Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1883/21.6BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | CESE DO ANO DE 2020 INCONSTITUCIONALIDADE ARTIGO 2.º RJCESE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 13.º DA CRP |
| Sumário: | I-O artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, viola o artigo 13.º da CRP. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO
P…………..DE PORTUGAL P……………., S.A. (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial tendo por objeto o ato tributário de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) referente ao exercício de 2020, no valor de €358.341,33, e o correspondente ato tributário de liquidação de juros no valor de €375,90. A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A. Os Acórdãos do Tribunal Constitucional (TC), citados na Sentença recorrida, erram ao pressupor que a discussão em causa nos autos se encontra praticamente esgotada em controvérsias resolvidas desde o Acórdão n.° 7/2019, também do TC, e que assim é porque a questão da conformidade constitucional da CESE estaria fundamentalmente dependente de se saber se aquela constitui um verdadeiro imposto ou antes uma contribuição financeira. B. Com efeito, após aquele Acórdão n.° 7/2019, relativo à CESE em vigor em 2014 (o primeiro ano de vigência do tributo), este Tribunal foi construindo, reiterando e consolidando uma jurisprudência, relativa inicialmente aos anos de 2015 a 2017, da qual resulta que a justificação da CESE - mesmo admitindo que ela é uma contribuição financeira - se manteria apenas enquanto se mantivessem também as obrigações internacionais do Estado português ligadas à emergência do reequilíbrio das contas públicas, obrigações essas vertidas primeiro no Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) e depois no Procedimento por Défice Excessivo (PDE). Ora, como nem um nem outro estavam já em vigor em 2018, a consequência lógica e previsível daquela jurisprudência seria a de que a partir daquele ano a CESE teria perdido a sua razão de ser. C. O Acórdão n.° 101/2023 (com o qual os referidos Acórdãos estão em oposição declarada e frontal) - relativo a 2018 mas aplicável a todos os períodos posteriores -, tem por subjacente o conteúdo dessa jurisprudência. Em parte, é um corolário ou uma consequência lógica da mesma. Isto significa que os Acórdãos não foram proferidos em contradição apenas com o Acórdão n.° 101/2023: apesar de relativamente a este a contradição ser directa e completa, porque existe um contraste quanto à argumentação e ao sentido da decisão, essa contradição existe igualmente, na dimensão da argumentação, relativamente a todo o percurso jurisprudencial que desembocou naquele aresto. D. No entanto, além de dar importância ao facto de a partir de 2018 se terem deixado de se verificar as condições gerais de excecionalidade financeira que, segundo a jurisprudência anterior, justificavam a vigência extraordinária da CESE (designadamente a vigência do PAEF e do PDE), o Acórdão n.° 101/2023 acrescenta um outro elemento de análise fundamental: no que concerne ao contexto específico do sector energético que justificou a criação da CESE, o TC sublinha que, de novo a partir de 2018, também a trajetória de redução da dívida tarifária do SEN - o principal objetivo concreto da medida - significa que o tributo deixou de ter o mesmo sentido de urgência que tinha quando foi criado. E. Essa aceleração da redução da dívida tarifária resultou da decisão política de transferir em 2018 a receita necessária para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, entidade à qual cabe aplicar a receita da CESE aos fins legalmente previstos (segundo o Decreto- Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril) - isto na sequência de uma alteração ao seu regime produzida pelo Decreto-Lei n.° 109-A/2018, de 7 de Dezembro. Antes de tal intervenção legislativa, o Fundo estava obrigado a dirigir apenas um terço daquela receita para o objetivo de redução da dívida tarifária do SEN, enquanto dois terços da mesma seriam destinados a outras políticas gerais de sustentabilidade energética. Após a alteração legal, o Fundo passou a poder aplicar à redução da dívida tarifária dois terços da receita da CESE, podendo utilizar até um terço da mesma no financiamento de outras medidas. F. Daqui o Acórdão retira que a CESE é inconstitucional a partir de 2018 por referência às empresas que não integram o sector da produção de eletricidade. Isto é: dado que a receita da CESE passou a servir maioritariamente para financiar a redução da dívida tarifária do SEN, não faz sentido exigi-la às empresas que não são do sector eletroprodutor. G. Neste sentido, a alínea d) do artigo 2.° do regime da CESE vigente em 2020 é inconstitucional, por quebra do nexo causal entre os objectivos do tributo e os operadores que actuam no sector do gás natural, como a Recorrente. H. A Recorrente adere ao conteúdo do Acórdão n° 101/2023, que no seu entender deve prevalecer na ordem jurídica sobre a decisão aqui em crise, por constituir uma melhor subsunção da realidade da CESE de 2020 aos princípios constitucionais aplicáveis. I. De resto, assim é porque todos os demais pressupostos em que os Acórdãos assentam - e que no seu conjunto constituem uma tentativa de refutar a tese central do Acórdão n.° 101/2023 (a de que que o Decreto-Lei n.° 109-A/2018 produziu a mudança fundamental identificada pelo Acórdão n.° 101/2023) - são igualmente erróneos. J. Desde logo, os Acórdãos não têm razão quando diz que o Decreto-Lei n.° 109-A/2018, de 7 de Dezembro, não introduziu qualquer alteração à finalidade das receitas geradas pela CESE, mas apenas à finalidade de todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas. Não tem razão porque a CESE é a única receita do Fundo: não só é a única que se encontra realmente prevista (todas as demais receitas se encontram inscritas na lei enquanto meramente hipotéticas ou potenciais, em termos simplesmente programáticos) como não se conhecem que outras fontes geraram efectivamente receita para o Fundo. K. Saliente-se, ademais, que a criação do Fundo é contemporânea da criação da CESE. Ambos foram criados no mesmo ensejo legislativo (o tributo na Lei do Orçamento do Estado para 2014, para vigorar a partir do início do ano e ser cobrado até Outubro; o Fundo no Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril, a tempo de vir a gerir a receita da CESE). Ora, antes da existência deste Fundo, o Estado já assumia a responsabilidade de políticas no sentido da sustentabilidade do sector energético, sem que para tal tenha tido a necessidade de criar semelhante instrumento jurídico. Só o criou entã para lhe atribuir a gestão desta nova receita, a provinda da CESE. Por isso, analisar a CESE como se se tratasse de simplesmente mais uma receita do Fundo é um erro. Sem a CESE, o Fundo pura e simplesmente não existiria. L. Essa relação é evidente no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 55/2014, seja na identificação indubitável da relação causal entre a criação da CESE e a necessidade de criar o fundo, seja no facto de apenas se referir à receita daquele tributo. Mas importa referir também que, na parte normativa do Decreto-Lei, mais concretamente na alínea b) do artigo 2°, se estatui expressamente que é “mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético prevista no artigo 228° da Lei n. ° 83-C/2013, de 31 de Dezembro” que se deve garantir o objectivo “da redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN)”. No artigo 5°, concretiza-se depois, em pormenor, a forma como a “contribuição” deve ser aplicada àquele objectivo: segundo os n°s 1 e 2, o montante da CESE consignada à redução da dívida tarifária “é deduzido aos custos de interesse económico geral (CIEG) a repercutir em cada ano na tarifa de uso global do sistema aplicável aos clientes finais e comercializadores”. M. Perante a vontade legislativa traduzida quer no preâmbulo quer na parte dispositiva do Decreto- Lei, não se percebe como pode o TC pensar que, quando falamos do destino das receitas do Fundo, não é do destino das receitas da CESE que estamos realmente a falar. Mais: revela-se que é errada a afirmação dos Acórdãos segundo a qual “nunca o artigo 4. °, n. ° 2, do Decreto- Lei n. ° 55/2014, de 9 de abril, nem na sua redação originária, nem na introduzida pelo Decreto- Lei n.° 109-A/2018, de 7 de dezembro, alguma vez estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo para a Sustentabilidade do Setor Energético”. N. O TC diz a esse propósito que ‘a prioridade definida no sobredito preceito respeita às “verbas do FSSSE”, ou seja, a todas as disponibilidades financeiras integradas no património do Fundo, advenientes das cinco fontes de receita legalmente previstas (cfr. artigo 3.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.°55/2014, de 9 de abril, acrescidas dos excedentes transportados de exercícios anteriores - cfr. n. ° 2), não à coleta obtida de uma delas, fosse o caso da CESE. Todavia, o TC esquece o que resulta da alínea b) do artigo 2° e do artigo 5°: no que concerne às receitas do Fundo destinadas à redução da dívida tarifária do SEN, o legislador impôs que elas fossem especificamente as receitas da CESE. Em face disto, é também errada a afirmação dos Acórdãos de que o valor de receita anual da CESE é apenas um “parâmetro de limitação de certas categorias de despesa do Fundo, tendo em vista garantir o equilíbrio da sua orçamentação e da sua conta final”, ou um “valor de referência para o limite à despesa com políticas do setor energético”. O. De qualquer modo, sempre se diga que, mesmo que considerássemos como válida a interpretação dos Acórdãos, no sentido formalista e artificial de que a alteração legal de 2018 implicou uma mudança da chave de repartição das receitas do Fundo, e não da receita da CESE, não se compreende porque é que a conclusão quanto à inconstitucionalidade do tributo relativamente aos operadores que não são do sector eléctrico haveria de ser distinta da retirada pelo Acórdão n° 101/2023. É que, nessa hipótese, então pelo menos a título potencial ou nocional a receita da CESE teria passado de estar afecta em um terço à redução da dívida tarifária da electricidade para está-lo na proporção de dois terços. O que, em rigor, significaria o mesmo que a Recorrente aqui defende (à semelhança do Acórdão n° 101/2023) quanto à importância na análise da constitucionalidade da CESE da mudança no peso relativo da sua receita na prossecução dos objectivos do Fundo. P. Mas mais: independentemente do teor do Acórdão n.