilo e Refugiados da AIMA, I.P. foi elaborado Relatório do qual consta, entre o mais, o seguinte: “

“ cfr. fls. 21 do PA;
7. Na mesma data, o Autor foi notificado do sentido provável da decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e consequente transferência para a Suíça, com o seguinte teor:

“ cfr. fls. 22 do PA;
8. Em 25-07-2024, a Autora exerceu o direito de audição prévia, tendo prestado os seguintes esclarecimentos: “
IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS
“ cfr. fls. 39 do PA;
9. Em 14-08-2024, as autoridades portuguesas da AIMA, I.P. desencadearam um “Processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional (Regulamento Dublin)”, no âmbito do qual dirigiram um pedido de “Retoma a Cargo” à Suiça ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1, alínea d) do Regulamento (UE) n.º 604/2013, registado sob o n.º 01257/24 – cfr. fls. 27-32 do PA;
10. Em 16-08-2024, os serviços suiços competentes da Secretaria de Estado da Emigração aceitaram o pedido dirigido pelas autoridades nacionais – cfr. fls. 35 do PA;
11. Em 22-08-2024, no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, foi elaborada a Informação n.º 1653/CNARAIMA/2024, do qual consta, entre o mais, a seguinte apreciação e proposta: “
IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS

(…)
IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS

“ – cfr. fls. 53-61 do PA;
12. Em 22-08-2024, com base na Informação n.º 1653/CNAR-AIMA/2024, em representação do Conselho Diretivo da AIMA, I.P., foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Concordo.” – cfr. fls. 53 do PA;
13. A Autora foi notificada da decisão em 12-11-2024 – cfr. fls. 83 do PA;
14. Em 02-12-2024, as autoridades nacionais informaram as autoridades suíças de que a Autora apresentou impugnação da decisão final proferida e da consequente suspensão do procedimento de transferência daquela e respetivos filhos – cfr. fls. 86 do PA;
15. A presente ação deu entrada neste Tribunal em 23-12-2024 – cfr. fls. 1 do SITAF. Mais ficou provado que:
16. Em 30-10-2023, a Autora apresentou denúncia junto da entidade colombiana Fiscalia General de la Nación, na qual declarou que em 23-10-2023 recebeu uma chamada telefónica e que sentiu a segurança e vida da própria e sua família ameaçadas – cfr. fls. 43-44 do PA;
17. Em 13-06-2005, pela entidade colombiana responsável pelas violações de direitos humanos foi registado o desaparecimento do pai da Autora, sem que se tenha tido conhecimento do seu paradeiro – cfr. fls. 47 do PA.
III.2 Matéria de facto dada como não provada:
Não existem fatos considerados não provados com relevância para a decisão da causa.
*
III.3. Motivação de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada do processo administrativo e dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados, considerando ainda a parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, são também corroborados pelos documentos juntos aos autos, em conformidade com o preceituado nos artigos 444.º a 450.º do Código de Processo Civil (“CPC”) e artigos 362.º e seguintes do Código Civil (“CC”) ex vi artigo 1.º do CPTA, identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
A matéria de facto dada como assente foi a considerada relevante para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito suscitadas.».

Nos termos do artigo 662º nº 1 CPC, ex vi artigos 140º do CPTA, e porque resultam dos documentos do processo administrativo instrutor [PA], junto aos autos, adita-se à factualidade considerada provada pelo tribunal a quo os seguintes factos, que se mostram necessários à apreciação a efectuar em sede de recurso:
18. As declarações, reproduzidas no ponto 5. supra, foram prestadas na “Loja AIMA II” – cfr. fl. 22 do PA, após assinaturas;
19. No dia 24.7.2024, as referidas declarações foram remetidas via e-mail, por N…, pelo endereço de email “< n………….>”, e assinado por “N…..UIPPI / CNAR-AIMA”, para “T…., Coordenadora da Unidade de Instrução de Pedido de Proteção Internacional (UIPPI) / Centro Nacional para o Asilo e Refugiados” – cfr. fls. 24 a 25 do PA;
20. No mesmo dia, T…. remeteu as declarações, os PPI’s, processos da Recorrente e dos seus filhos, para “CNAR Dublin” com CC a I…., “para instrução” e com informação de que ”[n]os termos da Lei do Asilo, art. 39º. conjugado com o art. 20º, nº 1, encontra-se suspenso o prazo de decisão” idem;
21. Em 22.8.2024 I…., “Técnica Superior/ CNAR AIMA/ Centro Nacional para o Asilo e Refugiados AIMA” remeteu para T…., via e-mail, “decisão de transferência ao abrigo do Regulamento de Dublin” – cfr. de fls. 49 do PA;
22. A Informação/Proposta, reproduzida no ponto 11. supra, foi elaborada e assinada por I….

Das nulidades da sentença:
Começando o requerimento de recurso por delimitar o respectivo objecto à sentença proferida pelo TAC de Lisboa na acção, a Recorrente alega que: o tribunal recorrido proferiu despacho que recusou a prova testemunhal e de declarações de parte, que apresentou, absolutamente essencial à boa decisão da causa e da tutela jurisdicional efectiva, para demonstrar a veracidade das declarações que prestou perante a AIMA e porque pediu asilo em Portugal; refutou, nas declarações e nos esclarecimentos, prestados à AIMA e na petição, “não existirem ou ocorrerem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Suíça” e “que não implicam um risco de tratamento desumano ou degradante”; o tribunal a quo em manifesta violação dos princípios do benefício da dúvida, da mediação e da oralidade, não pretende que possa exercer os seus direitos e só veja a decisão que pretende; na decisão da matéria de facto foram consideradas provadas as declarações que prestou, bem como os esclarecimentos sobre as mesmas, onde invoca ter sido, e os seus filhos, sujeitos a tratamento desumano na Suíça; o mesmo tribunal, recusa ouvir as suas testemunhas e a si em declarações, aceita que alguém lavre o seu depoimento sem apresentar competências, sem se identificar ou demonstrar as qualidades que detém; se o instrutor só foi nomeado a 24.7.2024, quem é N... que instruiu as suas declarações em 22.7.2024; o tribunal não respondeu e mantém-se a invocada falta de poderes da pessoa que registou (ou a legítima suspeita de usurpação ou abuso de poder) bem como déficit instrutório, face à manifesta omissão de pronúncia; atendendo aos factos considerados provados, designadamente, o juiz a quo deveria então ter pugnado pela procedência do pedido.

