Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1920/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:ISENÇÃO DE IMI
PESSOA ESCASSOS RECURSOS
PRÉDIOS VALOR REDUZIDO
Sumário:I– A isenção de IMI consagrada no art. 48º do EBF depende da verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber: o valor dos imóveis não exceder um determinado valor e o sujeito passivo não ter rendimentos superiores aos montantes ali fixados.
II– A verificação de apenas um destes requisitos impõe o indeferimento do pedido.
III– A consagração de dois requisitos cumulativos para a verificação da isenção, não violam o direito à habitação, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
IV- Nos termos do disposto no art, 635º do CPC não podem ser objecto de apreciação pelo Tribunal ad quem questões novas que não foram invocadas junto do Tribunal a quo.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

M........., com demais sinais nos autos, deduziu uma Acção Administrativa Especial contra o despacho de indeferimento do seu pedido de isenção de IMI relativamente referente aos artigos U0.........9– A, .........9 – CA e .........9 –H, da freguesia de Marvila.

*
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 4 de Setembro de 2019, julgou totalmente improcedente a Ação tendo absolvido o Ministério do pedido.
A A. não se conformando com a decisão, veio da mesma interpor recurso jurisdicional.

***

A Recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES
1.º A Recorrente requereu a Isenção do Imposto Municipal Sobre Imóveis no ano de 2011.
A Recorrente é proprietária dos imóveis, prédios urbanos localizados na freguesia de Marvila com os Artigos .........9“A” 1/22 – com o valor de € 5.364,82, Artigo .........9“CA” 1/1 – com o valor de 64.218,87, Artigo .........9“N”, com o valor de €7.667,92.
3.º O seu pedido foi formulado de acordo com o Artigo 48.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, referente aos prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos que viria a ser revogado pelo artigo 215.º da Lei n.º 7- A/2016 de 30 de março.
4.º O pedido formulado pela Recorrente foi recusado pelo fato de o valor patrimonial tributário global dos seus prédios, ascender a €77.251,61, pelo que que ultrapassava o valor máximo de e €66.500,00 até ao qual poderia ser-lhe concedido o benefício de isenção de IMI.
5.º No caso específico da Recorrente, uma vez que não havia recebido quaisquer rendimentos no ano de 2010 encontrava-se assim no enquadramento legal do Artigo 48.º n.º 1 do EBF referente aos rendimentos do agregado familiar mas não no que respeita ao valor patrimonial tributário global.
6.º Apesar de o seu pedido lhe ter sido indeferido, a Autoridade Tributária reconheceu a sua situação económica deficitária.
7.º O valor que se encontrava fixado para o IAS em 2010 era de € 421,32 euros, no entanto, o valor de referência para efeitos de isenção de IMI seria de €475 euros, ou seja, o montante equivalente ao valor do salário mínimo estabelecido para esse ano.
8.º As frações autónomas propriedade da Recorrente já haviam beneficiado de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis, desde 2002 até ao ano de 2008, inclusive, em virtude de a fração com o Artigo .........9“CA” 1/1 – com o valor de € 64.218,87 ser a única que se destina exclusivamente a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
9.º Apesar de ter sido considerado que a Recorrente possui outras duas frações e terem as mesmas sido incluídas no VPT para fins de cálculo de Isenção do IMI, estas constituem uma arrecadação e uma garagem, ou seja, não correspondem a área afeta ao fim habitacional.
10.º Ora tal fato revela-se incumpridor do disposto no disposto no n.º 2 do Artigo 46.º do IMI uma vez que, fazendo uma interpretação sistemática, a isenção a que se refere o n.º 1 anterior abrange os arrumos, despensas, e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta.
11.º O Município de Lisboa já entre os anos de 2002, inclusive, até o ano de 2008 havia assim procedido, sendo a Recorrente considerada isenta desse mesmo imposto.
12.º O único imóvel da Recorrente, exclusivamente reservado à sua habitação habitual e permanente, é o Artigo Matricial com o n.º .........9CA, com o Valor Patrimonial de € 63.305,55 que na verdade possui um valor inferior ao montante máximo de € 66.500,00, que resulta do cálculo referido no Artigo 48.º n.º1 do EBF.
13.ºSalvo melhor opinião, a única solução justa e adequada, no caso concreto da Recorrente seria atribuir-lhe a Isenção do IMI, calculando apenas o valor do imóvel, excluindo o cálculo do valor atribuído à garagem e á arrecadação.
14.º A Recorrente refere na impugnação judicial que interpôs que o Artigo 48 n.º1 do EBF que se encontrava em vigor quando requereu a isenção de IMI em 2011 possui dois argumentos contraditórios entre si, argumento que não colheu a concordância do Tribunal a quo.
15.º A Recorrente considera que a primeira parte desse normativo apelava a um fundamento económico através do qual, o agregado familiar com parcos recursos poderia ficar isento do imposto em causa uma vez que estaria a colocar-se em evidência o direito a uma existência condigna do mesmo.
16.º No entanto, considera a Recorrente, e bem, que na segunda parte do mesmo normativo deparamo-nos com um argumento contraditório com essa mesma proteção, a da existência condigna do agregado familiar uma vez que fica aquele dependente de um critério calculista e material, reconduzindo a decisão de isentar o contribuinte de IMI unicamente ao VPT global dos prédios de que o mesmo seja proprietário.
17.º No Artigo 48.º do EBF, revogado em 2016 deparávamo-nos com a existência conflituante de dois interesses, por um lado o interesse público que advém do arrecadar de receita canalizada para a realização de serviços e bens de interesse público, dos quais também beneficiam os prédios de que de que são proprietários os contribuintes e por outro a proteção da dignidade e existência condignados agregados familiares com menos recursos, sendo que nesta colisão de direitos deveria ficar salvaguardada a dignidade do ser humano e do agregado familiar.
18.º Esta leitura não acolheu no entanto a concordância do Tribunal a quo, tendo este decidido que andou bem a Fazenda Pública quando indica que não existe qualquer conflito de direito, apenas uma cumulação de requisitos para a obtenção do referido benefício.
19.º A douta decisão diz ainda que o que existe é uma limitação da amplitude do benefício atribuído, restringindo-se o mesmo aos contribuintes que se encontrem cumulativamente inseridos na previsão do normativo descrito no Artigo 48.º n.º 1 do EBF, o qual foi revogado em 2016.