° 101/2023, convém ainda acrescentar que, posteriormente, o TC, numa outra secção (a 1a Secção), veio proferir o Acórdão n.° 338/2023, no qual se verteu o entendimento de que da alteração às finalidades das receitas da CESE, introduzida pelo Decreto-Lei n.° 109-A/2018, de 7 de Dezembro (no sentido de que elas passaram a ser dirigidas maioritariamente ao objectivo de redução da dívida tarifária da electricidade), não se pode retirar a conclusão do Acórdão n.° 101/2023 - de que, a partir de 2018, se verificou uma extinção ou diminuição do nexo causal entre a CESE e os sujeitos passivos que não actuam no sector da produção de electricidade, pela simples razão de que a alteração só entrou em vigor no final daquele ano, não tendo qualquer relevância por reporte ao mesmo. Apesar de a Recorrente discordar deste entendimento, por razões que nesta sede não importa desenvolver, o que aqui interessa é dizer que este Acórdão n.° 338/2023 concorda com o Acórdão n.° 101/2023 no que concerne aos períodos após 2018. Q. E convém ainda referir os Acórdãos n.° 196/2024, n.° 197/2024 e n.° 337/2024, todos do TC, relativos à CESE de 2020, que esclarecem, por um lado, que a jurisprudência inaugurada pelo Acórdão n.° 101/2023, da 3ª Secção e relativa a 2018, se aplica também daí em diante (ou pelo menos em todos os anos em que se mantenham as condições legislativas de 2018), R. e, por outro, atenta a atividade das empresas em causa nesses autos, que aquela jurisprudência do gás se aplica a todos os subsectores que não o subsector electroprodutor. S. Ou seja, neste momento existe jurisprudência do TC, subscrita por uma maioria de juízes (da 1ª e 3ª Secções), no sentido de que, pelo menos a partir de 2019 - incluindo ano aqui em causa, 2020 -, a CESE aplicável ao sector do gás natural é inconstitucional. T. Prosseguindo, é igualmente errado o que os Acórdãos dizem quanto ao facto de a CESE ter um nexo relevante com os operadores do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) por o regime legal do tributo prever a utilização da receita em fins específicos ligados à sustentabilidade daquele sistema, ou seja, por a receita contributiva obtida das empresas daquele sector, tendo por fonte o valor e excedentes de contratos de aprovisionamento em regime de “take-or-pay” estar alocada ao alívio dos encargos tarifários inerentes à utilização global do sistema (UGS) de gás natural pelos operadores das respetivas redes de transporte e de distribuição. U. Aqui, o Tribunal omite algo que é essencial e inviabiliza totalmente a conclusão retirada: é que a receita identificada não resulta do tributo em causa nestes autos, mas de um outro, em cuja base de incidência subjectiva o legislador nem sequer integrou os operadores das redes de transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural (os sujeitos passivos abrangidos pela alínea d) do artigo 2° do regime da CESE), como a Recorrente. Esse outro tributo especificamente dirigido ao alívio dos encargos tarifários inerentes à UGS de gás natural foi enxertado no regime da CESE após criação desta no artigo 228° da Lei n.° 83°-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014). V. O tributo em causa nos presentes autos é a CESE original ou propriamente dita, criada pela Lei do Orçamento do Estado (para simplificar, podemos chamá-la de “CESE I”). Por sua vez, o tributo que serve especificamente, e em exclusivo, para a atenuação dos encargos tarifários do SNGN (um tributo que tem características que o tornam decisivamente distinto daquele primeiro, até porque diz respeito a factos que nada têm a ver com aqueles em que assenta) - chamemos-lhe “CESE II” - foi criado pela Lei n° 33/2015, de 27 de Abril, para ser cobrada uma só vez, tendo depois sido estipulado um adicional, igualmente para ser cobrado apenas uma vez, pelo artigo 264° da Lei n° 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017). W. A CESE II foi dirigida ao (único) comercializador do SNGN titular de contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, previstos no artigo 39°-A do Decreto-Lei n° 140/2006, de 26 de Julho, celebrados em data anterior à entrada em vigor da Directiva n° 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho, e que fornece gás ao comercializador de último recurso grossista, no âmbito da actividade de compra e venda de gás natural para fornecimento aos comercializadores de último recurso retalhistas, aos centros electroprodutores com contrato de fornecimento outorgado em data anterior a 27 de Junho de 2006 e a outras entidades. A lei encontra-se construída em termos gerais e abstractos (refere-se, no plural, às entidades que integram o sistema energético nacional como comercializadores do SNGN); porém, esta regra de incidência abrangeu efectivamente apenas um sujeito passivo, (a G…… Gás ……….., S.A. que é a única entidade que cabe na incidência do tributo. X. Portanto, em conclusão: o objectivo a que os Acórdãos aludem - a redução dos custos de acesso à rede de gás natural, incorporados nas facturas de consumo final - não é prosseguido com a receita gerada pelo tributo aqui em causa, mas por um outro tributo distinto, que não incide sobre a Recorrente nem sobre os restantes operadores que se dedicam ao transporte, distribuição ou armazenamento de gás natural. Logicamente, esse objectivo não será inviabilizado pela declaração nos presentes autos da inconstitucionalidade da norma neles analisada (a alínea d) do artigo 2° do regime da CESE). Assim sendo, é totalmente desprovida de sentido a tese dos Acórdãos, de que entre a CESE e a Recorrente existe uma relação de bilateralidade típica das contribuições financeiras, com base no pressuposto de que a receita do tributo por ela suportada reverte também para o fim da redução dos encargos tarifários do SNGN. Y. Seja como for, independentemente dos argumentos dos Acórdãos referidos anteriormente, insiste-se ainda no aresto que os operadores do SNGN têm com o objectivo da dívida tarifária do SEN uma relação suficiente para que os consideremos integrados na “lógica grupai” da CESE. Isto na medida em que, resumidamente, como o gás tem um papel fundamental na produção de electricidade, as empresas do SNGN sofreriam um impacto grande com a redução da procura de electricidade que se verificaria caso o Estado não tivesse implementado as políticas de controlo dos preços ao consumidor que redundaram na criação da dívida tarifária e as que, financiadas pela CESE, posteriormente se dirigiram à redução dessa dívida. Também este pressuposto está errado. Z. Para se perceber porquê, convém lembrar o que é que na realidade essa “lógica grupal” das contribuições financeiras significa. O que ela significa é que, para cumprimento do princípio da equivalência (concretizador do princípio da Igualdade), este tipo de tributos tem de representar a contrapartida de prestações de que os respectivos sujeitos passivos são presumíveis causadores ou presumíveis beneficiários. AA. Quanto à primeira das relações aludidas - a relação de presumível causalidade existente entre uma contribuição e os seus sujeitos passivos -, ela deve ser uma relação de causalidade especial entre a actividade pública que é preciso financiar e a actividade do universo de agentes económicos que lhe dá origem. E, quando se diz que a causalidade tem de ser especial, quer-se dizer que a necessidade de intervenção regulatória dos poderes públicos tem de decorrer directamente da natureza da actividade dos particulares ou da natureza das opções estratégicas destes. BB. Portanto, se por referência devemos ter a actividade dos particulares, enquanto factor que gera a situação de desequilíbrio ou o risco de sustentabilidade que determinam a intervenção pública, então a lógica das contribuições pressupõe que os universos de sujeitos passivos considerados sejam grupos económicos bem delimitados. Isto é, necessita-se que o universo de sujeitos passivos de uma determinada contribuição se limite àqueles que, em virtude da natureza da sua actividade ou das suas opções estratégicas, forçaram directamente a intervenção das entidades públicas. Dito de modo reflexo: não tem lógica exigir a determinados operadores o pagamento desse tributo se ele servir para colmatar uma falha de mercado para a qual aqueles não contribuíram directamente. CC. Pois bem: a dívida tarifária, cuja atenuação o legislador identifica como objectivo da CESE, define-se, latu sensu, como a diferença entre o custo real da geração de energia eléctrica, do seu transporte, distribuição e comercialização, e os custos recuperados pelas tarifas aplicadas em razão do consumo da mesma. É verdade que, como se diz nos Acórdãos, ela “é produto directo da forma como foi liberalizado o mercado de energia”. No entanto, não é um produto das opções dos sujeitos passivos da CESE. A dívida tarifária é o resultado de opções políticas exclusivas do Estado tomadas no âmbito dessa liberalização do mercado da energia (da energia eléctrica, bem entendido), conjugadas depois com opções políticas e