O despacho que recusou a produção da prova requerida pela Recorrente foi proferido na mesma data da sentença, mas incorporado no SITAF antes e em separado daquela.
Em função do que vem alegado, afigura-se que, ao contrário do que vem referido no início do requerimento de recurso, a Recorrente pretende recorrer também do referido despacho.
Analisando.
Dispõe o nº 1 do artigo 615.º do CPC que é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A Recorrente não explicita a nulidade, de entre as enunciadas no artigo que antecede, que, no seu entender, a sentença ou o referido despacho [v. nº 3 do artigo 613º do CPC] incorre, sendo que alega, como alternativa [“ou”], que está errado.
E efectivamente saber se o tribunal recorrido decidiu bem ou não, ao indeferir os meios de prova que apresentou na petição, não contende com qualquer das nulidades indicadas no artigo 615º - que se prendem com a forma, as regras de elaboração e/ou limites, a observar pelo juiz na sua prolação -, mas sim com a substância do que foi decidido, quer de facto quer de direito.
Entende a Recorrente que o juiz a quo errou ao indeferir a prova que requereu, pelo que é seu o ónus de alegar e provar que assim é.
Contudo, nas suas alegações/conclusões limita-se a reproduzir o despacho [sem o atacar de forma directa, ou seja, sem lhe atribuir vícios ou erros concretos] e a afirmar, de forma genérica e conclusiva, que a inquirição das testemunhas que indicou e a audição das suas declarações, são essenciais para a boa decisão da causa, para provar a veracidade do que declarou -, mormente, que sofreu tratamento desumano quando esteve na Suíça, porque pediu protecção em Portugal, que sustentou, nas suas declarações e esclarecimentos, que ocorreram falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Suíça e que estas implicam um risco de tratamento desumano ou degradante –, e não a factos, concretos, de entre os alegados na petição inicial, sobre os quais pretenderia que o tribunal recorrido ouvisse as testemunhas arroladas e as suas declarações, e sem indicação de quais os factos que deveriam ter sido levados à decisão da matéria de facto provada (que não impugnou) e que poderiam ter determinado que a acção fosse julgada procedente.
Mais alega a Recorrente, mais uma vez de forma não consubstanciada, que o despacho em referência violou de forma manifesta os princípios do benefício da dúvida [que se encontra especialmente previsto e regulado na Lei do Asilo, respeita à repartição do ónus da prova e é aplicável no procedimento administrativo na apreciação das declarações prestadas pelo requerente de protecção internacional, mas não nos processos que correm termos nos tribunais administrativos que seguem as regras do CPTA e supletivamente do CPC – supondo que não se enganou na designação do princípio e pretendeu invocar o princípio in dubio pro réu, do processo penal, até porque é autora], da imediação e da oralidade [sem explicar porque era essencial que o juiz a quo tivesse contacto pessoal, directo consigo e as testemunhas que indicou para saber, designadamente, que foram verdadeiras as declarações e os esclarecimentos que prestou perante a AIMA, vertidas nos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo instrutor(PA), sem densificar o que esses depoimentos e declarações iriam acrescentar ao que já constava dos autos – especialmente depois de saber que essas declarações e esclarecimentos constam dos factos provados na sentença recorrida] porque o tribunal a quo não pretende que possa exercer os seus direitos e só vê a decisão que pretende. Conclusão errada e grave no que insinua quanto à (falta) de imparcialidade e idoneidade do juiz a quo e que não tem qualquer suporte no teor do referido despacho que, de forma fundamentada, tendo em conta o alegado pelas partes e a prova documental produzida nos autos, entendeu poder decidir do mérito da causa sem ter de ouvir as testemunhas arroladas ou as declarações da Recorrente.
Em face do que o despacho em causa não padece de nulidade ou enferma de qualquer erro de julgamento, não podendo proceder este fundamento do recurso.

Se bem entendemos, a Recorrente também argui a nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e o decidido, e por omissão de pronúncia.
Suporta a invocada contradição em o tribunal recorrido ter recusado ouvir as suas testemunhas e a si em declarações, mas ter aceitado que alguém lavre o seu depoimento sem apresentar competências, sem se identificar ou demonstrar as qualidades que detém, se o instrutor só foi nomeado a 24.7.2024. E, na conclusão XXX, por ter considerado provado o supra indicado e ainda o ponto 16 e 17 da Sentença, deveria então ter pugnado pela procedência do pedido.
Repetindo, dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No que concerne à contradição entre os fundamentos e a decisão, aqui invocada, a mesma é de natureza lógica «(…) como referia J. Lebre de Freitas, que entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670] (v. acórdão do STA, de 28.4.2016, proc. 0978/15, in www.dgsi.pt).
Ora, não se vê e a Recorrente mais uma vez insinua, mas não explica, como é que o decidido num despacho autónomo, quanto a meios de prova, pode estar em contradição lógica com a apreciação jurídica efectuada na sentença recorrida de um dos vícios que imputou à decisão impugnada, o de ter prestado declarações a alguém que não indicou as suas competências, que o juiz a quo considerou improcedente, sem ter invocado a falta de qualquer meio prova.
Não se vê porque inexiste a invocada contradição por o referido despacho não poder constituir fundamento da sentença, em especial no que concerne ao alegado vício.
Quanto à conclusão XXX não vem especificado o que é o provado supra indicado - atendendo ao muito que nas vinte e nove conclusões anteriores vem expendido e às várias referências a factos provados na sentença recorrida - mas pressupomos que se refere aos pontos 5. e 8. do probatório, relativos às declarações e esclarecimentos que prestou à AIMA.
Nem vem minimamente explicado onde é a Recorrente entende que reside a contradição, que, manifestamente, não vislumbramos existir, porquanto uma coisa é, no âmbito da decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, dar por provado o que a Recorrente declarou e esclareceu no procedimento administrativo referente à análise do seu pedido de protecção internacional, e outra é, na aplicação do direito aos factos, considerar que essas declarações e esses esclarecimentos não relevam para o efeito pretendido na petição (ou seja, a procedência da acção por verificados os vícios imputados à decisão impugnada), e, em consequência, julgar a acção improcedente.
Os indicados factos provados 16. e 17. respeitam à denúncia que a aqui Recorrente apresentou junto da entidade colombiana Fiscalia General de la Nación, na qual declarou que recebeu uma chamada telefónica e que sentiu a segurança e vida da própria e sua família ameaçadas e que pela entidade colombiana responsável pelas violações de direitos humanos foi registado o desaparecimento do pai da Autora, sem que se tenha tido conhecimento do seu paradeiro.
São factos, suportados em documentos do PA, que resultam das declarações e esclarecimentos prestados pela Recorrente perante a AIMA para suportar o seu pedido de protecção internacional, para justificar porque saiu da Colômbia, seu país de origem, e não quer voltar para lá.
Na presente acção está em causa a decisão tomada pela AIMA de inadmissibilidade desse pedido, por no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado-membro responsável, a Suíça [que, apesar de não ser membro da União Europeia, é signatária da Convenção de Genebra e segue o Regulamento de Dublin] ter aceitado a retoma a cargo da Recorrente e dos seus filhos, por ter decidido pedido de protecção internacional formulado pela mesma em data anterior ao aqui em análise.
A saber, na presente acção não está em causa a transferência da Recorrente e seus filhos para a Colômbia, porque o mérito do pedido de protecção formulado perante a AIMA não chegou a ser apreciado [e seria no respectivo procedimento administrativo que tais factos, vertidos nos pontos 16. e 17. da decisão da matéria de facto da sentença recorrida, deveriam ser tidos em conta], mas sim para a Suíça, considerada responsável pela análise do seu pedido e, consequentemente, serão as autoridades deste país que terão de aquilatar da pertinência de tais factos para decidir se devem regressar ou não, à Colômbia.
Logo, também aqui não se verifica qualquer contradição lógica entre dar por provados tais factos e decidir pela improcedência da acção, mantendo a decisão de transferência da Recorrente e seus filhos para a Suíça e não para a Colômbia, onde apresentou aquela denúncia e ocorreu o desaparecimento do seu pai.