20.º Tendo em conta o Regulamento Municipal de Acesso á Habitação Municipal, que estava em vigor no ano de 2010, a Recorrente encontrava-se em condições de lhe ser concedida habitação Adequada nos termos do Artigo 7.º n.º1 desse normativo, uma vez que se encontrava em condições descritas no Artigo 5.º.
21.º A Recorrente chegou a receber confirmação do Município, de que se encontrava nessas condições, apesar de o seu agregado ser composto por uma única pessoa, como tal o agregado familiar podia ser composto por uma ou mais pessoas e teria de ter rendimento mensal até 3 X o IAS, o correspondente a €435,76 X 3 = €1,307.28.
22.º Apesar de todos os argumentos apresentados perante o tribunal a quo, este considera correta a interpretação do Artigo 48.º do EBF efetuada pela Autoridade Tributária segundo a qual encontramo-nos perante uma limitação da amplitude do benefício atribuído, dentro do qual a recorrente não se enquadra.
23.º A Recorrente alegou a existência de inconstitucionalidade nas normas do Artigo 48.º n.º 1 do EBF, por se revelarem violadoras do direito à dignidade previsto no Artigo 1.º, 45.º, 46.º e 104.º, n.º 1 e 3 todos da CRP.
24.º A Recorrente refere igualmente a existência de uma colisão de direitos, a qual foi injustamente desconsiderada pelo Tribunal a quo.
25.º Acontece que de fato estamos sim perante uma colisão de direitos, onde a dignidade humana da Recorrente se vê a montante limitada e ofendida pela lei tribuária, como tal este direito confronta-se com o direito de o Estado, aqui representado pelos Municípios, de arrecadar receita fiscal.
26.º Atendendo ao disposto no Artigo 335.º do Código Civil, quando se verificar a existência de colisão entre um direito de personalidade e um outro direito que não de personalidade, devem prevalecer, em princípio, os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais, o que de fato não foi respeitado.
27.º De acordo com o Artigo 13.º da Lei Fundamental, no seu n.º 2 refere-se que ninguém pode ser prejudicado em razão da sua situação económica, no entanto na situação específica da Recorrente temos de admitir que a sua situação socioeconómica a coloca numa situação de desigualdade, a qual foi desconsiderada, em seu prejuízo.
28.º O Município de Lisboa ao invés de fazer sopesar na sua decisão de arrecadar a receita fiscal ou valendo-se de um critério material, deveria ter permitido à Recorrente fazer prova da sua situação de vida real.
29.º A situação indigna em que a Recorrente se vê atualmente para fazer face às suas despesas de vida é real e como tal deveria ser possível num Estado de Direito fazer prova da mesma para poder contestar uma simples presunção de que possui certo nível de rendimentos, considerados estes pela Autoridade Tributária para decidir a incidência objetiva de um imposto.
30.º É o que podemos concluir da leitura do Artigo 73.º da Lei Geral Tributária que refere que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, o que não foi possível à Recorrente.
31.º Ora na situação em apreço a Autoridade tributária presume que a Recorrente possui rendimentos ótimos, i.e. sendo a situação ótima aquela conjuntura em que se encontra após o pagamento do imposto em causa uma vez que o VPT dos seus imóveis, leia-se imóvel pois só possui um, é superior ao limite até ao qual lhe permite beneficiar de isenção de IMI.
32.º No entanto a Recorrente pode demonstrar que essa não é a realidade, uma vez que é com grande dificuldade económica que tem conseguido manter-se a viver na sua habitação, a qual conseguiu adquirir após uma vida de trabalho e que se encontra em dificuldades para manter.
33º
No Artigo 74.º da LGT refere-se que o Ónus da prova dos fatos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
34.º Na situação em apreço poderemos dizer que as normas sobre a incidência tributária foram interpretadas e aplicadas de uma forma que não é a adequada à situação de vida real da Recorrente, porque requeria um juízo de equidade, só assim não seria colocado em crise o disposto no Artigo 1.º da CRP, que refere o respeito pela dignidade da pessoa humana, pilar estruturante do Estado de Direito que pretende ser democrático.
35.º O princípio da igualdade tributária é fundamental para a justiça na incidência da carga fiscal, uma vez que, carrega em si o corolário da proibição de discriminação, decorrente do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, pretendendo efetivar, nos termos 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 1 e 3 da Lei Fundamental, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
36.º O princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, e dele resulta o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação.
37.º Uma vez que o VPT dos prédios da Recorrente era de 77.667,92€ e como tal excedia em alguns milhares o montante máximo até ao qual poderia ser-lhe concedida a Isenção de IMI, que era de 66.500,00€, a interpretação que a Recorrente fez do Artigo 1.º da CRP deveria ter sido tida em consideração.
38º Além do mais mesmo que fosse considerado o valor de 77.667,92€, deveria ter sido dada possibilidade à Recorrente de fazer prova da sua situação deficitária, porque para além de não ter tido qualquer rendimento no ano anterior, sofre de doença grave crónica e incapacitante.
39.º Deveria assim ser possível efetuar um cálculo real de todas as suas despesas e só assim poderíamos aferir da efetiva situação de vida condigna, prevista na CRP, a qual foi desconsiderada no seu caso concreto.
40.º Deveríamos assim ter presente a equidade, enquanto fonte de realização da justiça fiscal, a par da justiça moral, por ser imprescindível a mesma e indissociável no contexto já bem real da equidade social na austeridade.
41.º Tendo em consideração esta ferramenta jurídica que é a equidade, deveria o Tribunal a quo ter partido para a sua decisão, imprescindivelmente, após uma análise da situação de vida da Recorrente, conjugada com valores de bom senso, razoabilidade, justiça natural, justa medida das coisas, igualdade, oportunidade e conveniência, conjugada e incorporada da sua pessoal sensibilidade, atendendo aos limites do sistema jurídico-positivo, o que não aconteceu de fato.
42.º Ora, no caso da Recorrente que tem um agregado familiar composto só e unicamente por si, que aufere um rendimento bruto anual muito inferior ao limite de €15.295,00, atendendo ao cálculo previso no Artigo 48.º n.º 1 do EBF, apesar de ser proprietária de 3 imóveis que no seu conjunto são de um superior a € 66.500,00 - contudo, a fração destinada a habitação é de valor inferior - isso, por si só, não pode indicar que o seu agregado familiar esteja em condição socioeconómica que lhe permita pagar o IMI sem correr o risco de se encontrar numa situação de vida deficitária e contrária ao que a CRP considera ser respeitador da dignidade humana.