legislativas no sentido de impedir a formação livre dos preços da actividade do sector eléctrico e a total repercussão de custos, também estes fixados por decisão administrativa. DD. Quer isto dizer que o que deu lugar ao problema em causa não foi a qualquer aspecto concreto da actividade dos operadores privados - qualquer aspecto intrínseco ou decorrente de decisões tomadas em regime de liberdade estratégica. Mais: se assim é quando estamos a falar dos próprios operadores do sector electroprodutor, por maioria de razão o é com ainda mais intensidade quando falamos dos operadores do sector do gás natural ou de outro qualquer sector, que não da electricidade: a dívida tarifária não resultou de quaisquer opções político-legislativas dirigidas a esses sectores. Estes não podem ser considerados, pois, efectivos ou presumíveis causadores, directos ou especiais, do problema da dívida tarifária (a dívida tarifária não é um fenómeno comum a todo o sector económico da energia, sendo antes o produto da forma como ao longo dos anos foi sendo estruturado - apenas - o subsector da produção de electricidade). EE. De resto, que sentido faz a afirmação dos Acórdãos, segundo a qual a dívida tarifária é “filha da privatização e da oportunidade de negócio capturada pelas empresas que atuam no setor energético e é daí que resulta a necessidade de regulação pública”? Estamos a falar da privatização ocorrida no sector eléctrico. Portanto, mesmo aceitando para benefício da discussão que nesse processo houve uma “oportunidade de negócio capturada” por algumas empresas, não é verdade o que o TC escreve logo a seguir - que essa oportunidade foi “capturada pelas empresas que atuam no setor energético”, em geral. Como é óbvio, as empresas do sector do gás natural não “capturaram” negócio algum na privatização do sector da electricidade. FF. No que concerne, agora à segunda relação que também pode legitimar a criação de contribuições - a relação de presumível benefício -, ela implica que haja uma relação de benefício também especial entre os sujeitos passivos e a intervenção pública, no sentido em que os primeiros são beneficiados directamente pela segunda. Daí, de novo, a indispensabilidade de um grupo de sujeitos passivos limitado ao sector a que as entidades públicas pretendem dar mais sustentabilidade ou equilíbrio, e em cujas regras mexem directamente. Não é possível integrar no âmbito de sujeição de uma contribuição operadores económicos que retirem apenas um benefício reflexo da actividade financiada pelo tributo. Nesse caso, estaremos a falar de operadores de sectores em cujas regras a actividade pública financiada pela contribuição não toca. GG. Remetendo para o caso vertente, é óbvio que as políticas públicas orientadas para o controlo dos preços da electricidade - quer as que originaram o diferimento dos custos através da constituição da dívida tarifária quer as que depois serviram para reduzir essa dívida - beneficiam em geral toda a economia. Os Acórdãos até referem, no lote dos beneficiários, a “indústria” e o “público consumidor”. É inevitável que assim seja, porque é da razão de ser da electricidade (uma fonte de energia de importância central) que as vicissitudes do seu custo constituam reflexamente vicissitudes nos custos de produção de todos os sectores económicos - e que se repercutam em todo o “público consumidor”. Vemo-lo perfeitamente na actualidade: a crise inflacionista a que assistimos, traduzida no aumento de preços generalizado em todos os sectores, deriva em boa parte do aumento dos custos de produção das fontes de energia. Porém, significa isso que seria legítimo criar uma contribuição financeira, aplicável a toda a economia, para combater os custos da inflação? Certamente que não. Esse tributo seria ou uma contribuição inconstitucional, por violação do princípio da equivalência, ou então um puro imposto extraordinário. HH. Por outro lado, conforme referem os Acórdãos, os custos da electricidade também têm influência no universo dos fornecedores das empresas electroprodutores, sejam elas fornecedoras de gás ou de qualquer outro bem, porque, se o aumento do preço da energia eléctrica tem o efeito previsível de reduzir a sua procura, terá igualmente o efeito reflexo de reduzir a necessidade de aquisição de matérias-primas e outros factores de produção. Só que, de novo, se estamos perante uma contribuição financeira, que serve para financiar uma actividade estadual regulatória dirigida a (e provocada por características próprias de) um determinado sector económico, não faz sentido incluir no escopo do tributo o universo de fornecedores das empresas que o constituem (empresas fora do sector), ou parte dele, com o argumento de que, “em potência”, os bens ou serviços que estas últimas empresas fornecem se acabarão por transformar no bem que o sector intervencionado produz. II. O TC presume, pois, que, em todo o longo processo de intervenção estadual que aqui temos em conta - o que começou com a liberalização do sector eléctrico, prosseguiu com as políticas de controlo de custos na factura dos consumidores finais, com a criação da dívida tarifária e da CESE -, o legislador teve em mente uma interligação ou uma relação de solidariedade natural entre os operadores do SEN e do SNGN. Sucede que, para além de essa relação não poder legitimar a CESE fora do campo das empresas do sector eléctrico (pelo menos, a partir de 2018), nos termos do exposto, a verdade é que essa hipotética relação nunca esteve na mente do legislador. JJ. Ela não esteve na mente do legislador, desde logo, quando o sector eléctrico e o sector do gás natural tiveram processos de liberalização completamente autónomos e com regras completamente distintas. Por exemplo, a renegociação dos contratos em que assenta a actividade das concessionárias do subsector do gás não desembocou no pagamento às mesmas de quaisquer compensações: pelo contrário, o equilíbrio económico dos contratos de concessão do subsector do mercado do gás natural foi obtido através da solução de alargamento do prazo das concessões e da reavaliação dos activos afectos à prossecução das actividades concessionadas. KK. Além disso, que o legislador não teve em mente qualquer relação de solidariedade natural e inevitável entre o SEN e o SNGN resulta óbvio, igualmente, do facto de que, como vimos acima, quando se tratou de criar um tributo para financiar uma intervenção regulatória em ordem à sustentabilidade do SNGN, o legislador criou uma CESE específica (a CESEII) cobrada apenas ao sector do gás natural. Seguindo a lógica dos Acórdãos, o legislador poderia ter decidido cobrar também a CESE II ao sector da electricidade, usando por exemplo o argumento de que, face à percentagem que o gás representa no cômputo das matérias-primas da produção de electricidade, então a sustentabilidade do sector eléctrico depende da sustentabilidade do sector do gás natural. Não fez, claro, precisamente porque às contribuições financeiras tem de subjazer uma relação de causalidade especial e benefício directo, que não se compadece com considerações de causalidade ou benefício reflexos ou indirectos, acerca da situação de sujeitos fora do perímetro do sector económico intervencionado com a receita de uma determinada contribuição. LL. Após a discussão anterior, que parte de pressupostos relacionados com a incidência subjectiva da CESE, os Acórdãos acrescentam por fim que o facto de a base de incidência objectiva da CESE ser o valor global dos activos das empresas abrangidas não implica também a quebra de nexo entre a medida e os sujeitos passivos, uma vez que aquele valor representa a dimensão das empresas e, quanto maior essa dimensão, maior é o seu impacto potencial na sustentabilidade do sector energético, cuja garantia é função da CESE. Nestes termos, conclui o Acórdão, também por esta via se cumpre a regra da equivalência ou bilateralidade subjacente às contribuições financeiras. MM. Esta tese dos Acórdãos não podem prevalecer. Além de, em geral, um critério ad valorem como este ser próprio dos impostos (ele serve para captar a capacidade contributiva e implica, consequentemente, uma dupla tributação dos lucros - directamente, por via do IRC, e presuntivamente, por via da tributação do valor dos activos), o mais importante, na lógica da presente discussão é lembrar que o valor do activos das empresas do sector energético não é directamente proporcional ao impacto potencial que elas representam na sustenatibilidade do mesmo. Daí que o valor do activo não seja um critério adequado, quando apreciado à luz dos objectivos da própria CESE. Ou seja, é contraditório com a própria teleologia da medida. NN. Repare-se, com efeito, antes de mais, que a CESE abrange de modo igual actividades com impacto e risco totalmente distintos, em sectores diversos (petróleos, electricidade, gás, armazenagem, transporte, refinação, etc.). Uma determinada actividade pode significar um risco ou um impacto muito maior ou muito menor do que o que é representado pelo valor dos activos de uma qualquer empresa que a prossiga. Termos em que o risco ou impacto não é de todo medido pelo valor dos activos. OO. Depois, em regra, os activos de maior valor são aqueles que apresentam menor risco e impacto na sustentabilidade do sector energético: se determinados activos das empresas energéticas têm um valor elevado, por comparação com outros, pode perfeitamente ser porque são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, caso em que o seu valor está contabilisticamente menos amortizado ou depreciado. Ora, se são tecnologicamente mais avançados e/ou mais recentes, então são mais eficientes e menos poluentes. Isto é, são mais valiosos porque são mais sustentáveis. Isto é, podemos dizer que, em boa medida, o valor dos activos é inversamente proporcional ao seu impacto na sustentabilidade ambiental e energética. PP. Como conclusão de tudo o que vem dito, deve a sentença recorrida ser anulada, prevalecendo neste Tribunal a posição segundo a qual a alínea d) do artigo 2.