Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:84/20.SBEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:EXPROPRIAÇÃO
FALTA DA RESOLUÇÃO INICIAL DE EXPROPRIAR – ART.º 10.º, N.º 1, DO CE
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO PROCEDIMENTAL ACTIVA E INICIAL DOS EXPROPRIADOS
ANULAÇÃO DA DUP
Sumário:I- Faltando a resolução de expropriar prevista no artigo 10.º, n.º 1, do CE, a Administração coloca em causa o direito de participação activa dos expropriados logo na fase inicial do procedimento expropriativo, não lhes dando tempo e oportunidade de preparar atempadamente a defesa dos seus interesses perante um acto ablativo da propriedade.
II- É irrelevante que, estatutariamente, o órgão que profere a resolução de expropriar seja aquele que, em termos de competência, também emita a DUP, pois tal não dispensa a emissão da indicada resolução, atenta a importância que esse acto assume perante o princípio da participação activa e atempada dos expropriados num procedimento administrativo cuja futura DUP ditará a ablação do direito de propriedade.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório.


AA e BB, doravante Recorrentes, que intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada (TAF de Ponta Delgada) acção administrativa contra a Região Autónoma dos Açores - Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo - Direcção Regional do Ambiente, doravante Recorrida, na qual pediram a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação do Conselho do Governo Regional dos Açores n.º 14 de 2020, que declarou a utilidade pública (DUP), com carácter de urgência, dos prédios rústicos que integram o ..., sito a ..., bem como, a invalidade de todos os actos subsequentes, inconformadas que se mostram com a sentença do TAF de Ponta Delgada, de 22/07/2021, que decidiu julgar a acção improcedente, e, em consequência, absolver a Recorrida dos pedidos, contra a mesma vieram interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de recurso inserta no SITAF):


A. Não existiu a resolução de expropriar (que supostamente seria emitida pela Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo), facto obrigatório e que inevitavelmente retira objecto à própria d.u.p. (de 06/01/2020), pelo que o acto impugnado é juridicamente inexistente, ou pelo menos nulo, o que o Tribunal a quo deveria ter sindicado;


B. Existe um manifesto erro de julgamento na apreciação dos factos, uma vez que a Sentença recorrida deveria - por confissão da própria Ré - ter considerado como provados os factos assentes que: “A declaração de utilidade pública não foi notificada à A.II, por lapso e causa exclusivamente imputável à Ré”;


C. Deveria ainda ter sido considerado provado que a exploração da A.II, “para além das 103 ovelhas, 6 vacas para reprodução, existiam ainda cerca de 40 ou 50 ovinos com idade inferior a 6 meses de idade que não estavam registados”.


D. A Secretaria da Energia, Ambiente e Turismo nunca emitiu resolução de expropriar junto do Conselho de Governo para obtenção da declaração de utilidade pública, pelo que jamais o Tribunal a quo poderia ter considerado que a Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020, de 6 de janeiro que declara a d.u.p., inclui, em si mesma, a própria resolução de expropriação a que alude o art. 10.º do CE.


E. A Sentença recorrida cai em erro de julgamento ao considerar provado o facto do ponto n.º 33 – e, para além disso, ao não apresentar como facto provado a (manifesta) inexistência de resolução de expropriar do art.º 10.º do CE, por motivo apenas imputável à entidade expropriante ora Ré.


F. A Sentença recorrida, tendo em conta a admissão implícita constante dos artigos 61.º a 65.º da Contestação, deveria também considerado provado, que: “A resolução de expropriar não foi notificada às AA.”;


G. Existe ainda um evidente erro de julgamento na apreciação e aplicação de direito, uma vez que é notório que o acto administrativo impugnado – a declaração de utilidade pública (doravante d.u.p.) inscrita na Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020, de 06.01.2020 – bem como os actos de execução que lhe seguiram, enfermam do vício de violação de lei, sancionado pela nulidade ou inexistência jurídica decorrente, designadamente, do seguinte:


H. i. A omissão de uma resolução de expropriar como previsto no artigo 10.º do Código das Expropriações (CE), o que é gerador de nulidade do procedimento expropriatório (inclusive da d.u.p. e seus atos de execução);


I. ii. A omissão de notificação dessa mesma resolução aos expropriados e demais interessados conhecidos, nos termos do art.º 10.º, n.º 5, do CE, o que não ocorreu nem se verificará, enquanto não sejam anulados deste procedimento administrativo todos os atos inválidos, inclusive os produzidos a partir da d.u.p., até convalidação do procedimento;


J. iii. A omissão de notificação da d.u.p. à expropriada arrendatária, BB (A.II) aqui Recorrente, também ela violadora dos princípios essenciais do procedimento expropriatório em curso, designadamente do princípio da legalidade, da imparcialidade, transparência, boa fé e confiança dos administrados na Administração (aqui Conselho de Governo dos Açores), conforme melhor invocado nos presentes autos


K. iv. A violação de lei nos actos de execução da d.u.p., desde a carta/convocatória para a expropriada proprietária do prédio artigo 978, AA (A.I) ora Recorrente, quanto à vistoria ad perpetuam rei memoriam a realizar no dia 19 de junho de 2020, pelas 10h30m – manifestamente ilegal e sem qualquer possibilidade dela estar presente e, de ali mesmo, deduzir os quesitos que bem entendesse, nos termos do artigo 21.º do CE.


L. A verdade é que a d.u.p. não inclui, em si mesma, a própria resolução de expropriação, basta ler o teor dessa declaração para inevitavelmente assim se concluir;


M. Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, jamais as expropriadas AA., ora Recorrentes, aceitaram “por acordo” a premissa de inclusão da (falta de) resolução em expropriar na d.u.p.;


N. O teor do n.º 5 do art.º 10.º do CE é claro, obrigatório e bem demonstrativo de que o ato da resolução fundamentada em expropriar e a d.u.p. temporalmente não podem coincidir na ordem jurídica;


O. A Sentença a quo padece de manifesto erro de julgamento, seja ao dar como provados os factos n.º 32 e 33 quando, manifestamente, eles não procedem, seja ao interpretar extensivamente que a d.u.p. contém (e absorve) a matéria da resolução em expropriar, quando o teor da mesma assim não o diz;


P. Tendo em conta a norma contida no n.º 5 do art.º 10.º do CE, é impossível a resolução fundamentada em expropriar (a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo) ser considerada integrante da d.u.p.;


Q. O Tribunal a quo deveria ter declarado a nulidade da d.u.p., por falta de resolução de expropriar e respectiva notificação aos interessados nos termos do art.º 10.º, n.º 1 e n.º 5 do CE, dando como assente que tal não pode ser suprimido pela simples d.u.p. de 06/01/2020, notificada esta (ou não) aos expropriados e demais interessados;


R. Os actos de execução da d.u.p. enfermam do mesmo regime de nulidade, por força dos art.º 161.º e 162.º do CPA e princípios essenciais já invocados pelas aqui Recorrentes.


S. Impunha-se que tivesse reconhecido e expressado a consequência jurídica, igualmente inevitável, da omissão de notificação da d.u.p. à expropriada arrendatária BB (A.II) – admitida pela própria Ré nos presentes autos (como um lapso seu);


T. A invocação pelo Tribunal a quo do princípio do aproveitamento dos atos administrativos para “eliminar” / justificar a invalidade cometida, na omissão de notificação da d.u.p., retira direitos constitucionais assegurados à arrendatária expropriada;


U. Verificou-se uma violação da regra procedimental da dilação do prazo (art.º 88.º do CPA) e do regime contido nos art.º 10.º e 21.º do Código das Expropriações;


V. Estamos perante uma grosseira e inaceitável violação de lei dos atos de execução da d.u.p., uma vez que a expropriada AA (A.I), foi “convocada” em 12 de junho de 2020 para a vistoria ad perpetuam rei memoriam - a realizar-se 7 dias depois -, ou seja, no dia 19 de junho de 2020, pelas 10h30m). Não se observou o exigido no art.º 21.º do CE, bem como os requisitos legais de notificação, contidos nos art.º 87.º e 88.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);


W. Ignorou por completo a Exma. Juiz a quo que é dado notório e factual que de acordo com a legislação Covid-19 que foi sendo produzida pelo Governo Português e pelo próprio Governo Regional dos Açores, estávamos em período de restrições na movimentação de pessoas entre o país, as ilhas dos Açores e, até, das idas e vindas do estrangeiro;


X. Foi violado o prazo de dilação do art.º 88.º do CPA que e determinaria que, na melhor das hipóteses, o prazo em causa fosse parar ao dia 30 de julho de 2020 (exatamente 41 dias depois do evento ocorrido, a vistoria do dia 19/06/2020).


Y. Neste sentido, e com vasto entendimento do STA, a preterição da dilação do art.º 88.º do CPA verificado neste procedimento expropriatório constitui violação grave da tutela jurisdicional efetiva dos direitos das AA., garantido pela Constituição, na medida em que a distância do território nacional não pode dificultar de modo intolerável ou aniquilar a tutela jurisdicional efectiva que é devida.


Z. A vistoria do dia 19/06/2020 está ferida de manifesta ilegalidade, nulidade mesmo, nos termos dos artigos 161.º e 162.º do CPA, dando lugar à inexistência jurídica (ou nulidade) de todos os atos de execução e processado subsequente à dita ‘vistoria’ (de 19/06).


AA.Os artigos 21.º do CE e art.º 87 e 88.º do CPA não foram cumpridos pela entidade expropriante, por causa exclusivamente imputável à mesma, sendo esta matéria de conhecimento oficioso do Tribunal, o que não ocorre com a Sentença recorrida;


BB. O mesmo se diga do relatório complementar do perito e os demais atos de execução da d.u.p., aqui igualmente impugnados, que são também de conhecimento oficioso do órgão julgador, perante tudo quanto foi invocado pelas partes;


CC. Está, assim, ferido de inexistência jurídica (ou de nulidade absoluta ou relativa) a ‘vistoria’ de 19/06/2020, os relatórios que lhe sucederam, assim como todos os atos e trâmites de execução subsequentes a eles (auto de investidura e posse dos prédios expropriados).


DD. Mesmo qualificando o presente procedimento administrativo (com as invalidades de que ele padece) numa situação «via de facto», temos por certo que desde a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam (em 19/06/2020), onde só esteve presente o próprio perito designado, existe um ataque e erro grosseiro à propriedade da A.I, fora do conceito legal de expropriação.


EE. Não cabe no conceito legal de vistoria ad perpetuam rei memoriam do artigo 21.º do CE, desrespeitar o exigido nesse mesmo artigo ou sequer nos art.º 87.º e 88.º do CPA.


FF. Todos os actos e diligências procedimentais posteriores à data daquela pretensa notificação (12/06/2020), são inválidos e nulos, senão mesmo considerados inexistentes, como aqui se reclama seja reconhecido e declarado, anulando-se a Sentença recorrida.


GG. Posto isto, nem sequer com o recurso à figura da “via de facto” será possível ao Conselho do Governo dos Açores adquirir à força (e contra vontade dos seus donos) os prédios rústicos objeto da expropriação, portanto a totalidade do ....


HH.A Sentença a quo considerou – contrariando toda a nossa doutrina e jurisprudência - que a preterição do direito de participação (e do direito de audiência prévia) resultante da omissão de notificação da Resolução de expropriar (art.º 10.º, n.º 5, do CE, necessariamente anterior à d.u.p.) e da omissão de notificação da expropriada arrendatária BB (A.II) da d.u.p., ao abrigo do art.º 17.º, n.º 1, do CE, constitui uma mera formalidade não essencial, insuscetível de inquinar o ato administrativo impugnado;


II. Acontece que, a omissão dessas notificações previstas nos art.º 10.º, n.º 5, e 17.º, n.º 1, do CE – assim como a ausência de resolução de expropriar, exigida pelo CE, como aludimos já acima – ocorreu e constitui preterição de formalidade essencial, devendo ser sancionado o ato impugnado (d.u.p.) enquanto tal.


JJ. Entendeu também o Tribunal recorrido que a repetição do ato em nada modificaria a decisão e conteúdo da declaração de utilidade pública, que assenta em factos objetivos e tem enquadramento jurídico existente no tocante à defesa do ambiente (sublinhado nosso) – quando nada no processo permite tirar tal conclusão.


KK.A Sentença a quo violou o princípio da suficiência e o princípio da proporcionalidade, consagrados nos art. 266., n.º 2, CRP e arts. 2.º e 3.º do CE., em consideração que só é legítimo expropriar por utilidade pública quando a expropriação for necessária para atingir esse desiderato, isto é, quando esta não possa alcançar-se por meio menos e limitar-se ao estritamente necessário para a realização do fim público a prosseguir.


LL. A Recorrida ao notificar a Recorrente, AA (A.I), com ofício datado de 12 de junho de 2020 – para o domicílio desta nos Estados Unidos da América, sem cumprir os prazos (e a dilação) previstos na lei, pudesse dar validade procedimental à vistoria realizada no dia 19 de junho de 2020 com a presença única do perito designado – viola o principio do Estado de Direito Democrático, princípios da boa fé, da imparcialidade, da igualdade e da justiça previstos nos artigos 2.º e 266.º da CRP, bem como no art. 2.º do CE e nos artigos 3.º e seguintes do CPA;


MM. A sentença a quo desconsiderou que a Recorrente, AA (A.I), para além de ter já 87 anos de idade, sempre teria que conseguir viajar da sua residência permanente (na Califórnia, EUA) para a ilha de ... e daí para o seu prédio rústico do ... (artigo 978), em plena Pandemia do COVID-19, o que viola de forma grosseira e latente os princípios fundamentais da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé consagrados no art. 266.º da Constituição da República Portuguesa e nos art.º 3.º e seguintes do CPA (bem como ignora todas as restrições de livre circulação determinadas pela legislação Covid-19, no período em causa);


NN.A sentença a quo viola de forma grosseira, pelo menos, dois dos basilares princípios gerais do Direito Administrativo que limitam, ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa: o da Proporcionalidade e o da Legalidade, previstos nos artigos 3.º e 7.º do Código do Procedimento Administrativo, o que consubstancia causa de nulidade ao abrigo do art. 161.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d) do CPA.


OO. O Tribunal a quo erradamente considerou a atribuição de carácter urgente à expropriação, sem ter em consideração os seus pressupostos e os seus efeitos nefastos na esfera jurídica das AA., uma vez que a mesma concede à entidade expropriante o direito de entrar de imediato na posse dos bens a expropriar.


PP. A d.u.p., no que diz respeito à atribuição de urgência – apenas tenta justificar a mesma perante o calendário de execução das acções do projecto cofinanciado pela Comissão Europeia - pelo que é evidente que enferma de manifesta falta de fundamentação, de facto e de direito, pelo que foram frontalmente infringidos os arts. 268°/3 da CRP, 152° e 153° do CPA e 15°/2 do CE.


QQ. O acto impugnado, ao determinar a expropriação com carácter de urgência, negou e restringiu os direitos e interesses legítimos das Recorrentes, na medida em que tinha, necessariamente, de ser fundamentado de facto e de direito, ex ví do art. 268.º/3 da CRP, dos arts. 152° e 153° do CPA e do art. 15°/2 do CE.


RR. A d.u.p. tem de assentar em pressupostos concretos e identificar, de forma clara, precisa, completa e inteligível, o objecto e os destinatários da expropriação, o que não se verificou in casu uma vez que quer a d.u.p quer os atos de execução limitam-se a remeter para as classificações, não identificando de forma clara, precisa, completa o inteligível os seus destinatários, direitos expropriados e respectivas áreas, confrontações e extremas de terreno objecto da expropriação.


SS. A ininteligibilidade do acto impugnado determina a sua nulidade ou, pelo menos, ineficácia (v. arts. 151°/1 e 2, 159° e 161°) do CPA),


TT. O Tribunal a quo, erradamente, não considerou que existe ainda uma contradição irrefutável na justificação da necessidade de expropriação entre o que resulta do teor da d.u.p. e o Relatório de Avaliação, datado de Novembro de 2016, o que consubstancia uma violação gritante do disposto designadamente nos art. 151°/1 e 2, 159° e 161° do CPA e art. 2° e 9° da Constituição da República Portuguesa.