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia o que vem alegado no recurso é que, na petição, a Recorrente perguntou quem é N... que instruiu as suas declarações em 22.7.2024, se o instrutor só foi designado em 24.7.2024, o tribunal recorrido não respondeu e a Recorrente mantém a invocada falta de poderes da pessoa que registou (ou a legítima suspeita de usurpação ou abuso de poder), bem como o deficit instrutório, o que se reitera, face à manifesta omissão de pronúncia – v. conclusões IX a XI.
A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao/s pedido/s, à/s causa/s de pedir e à/s excepção/ões invocadas - que devesse apreciar/conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à apreciação/decisão do tribunal pelos sujeitos processuais, sem que a sua decisão se encontre prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. alínea d) do nº 1 do artigo 615º e nº 2 do artigo 608º, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Não ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não se pronuncia sobre cada um dos motivos, argumentos, opiniões, razões, invocados pelas partes em defesa da respectiva pretensão (v. sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.10.2018, no proc. nº 01096/11.5BELRA 0677/17 in www.dgsi.pt).
Na sentença recorrida o juiz a quo indicou como questão a decidir nos presentes autos a de saber se a decisão que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional apresentado pela Autora e que, em consequência, determinou a sua transferência para a Suíça, padece dos vícios invocados e, por conseguinte, qual o desvalor jurídico de que padece.
E expendeu o seguinte na respectiva fundamentação:
«Sustenta a Autora que não resulta do auto de prestação de declarações a identificação cabal de quem foi o agente responsável pela realização do mesmo na sua integralidade, o qual teria que ser identificado no início, de molde a poder ser do conhecimento daquela, na medida em que no final do auto consta apenas “pessoa que registou as declarações: N….”, sem identificação, sem qualquer alusão à qualidade e função a que estaria adstrita.
Acrescenta que, datando o auto de declarações de 22-07-2024, e resultando do ponto 4 da Informação de base do ato impugnado que em 24-07-2024 foi designado instrutor do procedimento com vista à determinação do Estado-Membro responsável, salta à vista a falta de poderes da pessoa que registou, suscitando suspeita de usurpação ou abuso de poder (pontos 14-18 da PI).
O vício nestes termos alegados é manifestação improcedente.
Desde logo, parece confundir a Autora a pessoa que procedeu ao mero registo das declarações por si prestadas em sede de declarações, nos termos do artigo 16.º, n.º 1 da Lei do Asilo, cujas funções são apenas essas, com o instrutor do procedimento, com funções absolutamente distintas no âmbito do procedimento em questão.
Por outro lado, a Autora limita-se a alegar e suscitar o vício em causa, não cuidando minimamente de consubstanciar a alegação feita quanto à falta de poderes da pessoa que procedeu à mera transcrição das suas declarações.
O mesmo sucedendo quanto à alegação de usurpação ou abuso de poderes, totalmente carecida de consubstanciação.
Termos em que se julga improcedente o alegado vício, que, mais uma vez, denota apenas uma tentativa de arranjar vícios a imputar ao ato impugnado por forma a lograr obter a sua anulação.».
Do que resulta que apreciou e decidiu o indicado vício e respondeu à pergunta que a Recorrente reitera no recurso, ainda que nos termos que resultam da sua própria enunciação. O que poderá consubstanciar um erro de julgamento (a apreciar infra) mas não uma nulidade da sentença.
Donde, a sentença recorrida não enferma das nulidades que a Recorrente lhe imputa.

Do vício de incompetência do autor do acto:

Compulsada a petição inicial constata-se que este vício do acto, que considerou o pedido de protecção internacional da Recorrente inadmissível, aí não foi alegado e, consequentemente, não foi apreciado e decidido pelo tribunal recorrido.
O recurso jurisdicional visa a anulação, alteração ou revogação da sentença recorrida por, respectivamente, não terem sido observadas as regras e/ou os limites que se prendem com a respectiva elaboração, ou por, quanto ao respectivo conteúdo, o juiz ter incorrido em erros de julgamento, quanto à matéria de facto e/ou de direito.
O mesmo é dizer que o recurso não tem por finalidade reapreciar a causa decidida na sentença recorrida com base em questões novas ou novos vícios do acto.
Em face do que este Tribunal se encontra impedido de conhecer deste fundamento do recurso.

Dos erros de julgamento:
Alega a Recorrente, em suma, que: a sentença não encarou devidamente a questão do princípio do non-refoulement indirecto; a saída da Suíça e a posição vulnerável em que se encontra e os seus filhos menores, com risco de desagregação familiar (pois o seu cônjuge, pai dos seus filhos, encontra-se a trabalhar legalmente em Portugal); a Suíça ameaçou deportá-los para a Colômbia, não tendo considerado esse país como perigoso ou as provas que apresentou, tratando-os como criminosos, de forma desumana e degradante, tal como declarou e esclareceu; é notório o clima de intimidação que se vive na Suíça, onde a deportação aumentou e foram endurecidas as regras; viola os princípios da boa fé, igualdade, legalidade e justiça, colocar em si o ónus da tradução de documentos de prova, que acabou de chegar a Portugal e solicitou asilo, por não ter capacidades económicas, e recusar os mesmos por não estarem traduzidos, revelando a desvantagem que tem e a discriminação negativa que a Recorrida exerce sobre os mais desfavorecidos; viu o seu pai sequestrado, pode ter morrido, teve ameaças de morte, pediu ajuda às autoridades colombianas que não chegou, teve de fugir; na Suíça as suas condições de vida deterioraram-se, com tratamentos indignos, desumanos e degradantes, afectando o seu bem estar físico e psíquico, teve de sair desse país; o respeito pela dignidade humana impõe que não sejam transferidos para um país como a Suíça, separando-os do marido e pai que se encontra legalmente em Portugal; é evidente omissão de fundamentação por parte da Recorrida (e da Suíça) quanto aos filhos menores, por correrem vários riscos como a deportação e a separação do progenitor, pelo que a decisão de inadmissibilidade do seu pedido foi tomada em erro sobre os pressupostos de facto, exigindo nova instrução, continuado pelo erro de julgamento do tribunal; a Recorrida devia ter instruído o procedimento com factos pertinentes da ordem da Suíça de expulsão para a Colômbia e que poderão contestar essa ordem com base no risco de virem a ser vítimas de tratamento desumano e degradante na Colômbia, por parte de grupos armados, cartéis para tráfico humano, drogas e outros, homicídio, violação, rapto, o que levou à sua fuga desse país para a Europa e ainda factos que permitam concluir que existem mecanismos que garantam que não serão separados do marido e pai que se encontra legalmente em Portugal; a decisão da AIMA foi proferida em erro sobre os pressupostos de facto e défice instrutório e o tribunal a quo deveria considerá-la ilegal; deverá concluir-se que as suas declarações são verdadeiras, por benefício da dúvida; a Recorrida devia alegar e demonstrar porque assentou a sua decisão no artigo 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei do Asilo; as cláusulas de tramitação acelerada comportam riscos acrescidos em matéria de violação do princípio do non-refoulement, pelo que deve ser restritiva a sua interpretação e aplicação, especialmente nos casos em que seja feito início de prova do preenchimento dos critérios tendentes ao reconhecimento do estatuto de refugiado; subsiste o risco sério e real de poderem sofrer risco de tratamento desumano e degradante, pelo que deveria ter sido recolhida mais informações sobre o procedimento de asilo a que foi sujeita quando esteve na Suíça, sobre o seu perfil pessoal e sobre a Colômbia, para aonde podem ser mandados; o processo administrativo é parco em informação para além do registo Eurodac e da necessária a indeferir o seu pedido de protecção; o direito a um procedimento justo constitui uma garantia da efectivação do direito de asilo; razão pela qual, a necessidade de completar a instrução procedimental do seu pedido, de averiguar do risco sério de vir a sofrer tratamento desumano e degradante na Suíça e de esta os expulsar para a Colômbia, deve conduzir à procedência deste recurso; a sua não observância pode acabar por constituir uma infracção ao artigo 4º da carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ou do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de transferência; o risco dessa violação deve ser avaliado de modo completo e individual; a Recorrida não tem instruções respeitantes à avaliação do contexto sociopolítico dos requerentes de asilo e refugiados no Estado para o qual serão transferidos, ao que acresce o facto de existir o risco de devolução em cadeia, em violação do citado artigo 3º da Convenção, pelo que deve cessar o procedimento de transferência ao abrigo do Regulamento Dublin e socorrer-se da cláusula de soberania inscrita no artigo 17º do Regulamento Dublin; não devem ser transferidos para a Suíça por ser razoável e credível que este país a venha a deportar para a Colômbia, ao contrário do que decidiu o tribunal recorrido; deve ser revogada a decisão recorrida e anulado o acto impugnado, devendo o procedimento administrativo ser retomado nos termos sobreditos, sob pena de violação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, dos artigos 1º, 4, 6, 18º, 19º, nº 2, 21º, 22º e 47º, da Lei do Asilo, 33º e 47º, da Convenção de Genebra, relativa ao estatuto dos refugiados (1951), 33º e 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do 17º do Regulamento Dublin; e reitera que falta poderes à pessoa que registou as suas declarações.
Importa começar por referir que na petição inicial é feita referência ao marido da Recorrente para afirmar que também foi objecto de ameaças de morte na Colômbia e nada mais. O mesmo é dizer que nada aí é alegado sobre o mesmo estar a trabalhar legalmente em Portugal, ou que a transferência da Recorrente e seus filhos para a Suíça os irá separar do marido e pai que está legalmente em Portugal, como vem no recurso. Trata-se, por isso, de alegacão nova, que não foi colocada ao tribunal recorrido, não se encontra sustentada pelo que resulta dos factos provados [facto 5 “1. Porque motivo quer solicitar protecção em Portugal? (…) O meu marido veio (para Portugal) tratou do NISS NIF e Manifestação de Interesse pois tinha contrato de trabalho. (…) Eu pedi ao meu marido que nos fosse buscar à Suíça para voltarmos por terra ele teve de abandonar o trabalho dele aqui para conseguir ir lá nos buscar. (…)” // 2. Tem membros da família e familiares beneficiários ou requerentes de protecção internacional em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia (,,,)? Sim (…) o meu esposo que pediu asilo na Suíça quando me foi buscar.” “Nome: D... (…)” //; factos 9. e 10. relativos, respectivamente ao pedido da AIMA de retoma a cargo dirigido à Suíçacfr. fls. 27-32 do PAe à aceitação do mesmo pelas autoridades espanholascfr. de fls. 35 do PA”, que respeitam à Recorrente, aos filhos e ao maridoDaniel Felipe Jaramillo”] e que não cumpre a este tribunal ad quem conhecer no contexto do alegado risco de desagregação familiar.