43.º Nem garante igualmente que a Recorrente veja o imóvel que tem registado como habitação própria permanente, nas condições suprarreferidas fique em risco de ser penhorado por não pagamento de dívidas provenientes do não pagamento do IMI, tornando-se este imposto municipal um entrave ao seu direito a uma habitação condigna.
44.º Diz a Constituição da República Portuguesa que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar, nos termos do Artigo 65.º.
45.º Afirma ainda que incumbe ao Estado assegurar que a política fiscal se compatibilize com o desenvolvimento económico e com um padrão de qualidade de vida conducente com a dignidade da pessoa humana, nos termos Artigo 66.º.
46.º Este bem essencial, que é a habitação própria permanente é a parcela de terreno essencial para o autossustento do ser humano, o qual é adquirido e tantas vezes construído pelas mãos e suor do trabalho da esmagadora maioria dos seus proprietários, tantas vezes passando muitos e longos anos de grandes dificuldades, como os anos de austeridade a que temos assistido no contexto nacional e europeu.
47.º A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, incumbindo ao Estado, não só a devida regulação dos impostos, mas também a regulação dos devidos benefícios sociais e fiscais, em harmonia com os encargos familiares.
48.º Incumbe ao Estado, promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais bem como estimular a construção privada, com vista a garantir, a todos, o acesso a uma habitação própria ou arrendada, mas condigna.
49.º O Estado tem a obrigação de adotar uma política tendente a estabelecer um sistema de cobrança de receita fiscal compatível com o rendimento familiar real, isto é, sendo aquele que resulta do cumprimento de todas as despesas mensais de alimentação, saúde e medicamentosas, cumprimento de obrigações vencidas e que permita ainda assim o acesso e / ou a manutenção de habitação própria.
50.º As pessoas idosas e as pessoas com incapacidades em virtude de doença têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social, no entanto a Recorrente tem, na sua situação específica sido prejudicada pelo fato de ter visto desconsiderada a sua situação de insuficiência económica em virtude de um simples fator material, quando aquela deveria ter um interesse superior e norteador da decisão que em concreto afere da sua situação.
51.ºNeste sentido ao não adotar um critério de discriminação positiva face a todos os encargos que a Recorrente tem de suportar, face ao fato de padecer de doença grave que a incapacitou para o trabalho, e pelo fato de o Estado não considerar outros critérios de justiça social e económica, na prática verifica-se a violação já suprarreferida dos Artigos 1.º, 13.º, 65.º, 66.º e 104.º, n.º 1 e 3 e 266.º todos da CRP.
52º Para ser conforme com a CRP, o imposto tem de respeitar as competências em matéria tributária, o respeito pela reserva de lei e acima de tudo o respeito pela substância, pelos valores da justiça, da igualdade, da certeza jurídica, valores que são pressupostos da existência de um Estado de Direito.
53.º Tendo em conta que o conceito de Estado de Direito não significa unicamente a sujeição do mesmo ao Direito mas sim uma limitação material do poder politico, coloca-se a questão de saber se existem princípios supra constitucionais que se sobrepõem ao próprio legislador, e que devem igualmente nortear o julgador na apreciação do caso concreto.
54.º Neste sentido, a situação específica de vida da Recorrente deveria ter sido tida em consideração pois só assim se traria justiça à conjuntura em que se encontra atualmente.
55.º Nessa medida, deveria o Tribunal a quo ter acautelado o valor supremo da dignidade da pessoa humana sacrificando o interesse público, consubstanciado no arrecadar de receita fiscal, o que salvo melhor opinião não é alcançado pela redação da segunda parte do já citado Artigo 48.º 2ª parte do Estatuto dos benefícios Fiscais, que se encontra em contradição direta com o Artigo 46.º do EBF, violando o princípio da legalidade previsto no Artigo 266.º da CRP.
56.º Neste sentido, a 2ª parte do n.º 1 do Artigo 48.º do EBF, ao estabelecer que, independentemente do montante dos rendimentos auferidos pelo agregado familiar do sujeito passivo, não pode ser reconhecido o benefício de isenção do seu pagamento, se o VPT global dos prédios propriedade do mesmo não seja superior ao décuplo do valor anual do IAS,
57º Por aplicado em contradição com o previsto no Artigo 46.º do mesmo diploma, que apenas se refere à área habitacional,
58.º Por desconsiderar a existência de uma verdadeira colisão de direitos, conforme o previsto no Artigo 335.º do Código Civil e,
59.º Deve ter-se por inconstitucional por violar os Artigos 1.º, 13.º, 65.º, 66.º, 104.º, n.º 1 e 3 e 266.º da CRP.
60.º Não se considerando a existência de contradição entre o dispositivo que serviu de fundamento ao indeferimento (Artigo 48.º do EBF) e o previsto no Artigo 46.º do EBF, sem conceder, deverá a Autoridade Tributária, permitir que a Recorrente, mediante a prova já apresentada, demonstrar a que a sua capacidade contributiva se encontra diminuída e que não se espelha na existência de um património que se encontra a ser extra valorado.
61.º De tal modo que não permite que, considerando o caso concreto do contribuinte, isente do pagamento ou reduza o valor do tributo, conforme o permitem o sistema inglês e francês, mediante prova da situação de carência.
62.º Mais, considerando critérios de justiça fiscal e social, como se justifica que para a Autoridade Tributária e a Segurança Social os critérios para apurar o rendimento são tão díspares que dão origem a situações de desigualdade, violando, como tal e do mesmo modo o previsto nos Artigos1.º, 13.º, 65.º, 66.º, 104.º, n.º 1 e 3 e 266.º da CRP.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá:
- Deverá o despacho que indeferiu o pedido de isenção do Imposto Municipal Sobre Imóveis da Recorrente ser considerado nulo e em consequência ser-lhe devolvido o montante correspondente ao referido imposto que pagou referente ao ano de 2011, pela aplicação do previsto no Artigo 46.º, n.º 1 e 5 do EBF.
- Deverá assim ter-se por inconstitucional o disposto no Artigo 48.º n.º 1, 2ª parte do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretado em contradição com o previsto no Artigo 46.º do mesmo diploma, em vigor à data, uma vez que viola os Artigos 1.º, 13.º, 65.º, 66.º, 104.º, n.º 1 e 3 e 266.º da CRP e por ter sido fundamento para o indeferimento do pedido da Recorrente.
- Deverá ter-se por inconstitucional o disposto no Artigo 48.º n.º 1, 2ª parte do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretado no sentido de que não permite a isenção do pagamento do imposto ou a redução do tributo, conforme rendimento real, uma vez que viola os Artigos 1.º, 13.º, 65.º, 66.º, 104.º, n.º 1 e 3 e 266.º da CRP e por ter sido fundamento para o indeferimento do pedido da Recorrente.”


