Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2582/12.5BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/19/2024 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | LIQUIDAÇÃO OFICIOSA INEXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO FACTO NEGATIVO FALTA DE ATIVIDADE DISSOLUÇÃO ADMINISTRATIVA |
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Sumário: | I - A liquidação do IRC é, por regra, uma autoliquidação do sujeito passivo, a qual tem por base a matéria coletável declarada na declaração periódica de rendimentos. II - A liquidação oficiosa faz-se por definição com base num rendimento presumido por inexistirem, no prazo legal, elementos declarados pelo sujeito passivo. III - A liquidação oficiosa de IRC, emitida na sequência de falta declarativa por parte do contribuinte, é suscetível de impugnação, designadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de quantificação. IV - A ponderação e concreta valoração da prova de um facto negativo, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deve ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito. V - A circunstância da dissolução e liquidação da sociedade ter ocorrido em data posterior ao exercício visado, não impede que haja uma situação de inexistência de facto tributário. VI - Não tendo havido qualquer atividade da sociedade durante o período a que respeita a liquidação oficiosa de IRC, inexiste facto tributário. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
l – RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por D… -Discoteca, Lda (doravante Recorrida) tendo por objeto liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2011 8310011087, relativa ao exercício de 2007, no montante de €1.525,11. *** A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por D... – Discoteca, Lda e em consequência, anulou a liquidação oficiosa de IRS n.º 2011 8310011087, relativa ao ano de 2007, no montante de € 1.525,11. B. Tendo presente a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, não pode, por diversas ordens de razão, a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na mesma, a qual deverá ser revogada e substituída por outra conforme às normas e princípios jurídicos aplicáveis. C. No que à matéria de facto diz respeito, decorre dos autos que a sociedade D... –Discoteca, Lda, sociedade comercial por quotas, residente em território nacional, que exerceu a atividade de bares (CAE 56302), enquadrada no regime de determinação do lucro tributável em sede de IRC e no regime mensal por opção em sede de IVA, encontra-se dissolvida e liquidada desde 22.09.2011. - facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados. D. Relativamente ao período de tributação de 2007, a Recorrida não apresentou nos prazos legalmente estabelecidos a declaração periódica de rendimentos, Modelo 22, nos termos da alínea b), n.º 1 do art.º 117.º e art.º 120.º ambos do CIRC. -facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados. E. Nesse seguimento, em 19.10.2011, a Recorrente procedeu à emissão de liquidação oficiosa de IRC n.º 2011 8310011087, referente ao período de tributação de 2007, na qual foi apurado um valor a pagar de € 1.525,11, com data limite de pagamento de 28.11.2011, da qual foi devidamente notificada, não tendo sido paga, o que originou um processo de execução fiscal. - facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados. F. Resulta ainda dos factos que, relativamente ao período de tributação de 2007, o Recorrido não apresentou nos prazos legalmente estabelecidos a declaração periódica de rendimentos, Modelo 22, nos termos da alínea b), n.º 1 do art.º 117.º e art.º 120.º ambos do CIRC. G. E que nesse seguimento, em 19.10.2011, a Recorrente procedeu à emissão de liquidação oficiosa de IRC n.º 2011 8310011087, referente ao período de tributação de 2007, na qual foi apurado um valor a pagar de € 1.525,11, com data limite de pagamento de 28.11.2011, da qual foi devidamente notificada, não tendo sido paga, o que originou um processo de execução fiscal. H. Na sequência da não apresentação no prazo legal da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, referente ao ano de 2007, por parte da Recorrida, procedeu a Recorrente à emissão de liquidação oficiosa de IRC n.º 2011 8310011087, referente ao período de tributação de 2007, na qual foi apurado um valor a pagar de € 1.525,11. I. Posteriormente foi entregue pela Recorrida, fora do prazo e após a liquidação oficiosa efetuada pela Recorrente, a declaração de rendimentos Modelo 22, relativa ao exercício de 2007, apresentando matéria coletável inferior à apurada oficiosamente, o que implicou que essa declaração ficasse na situação de “não liquidável”. J. Reagiu ainda a Recorrida através dos meios administrativos (Reclamação Graciosa), e posteriormente, através da Impugnação judicial, cuja decisão aqui se contesta. K. No entender da Recorrente, contrariamente ao que parece fazer crer o teor da Sentença, não se verifica a ilegalidade da liquidação oficiosa. L. A Recorrida apenas foi dissolvida e liquidada em 22.09.2011, pelo que até essa data mantém a personalidade jurídica, nos termos do n.