As demais alegações respeitam, na sua maioria, ao défice instrutório do procedimento, mormente por não ponderação do princípio do non-refoulement, quer na transferência para a Suíça, quer da provável expulsão deste país para a Colômbia, que deveria ter determinado a Recorrida a usar da cláusula de soberania, prevista no artigo 17º do Regulamento de Dublin, mas também à tradução e não admissão de documentos, ao erro sobre os pressupostos de facto da decisão de inadmissibilidade por omissão de fundamentação quanto aos filhos menores e por falta de poderes da pessoa que registou as suas declarações.
Começando por esta última alegação, o tribunal recorrido efectuou a apreciação que se deu por reproduzida supra e que, em suma, considera o vício manifestamente improcedente por a Recorrente estar a confundir a pessoa que procedeu a um mero registo das suas declarações, nos termos do artigo 16º, nº 1 da Lei do Asilo, com o instrutor do procedimento, com funções distintas.
Vejamos.
O pedido de protecção internacional, apresentado pela Recorrente, em seu nome e dos seus filhos, só seria objecto de instrução se tivesse sido admitido – v. o nº 1 do artigo 27º da Lei do Asilo –, o que, manifestamente, não sucedeu por ter sido considerado inadmissível, pela decisão da AIMA impugnada nos autos.
Mas foi iniciado, instruído e decidido o procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela apreciação e decisão do pedido da Recorrente, regulado pelo capítulo IV da mesma Lei, artigos 36º a 40º, e foi no âmbito deste procedimento que foi nomeado um instrutor, em 24.7.2024 – tal como resulta da Informação/Proposta n.º 1653/CNARAIMA/2024 – facto provado 11.
N... foi o técnico da Loja AIMA II que efectuou a entrevista à Recorrente, a informou, designadamente, sobre o papel de cada um dos intervenientes (momento em que se deve ter identificado, não só pelo nome, mas categoria, serviço a que pertence na AIMA e o seu papel na entrevista, porque se não o tivesse feito, certamente, que a Recorrente não lhe teria prestado declarações), os objectivos pretendidos, os direitos da declarante, e efectuou as perguntas constantes do formulário e as que foi necessário efectuar em função do que ia sendo respondido pela Recorrente, no fim elaborou o relatório com a proposta de decisão, concedeu prazo para o exercício do direito de audiência prévia e assinou, antes da Recorrente, como “A pessoa que registou as declarações” – factos provados 5., 6 e 18.
Corresponde ao que efectivamente fez na entrevista? Permite a quem apenas aceda ao documento Prestação de Declarações - Dublin saber quem é N..., no contexto da AIMA e do pedido de protecção da Recorrente? A resposta é manifestamente negativa (não se percebendo a opção pelo modo de “identificação” escolhido).
Mas é fundamento para afectar a validade da decisão que considerou inadmissível o pedido de protecção da Recorrente e determinou a sua transferência e dos seus filhos, para a Suíça? Por, como alega a Recorrente, falta de poder desse alguém? Não. Porque na acção e no recurso apenas vem alegado que a A./recorrente não sabe quem é a pessoa que registou as suas declarações, as suas competências e, se não é o instrutor que só foi nomeado dois depois, quem é.
Mas N...tem “poderes” para dirigir a entrevista por ser funcionário da UIPPI - Unidade de Instrução de Pedido de Protecção Internacional, do Centro Nacional para o Asilo e Refugiados da AIMA, para encaminhar as declarações prestadas pela Recorrente para a sua Coordenadora e para ser informado por esta da sua remessa para o serviço CNAR Dublin, para aí ser tramitado o procedimento especial referido, tendo a Técnica Superior Isabel Teixeira assumido a sua instrução, tal como resulta evidente do teor do PA – v. factos provados 19. a 21.
Na petição inicial e no recurso vem alegada, a par da invocada falta de poder de N…., a suspeita de usurpação ou abuso de poder, mais uma vez, sem qualquer densificação pelo que, tal como entendeu o juiz a quo, não pode proceder por totalmente carecida de consubstanciação.
Pelo que não procede este fundamento do recurso, ainda que com diversa fundamentação.