° do regime jurídico da CESE, vigente em 2020 através da Lei do Orçamento do Estado para 2020, é inconstitucional, em face pelo menos da aprovação do Decreto-Lei n.° 109-A/2018, o qual significou que, de 2018 em diante, a CESE deixou de constituir um tributo ao qual subjaz uma relação de bilateralidade constitucionalmente aceitável entre a receita gerada e os sujeitos passivos do subsector do gás natural. QQ. Por fim, entende a Recorrente que caberá, nesta sede, invocar a ilegalidade do acto de (auto)liquidação por violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CESE não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CESE aqui em causa - 2020 -, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CESE até à presente data - 2014 a 2023, como se demonstrará. RR. Vício que, entende a Recorrente, é cominado com nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.° do CPA, como se demonstrará. SS. Ora, a nulidade é, nos termos do disposto no número 2 do artigo 162.° do CPA e no número 1 do artigo 58.° do CPTA, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e é suscetível de ser, oficiosamente, conhecida e declarada, termos em que é forçoso concluir pela inexistência de óbice à sua invocação no âmbito do presente Recurso. TT. Sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser susceptíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CESE, cf. o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “(...) até transitar em julgado a decisão fmal do processo em que se discute a validade do ato, a situação jurídica gerada com a sua prática está instável, pelo que não se podem gerar expectativas dignas de tutela jurídica relativas à validade do ato impugnado e sua manutenção. Por isso, uma vez impugnado o ato, a preclusão do direito de arguir novos vícios não se impõe por razões de segurança jurídica, mas essencialmente por razões de disciplina e economia processuais, para que o processo tenha a tramitação normal prevista na lei, presumivelmente a mais adequada para apreciação dos direitos em litígio. Nestas condições, não havendo prejuízo para a segurança jurídica, é aceitável que se admita a discussão das questões de constitucionalidade durante o processo, mesmo oficiosamente, atenta a relevância jurídica das normas constitucionais(cf. Lopes de Sousa, Jorge - Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado - Vol. III, 6a edição, Áreas Editora, 2011, pp. 445 e 446, nota 4 - sublinhado do Recorrente). UU. A possibilidade de invocação, em sede de Recurso, de questões de inconstitucionalidade foi, com efeito, reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo: “I - Em recurso interposto para o STA de decisão proferida pela 1a instância pode ser alegada a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos essenciais do tributo, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de dezembro de 2000, proferido no processo n.° 024319, disponível em www.dgsi.pt). VV. Assim, entende a Recorrente estar em tempo para invocar a nulidade de que padece a autoliquidação de CESE sub judice, por violação de lei e de normas constitucionais, nos termos em que, de seguida, se expõe. WW. O princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.° da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n° 91/2001, de 20 de agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.° a 17.° da LEO, aprovada pela Lei n.° 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição da “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, conforme se dispõe no artigo 105.°, n.° 1, alínea a), da CRP. XX. Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação (a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação). YY. O fundamento da regra da especificação orçamental reside nos requisitos de clareza e maior verdade e, bem assim, numa perspetiva de racionalidade financeira e controlo político (cf. Sousa Franco, A. L.- Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353). ZZ. Esta regra orçamental da especificação integra duas proibições: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento. AAA. Ora, poder-se-á concluir, como faz Maria d’ Oliveira Martins, que a regra orçamental da especificação serve o princípio da publicidade do Orçamento, que “implica a obrigação de tornar públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e a sua execução.” (cf. p. 32 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria DOliveira Martins, Anexo n.° 2). BBB. Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO (esta última, tanto na versão de 2001, como na versão de 2015), preveem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional. CCC. Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, recorde-se, estabelece o artigo 8.° da LEO de 2001 que “As receitas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica” (cf. também artigo 17.° da LEO de 2015). DDD. Sucede, porém, que a CESE - tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza - não se encontra devidamente orçamentada de acordo com a regra da especificação orçamental. EEE. Embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista na Lei do Orçamento do Estado - neste caso, por referência ao ano de 2020 -, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto na CRP e na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, suficiente a inscrição global das receitas do FSSSE no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado até 2020 e, em 2021, 2022 e 2023, da receita da presumivelmente apenas dentro da categoria de “impostos diretos diversos” do Mapa 5. FFF. Com feito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2020, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê-se, tão-só, a arrecadação pelo FSSSE do montante global de € 133.140.000 (cento e trinta e três milhões e cento e quarenta mil euros). GGG. Se é certo que, do artigo 3.°, n.° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de Abril, resulta que constitui receita do FSSSE, designadamente, o produto da CESE, assim como outras receitas provenientes de aplicações financeiras, de doações, heranças, entre outras, no aludido Mapa V, as receitas do FSSSE não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se especifica quais os montantes, a título de CESE, que, afinal, se autoriza que sejam cobradas durante o ano e consignados ao FSSSE, em clara violação da CRP (artigo 105.°, n° 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,° da LEO de 2001 e 17.° da LEO de 2015). HHH. De onde se conclui que não está, por isso, discriminado de que é constituído o valor inscrito no Mapa V, de € 133.140.000 (cento e trinta e três milhões e cento e quarenta mil euros), e desse valor, assumindo que ali está incluída a CESE, qual o que lhe corresponde. III. Ora, só com o cumprimento efetivo das necessidades de individualização decorrentes do princípio da especificação, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido pela CRP e pela LEO, razão pela qual existe este princípio. JJJ. É apodítico afirmar que estamos perante uma contribuição que deve ser considerada um tributo distinto dos impostos e taxas, e que, pelas suas características não pode deixar de estar sujeita a uma autorização política parlamentar, para a sua cobrança anual, bem como, sem uma desagregação das receitas correspondentes aos diferentes tipos de tributos, que visam objetivos fiscais e extrafiscais distintos, não é possível alcançar o cumprimento da autonomização, desagregação e especificação orçamental que deveria, e, nessa medida, a criação e manutenção da CESE viola os princípios basilares constitucionais. KKK. Conforme se referiu supra, no caso particular do ano de 2014, apenas se consegue apreender que a CESE se encontra englobada na categoria das “outras receitas correntes” do Mapa I através do Relatório do Tribunal de Contas que ordena que a receita da CESE passe a integrar a categoria de “outros impostos diretos” (v.g. Relatório n.° 3/2015 do Tribunal de Contas, p. 26). LLL. De todo o acabado de expor resulta o seguinte: i) no Orçamento do Estado para 2014 não é possível encontrar a receita da CESE no meio das demais receitas tributárias; ii) não é, de todo, possível apurar o montante da receita que se previa arrecadar com a CESE; iii) não foi cumprido o desiderato para o qual foi criada a CESE, isto é, a sua transferência, ainda que parcial, para o FSSSE. MMM. Com efeito, no Orçamento do Estado para 2014, e até 2023, o legislador volta a violar a regra orçamental da especificação orçamental porquanto, ao englobar a CESE numa categoria residual como é o caso das “outras receitas correntes” (em 2014) e “impostos diretos diversos” (nos anos seguintes e até 2023), está a promover aglomerados de receita, precisamente o que a aludida regra orçamental visa proibir. NNN. De todo o acabado de expor resulta que, embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista na Lei do Orçamento do Estado - neste caso, por referência ao ano de 2020 - , a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto na CRP e na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, suficiente a inscrição global das receitas do FSSSE no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado até 2020 e, em 2021, 2022 e 2023, da receita da presumivelmente apenas dentro da categoria de “impostos diretos diversos” do Mapa 5. OOO. Ainda quanto à forma de inscrição orçamental da CESE nos mapas das leis de orçamento de Estado de 2014 a 2023, integradas numa categoria genérica, a de “outras receitas correntes” (em 2014) ou de “impostos diretos diversos” (de 2015 a 2023), desrespeita as exigências de desagregação de receitas decorrentes do princípio da especificação que constitui uma violação do artigo 105.