º 2 do art.º 160.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) encontrando-se sujeito a direitos e obrigações, cfr. art.º 146.º do CSC. M. De igual forma não juntou documentos que suportem o prejuízo declarado na declaração entregue, nomeadamente lançamentos contabilísticos ou mapas de amortizações, demonstração de resultados ou extratos, sendo que os elementos constantes se mostram insuficientes para comprovar o valor da matéria coletável nula, que a Recorrida pretende ver reconhecida. N. Em sede de Reclamação Graciosa, apurou-se através dos balancetes apresentados, antes e depois do encerramento das contas, a existência de um saldo de caixa no montante de €17.410,75. O. Com referência a esta matéria pronunciou-se o STA de 24.02.2011 no processo n.º 01145/09 referir que “(…) a sociedade só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo até lá a personalidade jurídica, sujeito de direitos e obrigações, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias adaptações e em tudo que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (cfr. artigo 146.º do CSC).” P. Assim, face a todos os elementos coligidos nos autos, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e em consequência, manter-se na ordem jurídica o ato tributário em apreço por estar em conformidade com os normativos legais supracitados. Q. Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente procedente, a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal as sobreditas correções. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.” *** A Recorrida devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. *** II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “A) Em 29-12-2020 foi proferida sentença de anulação, da liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2007, com o n.º 2011 8310025377, no montante a pagar de € 1 525,11, no Processo de Impugnação n.º 2581/12.7BELRS, deduzido por A…, sociedade irregular com o NIPC 9…– cfr. documento 7152792 de 22-06- 2021 do Sitaf; B) Em 05-09-2012, D... – DISCOTECA, LDA (em liquidação) representada por A… apresentou a presente petição de impugnação contra a liquidação oficiosa de IRC n.º 2011 8310011087, relativa ao exercício de 2007, no montante a pagar de € 1 525,11 emitida em 19-10-2011, com data limite de pagamento: 28-11-2011– cfr. petição inicial no sitaf, fls. 75 do processo administrativo tributário e procedimento de reclamação graciosa, a fls. 17 e 18; C) Em 08-03-2012, a Impugnante entregou Declaração de IRC, Modelo 22, a primeira declaração relativa ao ano de 2007, com prejuízo fiscal, no montante de € 1 028,00 - cfr. documento 3 da petição de impugnação; D) Em 27-03-2012, a Impugnante apresenta reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa referida em B, pedindo a sua anulação juntando a declaração modelo 22 do IRC de 2007, balancetes analíticos e fotocópia da comunicação da Câmara Municipal de Cascais, indeferindo a renovação da licença do estabelecimento com data de 07-01-2004 – cfr. procedimento de reclamação graciosa; E) A reclamação graciosa foi indeferida por não ter ficado provado a inatividade da sociedade, pois analisada a informação da Câmara Municipal de Cascais, a Autoridade Tributária conclui que em 07-01-2004 foi indeferido o pedido de alargamento do período de licença de funcionamento, não sendo feita menção de inexistência de licença para o ano de 2007 – cfr. procedimento de reclamação graciosa; F) Na carta da EDP datada de 12-06-2006, dirigida ao Sr. A…, sócio gerente da D... , LDA, ora Impugnante, consta que o contrato de fornecimento se encontra cessado, sendo o local de consumo: Rua B… Monte Estoril – cfr. documento 1 da petição de impugnação; G) A morada da Impugnante D... , LDA é Rua do B… Monte Estoril – cfr. documento 1 da petição de impugnação; H) Por Despacho do Sr. Vereador do Pelouro das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais de 07-01-2004, foi indeferido o pedido de alargamento do período de licença de funcionamento da Discoteca S…, requerido pela D... – DISCOTECA, LDA – cfr. documento 2 da petição de impugnação; “ *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “A Impugnante laborou no ano de 2007. Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.” *** Considero os factos provados atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório. O não licenciamento de funcionamento da Discoteca datado de 07-01-2004 e a cessação do contrato de fornecimento da EDP comunicada por carta de 12-06-2006 na sede da Impugnante, aliada ao facto de não constarem dos autos, quaisquer faturas de fornecedores, água, meios de pagamento, ou seja, qualquer documento demonstrativo da atividade da ora Impugnante convenceram o Tribunal, da inatividade da Impugnante, no ano de 2007. Daí ter-se considerado como facto não provado que a Impugnante laborou no ano de 2007. *** Atento o disposto no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.) Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância: E) A 06 de agosto de 2012, no âmbito da reclamação graciosa referida em D), foi proferida informação instrutora pela Técnica Administrativa Tributária Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, Divisão Justiça Administrativa, propondo o indeferimento da mesma e da qual se extrata, designadamente, o seguinte:
(cfr. indeferimento da reclamação graciosa a fls. 25 a 27 do PAT apenso); H) A 07 de abril de 2004, e na sequência de requerimento apresentado pelo sócio gerente A…, foi prolatado despacho pelo Vereador do Pelouro das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais de indeferimento do pedido de alargamento do período de licença de funcionamento do qual se extrata, designadamente, o seguinte:
(cfr. documento 2 da petição de impugnação); *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: I) No Balancete Analítico-Contabilidade Geral elaborado pela sociedade denominada “D... -Discoteca, Lda”, após o fecho do exercício de 2007, consta, designadamente, o seguinte: «Imagem em texto no riginal»
(cfr. fls. 9 e 10 do PA apenso); *** Em conformidade com o preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, dá-se por não escrita a factualidade não provada com o seguinte teor: “A Impugnante laborou no ano de 2007”, na medida em que o mesmo não consubstancia um facto mas sim um juízo conclusivo, sendo que o deve constar no probatório são as ocorrências da vida real que individualmente consideradas ou interpretadas em conjunto, permitam ao julgador extrair a conclusão da efetiva laboração, donde, exercício ou não de atividade. *** III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa de IRC, do exercício 2007, determinando a sua anulabilidade. Ab initio, cumpre salientar que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento: Ø de facto, na medida em que não contemplou factualidade relevante para o efeito, e cujo aditamento requer, competindo, assim, aquilatar do concreto preenchimento do artigo 640.º do CPC; Ø por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter entendido que se verifica inexistência de facto tributário, atenta a demonstração de falta de atividade no visado exercício. Apreciando. Comecemos pelo erro de julgamento de facto. Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.). Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros. Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente convoca o aditamento de três factos, no entanto, não cumpre os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, na medida em que embora evidencie a roupagem do facto a aditar, não enuncia o concreto meio probatório atinente ao efeito. Por outro prisma, sempre se dirá que a factualidade que a Recorrente visava aditar estava concatenada, por um lado, com a data efetiva da dissolução e liquidação da sociedade, a qual não é controvertida, nem assume o relevo que a mesma lhe pretende dar, conforme veremos em sede própria, e por outro lado, as asserções fáticas atinentes à emissão da liquidação oficiosa já se encontram contempladas no probatório. No concernente à falta de apresentação da Declaração de Rendimentos Modelo 22, de IRC, dentro do prazo constante na lei, cumpre evidenciar que, para além de configurar um juízo conclusivo e de direito, tal asserção é não controvertida inferindo-se, outrossim, do plasmado nas alíneas B) a E) do probatório. E por assim ser rejeita-se a aludida impugnação da matéria de facto. *** Atentemos, ora, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Alega a Recorrente que a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de direito, porquanto a liquidação impugnada foi emitida ao abrigo do artigo 83.º, nº1, alíneas b) e c), do CIRC, decorrente da falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22, de IRC, estando, por isso, perfeitamente legitimada a sua atuação. Mais advoga que a sociedade, ora Recorrida, apenas foi dissolvida e liquidada em 22 de setembro de 2011, pelo que até essa data mantém a personalidade jurídica, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º CSC, encontrando-se, por conseguinte, sujeita a direitos e obrigações. Conclui, a final, que tendo a liquidação por base uma matéria coletável apurada nos termos da alínea b), n.º 1, do artigo 83.º CIRC, competia à Recorrida provar, conforme prevê o n.º 1, do artigo 74.º LGT, da veracidade da matéria coletável, o que não logrou demonstrar. Por seu turno, o Tribunal a quo considerou que a AT incorreu em vício de violação de lei, porquanto resultou provado que a Impugnante no exercício visado não exerceu qualquer atividade inexistindo, assim, facto tributário. Com efeito, extrai-se, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica: Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento de direito, começando por convocar o quadro jurídico que releva para o caso dos autos. De harmonia com o disposto no n.