Sobre a alegação, no recurso, de que decisão impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto por omissão de fundamentação quanto aos filhos menores, o tribunal recorrido considerou o seguinte:
«Argui a Autora que Entidade Administrativa não cumpriu o dever de apresentar uma proposta de decisão, nos termos do artigo 17.º da Lei de Asilo ou no artigo 121.º do CPA, sobre a qual aquela pudesse pronunciar-se, mas acrescentando que, abarcando a decisão final os seus dois filhos menores, em momento algum foram os menores notificados, na pessoa de sua mãe, relativamente ao sentido provável da decisão, de molde a que fossem salvaguardados os superiores interesses das menores, porquanto a notificação alegadamente entregue à Autora, em 22-07.2024, apenas a si diz respeito e em momento algum faz referência aos menores (pontos 7-11 da PI).
O vício nestes termos alegados é manifestação improcedente.
Resulta da factualidade provada que em 22-07-2024, a Autora foi notificada do sentido provável a decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e consequente transferência para a Suíça, no seguimento do que aquela apresentou, em 25-07-2024, escrito no exercício do direito de audição prévia [pontos 7) e 8) do probatório].
Enquanto mãe, a Autora é representante legal dos filhos menores no âmbito dos pedidos de proteção internacional apresentados quanto a estes, assim suprindo a incapacidade daqueles [artigo 124.º do CC].
Ora, se os fundamentos dos pedidos de proteção internacional dos filhos são os mesmos que os apresentados pela mãe, não tendo os menores capacidade para, a título pessoal, fundamentarem os respetivos pedidos e exercerem o direito de audição prévia no âmbito dos respetivos procedimentos, é inquestionável que a notificação feita à Autora do sentido provável da decisão do pedido de proteção internacional produz efeitos, naturalmente, quanto aos mesmos, cabendo a esta invocar eventuais circunstâncias que dissessem unicamente respeito aos representados, o que não fez.
Aliás, a Autora refere apenas que os pedidos de proteção internacional se fundam no receio que tem relativamente à segurança e vida da sua família no seu país de origem.
Termos em que se julga improcedente o alegado vício, que denota apenas uma tentativa da Autora de arranjar vícios que possa imputar ao ato impugnado por forma a lograr obter a sua anulação.
A Recorrente limita-se a discordar, sem qualquer razão. Sendo que não reitera a alegação de que não foi aferido se era a representante legal dos seus filhos menores, concluindo antes que a Recorrida não averiguou ou informou sobre os riscos que aqueles poderiam correr e que se avizinham, como a deportação e a separação do progenitor, o que demonstra que a decisão impugnada padece do indicado vício de erro nos pressupostos de facto, que exige nova instrução do caso, ao contrário do que entende o juiz a quo.
A saber, o enfoque é dado no déficit de instrução do procedimento, no caso com informação sobre os riscos que os menores poderão correr caso se concretize a sua transferência, com a Recorrente, para a Suíça.
Pelo que será apreciado com o alegado quanto a vício de insuficiente instrução.

Sobre a tradução dos documentos que a Recorrente pretendeu juntar ao procedimento e à sua não admissão, entendeu o juiz a quo:
«Argui a Autora que invocou ter documentos e uma gravação, os quais foram apresentados em Espanhol, que a Impugnada não quis ver traduzidos, não obstante a relevância por aquela expressamente manifestada, quando o devia ter efetuado oficiosamente, por saber que aquela não tinha meios para o efetuar, acrescentando que ao não admitir os documentos por os mesmo não apresentarem tradução, quando o podia e devia ter, mais não está que a omitir a prática de um ato, que consubstancia mais uma invalidade insanável (pontos 20-22 da PI).
Apreciando.
O artigo 15.º-A da Lei do Asilo estabelece, no seu n.º 1, que “ao apresentar os elementos de prova (…) o requerente deve providenciar pela sua tradução para língua portuguesa”, aditando os n.ºs 2 e 3 do preceito que “a pedido do requerente, quando este comprovadamente não disponha de meios suficientes, a AIMA, I. P., providencia pela tradução dos documentos”, devendo aquele “comprovar a relevância dos documentos a traduzir para a apreciação do pedido, competindo à AIMA, I. P., avaliar da pertinência daquela tradução”.
Ora, não resulta dos autos, quer do processo administrativo carreado, quer das alegações da Autora no articulado inicial apresentado, que esta tenha invocado não dispor de meios suficientes para proceder à tradução dos documentos em causa e, nesse seguimento, solicitado a respetiva tradução.
Ademais, tendo a Entidade administrativa considerado inadmissível o pedido de proteção internacional, não lhe cabia apreciar documentação que servisse de fundamento à apreciação da verificação das condições dos requerentes para concessão, ou não, de proteção internacional.
Pelo que, contrariamente ao alegado, não é censurável a conduta da entidade demandada.
Termos em que se julga igualmente improcedente o vício invocado.».
E o assim bem decidido é para manter, pois a Recorrida limitou-se a actuar de acordo com o a lei, ou seja, em observância estrita do princípio da legalidade, perante o qual não pode ser invocada, como faz a Recorrente, a violação de princípios como os da boa-fé, igualdade e da justiça, em especial quando a actuação ou omissão desta, ao não pedir àquela para suportar os custos da tradução (o que nem sequer é aflorado, quanto mais contrariado no recurso), contribuiu para o resultado de a mesma não ser admitida por não estar traduzida para português.
Pelo que nenhuma censura há dirigir à Recorrida, sendo de repudiar a afirmação da Recorrente de que a Recorrida exerce uma discriminação negativa sobre os mais desfavorecidos.
Pelo que igualmente improcede este fundamento do recurso.