***

A Fazenda Pública, devidamente notificada, não contra-alegou.

***

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***




Foram colhidos os vistos legais.

***




Delimitação do objeto do recurso

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:

(i) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável porquanto a Recorrente deveria beneficiar da isenção de IMI ao abrigo do art. 48º do EBF, bem como porque viola os arts. 1º, 45º, 46º, 65º, 66º, 104, nºs 1 e 3 e art. 266º, todos da CRP.

***
II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Compulsados os autos, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
1. Por requerimento de 24 de Maio de 2011, enviado ao Serviço de Finanças de Lisboa 9, a Autora efectuou “Pedido de Isenção do art.º 45.º do EBF”, referente aos artigos urbanos …..-A, …..-CA e …..-N da freguesia de Marvila, Lisboa, e que deu origem ao processo 2304710 – cfr. pedido e listagem de cadernetas prediais, a fls. 3 a 4 e 15 do PA apenso ao suporte físico dos autos;
2. No dia 24 de Maio de 2011 foi elaborada informação no processo referido em 1) - que mereceu despacho concordante do mesmo dia - e onde consta que “A contribuinte é proprietária dos imóveis: Prédio urbano Lisboa - Marvila artigo .........9“A” 1/22 - € 5.364,82 Prédio urbano Lisboa - Marvila artigo .........9“CA” 1/1 - € 64218,87 Prédio urbano Lisboa - Marvila artigo .........9“N” 1/1 - €7.667,92 A contribuinte não auferiu quaisquer rendimentos no ano de 2010. […] No caso em apreço verifica-se que estão reunidas as condições no que diz respeito ao rendimento bruto do total do agregado familiar. No que respeita ao valor patrimonial tributário global que totaliza € 77.251,61, verifica-se que o mesmo ultrapassa o limite de € 66.500,00. Nessa conformidade, sou de parecer que deverá ser proferido despacho de “Projecto de indeferimento” com o fundamento de O valor patrimonial dos prédios pertencentes ao Sujeito Passivo excede o limite legal estabelecido no nº 1 do artigo 48 do EBF.” – cfr. informação e despacho, a fls. 5 e 6 do PA apenso ao suporte físico dos autos;
3. A autora respondeu ao projecto referido em 2) através de requerimento de 21 de Junho de 2011 – cfr requerimento, a fls. 9 a 16 do PA apenso ao suporte físico dos autos;
4. No dia 19 de Agosto de 2011 foi proferido despacho pelo qual foi convertido “em definitivo o despacho de indeferimento anteriormente notificado”, e em cuja informação consta que “a contribuinte exerceu o direito de audição […] Vem alegar que o valor patrimonial considerado é alto e totalmente incongruente com o actual valor real e de mercado, que “apenas excede anlguns milhares de euros o valor limite” e que está “desactualizado e é desadequado à realidade portuguesa actual”. Quanto ao alegado, cumpre-me informar que, apesar de a contribuinte considerar os valores patrimoniais desactualizados, até à data, bao foi apresentado qualquer pedido de avaliação […] Deste modo, o valor patrimonial total a considerar para efeitos de isenção, nos termos do n.º 1 do artigo 48.º do Estatuto dos Benefgícios Fiscais, continuará a ser €77 251,61.” – cfr. despacho e informação, a fls. 24 e 25 do PA apenso ao suporte físico dos autos;
5. A petição inicial do presente processo foi inserida na plataforma SITAF no dia 03 de Outubro de 2011 – cfr. comprovativo de entrega de Documento, a fls. 2 do suporte físico dos autos;

***
A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
“Factos não provados
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, quaisquer outros factos
*
A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“Motivação da decisão sobre a matéria de facto Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais. A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes e indicada a seguir a cada um dos factos.”
***
- De Direito