º 1, do artigo 112.º do CIRC, na redação em vigor à data, a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b), do n.º 1 do artigo 109.º, comummente designada Declaração de Rendimentos Modelo 22 “[d]eve ser apresentada anualmente, em qualquer serviço de finanças, em suporte de papel ou magnético, ou enviada via Internet até ao último dia útil do mês de maio”. Em termos de procedimento e forma de liquidação, importa convocar o disposto no artigo 83.º do CIRC, segundo o qual: “1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes: a) Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações a que se referem os artigos 112º e 114º, tem por base a matéria coletável que delas conste; b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no nº 2 do referido artigo, até ao fim do 6º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada; c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.” Conforme resulta expresso do teor do citado artigo 112.º do CIRC, a liquidação do IRC é, por regra, uma autoliquidação do sujeito passivo, a qual tem por base a matéria coletável declarada na declaração periódica de rendimentos. Porém, na falta de apresentação da Declaração de Rendimentos Modelo 22 referida no citado artigo 112.º, do CIRC, a liquidação é efetuada oficiosamente pela AT e tem por base a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada, ou na sua falta, de acordo com os elementos na sua disponibilidade. A liquidação oficiosa faz-se, assim, por definição com base num rendimento presumido por inexistirem, no prazo legal, elementos declarados pelo sujeito passivo. Não obstante o exposto, preceitua o citado artigo 83.º, nº 10 do CIRC que a liquidação pode ser corrigida dentro dos prazos de caducidade do direito à liquidação e em conformidade com o preceituado nos artigos 45.º e 46.º da LGT. Mais preceituando o artigo 95.º do CIRC que “[a] Direcção-Geral dos Impostos procede oficiosamente à anulação, total ou parcial, do imposto que tenha sido liquidado, sempre que este se mostre superior ao devido, nos seguintes casos: a) Em consequência de correção da liquidação nos termos dos n.os 9 e 10 do artigo 83º ou do artigo 92º”. Importando, ainda neste âmbito, ter presente que a mera apresentação da Declaração de Rendimentos Modelo 22, fora do prazo legal não implica, per se, a anulação da liquidação oficiosa, porquanto não goza da presunção de verdade declarativa, a qual, no entanto, não é estendida à contabilidade. (3-Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 0220/11.2BEVIS, de 05.12.2018. No mesmo sentido, vide Acórdãos deste TCA, proferidos nos processos nºs 506/14 e 751/11, de 25.06.2019 e 20.02.2020, respetivamente, sendo o primeiro proferido pelo mesmo coletivo que integra os presentes autos.) Ora, visto o quadro normativo e tecidos os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso dos autos, ajuizamos que a decisão recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados. Mas expliquemos porque assim o entendemos. Do recorte probatório dos autos, não devidamente impugnado, resulta que a sociedade Recorrida não procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22, respeitante ao exercício de 2007, dentro do prazo consignado na lei, razão pela qual a AT emitiu, a 19 de outubro de 2011, a competente liquidação oficiosa. Mais dimanando assente que, a 08 de março de 2012, a Recorrida, apresentou a Declaração de Rendimentos Modelo 22, de IRC, do exercício de 2007, com prejuízo fiscal, no montante de €1.028,00. Resultando, igualmente, provado que apresentou reclamação graciosa tendente a demonstrar a inexistência de atividade no período visado, a qual foi indeferida com a consequente manutenção do ato de liquidação. Ora, em face do supra aludido impõe-se concluir que a AT estava, efetivamente, legitimada a emitir o ato de liquidação oficiosa em contenda. Porém, se é certo que a AT atuou com respeito pelo princípio da legalidade, tal não obsta a que a Impugnante, ora Recorrida, demonstre a ilegalidade do ato de liquidação oficiosa, provando que o montante apurado oficiosamente pela AT não tem fundamento legal, por inexistência do facto tributário, ou mesmo por ser manifestamente exagerado. Dito de outro modo: tendo a liquidação impugnada por base uma matéria coletável apurada de acordo com o artigo 83.º do CIRC, compete à Impugnante, ora Recorrida, provar, de acordo com as regras do ónus da prova, que aquela matéria coletável não corresponde à real. Vejamos, então, se a prova realizada nos autos permite concluir no sentido da ilegalidade da liquidação. De relevar, desde já, que a cessação, dissolução e liquidação em data posterior ao exercício visado, não tem o alcance que lhe pretende conferir a Recorrente, e isto porque não obstante o artigo 160.º, n.