Sobre o défice instrutório do procedimento, mormente por não ponderação do princípio do non-refoulement, quer na transferência para a Suíça, quer da provável expulsão deste país para a Colômbia, e o não uso da faculdade prevista no artigo 17º do Regulamento de Dublin, consta da fundamentação da sentença recorrida:
«(…), em face do enquadramento jurídico explanado, impõe-se concluir, em síntese, que nas situações em que o Estado Português considere – em aplicação dos critérios previstos no Regulamento (UE) n.º 604/2013 – que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-Membro, incumbe à AIMA, I.P. dar início ao procedimento especial regulado nos artigos 36.º e seguintes da Lei de Asilo, podendo requerer ao Estado titular da competência a tomada ou retoma a cargo do requerente de proteção internacional, de harmonia com os critérios previstos no Regulamento n.º 604/2013.
Volvendo, agora, ao caso dos autos.
Como se alcança da factualidade provada, em 15-07-2024, a Autora, cidadã colombiana, apresentou, junto do Centro Nacional para o Asilo e Refugiados da AIMA, I.P., pedidos de proteção internacional para a própria e seus dois filhos menores, registados sob os n.ºs 1755/2024, 1756/2024 e 1757/2024 [pontos 1) e 2) do probatório].
Por forma a dar resposta ao pedido apresentado junto das autoridades nacionais, os serviços da AIMA, I.P. realizaram análise à base de dados do sistema Eurodac, tendo encontrado um assento relativo a pedidos de proteção internacional anteriormente registado na Suíça, [ponto 3) do probatório], tendo os serviços competentes, consequentemente, apurado, à luz dos elementos coligidos no procedimento e em face dos critérios previstos no Regulamento de Dublin, concretamente, o vertido no artigo 18.º, n.º 1, alínea d) do diploma comunitário, ser a Suíça, e não Portugal, o Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional [ponto 6) do probatório].
Por conseguinte, em 14-08-2024, foi dirigido ao Estado suíço um pedido de retoma a cargo [ponto 9) do probatório], o qual foi expressamente aceite pelas autoridades suíças competentes em 16-08-2024 [ponto 10) do probatório].
Em 22-08-2024, membro do Conselho Diretivo da AIMA, I.P. emitiu despacho de concordância com a proposta de decisão vertida na Informação 1653/CNAR-AIMA//2024, pelo que, com fundamento no artigo 19.º-A, n.º 1, alínea a) da Lei de Asilo, foi considerado inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado e, consequentemente, determinada a transferência da Autora e seus filhos para a Suíça [pontos 11) e 12) do probatório].
Posto isto, da factualidade provada resulta que tendo a ora Autora, impugnante, formulado um pedido de proteção internacional junto das autoridades nacionais, o Estado Português, considerando que a responsabilidade pela análise do referido pedido pertence a outro Estado-membro, não procedeu à apreciação do mérito de tal pedido.
Nesta sequência, e em virtude da aceitação de responsabilidade quanto à apreciação do pedido de proteção internacional por parte da Suíça, a Entidade Demandada proferiu a decisão ora impugnada, na qual foi decidida a inadmissibilidade do pedido do Autor e determinada a sua transferência para aquele país, nos termos dos artigos 19.º-A, n.º 1, alínea a), situação na qual, em conformidade com o disposto no n.º 2 deste preceito, se prescinde da análise das condições de que depende a concessão do estatuto de beneficiário de proteção internacional, razão pela qual estava a AIMA, I.P. dispensada de analisar os fundamentos do pedido de proteção internacional que o Autor apresentou junta das autoridades portuguesas.
[…]
Sustenta a Autora que a AIMA, I.P. deveria ter aplicado o regime previsto no artigo 17.º do Regulamento n.º 604/2013 e, por outro, que não teve em consideração, nem averiguou, as condições e tratamento a que seriam sujeitos em caso de transferência para a Suíça (pontos 32-35 e da PI).
O mecanismo previsto no aludido artigo 17.º do Regulamento de Dublin contém disposição de natureza facultativa, deixando à discrição do Estado-Membro perante o qual foi formulado o pedido de proteção internacional, no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado-membro responsável pela respetiva análise, a decisão de chamar a si a apreciação de tal pedido ainda que não seja da sua competência por força dos critérios de determinação previstos no indicado Regulamento.
Os critérios do Regulamento Dublin, diretamente vigentes no ordenamento jurídico interno, por força do princípio da aplicabilidade direta (artigo 8.º, n.º 4 da CRP) não são “adaptáveis”, impondo-se aos Estados-Membros, que os deverão aplicar em conformidade com o determinado, sob pena de se comprometer o efeito normativo.
Não obstante, o efeito direto na aplicação do Regulamento não afasta, naturalmente, a liberdade de atuação administrativa conferida a cada Estado-Membro, designadamente no que concerne à aplicação da cláusula discricionária ínsita no artigo 17.º do Regulamento n.º 604/2013 [cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça de 23-1-2019, Processo C-661/17, caso M.A e outros, e referências jurisprudenciais contidas no mesmo].
O artigo 17.º consagra, portanto, a possibilidade de um Estado-Membro assumir, no âmbito do exercício de um poder discricionário, a responsabilidade pela decisão do pedido de proteção internacional, independentemente dos critérios e regras estabelecidas.
Tal faculdade inscreve-se, reforce-se, na designada área de discricionariedade administrativa e, como tal, não sindicável pelos tribunais, pelo que improcede o fundamento alegado a este respeito.
Das alegações da Autora depreende-se que esta sustenta que compete às autoridades nacionais avaliar as condições de acolhimento no país responsável pela tomada a cargo, incumbindo-lhes, no caso concreto, previamente à decisão de inadmissibilidade e consequente transferência, instruir o processo com informação sobre as condições de acolhimento na Suíça, imputando ao ato impugnado défice instrutório, por entender que a entidade administrativa se encontrava obrigada a instruir o procedimento com informação sobre as condições de receção e acolhimento daquele Estado.
De facto, o artigo 17.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, permite que um Estado-Membro possa decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no diploma comunitário.
Ora, recuperando o supramencionado artigo 3.º, n.º 2 do referido Regulamento, desta disposição normativa decorre que caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.
Consagra-se, assim, um dever do Estado-Membro não proceder a tal transferência em caso de risco sério de sujeição do requerente a tratamentos desumanos ou degradantes no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo. Nesse caso, por forma a cumprir o seu dever de não proceder a tal transferência, deve o Estado certificar-se da inexistência do referido risco de sujeição a tratamentos desumanos e degradantes no Estado-Membro responsável.
Por sua vez, o aludido artigo 4.º da CDFUE estabelece que “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes”.
A este propósito, aclara o TJUE, em Acórdão datado de 16-02-2017, proferido no processo n.º C-578/16 PPU, o seguinte:
O artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que: - mesmo não havendo razões sérias para crer na existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, a transferência de um requerente de asilo no âmbito do Regulamento n.º 604/2013 só pode ser feita em condições que excluam que essa transferência implique um risco real e comprovado de o interessado sofrer tratos desumanos ou degradantes, na aceção desse artigo” [disponível em www.curia.europa.eu].
No caso sub judice, a Autora refere que, a realizar-se a transferência da própria e seus filhos para a Suíça, existe a possibilidade de virem a sofrer o risco sério de ficarem sujeitos a tratamentos degradantes ou desumanos, tendo relatado, em sede de declarações no âmbito procedimental, que foram “revistados”, “maltratados”, lhes tiraram os documentos e as malas e, quando intercetados no aeroporto, fizeram-na “andar descalça”.
Desde já se adiante que entende o Tribunal que as alegações trazidas pela Autora não evidenciam situações concretas reveladoras da existência de um risco real e comprovado de aquela, conjuntamente com os seus filhos, enquanto requerente de proteção internacional, virem a sofrer tratamentos desumanos ou degradantes em caso de transferência para o território suíço que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no Estado considerado responsável pela análise do pedido de proteção internacional ou pela existência de um dever de averiguação, a impender sobre as autoridades portuguesas, relativamente à existência dessas falhas.
A respeito dos conceitos enunciados no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento n.º 604/2013 e da sua interpretação pelas autoridades nacionais competentes, veja-se, ainda, o entendimento vertido no aresto do Tribunal de Justiça, de 19-03-2019, proferido no processo n.º C-163/17, no qual se esclareceu, designadamente, o seguinte:
«(…) no que se refere à questão de saber quais são os critérios à luz dos quais as autoridades nacionais competentes devem proceder a essa apreciação, importa sublinhar que, para serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4.º da Carta, que corresponde ao artigo 3.º da CEDH, e cujo sentido e alcance são, portanto, por força do artigo 52.º, n.º 3, da Carta, iguais aos conferidos por essa convenção, as falhas mencionadas no número anterior do presente acórdão devem ter um limiar de gravidade particularmente elevado, que depende do conjunto dos dados da causa (…).