UU.Mal ambulou a Sentença recorrida no que a este ponto diz respeito, mais precisamente, sobre a falta de notificação da d.u.p. à Recorrente CC, entendeu o Tribunal a quo, que a mesma foi notificada do Relatório da Vistoria “ad perpetuam rei memoriam” o qual incluiu nos seus anexos a resolução do Conselho do Governo e a Declaração de utilidade pública, considerando-se assim sanada a omissão da respectiva notificação;


VV.O Tribunal a quo ao considerar que esta formalidade essencial - falta de notificação da d.u.p. à Recorrente Lúcia - pode degradar-se em formalidade não essencial em virtude do aproveitamento do acto, cai em erro de julgamento e viola o art. 17.º, n.º 1, do CE.


WW. As Recorrentes nunca foram notificadas da resolução expropriar prevista no art. 10.º, n.º 5, do C.E. – tendo-se verificado preterição desta formalidade essencial, geradora de nulidade do procedimento (inclusive da d.u.p.). Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido desrespeitou os arts. 120.º./1 e 123.º/1, d), do CPTA e art.º 4.º, 5.º e 7.º e 412.º, todos do CPC;


XX. Tudo isto dito, o acto administrativo impugnado é nulo por violação dos princípios constitucionais consagrados, designadamente por desrespeito ao princípio do Estado Democrático, princípios da propriedade privada, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé previstos nos arts. 2.º, 13.º e 266.º da CRP e, também, expressos no CE e CPA


YY. A Sentença recorrida incorre ainda em erro de julgamento e clara violação dos arts. 13.º do CPTA, 1º e 4º, ambos a contrario, do ETAF, e artigo 576.º, n.º 2 e 577.º/a) do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, como aqui se invoca para todos os efeitos, solicitando a este Alto Tribunal a revogação da Sentença a quo e declaração de anulabilidade, nulidade, senão mesmo inexistência (e inconstitucionalidade) da d.u.p. e atos de execução praticados pela Ré até presente data


A Recorrida apresentou contra-alegações. Não deduziu conclusões, mas, em síntese, infere-se da respectiva peça processual que pugna pelo não provimento do recurso e, nesse sentido, pela confirmação da sentença recorrida.


O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.


Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.


***


II - Delimitação do objecto do recurso.


Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a sentença recorrida padece dos imputados erros de julgamento sobre a matéria de facto e de erro de direito no que toca à apreciação dos vícios assacados pelas ora Recorrentes contra o acto administrativo impugnado.


***


III - Matéria de facto.


Da sentença recorrida consta a seguinte fundamentação de facto:


1 – Foi proferida a Resolução do Conselho do Governo, de 6 de Janeiro de 2020, publicada na I Série do DR, de 06.01.20., que declarou a utilidade pública, com carácter urgente, da expropriação de três prédios rústicos que integram o ..., na ..., e todos os direitos a eles inerentes, identificados no anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante, resolução cujo teor aqui se dá por reproduzido bem como os seus anexos, e do que se extrai o seguinte (cfr. docº.1 junto com a p.i., e procº. instrutor):


“…”


A diversidade biológica é um elemento essencial e determinante da identidade da nossa Região. A perda da biodiversidade acarreta impactos significativos nos ecossistemas, dos quais dependem as sociedades e economias, nos territórios e na qualidade de vida, constituindo um dos maiores desafios ambientais, à escala global, dos dias de hoje.


As ilhas dos Açores são reconhecidas pelo elevado nível de qualidade ambiental e pelo potencial dos seus recursos naturais. A criação de condições para a preservação desses recursos é um desígnio coletivo, uma aposta num desenvolvimento equilibrado e num crescimento sustentável.


O valor patrimonial e a sensibilidade dos ecossistemas presentes no arquipélago dos Açores exigem uma monitorização e um controlo das principais ameaças, para que possa continuar a ser usufruído no presente e pelas gerações futuras, até porque as características dos sistemas biofísicos insulares, aliadas a intervenções antrópicas e aos efeitos das alterações climáticas, podem potenciar o desequilíbrio e a vulnerabilidade dos ecossistemas e das espécies.


A Região Autónoma dos Açores tem, ao longo dos anos, trilhado um caminho de proteção da diversidade biológica e de afirmação e valorização do seu património natural, fundado no imperativo ético de preservação dos recursos naturais e orientado por objetivos estratégicos, designadamente: a aplicação da legislação em matéria de proteção das espécies e dos habitats; a preservação e melhoria dos ecossistemas, restaurando zonas e habitats danificados; o combate a espécies invasoras que ameaçam os habitats, promovendo a sua substituição por espécies endémicas; e a importância da promoção de investigação científica aplicada.


As primeiras áreas protegidas nos Açores remontam ao ano de 1972, mas foi a partir dos últimos anos do século XX que os Açores deram um salto significativo na afirmação de políticas públicas de conservação da natureza, primeiro com a integração de uma vasta área do território na ... e depois com a criação dos Parques Naturais de Ilha.


Atualmente, a ... integra 124 áreas protegidas, distribuídas pelos 9 Parques Naturais de Ilha e ocupando 56066 ha de área terrestre, o que corresponde a cerca de um quarto do território emerso do arquipélago.


A área terrestre do ... está classificada como «área protegia» desde 1984, considerando a respetiva importância para as espécies, habitats e ecossistemas protegidos e com os objetivos de fomentar o aproveitamento das potencialidades dos recursos naturais em presença, de manter a fisionomia da zona terrestre e de proteger as espécies ornitológicas e a flora terrestre. A ..., criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 13/84/A, de 20 de fevereiro, foi, entretanto, reclassificada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 10/2011/A, de 28 de março, que cria o Parque Natural da ilha de ..., como «...» (SJO07).


O ... está também integrado na rede ecológica da União Europeia, a ..., enquanto parte da «Zona de Proteção Especial do ... (...), devido à sua riqueza em avifauna marinha. Facto que motivou, também, a sua designação como «Área importante para as aves» (...).


Sucede, porém, que cerca de metade da área emersa do ... é ocupada por terrenos privados de pastagem, tendo o pastoreio de gado sido responsável pela destruição de ninhos e pela invasão por plantas exóticas de que resultou a perda de habitat de nidificação disponível para a avifauna.


O Programa para o Ambiente e a Ação Climática (...) é um instrumento financeiro da União Europeia, criado em 1992, com o objetivo específico de contribuir para a execução, atualização e desenvolvimento das políticas e estratégias europeias na área do ambiente e do clima, através do cofinanciamento de projetos com valor acrescentado à escala europeia.


Face aos objetivos e metas enunciadas no Programa do XII Governo Regional dos Açores, ao nível da conservação da natureza, da preservação da diversidade biológica e da utilização sustentável dos recursos naturais, foi elaborado o projeto integrado ... (..., com um investimento direto de cerca de 19,1 milhões de euros.


O projeto integrado ..., cuja execução se iniciou em 1 de janeiro de 2019, tem como objetivo a preservação e recuperação dos protegidos em ecossistemas habitats terrestres, costeiros e marinhos dos Açores, em conectividade com as áreas da ..., abrangendo 23 Zonas Especiais de Conservação, 15 Zonas de Proteção Especial e 3 Sítios de Interesse Comunitário, em todas as ilhas dos Açores.


Um dos resultados esperados com a execução do projeto integrado ... passa pelo aumento em 96,13 ha da área de terrenos públicos dentro da ..., com vista ao restauro e recuperação de habitats protegidos, incluindo na ... do ... e Costa Adjacente (...).


A aquisição dos 5,81 ha de terrenos privados do ... integra-se nos objetivos do Plano Sectorial da ..., aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 20/2006/A, de 6 de junho, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 7/2007/A, de 10 de abril, que preconiza a definição de áreas de proteção para a nidificação de aves marinhas, o controlo das atividades de pastoreio e da pesca no ..., bem como a promoção do repovoamento com vegetação nativa, considerando o pastoreio no ... como uma ameaça pelo pisoteio e destruição das zonas de ocorrência de flora protegida, com impactes ao nível da degradação do coberto vegetal e perda de biodiversidade, bem como pela perturbação de aves marinhas e destruição ou abandono dos ninhos por pisoteio, com impactes ao nível da redução dos efetivos populacionais de aves marinhas. Na mesma linha, a ficha técnica da área importante para as aves (...) preconiza a remoção do gado bovino e caprino do ... para evitar a destruição dos ninhos de avifauna protegida, o que, a par com a invasão por plantas exóticas, resultou na perda de habitat de nidificação disponível.


Para além da grande pressão humana e do pastoreio a que o ... foi sujeito, praticamente, desde o povoamento da ..., e que levou à degradação dos habitats naturais ao ponto de estar em mau estado de conservação, verifica-se um excesso da população de gaivota-de-patasamarelas (Larus michahellis atlantis), que se tem acentuado fortemente na última década e que coloca em causa a nidificação e permanência das restantes aves marinhas.


Neste contexto, a aquisição dos terrenos particulares do ... constitui a única forma de evitar as ameaças identificadas ao património natural, assegurando a recuperação dos habitats e a preservação da biodiversidade.


Não tendo sido possível chegar a acordo com os proprietários pela via da aquisição por direito privado, nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, torna-se necessário proceder à expropriação dos prédios rústicos em causa, estimando-se que os respetivos encargos sejam de € 139.641,60 (cento e trinta e nove mil, seiscentos e quarenta e um euros e sessenta cêntimos), conforme avaliação oportunamente efetuada, os quais correm por conta da Região Autónoma dos Açores e são cofinanciados pela União Europeia, no âmbito do projeto integrado ....


Assim, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 90.º do Estatuto PolíticoAdministrativo da Região Autónoma dos Açores, em conjugação com o artigo 15.º e o n.º 1 do artigo 90.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, na redação atual, o Governo Regional resolve:


1 - Declarar a utilidade pública, com carácter urgente, da expropriação de três prédios rústicos que integram o ..., na ..., e todos os direitos a eles inerentes, identificados no anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante, por necessária à execução das políticas de conservação da natureza da Região Autónoma dos Açores, designadamente no âmbito da ..., e dos compromissos assumidos no âmbito do projeto integrado ... (Proteção Ativa e Gestão Integrada da ... nos Açores - ... 17 IPE/PT/000010), que tem como objetivo a preservação e recuperação dos protegidos em ecossistemas terrestres, habitats costeiros e marinhos dos Açores.


2 - Autorizar a Região Autónoma dos Açores, através da Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo, a tomar a posse administrativa dos mencionados prédios rústicos, em virtude de tal ato ser indispensável à execução das ações de aquisição dos terrenos e de conservação da natureza estabelecidas no projeto ..., cofinanciadas pela União Europeia.


3 - Delegar na Secretária Regional da Energia, Ambiente e Turismo, com a faculdade de subdelegar, as competências suficientes para intervir, em representação da Região Autónoma dos Açores, no processo de expropriação.


4 - A presente resolução produz efeitos na data da sua publicação. Aprovada em Conselho do Governo Regional, em Ponta Delgada, em 19 de dezembro de 2019. – O Presidente do Governo Regional, DD.


“…”


2 – No anexo I da declaração de utilidade pública, supra identificada, e do qual faz parte integrante, reporta-se o mesmo à fundamentação daquela declaração – sem prejuízo do constante do teor da resolução supra -, do que se extrai o seguinte (cfr. docº.1 junto com a p.i., e porcº. instrutor):


“…”


Para além da grande pressão humana e do pastoreio a que o ... foi sujeito, praticamente, desde o povoamento da ..., e que levou à degradação dos habitats naturais ao ponto de estar em mau estado de conservação, verifica-se um excesso da população de gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis atlantis), que se tem acentuado fortemente na última década e que coloca em causa a nidificação e permanência das restantes aves marinhas.


No ... nidificam diversas colónias de aves marinhas, nomeadamente de garajaurosado (...), garajau-comum (Sterna hirundo), pombo-torcaz dos Açores (Columba palumbus azorica birealis) frulho (Puffinus baroli), pardela de asa larga ou pintainho (Puffinus Iherminieri borealis) angelito (...), roque-de-castro (Hydrobates castro borealis), cagarro (Calonectris borealis) e gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis atlantis).


Neste contexto, a aquisição dos terrenos particulares do ... constitui a única forma de evitar as ameaças identificadas ao património natural, assegurando a recuperação dos habitats e a preservação da biodiversidade.


É manifesta a necessidade de recuperar os habitats desta área protegida, para benefício das populações de aves selvagens com importância internacional e para promover a investigação científica dirigida à conservação da natureza, através das seguintes medidas e ações a executar no âmbito do projeto integrado ...:


i) Aumentar as colónias de garajau-rosado e de garajau-comum, por via do fim do pastoreio de gado, da implementação de um sistema de vigilância e condicionamento do acesso ao ..., e da colocação de ninhos artificiais para garajaus;


ii) Controlar as populações de predadores de aves marinhas;


iii) Monitorizar as populações das espécies-chave de aves marinhas, por via do recenseamento dos pares reprodutores e da monitorização de ninhos naturais de pequenas procellariiformes;


iv) Erradicar as espécies de flora invasoras do ..., bem como monitorizar a sua introdução e realizar manutenções periódicas;


v) Recensear os habitats naturais do ...;


vi) Instalar serviços de interpretação ambiental na ... (parte da ... mais próxima ao ...), concretamente um observatório de aves e painéis de sinalização, informação e interpretação sobre a avifauna e respetivos habitats;


vii) Promover trabalhos de investigação aplicados à conservação da natureza e biodiversidade;


viii) Promover o interesse público em relação à conservação da natureza no ..., através da produção de conteúdos informativos, da realização de ações de formação e sensibilização, bem como pela promoção do voluntariado ambiental.


Assim, torna-se necessário proceder à expropriação dos prédios rústicos em causa, conforme os requisitos exigidos no artigo 11.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º168/99, de 18 de setembro, na redação em vigor (adiante designado por Código das Expropriações), tendo como escopo a utilização única e exclusiva dos mesmos para fins de conservação da natureza, uma vez que não foi possível chegar a acordo com os proprietários pela via da aquisição por direito privado, nos termos do artigo 10.º do mesmo Código.


O carácter urgente da expropriação enquadra-se no disposto no artigo 15.º do Código das Expropriações, e fundamenta-se no calendário de execução das ações do projeto integrado ..., contratualizado com a Comissão Europeia, que prevê a aquisição dos referidos terrenos no primeiro ano do projeto (2019) e a subsequente execução de um conjunto de ações de monitorização e conservação dos habitats e espécies que exigem a imediata posse administrativa dos bens expropriados, de forma a não comprometer a implementação do projeto e os seus objetivos.


“…”


V – Enquadramento nos instrumentos de gestão territorial


O ... está situado a curta distância da costa da vila do ..., no extremo sueste da ilha de ..., tendo uma área com cerca de 12 ha, dos quais 5,81 ha são terrenos privados ocupados por pastagem.


De acordo com o Plano Diretor Municipal da ... (publicado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 23/2006/A, de 6 de julho, suspenso parcialmente pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 8/2010/A, de 7 de abril, e alterado pelo Aviso n.º 12551/2013, de 10 de outubro, o ... está integrado em «Espaços Naturais e Culturais - Reserva Natural Parcial do ...», sujeito ainda à condicionante de Reserva Ecológica, na categoria de «Zona Costeira». O Plano de Ordenamento da Orla Costeira de ..., aprovado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 24/2005/A, de 26 de outubro, classifica o ... como «Área com Especial Interesse Ambiental».


O Plano Sectorial da ..., aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º20/2006/A, de 6 de junho, e alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 7/2007/A, de 10 de abril, constitui um instrumento de concretização das políticas de conservação da diversidade biológica, visando a salvaguarda e valorização das Zonas de Proteção Especial (...) e dos SIC (adotados por Decisão da Comissão Europeia, de 28 de dezembro de 2001) bem como a manutenção das espécies num estado de conservação favorável.