A questão suscitada nos presentes autos consiste em saber se a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento de direito, porquanto a Recorrente deveria beneficiar da isenção de IMI ao abrigo do art. 48º do EBF, bem como porque viola os arts. 1º, 45º, 46º, 65º, 66º, 104, nºs 1 e 3 e art. 266º, todos da CRP.
Em causa nos autos está um pedido de isenção de IMI referente aos artigos urbanos ….-A, …..-CA e …..-N da freguesia de Marvila, Lisboa apresentado pela Recorrente.
A Fazenda Pública indeferiu o pedido por considerar que, não obstante a Recorrente possuir rendimentos inferiores aos constantes do art. 48º do EBF, na redação em vigor à data dos factos, o valor global dos imóveis é superior ao legalmente permitido para aceder à isenção requerida.
O Tribunal a quo considerou que estabelecendo o art. 48º do EBF dois requisitos para o acesso à isenção e sendo certo que a aqui recorrente não cumpre um dos requisitos, não obstante o art. 1º da CRP, que estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos princípios basilares do Estado de Direito, ainda assim não poderia ser concedida a isenção, julgando, em consequência, improcedente a presente Ação e absolveu o Ministério do pedido.
A Recorrente, inconformada com a decisão, interpõe o presente recurso, no essencial, defendendo que tal interpretação viola diversos princípios constitucionais, bem como o princípio do ónus da prova estabelecido no art. 74º da LGT, bem como p princípio estabelecido no art. 73º da LGT, de acordo com o qual as normas de incidência admitem sempre prova em contrário.
Vejamos então.
O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), é o tributo que veio substituir a Contribuição Autárquica. Este imposto é um imposto sobre o património e incide sobre o valor dos prédios, sendo que o sujeito passivo da relação jurídico-tributária é aquele que a 31/12/ de cada ano seja o proprietário ou usufrutuário do bem, conforme determinam os art. 1º, 2º, 7º e 8º do CIMI.
Recorde-se que a isenção de I.M.I. contida no preceito que nos encontramos a analisar (art. 48º do EBF) constitui um benefício fiscal. Os benefícios fiscais, como dispõe o art. 2º, nº 1 do EBF, são medidas de caracter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem. O direito ao benefício fiscal, nos termos do art. 12º do diploma a que nos temos vindo a reportar, em regra, retroage à data da verificação dos respetivos pressupostos.
Nas palavras de Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág.448 e seg., os benefícios fiscais são isenções fiscais, ou seja, situações em que a lei subtrai à tributação à tributação, através da previsão normativa de um facto impeditivo, situações e sujeitos que, doutra forma, cairiam dentro do âmbito de tributação. São normas de exceção a uma determinada regra de tributação. Na verdade, sendo factos impeditivos da tributação a sua inexistência ou a falta de preenchimento dos seus pressupostos tem por efeito a reposição imediata dessa tributação (neste sentido podemos ver os acórdãos do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/12/2012, proc.5810/12; acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/07/2013, proc.6629/13; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.).
Por último, deve lembrar-se que as normas que consagram benefícios fiscais, nos termos do disposto no art. 9º do EBF, não são suscetíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (neste sentido podemos ver, entre outros, os acórdãos do T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 25/6/2013, proc.6588/13; de 2/07/2013, proc.6629/13; de 5/2/2015, proc.8259/14, bem como J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Comecemos, então, por chamar à colação o disposto no art. 5º do EBF que estabelece que os benefícios fiscais podem ser automáticos ou dependentes de reconhecimento.
O benefício fiscal constante do art. 48º do EBF, é um benefício dependente de reconhecimento conforme decorre do disposto no seu nº 2.
Determinava, à data dos factos, o art. 48º do EBF, sob a epígrafe “Prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos” que:
1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios rústicos e urbanos pertencentes a sujeitos passivos cujo rendimento bruto total do agregado familiar, englobado para efeitos de IRS, não seja superior ao dobro do valor do IAS, e cujo valor patrimonial tributário global não exceda 10 vezes o valor anual do IAS.” (Redação da Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro)”
Do preceito supra transcrito resultava que eram duas as condições para os sujeitos passivo de IMI beneficiarem do benefício fiscal aqui estabelecido, a saber:
- os sujeitos passivos de IMI possuírem rendimentos inferiores ao dobro do valor do IAS e
- o valor patrimonial global dos prédios não exceder 10 vezes o valor anual daquele mesmo IAS.
Esta condições são condições cumulativas, como facilmente resulta da conjunção coordenativa “e”. Significa isto que não basta que os rendimentos dos sujeitos passivo de IMI sejam inferiores ao dobro do valor do IAS, é também necessário que o valor patrimonial global dos prédios que ficam isentos de imposto ao abrigo deste preceito não seja superior a 10 vezes o valor anual do IAS. Daqui também decorre que não podemos ter em conta o valor de cada prédio individualmente considerado, mas a globalidade do património dos sujeitos passivos que pretendem usufruir do benefício. Aliás, este benefício não se destina a proteger a casa de morada de família dos sujeitos passivos, mas a totalidade do seu património imobiliário, contando que o mesmo, globalmente considerado, não exceda os valores ali considerados. Muito embora na redação em vigor à data dos factos não se fizesse referência à circunstância de dever ser considerada a totalidade dos imóveis do agregado familiar, no caso dos autos a questão nem sequer se coloca porque do que se retira do probatório supra, a aqui Recorrente vive sozinha.
A AT no despacho sindicado não coloca em causa a inexistência de rendimentos por parte da mesma, no entanto, e uma vez que o valor patrimonial global dos imóveis é superior a 10 vezes o valor anual do IAS, indefere o pedido.
O Tribunal a quo depois de apreciar o disposto neste preceito, conclui, e bem, que não existe qualquer contradição entre a primeira e segunda partes do preceito pois estamos perante condições cumulativas e, assim sendo, que não se encontram reunidos os pressupostos para conceder a isenção.
A Recorrente não coloca em causa nenhum destes factos que, aliás, resultam do probatório supra. No entanto, defende que há contradição entre as duas partes do mencionado preceito.
Contudo, sem razão.
Na verdade, o legislador sujeitou a concessão deste benefício fiscal a dois requisitos de verificação cumulativa. Donde, não basta que se verifique o primeiro requisito, é também necessário que se verifique o segundo para que a isenção possa operar, tal como, aliás corretamente, entendeu a sentença recorrida que, deste modo não merece qualquer censura.