Esse limiar de gravidade particularmente elevado é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana (v., neste sentido, TEDH, 21 de janeiro de 2011, M.S.S. c. Bélgica e Grécia, CE:ECHR:2011:0121JUD003069609, §§ 252 a 263).
Como tal, o referido limiar não pode abranger situações que se caracterizem por uma grande precariedade ou uma forte degradação das condições de vida da pessoa em causa, quando estas não impliquem uma privação material extrema que coloque a pessoa numa situação de gravidade tal que possa ser equiparada a um trato desumano ou degradante.
Uma circunstância como a evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual, nos termos do relatório mencionado no n.º 47 do presente acórdão, as formas de solidariedade familiar a que os nacionais do Estado-Membro normalmente responsável pela análise do pedido de proteção internacional recorrem para fazer face às insuficiências do sistema social do referido Estado-Membro, geralmente, não existem no caso dos beneficiários de proteção internacional nesse Estado-Membro, não pode bastar para basear a conclusão de que um requerente de proteção internacional seria confrontado, em caso de transferência para o referido Estado-Membro, com tal situação de privação material extrema.
No entanto, não se pode excluir totalmente que um requerente de proteção internacional possa demonstrar a existência de circunstâncias excecionais que lhe são próprias e que implicariam que, em caso de transferência para o Estado-Membro normalmente responsável pelo tratamento do seu pedido de proteção internacional, se encontraria, devido à sua particular vulnerabilidade, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema suscetível de satisfazer os critérios mencionados nos n.ºs 91 a 93 do presente acórdão, após lhe ser concedido o benefício da proteção internacional.
No caso vertente, a existência de deficiências na aplicação, pelo Estado-Membro normalmente responsável pela análise do pedido de proteção internacional, de programas de integração dos beneficiários de tal proteção não pode constituir um motivo sério e comprovado para crer que a pessoa em causa correria, em caso de transferência para esse Estado-Membro, um risco real de ser sujeita a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.º da Carta.
Em qualquer caso, o simples facto de a proteção social e/ou as condições de vida serem mais favoráveis no Estado-Membro requerente do que no Estado-Membro normalmente responsável pela análise do pedido de proteção internacional não é suscetível de confortar a conclusão segundo a qual a pessoa em causa ficaria exposta, em caso de transferência para este último Estado-Membro, a um risco real de sofrer um trato contrário ao artigo 4.º da Carta.
O artigo 4.º da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a tal transferência do requerente de proteção internacional, a menos que o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso da decisão de transferência conclua, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados e por referência ao nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, que esse risco é real para o requerente, pelo facto de que, em caso de transferência, este se encontraria, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema.».
Retomando o caso vertente, conclui-se que o argumentário expendido não indicia a existência de razões sérias para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Suíça que impliquem, para a Autora e filhos desta, o risco de tratamento desumano ou degradante.
Na verdade, das alegações da Autora não resulta que este possam vir a ser submetidos, na Suíça, a qualquer tratamento que atinja o referido grau de gravidade (desumano ou degradante) exigível para desencadear a aplicação do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento Dublin, não invocando quaisquer factos concretos demonstrativos de um eventual risco de sujeição a esse tipo de tratamentos, por parte das autoridades espanholas, em caso de transferência.
Diversamente, em sede de declarações, referiu a Autora que no período em que estiveram sob a vigilância das autoridades suíças lhes foram disponibiliza alimentação e assistência médica [ponto 5) do probatório].
Destarte, o contexto apresentado pela Autora não indicia a existência de elementos objetivos que permitam concluir que a transferência da própria e filhos os colocaria numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas e que atente contra a sua saúde física ou mental ou o coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana.
Entendimento este perfilhado no aresto do STA, de 10-09-2020, proferido no processo nº 03421/19, onde pode ler-se o seguinte:
«Não resultando do procedimento dos autos qualquer indício sério e concreto de que o Autor viesse a sofrer tratamento desumano ou degradante, na aceção do art. 4º da CDFUE, em resultado da sua transferência para Itália sendo certo que nada nesse sentido se revelou nas suas declarações sobre a sua anterior vivência de 3 anos nesse país -, não se impunha nem se justificava qualquer atividade instrutória suplementar por parte do SEF previamente à prolação do despacho nestes autos impugnado, não se constatando, pois, défice instrutório procedimental que afete a validade do ato impugnado que determinou a sua transferência.» [disponível em www.dgsi.pt].
De igual modo, não invocou, nem demonstrou a Autora a existência de qualquer circunstância excecional que lhe fosse própria ou dos seus filhos e que implicasse que, em caso de transferência para o Estado responsável pela análise do seu pedido, seria colocada, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema.
Também em sentido próximo se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 16-01-2020, proferido no processo nº 02240/18, onde exarou o seguinte:
«(…) apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em que existam motivos válidos para crer que “há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes” e que tais falhas impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação actualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos. Nestes casos, de ponta, não há quaisquer razões de celeridade e eficiência que possam suplantar a protecção devida ao requerente de asilo.
[…]
Posto isto, atento o contexto fáctico invocado, a concreta situação da Autora não suscita dúvidas sérias acerca do cumprimento das obrigações a que a Suíça se encontra vinculada em matéria de proteção internacional, concretamente, ao nível das condições do seu acolhimento, após a transferência, não permitindo a sua situação concluir no sentido de que a retoma a cargo implicaria a exposição a um risco atual, direto ou indireto, de tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.º da CDFUE.
Nessa medida, a decisão ora impugnada não padece, pelas razões explanadas, da invalidade que lhe vem imputada referente ao suscitado vício de défice instrutório, porquanto não tem aplicação, no caso concreto, a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento nº 604/2013.
Face ao que antecede, considerando o princípio segundo o qual os pedidos são analisados por um único Estado, determinado este em função dos critérios enunciados no capítulo III ínsito do Regulamento n.º 604/2013, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos legais para que o pedido de proteção internacional formulado pela Autora – bem como dos filhos desta – seja apreciado pelo Estado Português, como decidiu a Entidade Demandada, não cabendo, pois, às autoridades portuguesas proferir decisão de mérito acerca de tal pedido, por a apreciação do mesmo ser da responsabilidade da Suíça, que a aceitou, não havendo, assim, lugar à análise, em território português, das condições a preencher pela Autora para beneficiar do estatuto de proteção internacional.
Neste conspecto, é de concluir que os motivos respeitantes às motivações para sair do seu país de origem, porque consubstanciam questões de mérito quanto à decisão do pedido de proteção internacional, devem ser consideradas e ponderadas aquando da apreciação daquele pedido pelo Estado responsável.
Note-se ainda que uma decisão de recusa de asilo ou proteção internacional tomada por aquele Estado não configura, no caso, circunstância suscetível de integrar a previsão normativa relativa às situações que obstem à sua transferência para aquele Estado, de harmonia com a interpretação a conferir ao artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento 604/2013. A ser tal possível, poderia qualquer requerente escolher o Estado que entenderia dar-lhe maiores garantias de lhe ser conferida proteção.
Aliás, entendimentos há segundo os quais nos casos em que o pedido de um requerente de proteção internacional já foi decidido por outro Estado-membro, não tem aplicação a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2 o Regulamento, porquanto tal pressupõe estar em curso o procedimento no Estado do primeiro pedido, daí que se equacione a possibilidade do Estado em que foi formulado o segundo pedido chamar a si a respetiva análise e, claro está, a sua decisão [cfr. nesse sentido, Acórdão do TCA, de 10-12-2020, processo n.º 1079/20.4BELSB, disponível em www.dgsi.pt].
Donde, verificando-se a situação de inadmissibilidade do pedido prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A da Lei de Asilo, a decisão ora impugnada, ao considerar a Suíça como Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional formulado pela Autora, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea d) daquela Lei, em conformidade com o supra exposto, não merece censura, carecendo, portanto, de fundamento o pedido impugnatório formulado nos presentes autos, com a consequente improcedência do peticionado, o que se julga de seguida, sem necessidade de mais desenvolvimentos.».