No que respeita à ... considera o pastoreio no ... como uma ameaça pelo pisoteio e destruição das zonas de ocorrência de flora protegida, com impactes ao nível da degradação do coberto vegetal e perda de biodiversidade, bem como pela perturbação de aves marinhas e destruição ou abandono dos ninhos por pisoteio, com impactes ao nível da redução dos efetivos populacionais de aves marinhas. Neste contexto, o referido plano setorial preconiza a definição de áreas de proteção para a nidificação de aves marinhas, o controlo das atividades de pastoreio e da pesca no ..., bem como a promoção do repovoamento com vegetação nativa.


Por sua vez, a área terrestre do ... está classificada como «área protegia» desde 1984, considerando a respetiva importância para as espécies, habitats e ecossistemas protegidos e com os objetivos de fomentar o aproveitamento das potencialidades dos recursos naturais em presença, de manter a fisionomia da zona terrestre e de proteger as espécies ornitológicas e a flora terrestre. A ..., criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 13/84/A, de 20 de fevereiro, foi, entretanto, reclassificada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 10/2011/A, de 28 de março, que cria o ..., como «...».


O ... constitui também uma «Área Importante para as Aves» (IBA), sendo que, de acordo com o Decreto Legislativo Regional n.º 10/2011/A, de 28 de março, a sua gestão deve refletir essa classificação. Compulsados os dados da ficha técnica da ..., o gado bovino e caprino presentes no ... devem ser removidos para evitar a destruição dos ninhos de procellariiformes e de Sterna sp, sendo que a invasão por plantas exóticas resultou na perda de habitat de nidificação disponível para as procellariiformes.


“…”


3 – No anexo, supra identificado, são identificados os prédios a expropriar:


“…”


Identificação dos bens a expropriar


A) Prédio rústico sito no ..., freguesia do ..., concelho da ..., na ..., com a área total de 1,4520 ha (14520 m2), inscrito na respetiva matriz predial rústica o artigo n.º 976, omisso na Conservatória de Registo Predial.


B) Prédio rústico sito no ..., freguesia do ..., concelho da ..., na ..., com a área total de 1,4520 ha (14520 m2), na respetiva matriz predial rústica o artigo n.º 977, omisso na Conservatória de Registo Predial.


C) Prédio rústico sito no ..., freguesia do ..., concelho da ..., na ..., com a área total de 2,9040 ha (29040 m2), na respetiva matriz predial rústica o artigo n.º 978, descrito na ..., na ..., sob o n.º 738/20020606.


“…”


4 - No anexo, supra identificado, são identificados os proprietários e arrendatários:


“…”


III – Identificação dos proprietários e demais interessados


A) Herdeiros de EE, residente que foi na freguesia de ..., concelho da ..., na ..., proprietário dos prédios rústicos identificados nas alíneas A) e B) do ponto anterior.


B) AA, residente em ..., proprietária do prédio rústico identificado na alínea C) do ponto anterior.


C) BB, residente na ..., freguesia do ...,concelho da ..., na ..., arrendatária dos prédios rústicos identificados nas alíneas A), B) e C) do ponto anterior, conforme contratos de arrendamento celebrados a 1 de novembro de 2015.


“…”


5 - Em 02/03/2020 foi remetida à A. AA pela R. para a notificação da declaração de utilidade pública (cfr. p.i. e docº2 junto, e admissão por acordo).


6 - Foi remetido ofício datado de 26.08.20. à A. FF, para notificação da declaração de utilidade pública, cujo teor abaixo reproduz-se (cfr. docº2 junto com o r.i. dos autos de providência cautelar apensos, e procº. instrutor) – [esta é a versão elaborada pela 1.ª instância, tendo sido introduzida nova formulação deste facto em resultado da impugnação da decisão da matéria de facto, conforme melhor explicitado e exposto mais adiante]


7 – A A. AA é proprietária e legítima possuidora, por herança de família, do prédio rústico inscrito na matriz 978 e sito em ... (cfr. docºs. juntos com a p.i. sob os nºs.13 e 14, e procº. instrutor).


8 - Por ofício SAI-DRA/2020/2499, datado de 12/06/2020, a R. notificou a A. AA, da realização da Vistoria ―ad perpetuam rei memoriam‖, oficio cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr.docº. 3 junto com a p.i. e procº. instrutor).


9 - Por oficio SAI-DRA/2020/2502, datado de 12/06/2020, a R. notificou a A. FF, da realização da Vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº.4 junto com a p.i. e procº. instrutor).


10 - Por SAI-DRA/2020/3062, datado de 20/07/2020, a R. notificou a A. AA, do Relatório da Vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. docº. 5 junto com a p.i., e procº. instrutor).


11 - Por SAI-DRA/2020/3061, datado de 20/07/2020, a R. notificou a A. FF, do Relatório da Vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 6 junto com a p.i., e procº. instrutor).


12 - Por SAI-DRA/2020/3785, datado de 26/08/2020, e recebido em 21/09/2020 a R. notificou a A. AA, do acto de transmissão da posse do prédio rústico inscrito na matriz predial com o artigo 978, sito no ..., agendada para o dia 25/09/2020, pelas 10h45m, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr.doc. 7 junto com a p.i., e procº. instrutor).


13 - Por SAI-DRA/2020/3786, datado de 26/08/2020, a R. notificou a A. FF, do acto de transmissão da posse dos prédios rústicos inscritos na matriz predial com os artigos 976, 977 e 978, sito no ..., agendada para o dia 25/09/2020, pelas 10h45m, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº.8 junto com a p.i., e procº. instrutor).


14 – A A. BB, tem exploração no ..., nos termos e conforme contratos de promessa de arrendamento celebrados, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e dos quais extrai-se o inicio dos contratos a 01.11.20115, celebrado pelo prazo de dez anos, renovável por períodos de três anos, contractos celebrados entre as AA. tendo sido a A. proprietária GG representada pelos procuradores Sra HH ( prédios ½ prédio 976 e ½ do prédio 977) e Sr.II (prédio 978), com referência aos prédios:


[cf. imagem no original]


(cfr. docº.9, junto com a p.i., e prova testemunhal).


15 - A A. FF tem actividade económica no ..., que consiste na exploração de bovinos e ovinos, nomeadamente, com cerca de 103 ovelhas e 6 vacas para reprodução e criação, abate e respectiva venda (cfr. docºs. 10 e 11 juntos com a p.i., e prova testemunhal). – [esta é a versão elaborada pela 1.ª instância, tendo sido introduzida nova formulação deste facto em resultado da impugnação da decisão da matéria de facto, conforme melhor explicitado e exposto mais adiante]


16 – Em 01.09.1957, a A. AA, de nacionalidade portuguesa, celebrou casamento católico, com JJ, cidadão americano, sem convenção antenupcial cidadão americano, conforme assento de casamento n.º 663, do ano de 2012, cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. docº. 12 junto com a p.i., e admissão por acordo).


17 - O prédio rústico inscrito na matriz com o artigo 978 da freguesia do ... e descrito na ...) sob o n.º 738/20020606, pertence à A. AA (cfr. docºs. 13 e 14 juntos com a p.i., e procº. instrutor).


18 - O ... está integrado no ... (Decreto Legislativo Regional nº 10/2011/A, de 28 de março) como ... (SJO08), sendo uma das 13 áreas protegidas da ilha (cfr. procº. instrutor, e admissão por acordo).


19 - Enquadra-se ainda na Zona de Proteção Especial do “...” (...), na Zona Especial de Conservação “Costa Nordeste e ... do ...” (PTJOR0014), na Área Importante para as Aves “...” (IBA terrestre, PT064) e é uma Zona de Reserva Integral de ... ( procº. instrutor, admissão por acordo).


20 - A ... (SJO08) tem estado sujeito a grande pressão humana e intenso pastoreio no passado, o que contribuiu para o mau estado de conservação, em resultado da degradação dos habitats naturais ( cfr. anexos à declaração de utilidade pública, procº. instrutor, admissão por acordo e prova testemunhal).


21 – O pastoreio tem efeitos nocivos nas aves marinhas nidificantes devido à destruição ou abandono dos ninhos, por pisoteio, e ao consumo da vegetação existente no ilhéu, o que provoca uma rápida erosão do solo e perda de biodiversidade (prova testemunhal).


22 - A aquisição dos terrenos privados do ... (5,81 hectares) está prevista no projeto ..., com vista ao restauro e recuperação de habitats protegidos na ... do ... e Costa Adjacente (...), que se integra nos objetivos do Plano Setorial da ... dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 20/2006/A, de 6 de junho, alterado pelo Decreto Legislativo Regional nº 7/2007/A, de 10 de abril, que preconiza para o ..., a definição de áreas de proteção para a nidificação de aves marinhas, o controlo das atividades de pastoreio e da pesca, bem como a promoção do repovoamento com vegetação nativa ( cfr. procº. instrutor, admissão por acordo, e prova testemunhal).


23 - O referido Plano considera o pastoreio no ... como uma ameaça pelo pisoteio e destruição das zonas de ocorrência de flora protegida, com impactes ao nível da degradação do coberto vegetal e perda de biodiversidade, bem como pela perturbação de aves marinhas e destruição ou abandono dos ninhos por pisoteio, com impactes ao nível da redução dos efetivos populacionais de aves marinhas, como se pode ver do excerto retirado no mencionado diploma:


[cf. imagem no original]


(cfr. procº. instrutor, admissão por acordo, e prova testemunhal).


24 - Na mesma linha, a ficha técnica da área importante para as aves (..., conforme doc. 1) preconiza a remoção do gado bovino e caprino do ... para evitar a destruição dos ninhos de avifauna protegida, o que, a par com a invasão por plantas exóticas, resultou na perda de habitat de nidificação disponível ( cfr. docº.1 junto com a contestação, procº. instrutor e admissão por acordo).


25 - as ações previstas no âmbito do ..., para a ... (SJO08), são o restauro de habitat para as aves marinhas (ação C6.1), o controlo e erradicação de espécies de flora e fauna invasoras nos habitats restaurados (ação C8), e a monitorização de aves marinhas, habitats e conservação (ação D5.1). (cfr. doc. 2 junto com a contestação, procº. instrutor e admissão por acordo).


26 - A recuperação dos habitats, incluindo a plantação e sementeira de espécies nativas e controlo de espécies invasoras, a instalação de ninhos artificiais, e as medidas de atração de aves marinhas com seguimento a longo prazo, vão beneficiar as espécies-alvo, permitindo assim uma avaliação mais precisa do estado das suas populações, com vista a reportar às Diretivas nº 79/409/CEE (Diretiva Aves) e nº 2008/56/CE (Diretiva-Quadro da Estratégia Marinha – DQEM) e à Convenção OSPAR (no caso do garajau-rosado e do frulho, listados como espécies ameaçadas na ... e para a conservação das espécies em questão no ... ( cfr. procº. instrutor, admissão por acordo, e prova testemunhal).


27 – A informação, supra referida, será ainda vital para a reestruturação da rede de Áreas Marinhas Protegidas tendo em conta a importância desta área e costa adjacente, para as aves marinhas ( cfr. procº. instrutor, admissão por acordo, e prova testemunhal).


28 - Os habitats a serem restaurados no ... incluem habitats prioritários para a Europa de acordo com a Diretiva Habitats (Diretiva nº 92/43/CEE), concretamente três habitats costeiros prioritários (1210 – vegetação anual das zonas de acumulação de detritos pela maré, 1220 – vegetação perene das praias de calhaus rolados, e 1250 – falésias com flora endémica das costas macaronésicas) e o habitat terrestre prioritário 4050* (charnecas macaronésicas endémicas) (cfr. procº. instrutor e admissão por acordo).


29 - A renaturalização do ... será desenvolvida, como acima referido, pela plantação massiva de espécies nativas e controlo de espécies de flora e fauna invasoras. Muitas das espécies nativas são herbáceas e arbustivas sujeitas a fenómenos de herbivoria, portanto o sucesso das ações não é compatível com a presença de gado bovino, caprino ou ovino no ilhéu, exigindo ainda o controlo de roedores selvagens ( cfr. procº. instrutor, admissão por acordo, e prova testemunhal).


30 - Está também previsto um plano de biossegurança de modo a reduzir os riscos de espécies invasoras (de roedores) se espalharem para novas áreas ou reinvadirem áreas das quais foram removidas, e detetar a presença de uma espécie invasora antes que a mesma tenha oportunidade de se propagar, e desta maneira evitar a necessidade de uma operação de erradicação completa (cfr. doc. 3 junto com a contestação, procº. instrutor, e admissão por acordo).


31 - As ações previstas apenas são viáveis de serem realizados com a posse total e efetiva do ... por parte dos serviços de conservação da natureza e biodiversidade, com interdição genérica do acesso ao ilhéu (cfr. prova testemunhal).


32 - A entidade interessada na expropriação coincide com a entidade competente para emitir a Declaração de Utilidade Pública: A Região Autónoma dos Açores ( cfr. docº.1 junto com a contestação, procº. instrutor, e admissão por acordo).


33 - A Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020, de 6 de janeiro, que declara a utilidade pública da expropriação (inclui, em si mesma, a própria resolução de expropriação (cfr. docº. 1 junto com a contestação, procº. instrutor e admissão por acordo). – [esta é a versão elaborada pela 1.ª instância, mas foi eliminada em resultado da impugnação da decisão da matéria de facto, conforme melhor explicitado mais adiante]


34 – A mandatária da A. FF pronunciou-se sobre o relatório da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” que inclui nos seus anexos a resolução do Conselho de Governo que incorpora a Declaração de Utilidade Pública (cfr. docº.s 2 e 3 juntos com a contestação, procº. instrutor e admissão por acordo).


35 – Foi emitida informação documentada pela ..., para satisfação de requerimento probatório das partes, informação cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. reqº. e docº. junto aos autos, em 28.06.21., a fls. 973 do processo do SITAF).


A convicção do Tribunal fundamenta-se na prova documental supra identificada, e na admissão por acordo das partes, e na prova testemunhal nos seguintes termos:


- Factos provados sob o nºs. 14 e 15: As testemunhas da A.:


a) Dr. KK, que na qualidade de Veterinário e no exercício da sua actividade profissional, há cerca de 6 anos, procede uma vez por ano o rastreio doa animais; declarou que não sabe há quanto tempo a A. CC explora o ... com os animais; afirmou a existência de mais ou menos 100 ovinos, e 6 bovinos; declarou que o terreno é muito fértil e de que existe água; declarou que em ... não existem terrenos como os da citada A., por serem relativamente planos.


b) Sr. LL, que exerce funções de rastreio de animais, também com a periodicidade anual, e referiu a existência no ano passado de 106 ovinos e cerca de 4 a 6 bovinos; que há água e o ilhéu é auto-sustentável; disse não ser fácil obter terrenos similares em ... aos do ...; disse não saber se há alternativas para albergar os animais em terrenos alterativos;


c) Sr. MM cujo pai foi o anterior rendeiro à A. CC; de que o ... é plano; de que existe uma capela em ruínas; de que conhece mal a exploração.