°, n.° 1, alínea a) da CRP, do artigo 8.°, n.° 1 da LEO 2001 e do artigo 17.°, n.° 2 da LEO 2015. PPP. Nesta medida, é forçoso concluir que a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição - e à sua não autorização - no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado. QQQ. A este respeito, Casalta Nabais vai ainda mais longe, entendendo que “(...) o cumprimento do princípio da especificação obriga não só ao cumprimento das exigências constitucionais, mas também das exigências legais e destas decorre não apenas a necessidade da sua previsão no Orçamento do Estado, mas também a sua correcta especificação. Assim, as receitas da CESE teriam que constar dos Mapas I, ou seja, conjuntamente com as receitas dos serviços integrados, por classificação económica. Mas a verdade é que, apesar de uma análise muito cuidada não encontramos a sua menção na classificação respectiva, isto é, como receita corrente” (cfr. pág. 9 do Parecer do Professor Doutor José Casalta Nabais, Anexo n.° 1 - sublinhado da Recorrente. RRR. Por outro lado, esta deficiente inscrição orçamental das receitas da CESE atenta, não apenas contra o princípio da legalidade, por violação da regra orçamental da especificação das receitas, mas gera, também, o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente os princípios da transparência, da unidade e da universalidade. SSS. Quanto à forma de inscrição orçamental da CESE em conformidade com o princípio da especificação, Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha, reiteram que “(...) nenhuma dessas leis contém uma autonomização da receita correspondente a esta contribuição. (...) De facto, já vimos que estamos perante um tributo distinto dos impostos e taxas e que, pela sua natureza, importância e especificidade do facto justificativo não pode deixar de estar sujeito a uma autorização política autónoma para a sua cobrança anual, que a submeta ao crivo de um debate político-institucional público e plural. (...) Por outro lado, a não autonomização das contribuições financeiras relativamente às demais receitas correntes (desagregando-as dos impostos e taxas) impede igualmente que o orçamento cumpra eficazmente a sua função económica. Com efeito, tendo a CESE sido criada e mantida não com uma finalidade genérica de angariação de receitas, mas com objetivos específicos que incluem a prossecução de finalidades extrafiscais - tendo em conta as atribuições do Fundo ao qual tais receitas estão consignadas no que respeita ao reforço da sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional - a Assembleia da República deve estar em condições de, através do processo democrático de determinação das opções financeiras do Estado - que é aprovação do Orçamento do Estado -, analisar a influência da cobrança deste tributo sobre a prossecução desses objetivos de politica económica. Ora, o desempenho desta tarefa não é evidentemente possível se não houver uma desagregação dos diferentes tributos, surgindo as receitas das contribuições financeiras integradas numa categoria residual dos impostos. Tal desagregação é, pois, também necessária ao exercício da função económica que vimos ser assegurada pelo orçamento de Estado. Finalmente, a não autonomização das receitas das contribuições financeiras impede que o orçamento de Estado desempenhe adequadamente a sua função jurídica. Como se disse, é o orçamento de Estado que fixa a competência material específica dos órgãos e agentes do Estado no domínio da arrecadação de receitas, limitando a sua atuação no plano administrativo na medida em que estes só podem anualmente cobrar as receitas que tipicamente nele estejam previstas" (cfr. Anexo n.° 4, p. 32 a 34 do Parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha) - sublinhado e realce da Recorrente. TTT. Acresce, ainda, referir que o facto de o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 7/2019, de 8 de janeiro, ter (pese embora sem força obrigatória geral) qualificado a CESE como uma “contribuição financeira”, e não como uma taxa ou imposto, também não poderá justificar o aligeiramento da especificação orçamental quanto a estas receitas. UUU. Em primeiro lugar, porque quer a CRP, quer a LEO referem-se a receitas, sem especificar a sua origem. VVV. Depois, porque as contribuições financeiras possuem características semelhantes aos impostos, tendo assim sido vistas, quer pelo Tribunal de Contas, que a qualificou, em 2015, na categoria dos “impostos diretos”, quer pelo Estado, que anulou a sua propriedade comutativa (determinante para o Tribunal Constitucional a ter qualificado como contribuição financeira) ao não transferir, em 2014 e em 2015, o produto da receita da CESE para o FSSSE, tendo, assim, servido finalidades públicas gerais. WWW. Por tudo, verifica-se a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2014 a 2023, foi efetuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE. XXX. Razão pela qual, a omissão da referência à CESE nos Orçamentos do Estado para 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023 corresponde a uma manifesta violação da regra orçamental prevista no artigo 8.° da LEO de 2001 (aplicável aos Orçamentos de Estado de 2014 e 2015) e do artigo 17.° da LEO de 2015 (aplicável aos Orçamentos de 2016 a 2023) e, bem assim, à violação do Decreto-Lei n° 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.° da CRP. YYY. Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise os outros referidos princípios e regras orçamentais, em especial, aqueles que mais se relacionam com esta, como são os da proibição de compensação e da compensação. ZZZ. A CESE viola, também, o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade, decorrente do facto de o legislador manter a contribuição financeira sem minimamente explicitar as razões que, nesse contexto de redução da dívida tarifária, continuam a tornar imprescindível a CESE, com os efeitos manifestamente ablativos para a esfera jurídica patrimonial das empresas daí decorrentes. AAAA. Com efeito, é certo que o objetivo do legislador, quando fixou a CESE, não era o de supressão integral do défice tarifário, mas o da sua “redução”; e também é inequívoco que tem existido uma progressiva e acentuada redução desse défice, que, segundo os dados da ERSE, atingiu em 2023 um valor (800 milhões) que representa apenas 1/5 do existente em 2015 (5080 milhões). BBBB. Ora, neste contexto, não parece ser aceitável que a medida em causa seja sucessivamente reiterada sem que se procure minimamente justificar em que medida continua a ser necessária para alcançar aquele objetivo específico de redução do défice tarifário (ou, dito de outra forma, em que medida a ampla redução da dívida tarifária alcançada não corresponde já aos objetivos de política pública inicialmente prosseguidos). CCCC. Esta violação é agravada ainda, pelo facto de tal medida continua a ser qualificada como extraordinária, e, desse modo, mantém associada uma condição de “extraordinariedade”, cujo maior ou menor cumprimento deveria ser possível aos seus destinatários aferir ao longo da vigência do tributo. DDDD. Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha rematam este argumento referente à ausência de justificação da manutenção da CESE, referindo que “[o]ra, neste contexto, em que é inquestionável e unanimemente reconhecido que a dívida tarifária tem vindo a decrescer de forma continuada, atingindo hoje um valor que constitui menos de 1/5 daquele que tinha quanto a CESE foi criada, não se poderá deixar de entender que o legislador está sujeito a uma especial dever de justificar em que medida essa substancial redução já alcançada não constitui uma alteração da "conjuntura" que fundamentou a criação da medida; ou, noutra perspetiva, de apresentar as razões que expliquem que, mesmo neste contexto, seja imprescindível uma medida que visava “contribuir" para a redução da dívida tarifária e foi qualificada como "extraordinária".” (cfr. Anexo n.° 4, p. 50 do Parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha) - sublinhado e realce da Recorrente. EEEE. Nessa medida, a não demonstração do nexo existente entre a restrição/limitação de direitos fundamentais (neste caso, o direito à igualdade tributária e o direito de propriedade), e a prossecução de certo interesse juridicamente relevante, é ainda mais censurável, configura, indubitavelmente, a violação do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade. FFFF. Noutra perspetiva, podemos enquadrar a incidência da CESE como violadora do princípio da igualdade tributária (cfr. artigo 13.° da CRP), visto que, esta reflete uma diferenciação de tratamento ao ser exigida de um grupo específico e diferenciável de empresas e não a todos os contribuintes. GGGG. Conclui-se, assim, que, no que concerne à violação do princípio da igualdade tributária,“inexiste, pois, uma equivalência que possa materialmente justificar, à luz do princípio da igualdade tributária, a tributação dessas empresas através da CESE, pelo que a exigência deste tributo a tais entidades é inconstitucional por violação daquele princípio.” (cfr. Anexo n° 4, p. 57 do Parecer dos Professores Doutores Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha) - sublinhado e realce da Recorrente. HHHH. Acresce que, como acima já se deixou referido, a violação do princípio da especificação conduz à nulidade dos “créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)”, conforme preveem o artigo 8.° n.