Defende ainda a Recorrente que a AT ao ter decidido como decidiu violou não apenas o princípio do ónus da prova, previsto no art. 74º da LGT, mas também o princípio contemplado no art. 73º do mesmo diploma, de acordo com o qual não podem existir presunções em sede de incidência tributária.
Estes são argumentos novos, nunca antes esgrimidos pela Recorrente em sede de petição inicial. Consequentemente, nos termos do disposto no art, 635º do CPC não pode ser objeto de apreciação por este Tribunal. Na verdade, como ensina Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, pág. 141, “As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição .”
Argui ainda a Recorrente que a interpretação feita pela AT e confirmada pelo Tribunal a quo violam o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado no art. 1º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), direito a uma habitação condigna, previsto no art. 65º e 66º do mesmo diploma (a Recorrente indica também os arts. 45º, 46º, mas pensamos que por mero lapso, pois estes preceitos consagram direitos relativos ao direito à manifestação e liberdade de associação que em nada relevam para os autos), art. 104º, nºs 1 e 3, bem como do art. 266º, todos da Constituição.
Apreciemos.
A Recorrente desenvolve toda a sua argumentação alicerçada no facto de a não concessão da isenção ao abrigo do art. 48º do EBF violar os princípios mencionados, por desta forma lhe ser negado o direito a uma habitação condigna e consentânea com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Não obstante toda a argumentação expendida, em causa nos autos não se encontra apenas a casa onde a Recorrente reside, mas também outros dois imoveis cujo destino não são a habitação e que, deste modo, em nada contendem com o direito à habitação. Acresce que, como já afirmámos acima, é o valor global dos imóveis que releva para a concessão da isenção e não o valor individual de cada um deles. Aliás, se em causa nos autos estivesse apenas o imóvel destinado à habitação da Recorrente, a isenção ter-lhe-ia sido concedida, por se mostrarem preenchidos os pressupostos contidos na norma de confere o benefício.
Por outro lado, mas não menos importante, a Recorrente não colocou em causa a matéria de facto dada como assente. Ora, ao não tê-lo feito, não resultando da sentença sob escrutínio factos onde se possam alicerçar as suas alegações, teremos de concluir que que as suas alegações são genéricas e não apoiadas em factos capazes de comprovar o que alega, designadamente que se encontra violado o seu direito à habitação. O mesmo ocorre no que respeita à violação do princípio da Igualdade, da Proporcionalidade e da Justiça.
Ainda assim, apreciemos.
O art. 1º da CRP, inserto na I Parte, mais concretamente na parte que respeita aos “Princípios Fundamentais” preceitua que:
“1. Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”
A doutrina, designadamente José Manuel Cardoso da Costa, in O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição e na Jurisprudência Constitucional Portuguesa, em Direito Constitucional, Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Dialéctica, São Paulo, 1999, pp. 191 e segs, bem como J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, pág. 198 e José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., Coimbra, Almedina, págs. 113 e segs., têm entendido que não existe um direito subjectivo à dignidade, pois esta expressão surge como sendo uma das bases da República, ou seja, o poder do Estado apenas será um poder legítimo enquando é exercido propter nos homines et propter nostra salutem. Mais consideram que, com o alcance que lhe é dado pela Constituição, este aparece como critério último de legitimidade do poder político estadual. Em consequência, este princípio tem um conteúdo de tal modo amplo que não chega a ter densidade suficiente para ser fundamento directo de posições jurídicas subjectivas, donde não pode surgir como um direito fundamental autónomo.
O próprio Tribunal Constitucional aderindo à doutrina dominante e à qual nos referimos acima, não tem avançado com uma definição deste conceito. Aliás, não aparece na doutrina jurídica qualquer definição para o mesmo.
Lançando mão do significado na língua portuguesa da expressão dignidade por esta deve entender-se a qualidade da pessoa humana que infunde respeito; significa também elevação, distinção, honestidade, honra e integridade. Já o seu oposto é a vergonha, humilhação, desfeita, desonra, ignominia.
Daqui podemos discorrer que tratar a pessoa humana com dignidade significa tratá-la com respeito, de forma honrada, digna e íntegra.
Deste modo, e mesmo que se considerasse, o que não se concede, estarmos perante um direito fundamental autónomo, não se pode considerar a que não concessão dum benefício fiscal com os contornos do presente possa conduzir à violação dum direito a um tratamento respeitoso e digno da pessoa humana. Tanto mais que, no caso dos presentes autos, e como melhor veremos abaixo, nem sequer são desrespeitados princípios constitucionais que possam servir para densificar esse conceito de dignidade da pessoa humana, como seria o caso do invocado direito à habitação.
Prossegue a Recorrente arguindo que a decisão recorrida, bem como o ato impugnado violam o direito à habitação constitucionalmente consagrado. Entende a Recorrente que não tendo sido conferida a isenção, a AT violou o disposto nos arts. 65º e 66º da CRP.
Vejamos o que nos diz o aludido art. 65º da CRP:
1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;
d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.
3. O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.
5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.”
Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.a edição, Coimbra Editora, 2007, em anotação ao artigo 65.°, p. 836 “a garantia do direito à habitação implica o direito de acesso dos cidadãos às habitações, incumbindo ao Estado promover o acesso à habitação própria ou arrendada e estabelecer um regime de arrendamento que tenha em conta os rendimentos familiares”.
Em sentido idêntico, Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, 2.a edição revista, Lisboa, Universidade Católica Ed., 2017, p. 959 e seg., concluem que do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 65.° da Constituição "extraem-se, concretamente, os princípios fundamentais que devem ser observados numa política de habitação constitucionalmente comprometida (cfr., sublinhando que as diversas tarefas que o artigo 65º impõe ao Estado são tarefas distintas e complementares, pelo que a prossecução por lei de uma delas não dispensa nem substitui a outra» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, – destacado nosso).
Sobre esta mesma questão, embora em contexto diferente, tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional, designadamente no seu acórdão nº 197/2023, de 18/04/2023, o seguinte:
O artigo 65.° da Constituição configura o direito à habitação como um direito fundamental de natureza social, o que pressupõe a mediação do legislador ordinário com vista à concretização do respetivo conteúdo, conforme tem sido sinalizado em jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.°s 130/92, 131/92, 280/93, 829/96, 32/97, 508/99, 29/00, 374/02 e 590/2004). Como foi especialmente assinalado no Acórdão n.º 829/1996, as especificidades e condições concretas do direito à habitação, na sua dimensão prestacional ou positiva, sempre dependerão «da concretização da tarefa constitucionalmente atribuída ao Estado» (itálico nosso), decorrendo desta conceção «que o único sujeito passivo do direito à habitação condensado no artigo 65º é o Estado». Esta compreensão das coisas decorre, com meridiana clareza, do estatuto deste direito, ou seja, da sua inserção no catálogo dos direitos económicos, sociais e culturais – concretamente, dos direitos sociais – e não nos direitos, liberdades e garantias, razão pela qual não lhe é constitucionalmente atribuída, por via de regra, a aplicabilidade direta.
Nesta mesma linha, pronunciou-se já este Tribunal Constitucional, designadamente no seu Acórdão n.° 32/97 (tendo reiterado este mesmo entendimento no Acórdão n.° 590/2004), onde esclarecer: «O direito à habitação, como direito social que é, quer seja entendido como um direito a uma prestação não vinculada, recondutível a uma mera pretensão jurídica (cfr. J. C. Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 205 e 209) ou, antes, como um autêntico direito subjectivo inerente ao espaço existencial do cidadão (cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 680), não confere a este um direito imediato a uma prestação efectiva, já que não é directamente aplicável nem exequível por si mesmo» o que confirma que «ele só surge depois de uma interpositio do legislador, destinada a concretizar o seu conteúdo, o que significa que o cidadão só poderá exigir o seu cumprimento, nas condições e nos termos definidos pela lei.».
Assim, depois de confirmado que o regime jurídico-constitucional do direito à habitação lhe confere o estatuto de direito aplicável pela mediação do legislador, verifica-se também que a Constituição não contém uma ordem de legislar, concreta e precisa, que permita identificar os instrumentos de execução que o Estado deve utilizar na concretização do preceito constitucional em causa, deixando, assim, uma larga margem de conformação ao legislador que, dentro dos limites constitucionalmente exigidos, goza de liberdade de escolha quanto às opções de política social a implementar (cfr. Acórdão n.º 806/93).
No fundo o que temos aqui é uma norma programática, de acordo com a qual o Estado deverá propiciar a todos os cidadãos uma habitação condigna, sem que se possa, deste modo, considerar que estamos perante um direito de cariz subjetivo ao qual os cidadãos possam lançar mão para sustentarem eventuais direitos pessoais. Aliás, o próprio Tribunal Constitucional tem considerado que tratando-se dum direito social, ele não possui aplicabilidade direta.
Por outro lado, este direito não conflitua com a obrigação que os proprietários possuem de pagar os impostos correspondentes decorrente do direito de propriedade, mais concretamente ao IMI.
Acresce que a norma constante do art. 48º do EBF em nada contende com o direito à habitação, pois a mesma nem sequer é dirigida à casa de morada de família dos contribuintes sujeitos passivos de IMI. A norma em questão isenta de IMI os proprietários de imóveis cujos valores patrimoniais tributários sejam reduzidos e reduzidos sejam também os rendimentos dos seus proprietários, independentemente de os mesmos terem como destino a habitação do seu proprietário. E isenta a totalidade do património, sendo que o valor a considerar é o valor que resultar da soma dos vários valores patrimoniais dos imóveis propriedade daquele sujeito passivo.
Este direito à habitação consagrado no art. 65º, nº 1 da CRP, supra transcrito, e cujo fundamento se encontra na dignidade da pessoa humana, centra-se no direito dos cidadãos a terem uma morada, decente e condigna, que ofereça os serviços básicos e adequada ao agregado familiar. Ora, concedendo o legislador, ao abrigo do disposto neste artigo 48º do EBF, proteção aos proprietários que possuam baixos rendimentos e imóveis de valor reduzido, concedendo-lhes uma isenção fiscal, não pode considerar-se que o mesmo ofenda este direito constitucional.
De realçar que, no caso concreto, como começamos por afirmar quando iniciámos esta análise, não inclui apenas um imóvel cujo destino seja a habitação da Recorrente, mas também outros imóveis, pelo que não vislumbramos qualquer violação do princípio constitucional invocado e, por outro lado, nenhuns factos concretos são alegados onde se possa alicerçar a violação deste direito, pelo que, consequentemente, improcedente, assim terá de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Argui ainda a recorrente que foi violado o art. 66º da CRP.
Dispõe o aludido preceito, sob a epígrafe, “Ambiente e qualidade de vida” o seguinte:
1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitetónico e da proteção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;
g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;
h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida.
O preceito transcrito, constitui também ele uma norma programática da Constituição e destina-se à promoção duma qualidade de vida ambiental, que nenhuma relação possui com a questão da isenção de IMI ao abrigo do art. 48º do EBF, pelo que, desde logo por aqui, não se vislumbra como pode esta norma contender com os direitos ali mencionados, pelo que improcedente também deverá ser julgado o presente recurso nesta parte.
Defende ainda a Recorrente que é violado o art. 104º, nºs 1 e 3 da CRP, afirmando que sobre o Estado impende a obrigação de adotar uma política fiscal tendente a estabelecer um sistema de cobrança de receita fiscal compatível com o rendimento das famílias, tendo em conta todas as despesas mensais de alimentação, saúde e medicamentosas, cumprimento de obrigações vencidas e que permita ainda assim o acesso e / ou a manutenção de habitação própria. Mais aduz que as pessoas idosas e as pessoas com incapacidades em virtude de doença têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou a marginalização social, no entanto, a Recorrente tem, na sua situação específica sido prejudicada pelo fato de ter visto desconsiderada a sua situação de insuficiência económica em virtude de um simples fator material, quando aquela deveria ter um interesse superior e norteador da decisão que em concreto afere da sua situação. Conclui afirmando que ao não adotar um critério de discriminação positiva face a todos os encargos que a Recorrente tem de suportar, face ao fato de padecer de doença grave que a incapacitou para o trabalho, e pelo fato de o Estado não considerar outros critérios de justiça social e económica, ocorre a violação do referido preceito.