- Factos provados sob os nºs. 20 a 23; 26º a 31º : As testemunhas da Ré:


a) Dr. NN que interveio e participou na instrução do processo expropriativo e referiu a relação com a ..., e da necessidade de intervenção pela degração dos habitats e as condições existentes para as espécies invasoras; da instrução de um dossier prioritário; de que o pastoreio compromete os ninhos/ovos, a nidificação selvagem, e de que o pastoreio empurra as aves para as falésias; de que as espécies nativas do ilhéu são digeridas pelos animais, promovendo as espécies invasoras; de que a ocupação exclusiva seria a de assegurar as aves e espécies marinhas, e os animais da exploração da A. são a principal ameaça àquelas espécies, bem como à preservação essencial dos habitats; já em 2010 tinha havido a ponderação da expropriação e os proprietários recusaram as propostas apresentadas, e apresentaram propostas inaceitáveis, um no valor de 400.000,00 euros e outro no valor de 2.5 milhões de euros; houve avaliação dos terrenos e uma segunda em 2017 que manteve os mesmo valores, e repetiu-se em 2019; que a arrendatária exige uma indemnização de 320.000,00 euros; de que os proprietários sabiam que se não houvesse acordo haveria lugar a expropriação, a qual não pode ser surpresa para os mesmos; de que na ponderação dos interesses a situação ambiental do ilhéu está pior que há um ano; de que o projecto regional e europeu data de 2018; de que existe legislação quanto aos habitats e ecossistemas e para evitar habitats degradados, o que releva para a protecção das espécies marinhas, relevante nos Açores; da necessidade da recuperação dos habitats; de que é possível o realojamento dos animais em ..., e existem pastagens; de que é possível em ... há terrenos disponíveis; de que o ... integra a ...; de que o grade problema é o pastoreio e as gaivotas é uma questão secundária.


b) Engª. OO, que depôs quanto ao Projecto ………………….., de que começou a acompanhar com a candidatura; de que a presença de gado é incompatível; de que não existe outra forma menos gravosa para cumprir o projecto que não a de comprar o ..., forma de conseguir cumprir os objectivos; de que o Projecto Life começou em 2018 e foi aprovado em 2019; que o principal problema é o pastoreio; de que restaurar sem pastoreio e sem qualquer uso; interdição da área como garantia.


c) Dr. PP, interveio no processo da expropriação do ..., expropriação especial; integrado no ...; de que o descontrole ecológico das gaivotas está ligado ao pastoreio; de que a intervenção humana implica nidificação excessiva da gaivota; necessário reequilíbrio ordenamento; preservar o uso natural; de que a aquisição era essencial para alterar o uso completamente; repor as espécies originais e naturais daquele ...; de que o processo de naturalização implica não entrar lá; não interveio nas negociações de aquisição; de que o que lá há a fazer é permanente, e é difícil garantir que perdura sem adquirir.


d) Dra.QQ, conhece no âmbito da expropriação a freguesia do ...; só uma proprietária, com três artigos 978, 976 e 977, de que a Sra. RR é arrendatária dos três artigos; não houve acordo por razões de valores monetários; de que a arrendatária só na fase final colocou o problema do realojamento dos animais; de que foi pedido o valor de 2.6 milhões e mais tarde 3 milhões pela Sra. SS, e a arrendatária 320.000,00 euros; de que foram feitas as notificações e de que todos os intervenientes foram notificados, e para a Sra SS seguiram com versão bilingue; de que o marido da Sra SS não foi notificado porque não constava do registo predial.


Nada mais se logrou provar com interesse ou relevância para a decisão da causa, designadamente não lograram as AA., provar os factos alegados nos artºs. 20º, 21º, 22º e 23º, 24º (excepto o teor do facto provado sob o nº14), 25º (excepto o teor do facto provado sob o nº. 15), 26º e 27º, todos da p.i..


***


IV - Fundamentação de Direito.


A) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:


A.1. As Recorrentes não se conformam com o ponto 6 do probatório, que deu como provado o seguinte: “6 - Foi remetido ofício datado de 26.08.20. à A. FF, para notificação da declaração de utilidade pública, cujo teor abaixo reproduz-se (cfr. docº2 junto com o r.i. dos autos de providência cautelar apensos, e procº. instrutor).”.


As Recorrentes, nesta parte, cumpriram o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, enunciando as especificações exigidas pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.


E têm razão na crítica que dirigem contra tal decisão, pois da interpretação do teor doc. 2 junto com requerimento inicial referente à providência cautelar, patente no SITAF sob o n.º ..., não se extrai que o mesmo vise a notificação da DUP à ora 2.ª Recorrente, mas sim a posterior diligência/acto de transmissão de posse dos prédios rústicos expropriados, com agendamento para o dia 25/09/2020, pelas 10h:45m, no ..., em ....


Deste modo, procede, em parte, o invocado erro de facto, ainda que não no sentido do facto negativo que as Recorrentes pretendem fixar (A declaração de utilidade pública não foi notificada à A.II” (acrescentando-se, até, “por lapso e causa exclusivamente imputável à Ré)”, mas nos seguintes termos, que passa a constituir a nova versão do ponto 6 do probatório:


“6 – À Co-A. FF foi remetido pela ... o ofício com a referência SAI-DRA/2020/3786, de 26/08/2020, com o assunto “EXPROPRIAÇÃO DO ILHÉU DO TOPO-Ato de Transmissão da Posse dos prédios rústicos inscritos na matriz predial sob os artigos 976, 977 e 978, sitos no ...”, para a notificação para comparecer, querendo, ao acto de transmissão de posse dos mencionados prédios, no dia 25 de setembro de 2020, pelas 10h:45m, no ..., em ....”


***


A.2. As Recorrentes pretendem a alteração do facto fixado no ponto 15 do probatório, que deu como provado o seguinte: “15 - A A. FF tem actividade económica no ..., que consiste na exploração de bovinos e ovinos, nomeadamente, com cerca de 103 ovelhas e 6 vacas para reprodução e criação, abate e respectiva venda (cfr. docºs. 10 e 11 juntos com a p.i., e prova testemunhal)


As Recorrentes, neste particular aspecto, também deram cumprimento ao ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, enunciando as especificações exigidas pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.


Pretendem as Recorrentes que passe a constar do ponto 15 do probatório a seguinte factualidade: “A exploração da A.II, para além das 103 ovelhas, 6 vacas para reprodução, existiam ainda cerca de 40 ou 50 ovinos com idade inferior a 6 meses de idade que não estavam registados”.


Apreciemos.


O facto em causa foi alegado no artigo 25.º da p.i. nos seguintes termos:


“A A.II tem uma actividade económica que consiste na exploração de bovinos e ovinos, nomeadamente, no ilhéu do topo, tem cerca de 150 ovelhas e 6 vacas para reprodução e criação, abate e respectiva venda, sendo que a reprodução das ovelhas é de cerca de 150 por ano e 5 bovinos por ano (cfr. fotografias e última colheita de sangue efetuada a 23/07/2020, que se juntam DOC.10 e declaração dos ..., que se junta como DOC.11).”


A decisão de facto da 1.ª instância fundamentou a sua convicção com apelo aos docs. 10 e 11 juntos com a p.i. e à prova testemunhal, motivando, no que às testemunhas diz respeito, do seguinte modo:


“a) Dr. KK, que na qualidade de Veterinário e no exercício da sua actividade profissional, há cerca de 6 anos, procede uma vez por ano o rastreio dos animais; declarou que não sabe há quanto tempo a A. CC explora o ... com os animais; afirmou a existência de mais ou menos 100 ovinos, e 6 bovinos; declarou que o terreno é muito fértil e de que existe água; declarou que em ... não existem terrenos como os da citada A., por serem relativamente planos.


b) Sr. LL, que exerce funções de rastreio de animais, também com a periodicidade anual, e referiu a existência no ano passado de 106 ovinos e cerca de 4 a 6 bovinos; que há água e o ilhéu é auto-sustentável; disse não ser fácil obter terrenos similares em ... aos do ...; disse não saber se há alternativas para albergar os animais em terrenos alterativos;


c) Sr MM cujo pai foi o anterior rendeiro à A. CC; de que o ... é plano; de que existe uma capela em ruínas; de que conhece mal a exploração.” – (sublinhados nossos).


Entendemos que o facto sob o ponto 15 do probatório deve ser parcialmente alterado, mas não com a formulação pretendida pelas Recorrentes, pois que a mesma não resulta dos meios probatórios por si indicados.


Aliás, a discrepância e o inconformismo das Recorrentes está, neste momento, limitado ao n.º de ovinos explorados pela ora 2.ª Recorrente no ..., que o facto 15 da sentença recorrida apontou para as “cerca de 103 ovelhas”, ao passo que as Recorrentes pretendem agora que se fixe uma factualidade algo distinta, pois abandonaram o n.º de 150 ovinos alegado na p.i., clamando que se contabilize e se inscreva no facto 15 a asserção ainda cerca de 40 ou 50 ovinos com idade inferior a 6 meses de idade que não estavam registados.


Acontece que esta última parte (acabada de citar em itálico no parágrafo precedente) consubstancia um acrescento factual inovador, que antes não constava da petição inicial. E, como tal, não pode assim ser considerado, pois que, a fixação da factualidade em sentença parte da premissa inicial dos factos essenciais alegados nos respectivos articulados das partes, ainda que, seja possível ao julgador atender aos factos instrumentais, complementares, concretizadores e notórios, tendo presente o artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) a c), do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA, exercício esse que, contudo, não foi empreendido pela 1.ª instância, nem assim foi colocada a questão pelas ora Recorrentes.


Posto isto, o que importa é saber se, da conjugação entre a prova documental e testemunhal disponível, é possível descortinar o erro da 1.ª instância na sua apreciação e, daí, extrair outra realidade factual, ainda que não no sentido do pretendido pelas Recorrentes.


Entendemos que a resposta é, em parte, positiva.


Isto é, do citado doc. 11, emitido pelos serviços da própria Recorrida (...), subscrito pelo Médico-Veterinário, Dr. KK, consta que, para além dos 104 ovinos registados e intervencionados em 2020, existiam ainda 5 bovinos e 20 a 30 ovinos com idade inferior aos seis meses que não estavam registados e serviam em parte para substituição do efectivo no ano seguinte (cf. doc. patente no SITAF com o n.º ...).


No mesmo sentido, em parte coincidentemente, veio a depor em audiência de julgamento a testemunha KK, o mesmo Médico-Veterinário subscritor do atrás aludido doc. 11, conforme a transcrição do depoimento inserta na motivação do recurso, onde podemos constatar que tal testemunha admitiu que a 2.ª Recorrente, para além dos ovinos registados, tinha ovinos de substituição, não sabendo dizer aquando da resposta à inquirição conduzida pela Sra. Advogada, porém, com exactidão o número de ovinos de substituição, pois afirmou que “não tenho presente exactamente quantos, mas pelo menos 40, 50 animais…a mais ela deve ter”.


Ora, se dúvidas não temos que, face à correlação entre os meios de prova atrás elencados, para além dos ovinos registados, a 2.ª Recorrente também explorava outros ovinos de substituição, tal certeza já não advém quanto ao número pretendido fixar pelas Recorrentes nesta última categoria de ovinos, nomeadamente, por não decorrer uma certeza no intervalo numérico assinalado aquando da inquirição da identificada testemunha.


Veja-se que o doc. 11, subscrito pela mesma testemunha, indica o intervalo entre os 20 a 30 ovinos de substituição, e, a memória posterior dessa testemunha em audiência de julgamento, que admitiu não ter presente exactamente quantos, já sem coincidência com o n.º que indicara documentalmente, acaba por apontar para o intervalo dos 40 a 50 animais.


Entendemos que a melhor solução passa por fixar tal n.º de ovinos de substituição por recurso à indexação objectiva que resulta do teor do doc. 11 (documento que foi junto à p.i. pelas próprias Recorrentes), isto é, ao número de entre os 20 a 30 ovinos de substituição, pois deste doc., que é alusivo à actividade interventiva dos serviços veterinários e agrários da Recorrida no próprio local de exploração, dimana maior rigor e objectividade.


Procede, em parte, o recurso no que respeita à presente decisão de facto, fixando-se o ponto 15 dos factos provados nos seguintes moldes:


“A ... docºs. 10 e 11 juntos com a p.i., e prova testemunhal)”


***


A.3. As Recorrentes insurgem-se contra a fixação do ponto 33 da matéria de facto, que fixou o seguinte: “33 - A Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020, de 6 de janeiro, que declara a utilidade pública da expropriação (inclui, em si mesma, a própria resolução de expropriação (cfr. docº. 1 junto com a contestação, procº. instrutor e admissão por acordo).”


Consideramos que, neste conspecto, as Recorrentes também têm razão na crítica que dirigem à decisão factual.


Expliquemos os motivos.


Em primeiro lugar, compulsado o doc. 1 junto com a contestação (cf. doc. apresentado ao SITAF, com o n.º ...), do mesmo não se infere que se trate da DUP, nem que, no mesmo, haja qualquer alusão à inclusão da resolução de expropriar, ou seja, não se vislumbra de tal documento que o mesmo comporte uma decisão administrativa com as características e os elementos informativos que preconiza o artigo 10.º, n.º 1, alíneas a) a d), do Código das Expropriações (CE), para tal resolução.


Em segundo lugar, partindo tal ponto 33 do alegado em sede de contestação, não se vislumbra a possibilidade de, no caso em apreço, ter sido admitido por acordo das partes, pois que as Recorrentes nunca tal alegaram ou anuíram na petição inicial.


Em terceiro lugar, consideramos que o teor do ponto 33 do probatório não encerra em si mesmo uma mera questão de facto, pois que, se trata mais de uma ilação que o Tribunal a quo extrai da dinâmica legal-procedimental que pode existir entre a resolução de expropriar e a própria DUP (duas actuações que são tratadas distintamente pelo CE – cf. artigos 10.º e 13.º do CE), num juízo que, todavia, já extravasa a estrita factualidade e bordeja o caminho de uma conclusão eminentemente jurídica.


Não pode, pois, ante tal erro de julgamento, manter-se o ponto 33 do probatório, que, assim, é tido por eliminado.


***


A.4. Por fim, entendem ainda as Recorrentes que o Tribunal a quo devia ter dado como provado que “A resolução de expropriar prevista no art. 10.º, n.º 1, do C.E. não existiu.” e que “A resolução de expropriar não foi notificada às AA.”.


Ora bem, desde já dizemos que se trata de ilações de cariz negativo. No que à primeira diz respeito, resvala para uma índole essencialmente jurídica e a sua resolução neste acórdão merecerá, mais adiante, a devida atenção no capítulo estrito do julgamento da matéria de direito. No que concerne à segunda ilação, é, em si mesma, uma pretensão contraditória na lógica dos seus termos, pois não se pode esperar a notificação de algo que se diz não existir.


Improcede o recurso nesta parte.


***


B) Da específica apreciação do Direito:


B.1. Compulsadas as conclusões de recurso, as Recorrentes começam por afirmar, em resumo, que não existiu a resolução de expropriar (que supostamente seria emitida pela Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo), facto obrigatório e que, inevitavelmente, retira objecto à própria d.u.p. (de 06/01/2020), pelo que, o acto impugnado é juridicamente inexistente, ou, pelo menos, nulo, o que o Tribunal a quo deveria ter sindicado; a omissão de uma resolução de expropriar como previsto no artigo 10.º do Código das Expropriações (CE) (…) é gerador de nulidade do procedimento expropriatório (inclusive da d.u.p. e seus atos de execução).


Apreciando.


É certo que as Recorrentes, em sede da petição inicial (p.i.) relativa à acção administrativa impugnatória que intentaram no TAF de Ponta Delgada, nomeadamente, dos seus artigos 75.º a 82.º, 84.º, 85.º e 87.º, nunca colocaram a questão da resolução de expropriar com o enfoque que só agora, em conclusões recursivas, lhe conferem.


Isto é, vista a p.i., a problemática da resolução de expropriar só surge nos artigos supra identificados pela perspectiva da sua alegada falta de notificação, com amiudada citação do artigo 10.º, n.º 5, do CE (A resolução a que se refere o n.º 1 anterior é notificada ao expropriado e aos demais interessados cuja morada seja conhecida, mediante carta ou ofício registado com aviso de recepção – destaques nossos), dos mesmos se extraindo que, neste segmento, as Recorrentes concentraram a sua argumentação, única e exclusivamente, no aspecto de que tal resolução tinha que lhes ser notificada.


Dito de outro modo, nunca na p.i. as Recorrentes alegaram de modo concreto e densificado, como agora o fazem, a propalada questão da própria inexistência/nulidade do acto impugnado (a DUP) ou do procedimento expropriatório por efeito de inexistir uma antecedente resolução de expropriar.


Nesta específica perspectiva de imputação de uma causa de pedir (de invalidação do acto impugnado - a DUP - pela forma de nulidade), pode encarar-se, numa primeira leitura, como uma questão nova sobre a qual ao Tribunal a quo não fora dada qualquer oportunidade de, ao abrigo dessa óptica, emitir uma pronúncia.


Seria inócua, portanto, como questão nova, para contaminar a sentença recorrida.


Acontece que, nos termos do referido nas páginas 13 e 14 da sentença recorrida, é dito, quanto à posição da Recorrida, o seguinte: “Alega a Ré quanto à omissão de notificação da DUP à A.II e da não notificação às AA. da resolução de expropriar que é manifesto que a mesma não ocorre.


