Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1968/24.7BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
| Descritores: | PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DO ATO PROCESSUAL |
| Sumário: | I - O ato que atribui a pensão é um ato administrativo, pois que se trata de uma decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta II - Igual natureza assume o ato que o revoga, bem como o ato que nega a sua concessão III - Ao contrário do que parece pressupor a Recorrente, o artigo 161.º/2/d) do Código do Procedimento Administrativo de 2015 não estabelece que são nulos os atos que ofendam um direito fundamental; diz-se algo mais restritivo: são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I E..... intentou, em 13.3.2024, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., deduzindo pedido nos seguintes termos: «A) Serem declarados nulos, ou no mínimo anuláveis, (revogáveis) os mencionados despachos da sua autoria, a) O primeiro datado de 29 de Março de 2007, que lhe revogou a atribuição da qualidade de beneficiária da pensão de sobrevivência b) E o segundo – datado de 25.07.2023 - que nem sequer lhe reconheceu tal direito, devendo esse Tribunal reconhecer-lho, como consequência do decesso de seu marido, J......., B. Mais devendo reconhecer-lhe, o direito de ser ressarcida pela Ré, dos direitos monetários que lhe assistem, correspondentes às pensões de sobrevivência que se venceram desde 1 de Outubro de 2006. C. Mais deve a Ré ser condenada ao pagamento de juros calculados à taxa legal de 4%, a incidir sobre a quantia a que terá direito, desde a data em que a Autora deveria ser considerada beneficiária, até integral pagamento». * Por despacho saneador de 28.12.2024 (certamente por lapso designado como despacho saneador/sentença) o tribunal a quo julgou verificada a exceção da intempestividade da prática do ato processual e absolveu a Entidade Demandada da instância. * Inconformada, a Autora interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: a) O presente recurso de apelação, é interposto da douta Sentença, proferida a 02.01.2025, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, processo n.º 1968/24.7BELSB, que julgou a exceção de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, absolveu a instância da Entidade Demandada, ora R. (Caixa Geral de Aposentações, I.P.) e condenou a ora A. no pagamento das custas processuais. b) O tribunal a quo considerou, erradamente, a ação, como uma ação de anulação de despacho, onde revogou a atribuição da pensão de sobrevivência da A., e não, como era pretendido, numa ação de reconhecimento de um direito. c) O tribunal a quo considerou, a ação, como uma ação de anulação de despacho, onde revogou a atribuição da pensão de sobrevivência da A. d) Não estamos apenas perante uma ação de impugnação de ato administrativo, estamos sim perante uma ação de reconhecimento de um direito que, estava a A. convicta ser da sua esfera jurídica, e que de um momento para o outro, viu esse direito cessado. e) O Direito em causa surgiu na esfera jurídica de A., por óbito do seu marido, através do reconhecimento o direito à pensão de sobrevivência, na sequência do Despacho datado de 06.12.2006. f) Por Despacho datado de 29.03.2007, a R. revogou o direito a tal pensão à A., com fundamento de que havia, entretanto, vivido em união de facto com terceiro. g) Tal denúncia foi formalizada por carta e subscrita pela irmã do seu falecido marido, a qual nunca logrou provar tal facto. h) Esses mesmos factos nunca foram aceites pela A., pois não correspondiam à verdade. i) A realidade é que a A. apenas teve uma relação amorosa pontual, da qual nasceu o seu filho, nunca tendo vivido em regime de união de facto. j) Sem nunca sequer ter chegado ao regime de união de facto. k) No entender do tribunal a quo, foram praticados atos administrativos definitivos e executórios, atos estes que a A. dispunha de 3 meses para os impugnar junto do competente Tribunal Administrativo, o que não o fez. l) E permitiu que o ato de indeferimento se firmasse na ordem jurídica, como “caso resolvido ou caso decidido”. m) O artigo 47º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma legal supra referido, preceitua que a qualidade de pensionista (pensão de sobrevivência) apenas se extingue com a celebração de um novo casamento que, para todos os efeitos, nunca foi o caso. n) Só a partir da data de 01.07.2012, data de entrada em vigor do DL 133/2012, de 27/6, é que ficou esclarecido que, a extinção da qualidade de pensionista estendia para quem passasse a viver em união de facto, conforme o seu artigo 18º. o) Mesmo que a A. tivesse passado a viver em união de facto, o que não foi o caso, repita-se, o seu direito à pensão de sobrevivência estaria sempre salvaguardado, desde 01 de Outubro de 2006, até à presente data. p) A concessão da pensão de sobrevivência da A. não decorreu de nenhum procedimento administrativo, mas sim, diretamente da lei administrativa, mais precisamente na alínea a) do n.