° 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista. IIII. Ora, como bem refere Maria d’ Oliveira Martins, “implicando as inconstitucionalidades e as ilegalidades detetadas na sua orçamentação a invalidade e a total improdutividade (nulidade absoluta) dos créditos orçamentais relativos à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, isso não pode deixar de ter como consequência que os atos de liquidação e cobrança fiquem sem base legal de apoio, por não haver previsão orçamental das mesmas. Sem previsão orçamental, a Autoridade Tributária deixa de ter autorização para cobrança desta receita.” (cf. p. 77 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D’Oliveira Martins, Anexo n.° 2). JJJJ. Por este motivo, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO. KKKK. Importa, ainda, chamar à colação o teor do recentíssimo Acórdão n.° 411/2022, do Tribunal Constitucional (TC), no qual este Tribunal se dedica à análise da eventual violação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, pelo disposto no artigo 11.°, n.° 1, do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), no qual, salvo melhor opinião, ao mesmo tempo que se defende que a violação do princípio da discriminação da regra da especificação não poderá ter consequências - nem sequer reflexas - ao nível normativo, se defende que tal violação deverá, porém, inquinar o próprio ato de liquidação do crédito, na medida em que os créditos que lhes subjazem são inválidos. LLLL. Do que antecede decorre que o TC relega a palavra final para os tribunais tributários, uma vez que, de acordo com o Acórdão em escrutínio, o vício decorrente da violação arguida adere ao ato de liquidação e não à norma que prevê a consignação do tributo, i.e., o 11.°, n° 1, do RCESE (norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela ali Recorrente). MMMM. No que respeita ao impacto da inconstitucionalidade as autoliquidações de CESE realizadas, considerando que estas correspondem “a meras declarações de facto, sem relevância jurídica”, e que, consequentemente, os atos de cobrança, enquanto atos de execução das autoliquidações, também correspondem a meras condutas de facto não enquadradas juridicamente, porquanto um dos traços caracterizadores da inexistência de ato administrativo é o de “as condutas executivas da Administração serem necessariamente vias de facto”, e nesse caso, deverão ser considerados os atos de autoliquidação inexistentes, nos termos do artigo 155.°, n.° 2 do CPA. NNNN. Mas se não se considerar a intervenção da inexistência dos actos de (auto)liquidação e de cobrança, sempre se deverá considerar a invalidade por nulidade dos actos de (auto)liquidação e de cobrança, nos termos do artigo 161.°, n° 2, alínea j) e/ou k) do CPA, e os atos de autoliquidação praticados antes da entrada em vigor deste diploma, portanto, praticados em 2014, devem considerar-se inexistentes ou, subsidiariamente, nulos, ao abrigo do n° 1 e al. d) do n° 2 do artigo 133.° do CPA de 1991. OOOO. Concluindo, suscita-se, expressamente e desde já, e nos termos que antecedem, a (in)constitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013;(ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2020, o regime jurídico da CESE, i.e. da norma contida no artigo 376.° da Lei n.° 2/2020, de 31 de março; (iii) da norma que se retira do artigo 1.° do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 3.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 6.° do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vii) a norma que se retira do artigo 11.° do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (viii) da norma que se retira do artigo 12.° do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE, no sentido de que são devidos pelo contribuinte e não são nulos créditos tributários da CESE respeitantes ao ano de 2020, quando inexista especificação (ou exista insuficiente especificação) no Mapa V da Lei n.° 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020) da receita que o Estado previu arrecadar para o FSSSE, por a CESE não ser a única fonte de receita do aludido Fundo. PPPP. Em consequência, deverão os atos de (auto)liquidação de CESE ser considerados inexistentes, nos termos do artigo 155.°, n.° 2 do CPA. Caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar a invalidade por nulidade dos actos de (auto)liquidação e de cobrança, nos termos do artigo 161.°, n.° 2, alínea j) e/ou k) do CPA. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, REQUER-SE A V. EXAS. QUE JULGUEM TOTALMENTE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E A SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DECLARE A INEXISTÊNCIA, OU, SUBSIDIARIAMENTE, A NULIDADE, OU, AINDA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, A ANULAÇÃO DOS ACTOS IMPUGNADOS. MAIS SE REQUER A V. EXAS., NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 651.°, N.° 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), SE DIGNEM ADMITIR A JUNÇÃO AOS PRESENTES AUTOS DE RECURSO DOS PARECERES DA AUTORIA DO PROFESSOR JOSÉ CASALTA NABAIS, DA PROFESSORA MARIA DOLIVEIRA MARTINS, DO PROFESSOR TIAGO DUARTE E DOS PROFESSORES SÉRVULO CORREIA, RUI MEDEIROS, FILIPA URBANO CALVÃO E ANTÓNIO CADILHA, IDENTIFICADOS COMO ANEXOS.” *** A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A. A impugnante é uma sociedade comercial anónima com sede em território nacional, que integra o sector energético nacional, e exerce a atividade no âmbito da comercialização grossista de petróleo bruto e de produtos de petróleo, sendo considerada, para efeitos fiscais, “Contribuinte de elevada relevância económica e fiscal” (facto não controvertido); B. Em 19/10/2020, a Impugnante procedeu, através da entrega do formulário Modelo 27, à autoliquidação da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” (CESE) – n.º …………………119, referente ao ano de 2020, na qual declarou e apurou: Total de ativos: €42.157.803,02 Taxa de Contribuição: 0,850% CESE: €358.341,33 (cfr. Documento n.º 1 da reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); C. Em 19/10/2020, foi emitida a liquidação de juros de mora com o n.º ………….075, no valor de €375,90 (cfr. Documento n.º 2 da reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); D. Não tendo sido efetuado o pagamento dentro do prazo de pagamento voluntário, foram instaurados processos de execução fiscal com os n.ºs …………….702 e ……………167, com vista à cobrança coerciva do valor em dívida (cfr. Documento a fls. 2 do PAT e Documentos a fls. 164 a 169 do processo de reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); E. Em 30/12/2020 e 21/01/2021, a Impugnante prestou garantias no âmbito dos processos de execução fiscal a que se refere a alínea antecedente (cfr. Documento a fls. 2 do PAT e Documentos a fls. 164 a 169 do processo de reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); F. Em 18/03/2021, a Impugnante apresentou reclamação graciosa do ato de autoliquidação da CESE mencionado na antecedente alínea B., tendo a mesma sido autuada sob o n.º ……………….745 (cfr. Documentos a fls. 1 a 158 do processo de reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); G. A reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes, por subdelegação de competências, proferido em 21/06/2021 Página 5 de 30 TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA Juízo Tributário Comum (cfr. Documento a fls. 183 a 185 do processo de reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); H. O despacho mencionado e a informação que lhe estava subjacente foram remetidos à Impugnante através do ofício da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, com o n.º 310-DJT/2021, de 21/06/2021 (cfr. Documentos a fls. 186 e 187 do processo de reclamação graciosa constante do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). *** A decisão recorrida considerou como factualidade não provada o seguinte: “Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.” *** Em sede de motivação da matéria de facto consignou o seguinte: “A decisão sobre a matéria de facto teve por base toda a prova produzida nos autos, designadamente os documentos juntos aos autos pelas partes e constantes do PAT e não impugnados, bem como a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, como melhor exposto nos vários pontos do probatório.” *** Com as suas alegações, a Recorrente juntou quatro pareceres. Nos termos do artigo 651.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, admite-se a sua junção. *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário de autoliquidação da CESE, e respetivos Juros referentes ao ano de 2020. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso a questão fundamental a que importa dar resposta é a de saber se as normas do regime da CESE em particular os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 6.º, 11.º e 12.º, na versão e período de vigência conferidos pelo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020), que prorrogou a CESE para 2020, padecem de inconstitucionalidade. Advoga a Recorrente que a partir de 2018 deixaram de verificar-se as condições gerais de excecionalidade financeira que, segundo a jurisprudência anterior, justificavam a vigência extraordinária da CESE (designadamente a vigência do PAEF e do PDE), sendo que o Acórdão n.° 101/2023 acrescenta um outro elemento de análise fundamental: no que concerne ao contexto específico do sector energético que justificou a criação da CESE, o TC sublinha que, de novo a partir de 2018, também a trajetória de redução da dívida tarifária do SEN - o principal objetivo concreto da medida - significa que o tributo deixou de ter o mesmo sentido de urgência que tinha quando foi criado. Logo, a CESE é inconstitucional a partir de 2018 por referência às empresas que não integram o sector da produção de eletricidade, isto é, dado que a receita da CESE passou a servir maioritariamente para financiar a redução da dívida tarifária do SEN, não faz sentido exigi-la às empresas que não são do sector electroprodutor. Daí que, se convoquem os Acórdãos n.