De que, no caso presente nos autos a entidade interessada na expropriação coincide com a entidade competente para emitir a Declaração de Utilidade Pública: A Região Autónoma dos Açores. O que significa que a resolução de requerer a declaração de utilidade pública de expropriar, conforme se diz no artigo 10.º n.º 1 do CE seria feita pelo mesmo órgão: Conselho do Governo Regional. Ora, a mesma pessoa jurídica, e o mesmo órgão, não pode apresentar requerimentos a si mesma.


A Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020, de 6 de janeiro, que declara a utilidade pública da expropriação (doc. 1), inclui, em si mesma, a própria resolução de expropriação. E sendo um ato único, a notificação do artigo 10.º, n.º 5, efetua-se pela própria notificação da d.u.p., não carecendo de nenhuma outra notificação prévia.


E por isso inexiste qualquer vício pelos motivos invocados».


Relembramos ainda que, embora eliminado do probatório o ponto 33, o Tribunal a quo aí entendeu, em conclusão de índole jurídica, o seguinte: “A Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020, de 6 de janeiro, que declara a utilidade pública da expropriação (inclui, em si mesma, a própria resolução de expropriação (cfr. docº. 1 junto com a contestação, procº. instrutor e admissão por acordo).”


Pois bem, acabando por ser abordada pelo Tribunal a quo a questão da própria falta da resolução de expropriar, não há como escapar neste Tribunal de apelação à sindicância da mesma.


E, por razões de coerência e interligação das questões, faremos a análise em conjunto quer da problemática sobre a alegada falta da resolução de expropriar, quer a propósito do levantado problema da ausência da sua notificação (aqui, neste último aspecto, já em substituição, porque a 1.ª instância sobre tal não emitiu pronúncia, atento o previsto no artigo 149.º do CPTA).


Em jeito introdutório e explicativo, reconhecemos que, tendo presente o Código das Expropriações (CE), a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação, prevista no seu artigo 10.º, constitui um momento procedimental de actuação distinto da fase da própria declaração de utilidade pública, estipulada no artigo 13.º e ss. do mesmo Código, sendo aquela prévia a esta.


Mostra o probatório inscrito nos pontos 1.º a 6.º da sentença posta em crise que a Recorrida, por intermédio do Presidente do Governo Regional dos Açores, fazendo uso da competência prevista no artigo 90.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, disse que “resolve” “Declarar a utilidade pública, com carácter urgente, da expropriação de três prédios rústicos que integram o ..., na ..., e todos os direitos a eles inerentes”, qualificando esse mesmo acto de “Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020 de 6 de janeiro de 2020” (cf. ponto 1.º do probatório).


Isto demonstra, pois, que a Recorrida assumiu a decisão de declarar a utilidade pública da expropriação com recurso ao que apelidou de “resolução”, mas que constitui, em rigor, já a própria DUP, sem que se vislumbre do probatório inserto na sentença recorrida que alguma vez tivesse produzido a resolução de expropriar segundo os contornos estipulados no artigo 10.º, n.º 1, do CE, ou seja, enquanto decisão administrativa distinta, separada e preliminar à própria DUP.


Inexistindo, pois, a resolução de expropriar enquanto tal, há que descortinar qual a consequência jurídica de tal omissão.


Para a resolução desta questão não nos vamos afastar do entendimento já formulado no acórdão do STA, no processo sob o n.º 0894/08.1... 0684/18, de 20/02/2020, consultável em www.dgsi.pt, do qual se transcrevem os seguintes excertos, por se reputarem esclarecedores para a presente situação:


“19. De toda esta recensão da jurisprudência deste STA sobre a matéria, é possível concluir-se que não têm razão as Recorrentes quanto à sua primeira linha argumentativa no sentido de que, nos processos de expropriação urgentes, em que não está em causa aquisição pela via do direito privado, a preterição da notificação prevista no nº 5 do art. 10º do C.E./99 não teria eficácia invalidante dos atos subsequentes (designadamente, da “DUP”).


Pelo contrário, resulta desta jurisprudência que a notificação prevista no art. 10º nº 5 do C.E./99 – com as menções obrigatórias referidas no nº 1:


a) é legalmente imposta quer se trate de expropriação urgente, quer não - Ac. STA de 27/7/2003, 047000;


b) corresponde, no essencial, à notificação prevista no art. 55º do CPA (art. 110º do atual CPA) - Ac. STA de 26/6/2002, 047229;


c) configura uma garantia procedimental, condicionante da legalidade da declaração de utilidade pública - Ac. STA de 24/3/2004, confirmado pelo Ac. STA, Pleno da C.A., de 10/3/2005, ambos no rec. 047532;


d) é uma formalidade essencial, instrumento de concretização do direito constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (art. 267º/5 da CRP) - Ac. STA, Pleno do C.A., de 6/3/2007, 01595/03;


e) é um dos elementos de grande relevo no estatuto procedimental do particular, requisito essencial para a materialização de uma participação efectiva; quanto mais cedo o particular souber da possibilidade de uma ablação, mais tempo disporá para preparar adequadamente a defesa dos seus interesses - idem;


f) a sua função primacial é comunicar ao expropriado o conteúdo da resolução de requerer a declaração de utilidade pública, dando-lhe conhecimento do início do procedimento de expropriação com antecedência em relação ao momento da declaração de utilidade pública, por forma a permitir-lhe defender nele adequadamente os seus interesses, designadamente poder influenciar a própria declaração de utilidade pública - Ac. STA de 7/1/2009, 0707/08; e


g) a sua omissão, ou o seu cumprimento só após a “declaração de utilidade pública” (ou, mesmo, sem a necessária antecedência relativamente a esta) é invalidante da “DUP”, por apenas ser legalmente admissível nos casos de “expropriações urgentíssimas” – em estado de necessidade por razão de calamidade pública ou por exigência de segurança interna ou de defesa nacional, como previsto no art. 16º do C.E./99 - idem.


(…)


Assim, também o incumprimento da notificação legalmente prevista no art. 10º do C.E./99 pode degradar-se em irregularidade não invalidante da “DUP”.


Porém, para tanto, torna-se necessário concluir que os interessados tiveram conhecimento do procedimento – dos respetivos elementos relevantes - a tempo de poderem nele intervir (o que significa, como decorre da jurisprudência deste STA acima examinada, com suficiente antecedência relativamente à “DUP”).


(…)


“26. Num diferente caso, em que a notificação da “Resolução de expropriar” só foi efectuada após a “DUP” e que a interessada não teve, antes desta, qualquer intervenção no procedimento, o Ac. STA de 1/7/2009 (0707/08) julgou:


«(…) tendo a declaração de utilidade pública sido proferida antes da notificação da resolução de requerer a expropriação e não se tendo demonstrado que tenha existido qualquer intervenção procedimental da ora Recorrente anterior à declaração de utilidade pública, não se está perante uma situação em que se possa afirmar que a falta de notificação não afectou os seus direitos procedimentais, pois não lhe foi assegurada a possibilidade de intervir no procedimento antes de aquela declaração ser proferida, que a notificação em causa visa. Por isso, o acto recorrido enferma de vício procedimental por omissão da notificação prevista no art. 10º, nº 5, do Código das Expropriações de 1999, que justifica a sua anulação (art. 135º do CPA), na parte relativa à expropriação da parcela nº 118 (…)».


(…)


“31. Da mesma forma, se tal notificação, legalmente imposta, «configura uma garantia procedimental, condicionante da legalidade da declaração de utilidade pública» (Ac. STA de 24/3/2004, confirmado pelo Ac. STA, Pleno do C.A., de 10/3/2005, ambos no rec. 047532), e se «é uma formalidade essencial, instrumento de concretização do direito constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito (…) um dos elementos de grande relevo no estatuto procedimental do particular, requisito essencial para a materialização de uma participação efectiva», pelo que «quanto mais cedo o particular souber da possibilidade de uma ablação, mais tempo disporá para preparar adequadamente a defesa dos seus interesses» (Ac. STA, Pleno do C.A., de 6/3/2007, 01595/03), então, a omissão, no presente caso, dessa notificação aos interessados, não obstante as solicitações destes, não satisfeitas, não permitem concluir que o objetivo legal foi, por qualquer forma, alcançado. – (todos os destaques nossos)


Retornando ao caso dos autos e ainda que o acórdão citado labore em torne da falta de notificação da resolução de expropriar, entendemos que os valores e direitos protegidos com tal posicionamento do Colendo STA, de igual modo (e até por maioria de razão), se aplicam quando falte a própria resolução de expropriar.


Isto é, faltando a resolução de expropriar prevista no artigo 10.º, n.º 1, do CE, como no caso vertente falta, a Recorrida, na mesma, colocou em causa o direito de participação activa das Recorrentes logo na fase inicial do procedimento expropriativo, não lhes dando tempo e oportunidade de preparar atempadamente a defesa dos seus interesses perante um acto ablativo da propriedade, como asseverou o predito acórdão do STA.


A Recorrida, com tal omissão, não assegurou às Recorrentes a possibilidade de, o mais cedo possível, intervirem no procedimento antes mesmo da prolação da DUP, omitindo, assim, um elemento essencial do procedimento expropriativo, enquanto instrumento de concretização do direito constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.


Aqui chegados, configurando a notificação da resolução de expropriar uma garantia procedimental, condicionante da legalidade da declaração de utilidade pública, conforme propugna o acórdão do STA que temos vindo a seguir para a questão da notificação, tem-se por extensiva tal ilação também à temática da falta da própria resolução, que devia ter sido emitida antes da própria DUP.


Assim não tendo acontecido no caso em apreço, temos de considerar que tal omissão contamina a legalidade da própria DUP, que, como tal, se mostra inquinada por conta de um vício cometido a montante e na fase inicial do procedimento expropriativo.


E, contrariamente ao propugnado pela 1.ª instância, é irrelevante que, estatutariamente, o órgão que profere a resolução de expropriar seja aquele que, em termos de competência, também emita a DUP.


É que a presente questão não se encara pela economia dos actos a proferir ou pela congregação no mesmo órgão de ambas as competências, mas sim pela circunstância de se velar pela finalidade em assegurar a quem será objecto de um acto ablativo sobre a sua propriedade de poder, atempadamente, em função do direito de participação no procedimento administrativo logo no momento inicial do mesmo, preparar-se para tal decisão ou ainda de lhe ser facultada a oportunidade de aportar ao procedimento elementos esclarecedores ou rectificativos que contribuam, depois, para a emissão de uma DUP mais participada e isenta de erros ou lapsos que podiam ser debelados, precisamente, em resultado de tal resolução de expropriação e sua notificação.


Por outro lado, inexistindo tal resolução de expropriar prévia, como é óbvio e lógico, nem sequer se pode aventar a hipótese da falta da notificação relativamente a um acto cuja existência material-jurídica não foi comprovada, pois que, a notificação só se pode exigir quanto a decisões efectivamente produzidas pela Administração.


Deste modo, perdem importância as conclusões recursivas sobre a temática da alegada falta de notificação da resolução de expropriar, pois que, para a invalidade do acto impugnado basta o juízo que fizemos sobre a omissão de tal resolução.


***


B.2. Prosseguindo, no que se refere especificamente à omissão de notificação da DUP à Recorrente BB, é dito em alegações de recurso que “Impõe-se também que se reconheça e expresse a consequência jurídica, igualmente inevitável, da omissão de notificação da d.u.p. (…) admitida pela própria Ré nos presentes autos (como um lapso seu) já que, independentemente da vontade da mesma, dos atos de execução praticados depois dessa falta procedimental, por causa exclusivamente imputável à entidade expropriante a d.u.p. e atos de execução que lhe sucederam, encontram-se inquinados de invalidade, pelo menos enquanto não seja efetuada aquela notificação (que é devida) à mesma A.II, conforme já arguido pelas AA, aqui Recorrentes, nos presentes autos.


Invocar aqui o princípio do aproveitamento dos atos administrativos para “eliminar” ou justificar a invalidade cometida, na omissão de notificação da d.u.p., é retirar direitos constitucionais assegurados à arrendatária expropriada, não sendo admissível, mesmo em defesa de causas ambientais e de proteção das aves imigratórias ou do meio ambiente. Está em causa, também, toda a atividade económica da própria lesada, na ocupação daquelas terras arrendadas, que são de excelência (e únicas) para a produção e criação animal (principalmente das suas ovelhas e vacas).


Sobre tal questão, constata-se que o Tribunal a quo, apesar de intitular a questão a decidir, entre outras, como a da falta de notificação da DUP à 2.ª Recorrente e de ainda ter colocado no seu discurso fundamentador que “face aos factos provados apenas se apura, o que aliás é admitido pela Ré, que a A. RR, por lapso da Ré” não foi notificada de tal declaração (acrescentamos nós este último elemento literal que, embora não inserto na frase, assim decorre do sentido e da lógica do respectivo parágrafo da sentença), de novo, porém, direcciona e concentra a sua sindicância para a temática da preterição da audiência prévia, apondo-lhe, depois, a já conhecida dinâmica do princípio do aproveitamento do acto administrativo.


Ora, porque a preterição da formalidade de audiência prévia é uma questão distinta da omissão da formalidade de notificação de um determinado acto administrativo, entendemos, novamente, que há aqui uma nulidade por omissão de pronúncia sobre uma questão que devia ter sido concretamente apreciada pelo Tribunal a quo e não o foi, atento o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.


Na senda do atrás exposto, ainda que as Recorrentes assim não o tivessem formulado, isto é, não colocando a presente temática no nível de uma nulidade, o Tribunal de apelação, segundo o disposto no já citado artigo 5.º, n.º 3, do CPC, não está inibido de qualificar uma determinada questão que foi apresentada como erro de julgamento a título de nulidade, e vice-versa.


E assim, de novo, vamos conhecer tal questão, em substituição, conforme é permitido ao Tribunal de apelação, atento o disposto no artigo 149.º, n.º 1, do CPTA.


Conhecendo.


O artigo 17.º, n.º 1, do CE, estipula que O acto declarativo da utilidade pública e a sua renovação são sempre publicados, por extracto, na 2.ª série do Diário da República e notificados ao expropriado e aos demais interessados conhecidos por carta ou ofício sob registo com aviso de recepção, devendo ser averbados no registo predial.


Dos factos provados não se infere que a ora 2.ª Recorrente tivesse sido efectivamente notificada da DUP, pois que o aludido comando legal exige que a carta ou o ofício sigam sob registo com aviso de recepção, formalismo cujo cumprimento não se vislumbra ter a ora Recorrida logrado demonstrar nestes autos.


Aliás, a própria Recorrida sempre admitiu nas suas peças processuais que não procedeu à notificação em causa na pessoa da 2.ª Recorrente, segundo os moldes legais acabados de mencionar.


Consubstancia tal falta de notificação da DUP a omissão de uma formalidade essencial prescrita legalmente, pois que, tal notificação faculta ao administrado o conhecimento atempado dos contornos fácticos e jurídicos do acto ablativo que incide sobre os direitos inerentes ao bem a expropriar.


Uma vez descortinada tal omissão de notificação da DUP à 2.ª Recorrente, importa saber se a mesma tem repercussões na validade do próprio acto impugnado (na DUP).


Interessa, pois, solucionar a presente temática.


Em primeiro lugar, não pode confundir-se a notificação do acto, enquanto requisito da sua eficácia, com a validade intrínseca do próprio acto carecido de notificação, pois que a ausência desta formalidade pode constituir um problema de oponibilidade da decisão administrativa, mas não necessariamente a sua invalidade.


Em segundo lugar, importa averiguar no caso concreto em que medida a omissão da formalidade essencial de notificação da DUP à 2.ª Recorrente está em condições de se degradar em formalidade não essencial, atenta a aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, veiculado pela sentença recorrida, ainda que a propósito da audiência prévia, princípio esse que encontra tradução no artigo 163.º, n.º 5, alíneas a) a c), do CPA.


Tal degradação ocorrerá na estrita dimensão em que se descortine qual o grau de intervenção da 2.ª Recorrente, por si ou por representante, noutras diligências ou formalidades que evidenciem, apesar da falta do acto de notificação, não poder a mesma ignorar o teor da DUP ora impugnada.