º 1 do artigo 40º do EPS, conjugado com o artigo 18º do DL 133/12, de 27/06, ou seja, derivou de um ato meramente material. q) A pensão de sobrevivência foi-lhe atribuída sem necessidade de qualquer investigação procedimental feita nesse sentido. r) Com efeito, não há que recorrer à ação administrativa impugnatória, uma vez que no presente caso, não há lugar à impugnação de qualquer ato administrativo, mas sim ao reconhecimento de uma situação subjetiva direta, decorrente de normas jurídico-administrativas. s) Posto isto, dúvidas não podem restar que a A. lançou mãos do meio jurisdicional adequado, e que não se encontra sujeita a quaisquer prazos de impugnação contenciosa, e que, deste modo, pode ser instaurada a todo o tempo. t) Ainda que assim não se entenda, encontramo-nos aqui, perante o âmbito de aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA e, como tal, o ato datado de 29 de Março de 2007, que revogou à A. a atribuição da qualidade de beneficiária da pensão de sobrevivência é nulo. u) Tal como o ato datado de 25 de Julho de 2023, que não lhe reconheceu tal direito. v) De acordo com o n.º 2 do artigo 162º, a nulidade é invocável a todo o tempo. w) Aqui, a R. incorre em vício de nulidade ao denegar um direito, anteriormente adquirido pela A., e em vício de violação de lei “máxime”, mais precisamente do n.º 1 do artigo 16º do DL 133/2012, de 27/06. x) A conduta assumida pela R. infringe um direito fundamental, concretamente plasmado no artigo 63º da CRP y) Também aqui, não pode haver dúvidas de que a R., ao praticar os atos supra referenciados, infringe um direito fundamental da A., tutelado constitucionalmente, bem como um direito adquirido, pelo que incorre no vício de nulidade nos termos previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da CRP e a alínea d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA. z) Aqui chegados, resta concluir que, em primeiro lugar, estamos perante uma ação de reconhecimento de um direito, direito este fundamental e salvaguardado na Constituição da República Portuguesa e, em segundo lugar, os atos datados a 29 de Março de 2007 e 25 de Julho de 2023, só podem ser considerados nulos e, consequentemente, ser invocados a todo o tempo. aa) Assim, nestes termos deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça a qualidade de pensionista à A. ou, pelo menos, anulado os atos, datados a 29 de Março de 2007 e 25 de Julho de 2023, da parte objeto do presente recurso. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, CUJO DOUTO SUPRIMENTO EXPRESSAMENTE SE REQUER, DEVE SER CONCEDIDO INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA NA PARTE DE OBJETO DE RECURSO, POIS, SÓ ASSIM SE FARÁ A TÃO ACUSTUMADA JUSTIÇA!!! * A Caixa Geral de Aposentações, I.P., apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se existe erro de julgamento por se ter considerado verificada a exceção da intempestividade da prática do ato processual. III A matéria de facto constante da decisão recorrida é a seguinte: 1. Em 08/09/2005, faleceu J.......; 2. Em 06/12/2006, foi deferida a concessão inicial da pensão de sobrevivência à Autora; 3. Em 15/03/2007, a Autora foi notificada de um projeto de revogação da pensão de sobrevivência; 4. Em 29/03/2007, foi proferido Despacho da CGA que revogou a pensão de sobrevivência; 5. Em 09/04/2007, a Autora foi notificada da decisão de revogação da pensão; 6. Em 17/05/2023, a Autora apresentou novo requerimento para atribuição da pensão de sobrevivência; 7. Em 12/07/2023, a Autora foi notificada do projeto de indeferimento do pedido de pensão; 8. Em 25/07/2023, o pedido de pensão de sobrevivência foi formalmente indeferido pela CGA; 9. Em 31/07/2023, o mandatário da Autora reiterou pedido à CGA por escrito; 10. Em 04/01/2024, a CGA respondeu, reiterando o indeferimento com base em despachos anteriores; 11. A presente ação deu entrada neste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 13/03/2024. IV 1. A Recorrente insurge-se contra o decidido na medida em que «o tribunal a quo considerou, no nosso entender, de modo erróneo, a ação, como uma ação de anulação de despacho, onde revogou a atribuição da pensão de sobrevivência da A., e não, como era pretendido, numa ação de reconhecimento de um direito». Ou seja, «e como peticionado, não estamos apenas perante uma ação de impugnação de ato administrativo, estamos sim perante uma ação de reconhecimento de um direito que, estava a A. convicta ser da sua esfera jurídica, e que de um momento para o outro, viu esse direito cessado». É manifesta, no entanto, a falta de razão da Recorrente. 