Vejamos o que dispõe o mencionado preceito:
1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
(…)
3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.”
Resulta deste preceito que, no que toca à tributação do rendimento, este deve ser único e progressivo e, no que respeita à tributação do património esta deve contribuir para a igualdade dos cidadãos.
Ora, a primeira coisa que se impõe afirmar é que, no caso dos autos, apenas está em causa a tributação do património pelo que não poderá nunca ocorrer uma violação do nº 1 do aludido preceito, que se destina a regular a tributação sobre o rendimento.
Por outro lado, e no que respeita à tributação do património, não se compreende, nem a Recorrente densifica, em que medida, o art. 48º do EBF, ao estabelecer duas condições cumulativas e abrangendo a globalidade do património para o acesso à isenção de IMI, viola o ali disposto designadamente porque o que este preceito pretende assegurar é que é respeitado o princípio da igualdade.
Analisemos, então.
O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da CRP), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade” dos impostos. Por generalidade deve entender-se que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); já por uniformidade pretende significar-se que a repartição dos impostos pelos cidadãos deve obedecer ao mesmo critério, idêntico para todos (neste sentido podemos ver: Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). Por outro lado, como nos ensina Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7ª edição, Almedina, 2012, pág. 155, este princípio encontra reflexo no princípio da capacidade contributiva, afirmando este autor o seguinte: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)”. Podemos, deste modo, afirmar que este princípio é o critério e o pressuposto da tributação pois, por um lado, “constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).
No mesmo sentido tem afirmado o Tribunal Constitucional, designadamente no seu Acórdão n.º 84/2003, onde afirma que:
O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)”.
No fundo, com o presente princípio aquilo que caberá aos tribunais será aferir se foi violada a proibição do arbítrio.
Posto isto, e volvendo ao caso dos autos, entendemos que não se encontra violado este princípio da igualdade, desde logo porque a Recorrente não nos indica em que outras situações idênticas foi concedida a isenção e a si não foi. Acresce ainda que a decisão da AT não foi arbitraria. Na verdade, a AT limitou-se a verificar da existência dos dois requisitos estabelecidos na lei e, em face da sua não verificação, indeferiu a pretensão.
Por outro lado, também não se consegue entender em que medida, o preceito em apreço possa violar o princípio aludido, uma vez que com ele se pretende exatamente atender às situações concretas dos contribuintes com menores recursos, bem como aqueles cujo valor global do património imobiliário detido seja inferior a um determinado montante e, nessa conformidade, isentá-los do imposto. Não se verificando um dos pressupostos legais, não se pode defender que foi violado o princípio da igualdade, designadamente no seu segmento da capacidade contributiva.
Na verdade, por força do mesmo, todos os contribuintes que se encontrem numa situação de insuficiência económica e, simultaneamente, possuam imóveis cujo valor global seja de valor reduzido, ficam isentos de IMI. Com esta norma o legislador fiscal procurou, como também já tivemos oportunidade de mencionar acima, proteger aqueles que menos recursos têm, em detrimento dos outros que não possuindo aquelas limitações ficam sujeitos ao mencionado imposto.
Em consequência, também aqui não vislumbra este Tribunal como a decisão recorrida ou a decisão da AT, que sobrepesaram todos os elementos necessários para a concessão da isenção, possam ter violado o disposto neste comando constitucional, pelo que o presente recurso deverá também improceder nesta parte.
Finalmente, argui ainda a Recorrente que foi violado o art. 266º da CRP, mas mais uma vez, não explica em que medida este preceito possa ter sido objeto de violação por parte da AT, na sua decisão.
Na verdade, de acordo com este preceito todos os órgãos da administração pública estão sujeitos à lei e à constituição e devem, no exercício do seu mister, respeitar os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
A Recorrente centra todas as suas alegações de recurso na violação dos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade, concluindo que deveria ser possível adotar uma solução como a do sistema britânico ou francês em que bastaria a verificação dum dos pressupostos para haver lugar à isenção.
No que respeita aos princípios da imparcialidade e boa-fé, a Recorrente nada alega que nos permita concluir o motivo que leva a que considere violados os mencionados princípios, o mesmo acontecendo relativamente ao princípio da justiça.
Por outro lado, por tudo o que foi afirmado antes, especialmente no que respeita aos princípios da legalidade e da igualdade, não pode este Tribunal concluir senão que a AT não desrespeitou nenhum daqueles princípios pelo que votado ao insucesso fica também o presente recurso, nesta parte.
Já no que tange à alegada violação do princípio da proporcionalidade também não se entende como o mesmo possa ter sido violado.
Na verdade, o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios, a saber: o princípio da adequação, princípio da exigibilidade e o princípio da proporcionalidade em sentido restrito.
Enquanto princípio da adequação significa que as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, já o princípio da exigibilidade este deve ser equacionado no sentido em que as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias. Finalmente, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa "justa medida", impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins em causa.
Neste âmbito, o art° 266, n° 2, da C.R.P consagra-o enquanto princípio material informador e conformador da atividade administrativa, implicando a juridicidade de toda a atividade da Administração (vide artº 7, n°.2, do CPA.).
Nesta conformidade, exige-se ao particular, neste caso ao Recorrente, que densifique em que medida este princípio foi violado não bastando afirmar que lhe assiste o direito à habitação em condições condignas, pois não alega factualidade que permita inferir a aludida desproporção intolerável.
Assim sendo, improcedente terá também de ser julgado o presente recurso nesta parte.

*
CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total decaimento da recorrente, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 10 de outubro de 2024
Cristina Coelho da Silva - Relatora
Maria da Luz Cardoso
Margarida Reis