Os pontos 9.º, 11.º, 13.º e 24.º do probatório fixado na sentença recorrida, não impugnados pelas Recorrentes segundo o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), do CPC, evidenciam os seguintes factos:


9 - Por oficio SAI-DRA/2020/2502, datado de 12/06/2020, a R. notificou a A. FF, da realização da Vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº.4 junto com a p.i. e procº. instrutor).


(…)


11 - Por SAI-DRA/2020/3061, datado de 20/07/2020, a R. notificou a A. FF, do Relatório da Vistoria “ad perpetuam rei memoriam, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 6 junto com a p.i., e procº. instrutor).


(…)


13 - Por SAI-DRA/2020/3786, datado de 26/08/2020, a R. notificou a A. FF, do acto de transmissão da posse dos prédios rústicos inscritos na matriz predial com os artigos 976, 977 e 978, sito no ..., agendada para o dia 25/09/2020, pelas 10h45m, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº.8 junto com a p.i., e procº. instrutor).


(…)


34 – A mandatária da A. FF pronunciou-se sobre o relatório da vistoria “ad perpetuam rei memoriam” que inclui nos seus anexos a resolução do Conselho de Governo que incorpora a Declaração de Utilidade Pública (cfr. docº.s 2 e 3 juntos com a contestação, procº. instrutor e admissão por acordo). – (destaques nossos).


Pois bem, a comprovação da notificação à 2.ª Recorrente do Relatório da Vistoria “ad perpetuam rei memoriam” aos prédios expropriados decorre do doc. n.º 6 junto à p.i. pela própria Co-demandante FF (apresentado pelas Recorrentes no SITAF em três partes separadas).


Compulsado tal documento, verifica-se do seu teor, nas respectivas páginas 2 (pois que há um relatório para cada um dos três prédios), entre outras indicações: i) a identificação dos prédios rústicos a expropriar, com indicação da freguesia do ...; ii) a referência à DUP, identificada como a “Resolução do Conselho de Governo n.º 14/2020 de 6 de janeiro, publicada no Jornal Oficial I – Série”; iii) constatando-se nas respectivas páginas 3 dos relatórios, entre outras alusões, as descrições dos terrenos rústicos a expropriar pelos números das matrizes prediais – n.ºs 976, 977 e 978.


Mas não só. Verdadeiramente elucidativo é que no relatório do perito avaliador em que se traduz o doc. n.º 6, repete-se, junto à p.i. pelas próprias Recorrentes, fazem parte integrante, também, três cópias extraídas do Jornal... com o texto completo da Resolução do Conselho do Governo n.º 14/2020, de 06/01, em que se consubstancia a DUP, bem como, o anexo com a fundamentação dessa mesma DUP.


Ademais, dimana do ponto 34 do probatório que a mandatária da 2.ª Recorrente, depois da notificação aludida no ponto 11 dos factos provados, emitiu pronúncia sobre o relatório da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, que incluiu nos seus anexos a resolução do Conselho de Governo que incorpora a Declaração de Utilidade Pública.


Portanto, ainda que omitida pelos serviços da Recorrida a notificação da DUP à 2.ª Recorrente segundo os ditames legais, decorre da concatenação entre os factos supra explanados que a sua participação procedimental posterior evidencia que a mesma acabou por ter acesso à DUP, desta podendo conhecer, afinal, o seu conteúdo fundamentador e decisório.


E só assim se compreende que, por intermédio da respectiva mandatária, a ora 2.ª Recorrente tivesse sido capaz de emitir pronúncia sobre o relatório da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, que, como vimos, comprovadamente se fazia acompanhar da resolução do Governo Regional dos Açores declarativa da utilidade pública da expropriação dos prédios e do anexo fundamentador.


E assim também se percebe, desse conhecimento da DUP, que as Recorrentes tivessem conseguido intentar a presente acção administrativa nos moldes em que o fizeram, isto é, logrando assacar contra o acto administrativo impugnado, de modo bem prolixo e esclarecido, um conjunto de vícios formais e substanciais que só o conhecimento da DUP e respectiva fundamentação o poderia justificar.


Por conseguinte, apesar de omitida a formalidade de notificação da DUP à 2.ª Recorrente, disposta no artigo 17.º, n.º 1, do CE, temos de concluir que, face ao caso concreto, tal formalidade essencial degradar-se-ia em formalidade não essencial, não só por efeito do referido princípio do aproveitamento do acto administrativo, mas também porque o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida [foi] alcançado por outra via, assim se entendendo que o efeito anulatório [da DUP], se olhado só por conta deste especifico vício, não se produziria, na senda do preconizado na alínea b) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA (isto - a referência ao comando legal do CPA -, claro está, no pressuposto de que a falta da notificação da DUP possa conduzir, também, à sua própria invalidade, segundo a jurisprudência convocada nesta questão pelas Recorrentes em sede de alegações de recurso, invalidade essa que, apenas por conta deste especifico segmento, acabámos de afastar, como vimos, em resultado do explicitado grau de intervenção da 2.ª Recorrente).


Improcede, pois, o apontado vício.


***


B.3. Da alegada violação da regra procedimental da dilação do prazo (art.º 88.º do CPA) e do regime contido nos art.º 10.º e 21.º do Código das Expropriações


Neste conspecto, vejamos o enfoque factual e jurídico que as ora Recorrentes, em sede da p.i., deram à presente temática.


Em síntese, alegaram o seguinte: todo o presente processo expropriativo foi realizado em plena pandemia e sem que os expropriados, nomeadamente a 1.ª Recorrente, tivesse possibilidade de participar nos actos, nomeadamente na vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, formulando os respectivos quesitos, dizendo que o oficio a comunicar a realização da referida vistoria foi remetido à 1.ª Recorrente, que reside nos Estados Unidos da América, com a data de 12/06/2020, quando a vistoria se iria realizar no dia 19 de Junho, o que não assegura o principio do Estado de Direito Democrático, da boa fé, imparcialidade, igualdade e justiça previstos 2.º, e 266.º da CRP e no art. 2.º do CE e arts. 2.º, 3.º, 6.º e 7.º do CPA.


Mais afirmaram que, para além da 1.ª Recorrente ter 87 anos de idade, ainda teria que viajar da Califórnia para a ..., em plena pandemia, sendo forçoso concluir que o presente processo expropriativo nasce e decorre no meio de uma pandemia mundial (COVID-19), com a gravidade e restrições e limitações que são sobejamente conhecidas. No entanto, a d.u.p. e o inerente processo expropriativo fizeram “tábua rasa” da actual situação do nosso país e do mundo e insistem em fazer notificações com prazos curtos, solicitar-se presenças de pessoas que vivem fora do Pais e que têm mais de 85 anos, cuja ausência estará certamente justificada, uma vez que decorre das limitações e impossibilidades de se viajar tendo em conta a avançada idade da 1.ª Recorrente e marido, factualidade que viola de uma forma grosseira os princípios fundamentais de um Estado de Direito Democrático, nomeadamente da igualdade, justiça, imparcialidade e boa-fé consagrados no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.


Como facilmente se percebe, as Recorrentes, em sede da p.i., nunca indicaram, nem desenvolveram, a tese da preterição do direito a uma dilação do prazo relativamente à predita vistoria, alicerçada no artigo 88.º do CPA, sob pena de estar em crise, como dizem, a tutela jurisdicional efectiva, questões que só agora aludem, em alegações recursivas.


Isto é, repegando nos mesmos factos, as Recorrentes somente em recurso aos mesmos conferem uma nova roupagem interpretativa, sobretudo, de natureza legal, para daí extrair o efeito invalidante pretendido contra a DUP, no que se traduz, em suma, na arguição de um novo vício.


Mas não podemos consentir que assim seja feito nesta instância de recurso.


Deparamo-nos, portanto, com uma questão nova (que não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal de apelação), sobre a qual ao Tribunal a quo não foi dada qualquer oportunidade de emitir pronúncia, não cabendo a este Tribunal de apelação conhecer de matéria não submetida à apreciação da 1.ª instância.


Isto significa, novamente, que a este TCAS não pode, somente em sede de recurso, exigir-se o seu exame, porquanto, por princípio, o recurso não é “ocasião para julgar questões novas”, pois visa “a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento” TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 395” (conforme anotação ao artigo 651.º do CPC, “in” Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª Edição, Almedina, de José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre).


É inócua, portanto, tal questão nova, pois não tem préstimo para contaminar a sentença recorrida.


***


B.4. Da alegada hipotética expropriação por «via de facto»


As Recorrentes levantam a questão supra epigrafada para sustentar nova tese de que, em resumo, nem juridicamente, nem por “via de facto”, se pode entender que exista expropriação, interligando tal questão quer com uma genérica referência ao princípio da legalidade, sem apontar qualquer erro concreto ao tratamento que a sentença recorrida possa ter dado a tal princípio, quer com a repetida alusão aos artigos 87.º e 88.º do CPA (a tal dilação do prazo).


As Recorrentes, aludindo aos comandos legais acabados de citar, não só pugnam de forma indefinida de que há um “ataque à propriedade”, como voltam a situar o presente tema na pretendida dilação do prazo para a realização da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”.


Ora bem, a presente questão (a alegada hipotética expropriação por «via de facto», como dizem as Recorrentes) é, novamente, uma matéria que assim não foi apresentada em sede da p.i., pois que, somente em sede de alegações recursivas foi assim patenteada pelas Recorrentes.


Não podemos admitir que assim seja produzida tal tese somente nesta instância de recurso.


De novo, aqui temos uma questão nova (que não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal de apelação), sobre a qual ao Tribunal a quo não foi dada qualquer oportunidade de emitir pronúncia, não cabendo a este Tribunal de apelação conhecer de matéria não submetida à apreciação da 1.ª instância.


Isto significa, repetidamente, que a este TCAS não pode, somente em sede de recurso, exigir-se o seu exame, porquanto, por princípio, o recurso não é “ocasião para julgar questões novas”, pois visa “a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento” TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 395” (conforme anotação ao artigo 651.º do CPC, “in” Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª Edição, Almedina, de José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre).


É inócua, portanto, tal questão nova, pois não tem valia para contaminar a sentença recorrida.


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B.5. Da alegada violação do direito de audiência prévia


As Recorrentes, neste conspecto, empreendem na motivação das alegações recursivas um exercício de inovação, pois, dando como mote de partida a temática em torno das alegadas omissões de notificação da resolução de expropriar e da DUP, temas que já atrás foram sindicados, extravasam agora o seu campo argumentativo para uma questão que, até ao recurso, ainda não haviam lançado com tal enfoque.


Isto é, convocam o artigo 121.º do CPA e o direito de audiência prévia que o mesmo contempla para, neste ensejo, dizerem que tal formalidade foi preterida, e, com efeito, aventarem um novo vício formal que possa contaminar o acto impugnado.


Acontece que, de modo directo, explícito e densificado, nunca as ora Recorrentes haviam assacado na sua p.i. tal vício com os contornos actuais. Só assim o fizeram no âmbito das alegações recursivas. Mas tarde, pois, assim querendo, deviam as Recorrentes tê-lo feito logo em sede do articulado inicial, não servindo a peça de recurso para suprir a falta de indicação de causas de pedir naquele articulado.


De novo, aqui temos uma questão nova (que não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal de apelação), sobre a qual ao Tribunal a quo não foi dada qualquer oportunidade de emitir pronúncia, não cabendo a este Tribunal de apelação conhecer de matéria não submetida à apreciação da 1.ª instância.


Isto significa, novamente, que a este TCAS não pode, somente em sede de recurso, exigir-se o seu exame, porquanto, por princípio, o recurso não é “ocasião para julgar questões novas”, pois visa “a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento” TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 395” (conforme anotação ao artigo 651.º do CPC, “in” Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª Edição, Almedina, de José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre).


É inócua, portanto, tal questão nova, pois não tem valor para contaminar a sentença recorrida.


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B.6. Da alegada violação dos arts.º 61.º e 62.º da CRP. e da colisão de direitos fundamentais. Da violação dos princípios da proporcionalidade, legalidade, justiça e boa-fé, constitucionalmente consagrados no art. 266.º da CRP, e nos arts. 2.º e 3.º, 6.º e 7.º todos do CPA e no art. 2.º do Código das Expropriações


As Recorrentes assim intitulam a motivação recursiva no presente capítulo, no que mais se aparenta com a arguição típica de uma petição inicial impugnatória de acto administrativo, olvidando que o recurso jurisdicional não visa o singelo repisar ou o redesenho dos argumentos lançados no articulado inicial, nem almeja um novo ou repetido julgamento, mas antes a sindicância de nulidades ou/e erros de julgamento de facto ou/e de direito que concretamente sejam assacados contra a sentença recorrida.


Do que efectivamente de útil se perscruta a este Tribunal de apelação a decidir no presente capítulo, apenas se detecta uma aproveitável asserção quanto à ponderação e julgamento do princípio da proporcionalidade ou da suficiência quanto ao alcance dos direitos a expropriar. E, mesmo nessa vertente, mal, pois, de novo, descortinamos o levantamento pelas Recorrentes de um argumento inovador, o que se passa a explicar.


Ou seja, em sede da p.i., as Recorrentes somente fundamentam a aplicação do princípio da proporcionalidade com o argumento de que “Só é legítimo expropriar por utilidade pública quando a expropriação for necessária para atingir o desiderato, isto é, quando esta não possa alcançar-se por meio menos gravoso e, expropriando, deve causar o menor dano a particular expropriado”, mais asseverando que “Claramente que existem meios menos gravosos - que causem menos danos às A.A. - para proteger as referidas aves marinhas, nomeadamente estabelecendo regras e criando condições no terreno conforme aliás já resulta da: i) Classificação como área protegida desde 1984; Parque Natural da ilha de ..., como «...» (SJO07); ii) como ..., enquanto parte da «Zona de Proteção Especial do ... (...) e iii) com a designação de «Área importante para as aves» (...).– factualidade que resulta da própria d.u.p. junta sob DOC.1.” – (cf. artigos 37.º e 38.º da p.i. – por consulta ao SITAF).


E, então, mais não desenvolveram, sobretudo, o que só agora afirmam em sede do recurso jurisdicional. Vêm dizer as Recorrentes, somente em motivação recursiva, em resumo, que afinal seria suficiente [e proporcional] a expropriação do direito de superfície sobre o solo ou a constituição de servidões administrativas.


Pois bem, repetimos que tal matéria constitui, novamente, uma questão nova (que não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal de apelação), sobre a qual ao Tribunal a quo, por não ter sido assim alegada em sede da p.i., não foi dada qualquer oportunidade de emitir pronúncia, não cabendo a este Tribunal de apelação conhecer de matéria não submetida à apreciação da 1.ª instância.


Isto significa, novamente, que a este TCAS não pode, somente em sede de recurso, exigir-se o seu exame, porquanto, por princípio, o recurso não é “ocasião para julgar questões novas”, pois visa “a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento” TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 395” (conforme anotação ao artigo 651.º do CPC, “in” Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª Edição, Almedina, de José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre).


É inócua, portanto, tal questão nova, pois não tem serventia para contaminar a sentença recorrida.


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B.7. Da alegada natureza (não) urgente da expropriação à luz do art.º 15.º do Código das Expropriações (CE)


Neste segmento recursivo, as Recorrentes, epigrafando como acima exposto, aduzem em conclusões recursivas sob as letras OO. a QQ. que “O Tribunal a quo erradamente considerou a atribuição de carácter urgente à expropriação, sem ter em consideração os seus pressupostos e os seus efeitos nefastos na esfera jurídica das AA., uma vez que a mesma concede à entidade expropriante o direito de entrar de imediato na posse dos bens a expropriar; PP. A d.u.p., no que diz respeito à atribuição de urgência – apenas tenta justificar a mesma perante o calendário de execução das acções do projecto cofinanciado pela Comissão Europeia - pelo que é evidente que enferma de manifesta falta de fundamentação, de facto e de direito, pelo que foram frontalmente infringidos os arts. 268°/3 da CRP, 152° e 153° do CPA e 15°/2 do CE; QQ O acto impugnado, ao determinar a expropriação com carácter de urgência, negou e restringiu os direitos e interesses legítimos das Recorrentes, na medida em que tinha, necessariamente, de ser fundamentado de facto e de direito, ex ví do art. 268.º/3 da CRP, dos arts. 152° e 153° do CPA e do art. 15°/2 do CE”.