E o assim fundamentado e decidido é para manter, porquanto nenhuma razão assiste à Recorrente no reiterar de alguns dos fundamentos/vícios alegados na petição e já apreciados pelo tribunal recorrido.
Com efeito, do regime legal consagrado na Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, na redacção dada pela Lei do Asilo e no Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho [doravante apenas Regulamento], resulta que, tendo a AIMA constatado na análise do pedido de protecção internacional da Recorrente que a mesma formulou pedido anterior noutro Estado, ficou, primeiro, sujeita ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela sua análise, previsto no capítulo IV, artigos 36º a 40º, da Lei do Asilo (procedimento administrativo especial dentro do procedimento inicial que a proceder implica o termo deste), de acordo com o disposto nos artigos 3º, nº 2, e 18º, nº 1, alínea d), do Regulamento, e, segundo, uma vez aceite a retoma pelo Estado tido como responsável, obrigada a considerar o pedido em apreciação inadmissível [cfr. artigo 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei do Asilo], sem ter o dever de conhecer do respectivo mérito ou verificar do regular funcionamento do sistema de acolhimento dos requerentes de protecção nesse Estado.
O mesmo é dizer que a Entidade recorrida não apreciou em sede de procedimento administrativo os motivos declarados pela Requerente/recorrente para fundamentar o respectivo pedido de protecção internacional, porque nos termos das normas nacionais e comunitárias indicadas, não estava obrigada a fazê-lo. Ou melhor, na medida em que considerou não ser Portugal o Estado-membro responsável pela análise daquele pedido, ficou a AIMA legalmente impedida de o fazer – porque, nos termos do Regulamento, vigora o princípio de que só um Estado-membro é responsável pela análise de um pedido de asilo, por forma a evitar que os requerentes de asilo sejam enviados de um país para outro, bem como evitar o abuso do sistema através da apresentação de vários pedidos de asilo por uma única pessoa em vários Estados-Membros.
No que respeita aos seus filhos menores, os respectivos pedidos de protecção foram efectuados por referência e em conjunto com o da Recorrente, pelo que a decisão proferida a todos abarca e os considerandos acabados de expor também.
Donde, não há, por parte dos seus serviços, ou mais concretamente das pessoas que aí exercem funções, desconsideração pela situação de vulnerabilidade em que a Recorrente e os seus filhos menores se encontram, ou desinteresse sobre as condições em que viveram antes de aqui chegarem e as que alegam recear caso se tenham de voltar para a Colômbia, mas apenas não relevar a sua situação por respeitar ao pedido que a Recorrida não pode apreciar por ser da responsabilidade de outro Estado-membro.
O pedido da Recorrente foi considerado inadmissível, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 19º-A da Lei do Asilo, não estando em causa a tramitação acelerada do procedimento relativo àquele pedido, a que se refere o artigo 19º, mas o início do tal procedimento especial que impõe a “paragem” do de asilo até ser aceite a retoma a cargo pelo Estado, considerado responsável, no caso, a Suíça, a quem competirá dar sequência ao processo aí iniciado e no qual já foi proferida decisão de recusa da protecção requerida.
E são as autoridades suíças que terão de aferir, em função do caso da Recorrente e dos seus filhos, das declarações que aquela aí terá prestado e da informação actual disponível sobre o seu país de origem, se devem determinar o seu retorno a esse país, ou se é forte e grave o risco ou o receio de que aí venham a ser vítimas de tratamento desumano e degradante, na acepção do artigo 4º da CDFUE. Não a AIMA, a quem apenas compete promover a sua transferência para a Suíça [cfr. o disposto nos artigos 37º, nº2 e 28º da Lei do Asilo].
A esta nem sequer cumpre verificar da existência de deficiências sistémicas no sistema de acolhimento dos requerentes de asilo na Suíça, nos termos e para os efeitos da cláusula de salvaguarda, prevista na segunda parte do no nº 2 do artigo 3º do Regulamento, porquanto, como bem referiu o juiz a quo (e a Recorrente concorda, como resulta do artigo 40º da petição inicial), esta norma tem como pressuposto que o pedido anterior, o formulado no Estado considerado responsável pelas autoridades que receberam o último pedido de protecção, ainda não tenha sido decidido e, por isso, estas poderão chamar a si a decisão daquele que lhes foi dirigido.
E ainda que assim não fosse, das declarações prestadas pela Recorrente à AIMA, não resulta a invocação de motivos válidos para afastar o regime legal da retoma a cargo pela Suíça, pois, como declarou, enquanto aí estiveram, viveram num acampamento, tiveram alimentação e também assistência médica. E é só nos esclarecimentos prestados em sede de audiência prévia, já sem a espontaneidade das declarações iniciais (nas quais não se esqueceu de dizer que, no aeroporto, antes de pedir asilo, foi tratada pelas autoridades suíças de forma indigna, foram revistados, tiraram-lhes os pertences e foi obrigada a andar descalça) é que vem declarar que o tratamento que aí lhe foi ministrado, e aos filhos, foi degradante e desumano, porque as pessoas [sem especificar se eram outros requerentes ou faziam parte do sistema de acolhimento] eram muito agressivas consigo e os seus filhos, a comida era má, não conseguiam comer, o acampamento era mau [sem explicar porquê], com guardas a segui-los o tempo todo, o local tinha câmaras, os telemóveis foram confiscados, as condições eram desumanas [sem densificar], foi tratada de forma desumana porque não atenderam às provas e depoimentos prestados, sofreu muito, ficou psicologicamente debilitada, não quer voltar à Suíça porque tem medo que os expulsem para a Colômbia.
Não invocou padecer de doenças graves.
Como considerou o juiz a quo, o declarado e também os esclarecimentos prestados não evidenciam que o sistema de acolhimento dos requerentes de protecção internacional, na Suíça, tenha ministrado ou haja o risco de vir a ministrar tratamento degradante e desumano à Recorrente e aos seus filhos, na acepção do artigo 4º da CDFUE, com o enquadramento jurisprudencial comunitário e nacional, referido supra e que aqui sustentamos e damos por reproduzido.
Em face do que o acto que considerou o pedido da Recorrente inadmissível não padece das invalidades de défice instrutório e de não ponderação do princípio do non-refoulement (por não ser legalmente exigível, nos termos expostos), que a mesma lhe imputa.
Quanto à aplicabilidade do disposto no artigo 17º do Regulamento de Dublin, entendemos ser de referir que o mesmo contém disposição de natureza facultativa, dado que deixa à discrição do Estado-membro perante quem foi formulado o pedido de protecção internacional, no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado-membro responsável pela respectiva análise, a decisão de chamar a si a apreciação desse pedido ainda que não seja da sua competência por força dos critérios de determinação previstos naquele Regulamento.
Por outro lado, o exercício dessa faculdade discricionária não está sujeito a qualquer requisito específico ou particular, sendo permitido a cada Estado-membro, soberanamente, decidir em que condições fará ou deverá fazer uso da mesma. O que poderá resultar de considerações políticas, humanitárias ou de práticas do respectivo procedimento de asilo ou sistema de acolhimento dos requerentes de protecção internacional.
A saber, seja qual for a motivação, a decisão de usar este poder/dever de analisar um pedido para o qual o Estado-membro que o recebe não é o responsável, de acordo com os critérios de determinação, ainda está a aplicar o Regulamento de Dublin, visando assegurar que o pedido de protecção internacional seja apreciado por um só Estado-membro e, por outro lado, garantir a protecção, segurança e solidariedade a conceder ao respectivo requerente.
No caso em apreciação não temos qualquer indicação, no PA, que a Recorrida tenha sequer equacionado aplicar esta disposição do Regulamento, pelo que é de manter a decisão impugnada que considerou o pedido de Recorrente e seus filhos inadmissível e determinou a sua transferência para a Suíça.

Em face do que não pode proceder o presente recurso.

Nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 20 de Junho, o presente processo é gratuito, não havendo lugar a custas.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Administrativo Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15 de Julho de 2025.


(Lina Costa – relatora)

(Marta Cavaleira)

(Mara de Magalhães Silveira)