° 196/2024, n.° 197/2024 e n.° 337/2024, todos do TC, relativos à CESE de 2020, que esclarecem, por um lado, que a jurisprudência inaugurada pelo Acórdão n.° 101/2023, da 3ª Secção e relativa a 2018, se aplica também daí em diante (ou pelo menos em todos os anos em que se mantenham as condições legislativas de 2018), e, por outro lado, atenta a atividade das empresas em causa nesses autos, que aquela jurisprudência do gás se aplica a todos os subsectores que não o subsector electroprodutor. É, portanto, de enquadrar a incidência da CESE como violadora do princípio da igualdade tributária (cfr. artigo 13.° da CRP), visto que, esta reflete uma diferenciação de tratamento ao ser exigida de um grupo específico e diferenciável de empresas e não a todos os contribuintes. Sufragando, in fine, que no que concerne à violação do princípio da igualdade tributária, “inexiste, pois, uma equivalência que possa materialmente justificar, à luz do princípio da igualdade tributária, a tributação dessas empresas através da CESE, pelo que a exigência deste tributo a tais entidades é inconstitucional por violação daquele princípio.” Conclui, peticionando a (in)constitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.° da Lei n.° 83-C/2013;(ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2020, o regime jurídico da CESE, i.e. da norma contida no artigo 376.° da Lei n.° 2/2020, de 31 de março; (iii) da norma que se retira do artigo 1.° do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 3.° do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 6.° do regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vii) a norma que se retira do artigo 11.° do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (viii) da norma que se retira do artigo 12.° do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE, no sentido de que são devidos pelo contribuinte e não são nulos créditos tributários da CESE respeitantes ao ano de 2020, quando inexista especificação (ou exista insuficiente especificação) no Mapa V da Lei n.° 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020) da receita que o Estado previu arrecadar para o FSSSE, por a CESE não ser a única fonte de receita do aludido Fundo. O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a improcedência da impugnação judicial começando, desde logo, por evidenciar que “as questões e os vícios invocados pela Impugnante na presente ação têm vindo a ser reiteradamente apreciados pelos Tribunais Superiores, designadamente pelo Tribunal Central Administrativo Sul, sendo exemplo do entendimento que vem sendo advogado por tal Tribunal a este propósito os Acórdãos de 04/05/2023, proferido no processo n.º 478/21.9BEALM, e de 06/12/2022, proferido no processo com o n.º 843/20.0BELRA. Também o Supremo Tribunal Administrativo se tem vindo a debruçar sobre tal questão, nomeadamente no Acórdão proferido em 04/05/2023, no âmbito do processo com o n.º 0353/19.7BESNT, bem como nos Acórdãos proferidos em 08/01/2020, no processo n.º 0386/17.8BEMDL, e em 10/11/2021, no processo n.º 01471/17.1BEPRT. Refira-se, também, que, sem prejuízo do decidido no âmbito do Acórdão com o n.º 101/2023 do Tribunal Constitucional (e da Decisão Sumária nº 201/2023), tem sido pacífico, neste último Tribunal, o julgamento de conformidade constitucional da CESE, desde o primeiro Acórdão proferido sobre a matéria – Acórdão nº 7/2019 –, onde se decidiu “[n]ão julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de Dezembro», posicionando-se pela conformidade constitucional das normas ora sindicadas, bem como da CESE cujo regime legal delas deriva”. Enfatizando, adicionalmente, que “este entendimento foi sucessivamente reafirmado, designadamente nos Acórdãos do Tribunal Constitucional com os n.ºs 303/2021, 321/2021 e 437/21, bem como nos Acórdãos com os n.ºs 436/2021, 438/2021, 513/2021, 532/2021 e 735/2021, 683/2022, 25/2023, 296/2023 e 372/2023. Destarte e tendo em conta a semelhança das situações tratadas em tais arestos com o caso dos autos, não se vislumbrando novos argumentos relevantes trazidos pelas partes capazes de contradizer a posição já amplamente reiterada e tendo em atenção o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que impõe ao julgador a interpretação e aplicação uniformes do direito em casos análogos, aderimos à posição de acordo com a qual a CESE deve ser configurada como uma contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material nos termos invocados. Com efeito, no que concerne à qualificação da CESE como contribuição financeira, o Tribunal Constitucional apreciou pela primeira vez a natureza deste tributo no âmbito do Acórdão n.º 7/2019, de 08/01/2019 (processo n.º 141/16), fundamentação que aqui acompanhamos.” Mas, a verdade é que atenta a inflexão da posição do Tribunal Constitucional, naturalmente acompanhada pelo STA e bem assim por este Tribunal, não podemos manter o juízo de entendimento que foi propugnado na decisão recorrida. Explicitemos, então, as razões pelas quais assim o ajuizamos. Comecemos por convocar o quadro normativo que para os autos releva. A CESE foi implementada com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estando o seu regime contemplado no artigo 228.º, extraindo-se da letra do seu artigo 1.º que a mesma tem por “objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético”. De relevar, neste particular, que no final do ano de 2014, a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, particularmente os seus artigos 237.º e 238.º prorrogaram a vigência da CESE, com as inerentes adaptações, por forma a adequar o regime jurídico à extensão da vigência ao ano de 2015. De sublinhar, igualmente, a alteração gizada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, mormente em termos de alargamento de incidência subjetiva e no ano de 2016, através Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, particularmente, do seu artigo 6.º na qual se manteve em vigor a CESE, consignando-se, nessa conformidade, que todas as referências feitas ao ano de 2015 se entendem materializadas ao ano de 2016. Ainda em termos de alterações legislativas, com especial relevo para o caso vertente, importa ter presente a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, concretamente, o artigo 264.º, o qual procedeu a alterações quanto à redação das normas relativas à incidência objetiva, à não repercussão, às taxas, à liquidação, à consignação e aos ajustamentos tarifários, sem que estas, contudo, tenham alterado substancialmente a CESE, como também bem evidenciado pelo Tribunal a quo. Sendo que em termos de diplomas mais recentes com alterações à CESE, e com relevo para a situação sub judice, é preciso ter presente a Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro (artigo 280.º), Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro (artigo 313.º), Lei nº 2/2020, de 31 de março (artigo 376.º) e Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro artigo 415.º), os quais, entre o mais, regulamentam a manutenção da CESE para os anos subsequentes. Feito este introito em termos de evolução legislativa, convoquemos o regime jurídico aplicável ao ano de 2020, nos aspetos de maior relevo para a questão decidenda. Vejamos, então. Como já evidenciado, a CESE foi instituída pelo artigo 228.º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro preceituando o seu artigo 1.º, nº 2 que: “2 – A contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”. No que se refere à incidência subjetiva da CESE, prevê o artigo 2º: “São sujeitos passivos da contribuição extraordinária sobre o sector energético as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2015, se encontrem numa das seguintes situações: (…) d) Sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; e) Sejam titulares de licenças de distribuição local de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; (…) k) Sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro”
No que respeita à incidência objetiva, de acordo com o artigo 3.º do regime: “1 - A contribuição extraordinária sobre o sector energético incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a: a) Ativos fixos tangíveis; b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior. (…)” A taxa aplicável sobre os ativos encontra-se determinada da forma progressiva, nos termos do artigo 6º: “1 - A taxa da contribuição extraordinária sobre o sector energético aplicável à base de incidência definida no artigo 3º é de 0,85 %, exceto nos casos previstos nos números seguintes. (…)”. Prescrevendo, por seu turno, o artigo 7.º: “1 - A contribuição extraordinária sobre o sector energético é liquidada pelo sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada por transmissão eletrónica de dados até 31 de outubro de 2015 (…)”. Preceituando ainda o artigo 11.º o seguinte: “1 – A receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE) (…) com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e ou pressão tarifárias e do financiamento de politicas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (…).” Estabelecendo, in fine, o artigo 12.º do regime que: “1 - A contribuição extraordinária sobre o sector energético não é considerada um gasto dedutível para efeitos de aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.”. Visto o regime jurídico que releva para os presentes autos, vejamos, então, se assiste razão à Recorrente quando propugna que a CESE padece, desde logo, de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade. Importa, desde já, sublinhar que no concreto particular da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, com especial enfoque quanto à CESE do ano de 2018, a posição do Tribunal Constitucional não foi unívoca, resultando, designadamente, dos Acórdãos n.