Pois bem, o que as Recorrentes dizem em conclusões de recurso é, no essencial, a repetição da argumentação já esgrimida nos artigos 88.º a 96.º da p.i. (cf. consulta ao SITAF).


De novo, somos levados a explicar que o recurso jurisdicional não visa o singelo repisar dos argumentos já lançados no articulado inicial, nem pode almejar um novo ou repetido julgamento, mas antes a sindicância de nulidades ou/e erros de julgamento de facto ou/e de direito que concretamente sejam assacados contra a sentença recorrida.


Acontece que as Recorrentes, face ao alegado recursivamente, não densificaram devidamente onde se encontra o eventual erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo sobre a análise que foi realizada pela sentença recorrida a propósito da temática acima intitulada.


Em boa verdade, a sentença recorrida não deixou de julgar tal vício, avançando em dois momentos distintos, no que toca à temática da urgência da expropriação, com a seguinte fundamentação:


“3 – Da natureza urgente da expropriação à luz do artº.15º Código das Expropriações (CE). Ou trata-se de expropriação não urgente?


A expropriação tem assento constitucional no art. 62º nº 2, preceito que fixa os pressupostos que a legitimam:


- o principio da legalidade;


- a justa indemnização;


delimitados pelo objecto do litigio dos autos, o acto de declaração de utilidade pública, restringimo-nos à apreciação da validade intrinseca daquele acto! E, ainda, que não estejamos a apreciar da matéria atinente à “indemnização”, sempre se dirá pela relevância para o apuramento do carácter urgente da expropriação, ou até da expropriação dita “clássica”, é de salientar que a expropriação prevista na norma constitucional é a “expropriação de sacrifício”, por o núcleo essencial da mesma ser dotada de conteúdo económico, traduzindo-se o “sacrifício” na inviabilização do direito de propriedade ou direitos emergentes do mesmo para o titular ou titulares daqueles direitos.


O artº.15º/CE reporta-se à “expropriação urgente”, todavia não nos dá um conceito legal de “expropriação urgente”, antes exige que deve constar da declaração de utilidade pública as razões que motivam aquela urgência, e que devem reportar-se ao interesse público! Fixando a obrigação de fundamentação do carácter urgente como imperativo, ao exigir que “deve” ser sempre fundamentada (cfr. artº.15º/1/2/CE).


A expropriação urgente não tem qualquer identidade, ainda que mínima, com a expropriação urgentíssima (cfr. artº.16º/CE), a expropriação urgente é ditada pela necessidade urgente, pese-se a redundância, para a prossecução de interesses públicos que reclamam urgente intervenção. Enquanto que, a expropriação urgentíssima não se reporta aos interesses públicos de modo geral, ainda que urgentes, mas sim e apenas aos elencados e nas circunstâncias igualmente estabelecidas no artº.16º/1/CE, ou seja, unicamente e imperativamente quando “decorra de calamidade pública ou de exigências de segurança interna ou de defesa nacional”, o que aqui não está manifestamente em causa.


Sustentam as AA. que a expropriação não é urgente! Mais afirmam até que a Ré se socorreu antes do mecanismo da “expropriação urgentíssima”, o que não passa de mera alegação das AA., não provada nos autos, basta ter em conta o teor da declaração de utilidade pública e seus anexos, de cujo teor extrai-se facilmente as razões da urgência de intervenção da Ré, de molde a assegurar o cumprimento das suas atribuições em defesa do estatuto do ..., as suas obrigações legais perante a EU, garantir a prossecução e execução do Projecto ………….., dando o devido pontual e ponderado cumprimento da lei vigente, bem como do direito comunitário em matéria de direito do ambiente.


As AA. fazem tábua rasa da fundamentação patente na declaração de utilidade pública, e alicerçam a sua pretensão em razões de ordem económica de ambas as AA., sendo que quanto às mesmas não lograram sequer provar todos os factos alegados quanto à matéria, apenas provaram o que resulta dos contractos de arrendamento e do facto da A. proprietária ter adquirido a propriedade e o montante das rendas que recebe, mas não provou já que aquelas quantias são-lhe necessárias em termos de sobrevivência económica, pois nada alegou ou provou quanto aos seus rendimentos e vida económica e qual a influência da supressão dos rendimentos emergentes das rendas dos prédios dados de arrendamento no ..., mas insiste-se que é a Constituição a conferir à expropriação o carácter de “expropriação de sacrifício”, o que significa que sendo a mesma necessária aos afectados pela mesma resta-lhes a compensação mediante a atribuição da prevista indemnização justa.


A declaração de utilidade pública é congruente, clara e suficiente, e elenca à exaustão as razões que motivam a urgência da expropriação, o que não podemosignorar, mas sim certificar que a Ré cuidou de analisar a situação do ..., iniciou o processo em 2016, tentou resolver a situação com as AA. por acordo e não conseguiu, mas não podia já mais protelar a situação no sentido de criar situação jurídica que lhe permitisse intervir globalmente no ..., de modo a salvaguardar a sua manutenção e existência futuras, velando pela flora e fauna originais daquele ..., com o intuito da sua preservação, no que se traduz o aludido ... que objectiva e concretiza as medidas concretas a aplicar no ..., e face à prova testemunhal produzida pela Ré - sem prejuízo do patente na fundamentação da declaração de utilidade pública – obteve-se o reafirmar do patente no contéudo da declaração de utilidade pública, bem como foi dito de forma clara e contundente da incompatibilidade da situação actual com a prossecução dos objectivos do Projecto que visa a renaturalização do ... e impedir todas as actividades que colidam com aquele objectivo, como seja a manutenção da exploração da A. arrendatária.


Os factos falam por si! E o conteúdo da declaração de utilidade pública também “fala por si”, dir-se-ia até que “grita” dada a matéria aqui em discussão!


As AA. seguem fieis aos seus propósitos, mas que aqui têm de ceder perante a necessidade da expropriação urgente! que visa unicamente validar situação que permita a implementação de medidas de conservação e preservação ambiental, bem como de melhoria da situação de intervenção, que assumem o cariz de urgentes! e, em simultâneo criar situação objectiva que permita a garantia das medidas implementadas.


Refira-se, também, que os princípios a aplicar e a defender nestas matérias não permitem que as AA. obtenham solução a seu favor, referimo-nos aos princípios, entre outros, reportando-nos apenas aos que aqui assumem particular relevância:


- da prevenção – principio de extrema importância, pois visa o de dever de prevenir a ocorrência de danos irreversíveis, aqui bem aflorado na declaração de utilidade pública e seus anexos, em que a intervenção urgente tem o propósito de cessar actividades e utilizações incompatíveis com a garantia do estatuto jurídico do ...;


- da precaução – principio que revela-se complementar do principio da prevenção, sendo um seu corolário, pois revela-se na criação de medidas a fim deprevenir situações que comprometam a realidade a preservar e a manter, o que também está claramente denotado no teor da declaração de utilidade pública.


Em suma, saber se a expropriação é, ou não, urgente, apura-se face ao seu contéudo motivador, e com apelo à matéria de facto provada, e em particular à prova documental relativa à declaração de utilidade pública, e com fundamento no supra exposto, não há outra conclusão que não a de que estamos perante uma expropriação urgente! E improcede a alegada expropriação não urgente pelas AA., por carecida de fundamento e não provada.


(…)


“4 - Saber se o acto padece do vício de falta de fundamentação, e enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, face à inexistência de carácter urgente da expropriação, e se viola os arts. 268°/3 da CRP, 152° e 153°do CPA e 15°/2 do CE, e se viola os art. 15.º, n.º 2 do CE e arts. 152° e 153° do CPA


Sustentam as AA. que o acto impugnado padece do vício de forma de falta de fundamentação, desvalorizando as AA. afinal todo o conteúdo motivador e patente no acto impugnado (cfr. factos provados), e constroem as AA. uma tese alternativa que acolhe e mantém os seus interesses económicos no ... inalterados, mas o que não corresponde e não pode fundamentar a arguida falta de fundamentação.


Os requisitos legais da fundamentação dos actos administrativos são os exigidos no artº.153º/1/2/CPA, preceito que estipula o seguinte:


(…)


Face à matéria de facto provada, que tem de ser também equacionada com todos os antecedentes, igualmente provados nos autos, o que se apura é que o acto impugnado mostra-se fundamentado de facto e de direito, o que é evidenciado pela sua motivação, que engloba todos os anexos que fazem parte integrante do acto aqui impugnado, e contrariamente ao alegado pelas AA., o que se apura é que a fundamentação do acto impugnado mostra-se conforme ao dever legal de fundamentação, e ao disposto no artº. 153º/1/2/CPA, já que é clara, concisa e congruente (cfr. factos provados), fundamentação com a qual, logicamente, as AA. não concordam, e é no seu grau de discordância e teses alternativas que as AA. estruturam a alegada violação do dever legal de fundamentação, e esta tem de ser apenas aferida em face do seu conteúdo e das regras legais aplicáveis.


Saliente-se, ainda, que a jurisprudência corrente sustenta que a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal do acto administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele acto, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido, de modo a habilitar o destinatário a reagir eficazmente contra a decisão, o que se verifica no caso subjudice, o que as AA. admitem e revelam conhecer, bem como entender a motivação do acto impugnado, mas que refutam, porque pretendem prevalecer a sua situação actual.


Da declaração de utilidade pública constam as razões de facto e de direito, decorrentes da articulação do estatuto do ... com as realidades ambientais ali radicadas e a preservar e manter, associadas a compromissos e projectos articulados com obrigações perante a UE, bem como elenca de forma clara as questões jurídicas e enquadramento jurídico motivador.


Assim, e face ao supra expendido, decorre com clareza que o acto sindicado cumpre os requisitos legais da fundamentação exigidos pelo disposto no art. 153º/CPA, e por isso, conclui-se que improcede o arguido vício de forma, por falta de fundamentação.


Como dissemos, cabia às Recorrentes evidenciar em sede do recurso, com clareza e precisão, qual o concreto erro de julgamento eventualmente cometido pela 1.ª instância, não podendo limitar-se, para tal desiderato, à mera repetição dos argumentos esgrimidos na p.i. sobre o aduzido vício, esperando, infrutiferamente, que o Tribunal de apelação sobre os mesmos volte a emitir uma pronúncia.


Improcedem, pois, tais conclusões de recurso, que nenhuma valia têm para inquinar a sentença recorrida.


***


B.8. Da alegada ininteligibilidade do ato impugnado


Da alegada violação dos princípios materiais da confiança e segurança jurídica num Estado de Direito Democrático (art.º 2.º e 9.º da CRP)


Da alegada nulidade do acto impugnado à luz do art. 161.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d) do CPA


Da alegada contradição irrefutável


As Recorrentes, compulsadas as conclusões de recurso sob as alíneas RR. e SS., dizem que “A d.u.p. tem de assentar em pressupostos concretos e identificar, de forma clara, precisa, completa e inteligível, o objecto e os destinatários da expropriação, o que não se verificou in casu uma vez que quer a d.u.p quer os atos de execução limitam-se a remeter para as classificações, não identificando de forma clara, precisa, completa o inteligível os seus destinatários, direitos expropriados e respectivas áreas, confrontações e extremas de terreno objecto da expropriação; SS. A ininteligibilidade do acto impugnado determina a sua nulidade ou, pelo menos, ineficácia (v. arts. 151°/1 e 2, 159° e 161°) do CPA)”.


Ora, o acima dito em conclusões de recurso mais não é do que, no essencial, o decalque fiel do igualmente alegado nos artigos 49.º a 56.º da p.i. (cf. consulta do SITAF).


Mais uma vez, explicamos que o recurso jurisdicional não tem por finalidade retrilhar os fundamentos já lançados no articulado inicial, nem pode servir para alcançar um novo ou repetido julgamento, mas antes a sindicância de nulidades ou/e erros de julgamento de facto ou/e de direito que concretamente sejam assacados contra a sentença recorrida.


As Recorrentes, face ao alegado recursivamente, mormente, do que inscreveram nas conclusões recursivas supra indicadas, não densificaram devidamente onde se encontra o eventual erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo sobre a análise que foi realizada pela sentença recorrida a propósito da alegada ininteligibilidade do ato impugnado.


Em rigor, a sentença recorrida também não deixou de julgar tal vício, propalando a seguinte fundamentação:


“4 – Da ininteligibilidade do acto impugnado determina a sua nulidade ou, pelo menos, ineficácia à luz dos arts. 151°/1 e 2; 159° e 161°, todos do CPA


As AA. insistem em vícios que se reconduzem entre si, mas o certo é que caindo um caem os demais, o que não é de admirar face à coesão do ordenamento jurídico.


Arguem as AA. a ininteligibilidade do acto impugnado, com apelo à violação dos artºs. 151º/1/CPA, preceito que reporta-se às menções obrigatórias e que devem constar do acto administrativo.


Não se entende a alegação das AA., por um lado cita jurisprudência, invoca o artº.151º/1/CPA sem referir que alíneas estão aqui não respeitadas, e não faz porque bem sabe que aquela violação não ocorre, e a mesma é unicamente aferida quanto ao acto impugnado e seu contéudo, e nada mais, irrelevando o que é tecido e conjecturado a propósito, são a prova dos factos e do direito aplicável que devem prevalecer, e não conjecturas ou citação de acórdãos sem ajustar à realidade do litígio a apreciar e julgar. E, também não se entende, a arguição do artº.159º/CPA, pois a declaração de utilidade pública foi objecto de publicação em Diário da República (cfr. factos provados).


Donde que, improcedem a arguida violação dos artºs. 151º/1 e 159º, ambos os preceitos do CPA, o que dita a inaplicabilidade do artº.161º/1/CPA, pois não foram provados factos que permitam o preenchimento das alíneas a) a l), do nº2, do citado preceito legal.


5 - Da violação dos princípios materiais da confiança e segurança Jurídica, que ao Estado Português, enquanto Estado de Direito Democrático, cumpre prosseguir e aplicar (v. arts. 2° e 9° da CRP)


O artº.2º/CRP constitui norma programática, cuja violação tem de ser concretizada mediante violação de normas legais que comprometam a garantia constitucional instituída naquele preceito constitucional, ou seja, que comprometam o Estado de Direito Democrático, que impõe a subordinação de todos os poderes à lei, mas preceito que não ignora o necessário equilíbrio entre os direitos fundamentais e o papel de “privilégio" do Estado, não porque lhe seja atribuído mais direitos contra os direitos individuais, mas sim os direitos de defesa da sociedade/comunidade, se necessário, em detrimento de direitos individuais, ainda que dotados de natureza de direitos fundamentais, e aqui remetemos para o supra expendido na presente decisão quanto à matéria da colisão de direitos fundamentais, que aqui damos por reproduzida, e nos permite, sem mais delongas, que aquele preceito mantem-se intocado não obstante o acto impugnado, que antes lhe faz justiça!


Vejamos, agora, o artº.9º/CRP, e da arguida violação do princípio da confiança, e a propósito não é despiciendo de aqui levar em linha de conta tudo o que já consta da presente decisão, e em concreto veja-se o expendido quanto à arguida violação do principio da boa-fé, que é um dos lados do principio da confiança.


Não há lugar à violação daquele princípio, e muito menos na óptica sustentada pelas AA., que é o prejuízo da sua situação enquanto uma proprietária, e outra arrendatária, fazendo tábua rasa do que envolve o ... (veja-se o expendido a propósito do estatuto jurídico do ...), o que ocorre é que as AA. “fizeram confiança na imutabilidade da sua situação jurídica”.