2. Na verdade, a leitura da petição inicial diz-nos, sem margem para qualquer dúvida, que a Autora, aqui Recorrente, visa, através do presente processo, impugnar dois atos administrativos. Isso mesmo é expressamente manifestado no petitório, no qual se pode ler o seguinte: «A) Serem declarados nulos, ou no mínimo anuláveis, (revogáveis) os mencionados despachos da sua autoria, a) O primeiro datado de 29 de Março de 2007, que lhe revogou a atribuição da qualidade de beneficiária da pensão de sobrevivência b) E o segundo – datado de 25.07.2023 - que nem sequer lhe reconheceu tal direito, devendo esse Tribunal reconhecer-lho, como consequência do decesso de seu marido, J.......». 3. É isto o que a Autora, ora Recorrente, pretende: impugnar os dois atos administrativos identificados. O que cumulou com um pedido de condenação da Caixa Geral de Aposentações, I.P., a pagar-lhe as «pensões de sobrevivência que se venceram desde 1 de Outubro de 2006», em resultado, precisamente, do ato de 6.12.2006 que lhe havia concedido a pensão. Não é, seguramente, o nomen iuris que entendeu conferir à ação que lhe dá o objeto que ela não tem, em face da substância da petição inicial. 4. De qualquer modo, e ainda que o pedido fosse de reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, sempre haveria que ter em conta o disposto no artigo 38.º/2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do qual «não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável». 5. Mas – e é isso que importa – está efetivamente em causa a impugnação de atos administrativos. Note-se que, a dado passo, a Recorrente defende que «a concessão da pensão de sobrevivência da A. não decorreu de nenhum procedimento administrativo. Decorreu sim, diretamente da lei administrativa, mais precisamente na alínea a) do n.º 1 do artigo 40º do EPS, conjugado com o artigo 18º do DL 133/12, de 27/06. Ou seja, derivou de um ato meramente material conforme a lei». Mas não. O ato que atribui a pensão é um ato administrativo, pois que se trata de uma decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (cf. o artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, que manteve a linha que já constava do artigo 120.º do código de 1991). Ato administrativo aquele normativa e totalmente vinculado (neste sentido vd. o acórdão de 16.1.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2386/12.5BELSB). 6. Sendo ato administrativo aquele que concede a pensão, igual natureza assume o ato que o revoga, bem como o ato que nega a sua concessão (na economia do presente recurso mostra-se dispensável uma abordagem mais precisa relativamente ao ato de 25.7.2023). 7. Assim sendo, a presente ação deveria ter sido proposta no prazo de três meses a que alude o artigo 58.º/1/b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, prazo esse que não foi cumprido. O que, de resto, se mostra incontrovertido. 8. Não obstante, e segundo a Recorrente, estaríamos perante um caso de nulidade, o que suscitaria a aplicação do regime constante do corpo do artigo 58.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do qual «a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo». 9. No entanto, acompanha-se o despacho saneador recorrido ao considerar que não vem apontado nenhum vício ao qual pudesse corresponder o desvalor da nulidade e que, como tal, desse à ora Recorrente a possibilidade de intentar a presente ação a todo o tempo. 10. É certo que a Recorrente, nas suas alegações de recurso, evidencia o facto – que afastaria o decidido – de se verificar no caso dos autos que «a conduta assumida pela R. infringe um direito fundamental, concretamente plasmado no artigo 63º da CRP, que reza: “1. Todos têm direito à segurança social. … 3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.” – negrito e sublinhado nossos». 11. Deste modo conclui que «[t]ampouco aqui, pode haver dúvidas de que a R., ao praticar os atos supra referenciados, infringe um direito fundamental da A., tutelado constitucionalmente, bem como um direito adquirido, pelo que incorre no vício de nulidade nos termos previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da CRP e a alínea d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA». 12. Sucede que – e ao contrário do que parece pressupor a Recorrente - o artigo 161.º/2/d) do Código do Procedimento Administrativo de 2015 não estabelece que são nulos os atos que ofendam um direito fundamental. Diz-se algo mais restritivo: são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. 13. Ora, as alegações da Recorrente limitam-se à defesa de que estaria em causa a violação de um direito fundamental, nada demonstrando sobre a existência do que efetivamente importava: a já referida violação do conteúdo essencial do direito à segurança social. O que vale por dizer que nada alega que pudesse sustentar a pretendida revogação do despacho saneador recorrido. V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho saneador recorrido. Custas pela Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 20 de novembro de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Rui Fernando Belfo Pereira Maria Helena Filipe |