º 2, do CSC, estatuir que a sociedade só se considera extinta pelo registo do encerramento da liquidação e que, apenas essa extinção cessa a personalidade jurídica e judiciária, à semelhança do que acontece com a morte de qualquer pessoa singular, a verdade é que tal não permite, sem mais, extrair que exerceu atividade, e que mediante esse exercício obteve rendimentos sujeitos a tributação [neste sentido, vide, designadamente, Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 476/11, de 08.07.2021]. Com efeito, é preciso ter presente que o nosso ordenamento jurídico acolheu o princípio da tributação do rendimento real em detrimento do rendimento normal, plasmado no artigo 104.º, nº2 da CRP, o qual deve ser concatenado os princípios da igualdade fiscal e capacidade contributiva, por a abordagem concreta e individualizada à realidade económica da empresa representar o melhor registo de otimização desses princípios normativos. O que significa, portanto, que inexistindo facto tributário em resultado da inatividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto, previsto no artigo 1.º do CIRC. Note-se que, como doutrinado por Rui Morais (4-In Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp 208/209.) relativamente a ratio e natureza da liquidação oficiosa: Logo, o que importa demonstrar é que no exercício em contenda, não ocorreu atividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC. In casu, atentando no probatório dos autos, verifica-se que mediante Despacho nº 128/2002, o Presidente da Câmara de Cascais autorizou a emissão de licença provisória para funcionamento da Discoteca por um período de 18 meses renovável, a qual caducou a 4 de janeiro de 2004. Dimanando, outrossim, assente que o pedido de alargamento do período de funcionamento foi indeferido, mediante prolação de despacho pelo Vereador do Pelouro das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Cascais, datado de 07 de abril de 2004, nele constando, expressamente, que “seja solicitada à Polícia Municipal a verificação do cumprimento do despacho nº 128/2002 (encerramento do estabelecimento).” E bem assim que à data da prática do facto tributário o contrato de fornecimento de energia elétrica encontrava-se cessado. Ora, as realidades de facto supra expendidas interpretadas de forma conjugada, permitem extrair com razoável certeza que a sociedade em causa já não tinha qualquer atividade, nem qualquer fonte de rendimento. Como expendido, no Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 2212/09, de 09 de junho de 2021, a propósito de uma situação de prova de inexistência de atividade, num contexto, justamente, de liquidação oficiosa, que: “Veja-se que, em situações com a dos autos, em que impende sobre a Impugnante o ónus da prova de um facto negativo (em certos casos designada de diabolica probatio), a prova a produzir apresenta sempre dificuldades maiores. No nosso ordenamento, sendo certo que a circunstância de o facto ser negativo não desonera a parte de o provar, o julgador deverá, nestes casos, seguir a máxima segundo a qual iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur. A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2008 (Processo: 0327/08), onde se refere que “… a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse” (destaques e sublinhados nossos). Tal é quanto baste para se afirmar que a Impugnante, ora Recorrida, nos termos que lhe são exigíveis, demonstrou o por si alegado, sendo que, in limite, sempre existiria uma situação de fundada dúvida da existência de facto tributário (artigo 100.º da LGT). Não relevando, neste e para este efeito, o expendido quanto à documentação contabilística. Carecendo, portanto, do peso que lhe pretende imprimir a Recorrente a existência do saldo de caixa evidenciado na conclusão N), porquanto não pode ser analisado de forma isolada e espartilhada da demais prova produzida nos autos, e no mesmo sentido se ajuizará no atinente ao alegado na conclusão referida em M), sendo certo que nada resulta nos autos que, a AT tenha requerido esses mesmos elementos, instruindo nesse e para esse efeito. De relevar, in fine, que a manutenção da liquidação oficiosa determinava, in casu, uma clara violação do princípio da tributação pelo lucro real, sendo que não se encontra legitimada a existência de imposto sem rendimento efetivo [vide, designadamente, o Aresto proferido pelo STA, em 22 de abril de 2015, no processo nº 0826/13]. Tudo visto e ponderado, resultando da prova produzida que à data da prática do facto tributário, a sociedade em causa já não tinha qualquer atividade, nem qualquer fonte de rendimento, tal determina que a liquidação oficiosa de IRC respeitante ao exercício de 2007, não se pode manter na ordem jurídica, por inexistência do facto tributário. Face ao exposto, e sem necessidade de mais considerações, improcede, na íntegra, o presente recurso, mantendo-se, por isso, integralmente o julgado anulatório, o qual não merece qualquer censura. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Lisboa, 19 de junho de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Ana Cristina carvalho) (Tânia Meireles da Cunha) |