O Tribunal Constitucional já se debruçou inúmeras vezes a propósito do princípio da confiança, do que emerge que a reclamada tutela constitucional emergente da aplicação dos artsºs. 2º e 9º/CRP exige que a Ré tenha agido de molde a gerar nas AA. a expectativa de continuidade, tendo que tais expectativas serem legitimas, justificadas, e ainda que se sobreponham aos interesses públicos a prosseguir pela ora Ré, e tal não é manifestamente o caso. As AA. bem sabem e não podem ignorar o significado do ... – veja-se o expendido quanto ao estatuto do ... -, e antes era previsível que os direitos das AA. viessem a ser restringidos e até validamente suprimidos, com a devida compensação económica, como é o caso sujudice, e no que se traduz a “expropriação sacrifício”.


Não procede, assim, a arguida violação dos artºs. 2º e 9º/CRP, nem do princípio da confiança.


6 – Da nulidade à luz do art. 161.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d) do CPA


Vêem as AA. arguir o carácter nulo do acto impugnado, com fundamento no artº.161º/2/d)/CPA, ou seja, entendem as AA. que o acto impugnado viola um direito fundamental, o que não procede, dá-se aqui como reproduzido o supra expendido a propósito da alegada violação dos direitos fundamentais invocados pelas AA. com assento constitucional nos artºs. 61º e 62º, da CRP, que já se apreciou e conclui que não foram violados, o que dita a improcedência da nulidade do acto impugnado nos termos do artº.161º/2/d)/CPA.


7- Da violação do principio da justa indemnização previsto no n.º 1 do Código das Expropriações, e no art. 62.º, n.º 2, da CRP, ao não fazer qualquer alusão às áreas correctas e respectivas confrontações e estremas, bem como ao número de animais propriedade da A.II que pastoreiam nos prédios a expropriar.


O objecto do acto impugnado é o da declaração de utilidade pública, que não atribui nem fixa qualquer indemnização, e por isso, aquela alegação carece de sentido, e revela-se inoportuna, pois extravasa o objecto do litígio, o que dita a sua improcedência.


8 - Da contradição irrefutável


Basta percorrer o expendido na presente decisão para concluir que o afirmado pelas AA. carece de fundamento de facto e de direito, e só a tese infundada das AA. é que suporta a alegada contradição irrefutável, mas que melhor se acentuará e demonstrará em sede da apreciação do arguido vício de falta de fundamentação, mas que aqui nega-se, desde já, procedência àquela afirmação da existência de “contradição irrefutável”, pois mais do que tudo é uma mera afirmação.


Também neste segmento cabia às Recorrentes demonstrar em sede do recurso, com clareza e precisão, qual o concreto erro de julgamento eventualmente cometido no raciocínio da fundamentação empreendida pela 1.ª instância, não podendo limitar-se, para tal objectivo, a inculcar na motivação do recurso ou nas conclusões recursivas uma mera repetição dos argumentos já esgrimidos na p.i. sobre o aduzido vício, esperando que o Tribunal de apelação sobre os mesmos volte a emitir uma nova pronúncia, tarefa que é imprópria da sindicância recursiva.


Ainda assim, sem prejuízo do entendimento acabado de tecer, sempre se diz que, a talhe de foice, não podemos deixar de focar a jurisprudência firmada pelo STA em matéria de ininteligibilidade dos actos administrativos (cf. artigo 161.º, n.º 2, alínea c), do CPA), destacando-se, entre outros, o acórdão de 13/07/2016, proferido no processo sob o n.º 0516/14, consultável em www.dgsi.pt, do qual se enfatiza o seguinte excerto: “XXV. Tal como o Pleno deste Supremo Tribunal já afirmou [cfr. Ac. de 29.11.2006 - Proc. n.º 042307 consultável no mesmo endereço] a ininteligibilidade “sucede quando se não consegue descortinar o que é que através do ato foi decidido”, ou seja, quando exista uma incerteza quanto ao conteúdo/objeto do mesmo que a “interpretação não pode pôr cobro”.


XXVI. Por outras palavras, a mesma ocorre não quando o ato administrativo é suscetível de mais do que uma interpretação mas apenas quando não é possível saber sequer o que no mesmo se determina ou se quis determinar. – (destaques nossos).


Não é, claramente, o que se passa no caso vertente, pois é possível saber de modo inequívoco qual o conteúdo/objecto da DUP, já que, do teor do acto impugnado e seu anexo, levados aos pontos 1 a 4 do probatório, bem ficamos a saber o que ali é determinado, ou seja, a declaração de utilidade pública com carácter de urgência de três prédios rústicos, identificados pelas respectivas freguesia, município e n.ºs das matrizes prediais, bem como, pelos proprietários e arrendatários com direitos inerentes aos referidos prédios (A) Prédio rústico sito no ..., freguesia do ..., concelho da ..., na ..., com a área total de 1,4520 ha (14520 m2), inscrito na respetiva matriz predial rústica o artigo n.º 976, omisso na Conservatória de Registo Predial; B) Prédio rústico sito no ..., freguesia do ..., concelho da ..., na ..., com a área total de 1,4520 ha (14520 m2), na respetiva matriz predial rústica o artigo n.º 977, omisso na Conservatória de Registo Predial; C) Prédio rústico sito no ..., freguesia do ..., concelho da ..., na ..., com a área total de 2,9040 ha (29040 m2), na respetiva matriz predial rústica o artigo n.º 978, descrito na ..., na ..., sob o n.º 738/20020606 - A) Herdeiros de EE, residente que foi na freguesia de ..., concelho da ..., na ..., proprietário dos prédios rústicos identificados nas alíneas A) e B) do ponto anterior; B) AA, residente em ..., proprietária do prédio rústico identificado na alínea C) do ponto anterior; C) BB, residente na ..., freguesia do ...,concelho da ..., na ..., arrendatária dos prédios rústicos identificados nas alíneas A), B) e C) do ponto anterior, conforme contratos de arrendamento celebrados a 1 de novembro de 2015 – cf. pontos 1 a 4 do probatório).


Improcede, pois, a conclusão de recurso a propósito da alegada ininteligibilidade do acto impugnado, que nenhuma força tem para invalidar a sentença recorrida.


***


B.9. Da alegada “contradição irrefutável na justificação da necessidade de expropriação entre o que resulta do teor da DUP e o Relatório de Avaliação, datado de Novembro de 2016”


As Recorrentes aduzem ainda a problemática supra intitulada na conclusão recursiva TT., aduzindo que o “Tribunal a quo, erradamente, não considerou que existe ainda uma contradição irrefutável na justificação da necessidade de expropriação entre o que resulta do teor da d.u.p. e o Relatório de Avaliação, datado de Novembro de 2016, o que consubstancia uma violação gritante do disposto designadamente nos art. 151°/1 e 2, 159° e 161° do CPA e art. 2° e 9° da Constituição da República Portuguesa.”.


Ora bem, neste segmento, a sentença recorrida, apesar de ter explanado sobre os comandos legais acabados de citar, fê-lo tão-só a propósito da antecedente questão da ininteligibilidade do acto impugnado, conforme se pode constatar dos pontos 4 e 5 da matéria de direito da decisão recorrida.


Contudo, na específica parte em que as Recorrentes ora apontam um erro de julgamento, isto é, em que dizem na motivação recursiva que “Andou mal a Juiz do Tribunal a quo”, pois “não considerou que existe ainda uma contradição irrefutável na justificação da necessidade de expropriação entre o que resulta do teor da d.u.p. e o Relatório de Avaliação”, entendemos que, em rigor, a 1.ª instância não emitiu uma pronúncia directa sobre tal questão, o que se impõe agora apreciar, pois contra a mesma as Recorrentes assacaram, como dizem, um erro de julgamento.


Identifica-se, pois, não um erro de julgamento, mas sim uma nulidade por omissão de pronúncia sobre uma questão que devia ter sido concretamente apreciada pelo Tribunal a quo, atento o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.


E ainda que as Recorrentes assim não o tivessem expressamente formulado nas alegações de recurso, isto é, não colocando a presente temática no vector de uma nulidade, o Tribunal de apelação, segundo o disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, não está inibido de qualificar uma determinada questão que foi apresentada como erro de julgamento a título de nulidade, e vice-versa.


E, deste modo, vamos conhecer de tal questão, em substituição, conforme é permitido ao Tribunal de apelação, atento o disposto no artigo 149.º, n.º 1, do CPTA.


Perscrutando.


Em primeiro lugar, as Recorrentes não explicam de modo densificado como é que a alegada contradição na justificação da necessidade de expropriação que, alegadamente, resulta entre o teor da DUP e o Relatório de Avaliação, datado de Novembro de 2016, consubstancia, de forma direccionada e interligada, uma violação do disposto nos artigos 151.º, n.ºs 1 e 2, 159.º e 161.º do CPA e dos artigos 2.º e 9.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).


Explicando melhor.


Do artigo 151.º do CPA resultam as menções obrigatórias dos actos administrativos, sem que as Recorrentes, porém, tivessem sequer apontado uma concreta alínea do n.º 1 do referido comando legal como efectivamente posta em causa pelo acto impugnado.


Do artigo 159.º do CPA resulta os termos da publicação obrigatória dos actos, aspecto que, no caso vertente, não se vislumbra problemático, pois, conforme dimana do ponto 1 do probatório, a Resolução do Conselho do Governo Regional dos Açores, de 6 de Janeiro de 2020, que declarou a utilidade pública, com carácter urgente, da expropriação dos já identificados prédios, foi objecto de divulgação em publicação oficial.


Do artigo 161.º do CPA advém a disciplina sobre os actos considerados nulos, sem que as Recorrentes, contudo, tivessem indicado para o segmento particular que ora perscrutamos a violação de qualquer uma das alíneas inclusas no n.º 2 do mencionado preceito legal (à excepção, claro está, da questão propriamente dita da ininteligibilidade do acto, que atrás analisámos e considerámos improcedente).


E, por fim, no que tange aos artigos 2.º e 9.º da CRP, que tratam, respectivamente, sobre o Estado de Direito Democrático e sobre as Tarefas Fundamentais do Estado, nenhuma substanciação as Recorrentes desenvolveram ou interligaram com o tema colocado em epígrafe, o que torna inoperante tal alegação para contaminação do acto impugnado.


Ademais, num esforço interpretativo deste Tribunal de apelação ao que pretendem dizer as Recorrentes com a presente questão, sobretudo, quando colocam na motivação das alegações de recurso a seguinte dúvida: “Afinal o que é o “autor” da matança e destruição dos ninhos? O gado bovino e caprino da arrendatária aqui A.II, ora Recorrente? Ou será culpa da gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis atlantis)? Não sabemos!”, cremos que as Recorrentes não compreenderam bem a correlação entre as duas asserções, pois, em vez de nas mesmas se descortinar uma contradição, como dizem, o que se interpreta da fundamentação inserta na DUP e seu anexo (cf. pontos 1 a 4 do probatório) é, antes de tudo, uma articulação ou conjugação de factores e não a sua antinomia.


Explanando melhor.


O que de modo evidente se retira da DUP e seu anexo, enquanto elementos documentais que constituem a fonte da fundamentação do acto impugnado, é que, de modo articulado, lógico e perceptível, pretende a ora Recorrida, por um lado, proteger a avifauna selvagem e típica do ..., ou seja, a nidificação de diversas colónias de aves marinhas, nomeadamente, do garajau-rosado (...), do garajau-comum (Sterna hirundo), do frulho (Puffinus baroli), do angelito (...) e do cagarro (Calonectris borealis), de que o pisoteio dos respectivos ninhos pelo gado bovino e ovino coloca em causa, e, por outro lado, também intenta a Recorrida enfrentar um excesso da população de gaivota-de-patas amarelas (Larus michahellis atlantis), que, conforme consta da fundamentação da DUP, se tem acentuado fortemente na última década e que coloca em causa a nidificação e permanência das restantes aves marinhas.


Não é difícil, por conseguinte, perceber que nenhuma contradição existe entre os dois objectivos traçados na DUP e seu anexo, porquanto, tratando-se de proteger o ecossistema e a avifauna selvagem do ..., não há incoerência em almejar a Recorrida, ao abrigo da valoração própria da sua função administrativa e segundo critérios eminentemente técnicos (discricionariedade técnica da Administração), não sindicáveis jurisdicionalmente (a não ser em caso de erro grosseiro ou ostensivo, coisa que as Recorrentes não alegaram de modo concreto), a protecção e reforço de determinadas espécies de aves marinhas em detrimento de outras, como a gaivota-de-patas amarelas, sobretudo, quando a população da referida espécie de gaivotas é considerada excessiva, salvaguardando-se, deste modo, o equilíbrio da biodiversidade, ou, como consta da própria DUP, “evitar as ameaças identificadas ao património natural, assegurando a recuperação dos habitats e a preservação da biodiversidade”.


Nenhuma contradição existe, improcedendo, com efeito, o vício imputado contra o acto impugnado, que aqui foi conhecido em substituição.


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B.10. As Recorrentes, nomeadamente, nas conclusões de recurso UU. e WW., voltam a repisar a questão da falta de notificação da resolução de expropriar e da ausência de notificação da DUP à 2.ª Recorrentes, voltando a invocar os argumentos em torno dos artigos 10.º, n.º 5, e 17.º, n.º 1, do CE, questões que atrás já foram por nós sindicadas, o que nos dispensa, por clara desnecessidade, de voltar aos preditos temas.


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B.11. As Recorrentes aludem ainda nas conclusões de recurso sob as letras XX. e YY., respectivamente, que “o acto administrativo impugnado é nulo por violação dos princípios constitucionais consagrados, designadamente por desrespeito ao princípio do Estado Democrático, princípios da propriedade privada, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé previstos nos arts. 2.º, 13.º e 266.º da CRP e, também, expressos no CE e CPA” (conclusão XX.); e que “A Sentença recorrida incorre ainda em erro de julgamento e clara violação dos arts. 13.º do CPTA, 1º e 4º, ambos a contrario, do ETAF, e artigo 576.º, n.º 2 e 577.º/a) do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, como aqui se invoca para todos os efeitos, solicitando a este Alto Tribunal a revogação da Sentença a quo e declaração de anulabilidade, nulidade, senão mesmo inexistência (e inconstitucionalidade) da d.u.p. e atos de execução praticados pela Ré até presente data” (conclusão YY.).


No que toca à matéria da conclusão recursiva XX., trata-se de uma invocação final e por rajada dos citados princípios constitucionais e de actuação administrativa, sem qualquer substanciação que os explicite face ao caso em apreço e sem que da mesma se vislumbre a imputação concreta de qualquer erro de julgamento cometido pela 1.ª instância aquando da apreciação que fez sobre alguns desses mesmos princípios.


No que concerne à conclusão recursiva YY., é, em bom rigor, uma alusão genérica e inovatória aos citados comandos legais, o que sempre consubstancia um conjunto de questões novas, cuja apreciação é inexigível ao Tribunal de apelação, não fosse, também, traduzirem uma alegação desacompanhada de qualquer substanciação, o que igualmente nos impede de poder fazer a sua análise.


Tudo visto, com a presente fundamentação, tendo presente o julgamento de procedência quanto à questão sindicada em B.1., é de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, anulando-se o acto administrativo impugnado.


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Custas a cargo da Recorrida – cf. artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º e 189.º do CPTA, 7.º, n.º 2, e 12.º, n.º 2, do RCP.


***


Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:


I - Faltando a resolução de expropriar prevista no artigo 10.º, n.º 1, do CE, a Administração coloca em causa o direito de participação activa dos expropriados logo na fase inicial do procedimento expropriativo, não lhes dando tempo e oportunidade de preparar atempadamente a defesa dos seus interesses perante um acto ablativo da propriedade.


II - É irrelevante que, estatutariamente, o órgão que profere a resolução de expropriar seja aquele que, em termos de competência, também emita a DUP, pois tal não dispensa a emissão da indicada resolução, atenta a importância que esse acto assume perante o princípio da participação activa e atempada dos expropriados num procedimento administrativo cuja futura DUP ditará a ablação do direito de propriedade.


***


V - Decisão.


Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, com a presente fundamentação, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e, em substituição, anular o acto administrativo impugnado.


Custas a cargo da Recorrida.


Registe e notifique.


Lisboa, 27 de Março de 2025.


Marcelo Mendonça – (Relator)


Marta Cavaleira – (1.ª Adjunta)


Joana Costa e Nora – (2.ª Adjunta)