ºs 101/2023, de 16.03.2023, 296/2023, de 25.05.2023, 338/2023, de 06.06.2023, 369/2023, de 07.06.2023, 372/2023, de 07.06.2023, 720/2023, de 25.10.2023, e 278/2024, de 10.04.2024. E se é certo que no âmbito do citado processo nº 101/2023, de 16 de março de 2023 se consagrou o juízo de inconstitucionalidade, é, igualmente, certo que ulteriormente à sua prolação foram proferidos outros Acórdãos que concluem no sentido do juízo de não inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, do Regime da CESE, criada pelo artigo 228.º, da Lei 83-C/2013, de 31/12, em vigor durante o exercício fiscal de 2018 ex vi artigo 280.º da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, mormente, o proferido no âmbito do processo nº 296/2023, de 25 de maio de 2023. Mas a verdade é que, essa linha de entendimento não foi seguida para a CESE do ano em contenda e relativamente ao sector das energias não renováveis, ou seja, do ano de 2020, tendo inclusive e conforme já demos nota anteriormente sido objeto de inflexão por parte da Jurisprudência do STA, e bem assim deste TCAS, que inclusive já teve, nessa sequência, de reformar diversos acórdãos em função do juízo de inconstitucionalidade. Denota-se, assim, no âmbito da jurisprudência existente, uma demarcação nítida entre o que foi entendido até 2018 e o posicionamento que tem vindo a prevalecer a partir de 2019 e especificamente para o sector das energias não renováveis, como in casu. Tal como sufragado pela Recorrente, a partir de 2019, houve uma inflexão do posicionamento, até então maioritário, ou seja, a partir desse exercício e em diante, houve uma inversão da jurisprudência, passando a decidir-se no sentido da inconstitucionalidade da CESE (sector das energias não renováveis) a qual tem na sua génese, justamente, o Acórdão n.º 101/2023 do Tribunal Constitucional. Neste âmbito, e no sentido da inconstitucionalidade da CESE, vide, designadamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional prolatados no âmbito dos processos n.ºs 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 338/2024 e 427/2024, 443/2024, 475/2024, 476/2024, 712/2024, 445/2024, 517/2024, 553/2024 e o 930/2024. Neste contexto importa relevar que a 15 de julho de 2025, no âmbito do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 677/2025 (Processo n.º 22/2025), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019). Com efeito e derivado de repetição do julgado do juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional afirmou em mais de três casos concretos relativamente à norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019), foi prolatado o citado Acórdão cuja fundamentação jurídica se transcreve infra: “2.1. O juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas ora em causa foi afirmado, pela primeira vez, no Acórdão n.º 197/2024, com os fundamentos seguintes: De relevar, neste conspecto, que entende-se que o aludido entendimento é inteiramente transponível para o caso dos autos, porquanto nos encontramos, outrossim, no domínio do sector das energias não renováveis, sendo que a Jurisprudência mais recente e que este Tribunal acolhe e adere sem reservas, sentencia que o artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, viola o artigo 13.º da CRP. Aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional, proferido no processo nº 196/2024, justamente aplicável ao sector do petróleo, doutrina de forma expressa e clara essa transposição e aplicação, conforme se transcreve infra: Face ao supra expendido, e uma vez que o aludido Aresto analisa com total propriedade a resenha jurisprudencial sobre a questão em contenda, aderimos na íntegra à jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional quanto à matéria em apreço, secundando-se, assim, o entendimento de que a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2020, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. [Neste sentido, convoque-se, igualmente, os Arestos do STA, prolatados nos processos 367/23, de 5 de fevereiro de 2025, 0345/21, de 12 de fevereiro de 2025]. Destarte, face a todo o expendido anteriormente e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, dimana, assim, que a CESE sub judice, padece de inconstitucionalidade a qual justifica, per se, a procedência do presente recurso e a consequente a anulação dos aludidos atos tributários. E por assim ser, há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado. Aqui chegados, subsiste apenas por analisar o pedido de reembolso do imposto e condenação no pagamento de juros indemnizatórios, e bem assim a indemnização para prestação indevida de garantia. A verdade é que tais pedidos não podem proceder, por um lado, por não resultar provado o pagamento do imposto, e por outro lado, porque inexistem elementos nos autos que permitam discernir e qualificar a garantia prestada o que se afigura vital para efeitos de concreta subsunção normativa no artigo 53.º da LGT. Com efeito, no atinente ao pedido de reembolso e pagamento de juros indemnizatórios, inexiste qualquer prova nos autos de que tenha sido efetuado o pagamento da liquidação anulada, inviabilizando, per se e na presente data, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios. Ora, destinando-se os juros indemnizatórios a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária, sendo, portanto, pressuposto do seu reconhecimento o pagamento do tributo, não resultando, in casu, demonstrado o pagamento da liquidação impugnada, não há que reconhecer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, carecendo de qualquer justificação legal a condenação no pagamento de juros indemnizatórios de forma condicional [vide, designadamente, Acórdãos do TCAS, proferidos nos processos nºs 194/20, e 2017/08, de 18.05.2023 e 14.01.2020, respetivamente]. No concernente ao pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, importa relevar que, não obstante resulte do probatório, mormente, do plasmado na alínea E), que em 30/12/2020 e 21/01/2021, a Impugnante prestou garantias no âmbito dos processos de execução fiscal respeitantes à cobrança coerciva da CESE, ora, em contenda, a verdade é que se desconhece qual o tipo de garantia que foi, efetivamente, prestada, realidade que assume curial relevância para efeitos de aferição dos pressupostos para a atribuição da indemnização por prestação indevida de garantia, constantes no artigo 53.º da LGT, concretamente a prestação “de garantia bancária ou equivalente”. E isto porque, apenas se subsumem no teor do citado normativo as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período durante o qual aquela é mantida, delas sendo exemplo a garantia bancária, o seguro caução, mas já não, por exemplo, a fiança. A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 018/20, de 04 de novembro de 2020, o qual se reporta, justamente, a uma questão de fiança totalmente transponível para o caso dos autos, no qual refere, de forma, expressa no seu sumário que: “Para os efeitos indemnizatórios previstos no artigo 53.º da L.G.T., não é de considerar a fiança entre as garantias (“bancária ou equivalente”) de que depende a sua aplicação.” Vide, no mesmo sentido, Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 03025/17, de 09 de janeiro de 2019, 0469/14, de 10 de outubro de 2018 e 0528/12, de 24 de outubro de 2012, e também a doutrina, particularmente, Jorge Lopes de Sousa (1), e António Lima Guerreiro (2). De evidenciar, adicionalmente, que este Tribunal prolatou despacho com o seguinte teor: “antes de mais, em virtude de não constarem dos autos elementos suficientes em torno da prestação de garantia atinente aos PEF cuja dívida exequenda respeite a esse mesmo tributo e respetivos juros, particularmente o tipo específico de garantia prestada, notifique a Recorrente/Impugnante para vir aos autos juntar tais elementos, no prazo de 5 (cinco) dias.” E a verdade é que, a Recorrente manteve-se silente, nada dizendo, esclarecendo, ou juntando qualquer elemento aos autos, o que determina que na presente lide e por ora se tenha de julgar improcedente o aludido pedido. De relevar, neste âmbito, que tal não obsta, naturalmente, que em sede de execução de julgado anulatório, e sendo caso disso e demonstrada a realidade de facto atinente ao efeito, sejam concedidas as pretensões que, ora, peticiona, mas não prova. Destarte, impõe-se, neste âmbito e para já, decidir pela improcedência do pedido de reembolso do tributo acrescido dos juros indemnizatórios e da indemnização por prestação indevida de garantia. [Neste sentido vide, designadamente, Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 1881/21, 1784/19, e 478/21, datados de 15.07.2025. 22.06.2023 e 04.05.2023, respetivamente]. No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação quer por este Tribunal, pelo TC e pelo STA, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP. Uma nota final ainda, para relevar que, não obstante a Recorrente tenha decaído no atinente à condenação no pagamento dos juros indemnizatórios, e na indemnização para prestação indevida de garantia, nos moldes supra evidenciados, a verdade é que não tendo a aludida revogação expressão quantitativa para efeitos de decaimento, decretar-se-á, a final, que as custas serão a cargo da Recorrida. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em: conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado, e improcedente o pedido de restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios e inerente pedido de indemnização de prestação de garantia. Custas a cargo da Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00. Registe. Notifique. Lisboa, 30 de setembro de 2025 (Patrícia Manuel Pires) (Isabel Silva) (Tiago Brandão de pinho) (2) em anotação ao artigo 53.º na sua LGT anotada, Edição Rei dos Livros, página 245. |