Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 193/10.9BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/30/2025 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | IRS ADIANTAMENTOS POR CONTA DE LUCROS ERRO NOS PRESSUPOSTOS |
| Sumário: | i) Consideram-se rendimentos da categoria E do IRS, os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros (art.º 5.º, n.º 2 alínea h), do CIRS). ii) Proveitos pretensamente omitidos à contabilidade da sociedade que entraram na conta particular do sócio, não são qualificáveis, sem mais, como adiantamentos sobre lucros. iii) A qualificação de tais proveitos como adiantamentos sobre lucros não prescinde da indagação dos requisitos substantivos de que depende esta figura, cujo ónus recai sobre a Administração tributária, nos termos gerais do art.º 74.º, n.º 1, da LGT e a que o sujeito passivo pode oferecer contraprova, no procedimento e no processo. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO Sérgio ………………… e Maria …………………., casados entre si, impugnaram o despacho proferido pela Directora da Direcção de Serviços do IRS, que desatendeu o recurso hierárquico que intentaram contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, relativa a liquidação oficiosa de IRS, do ano 2003, deduzindo acção administrativa especial, convolada em impugnação judicial, por despacho de 22/4/2010. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença de 24/04/2017, julgou improcedente a impugnação. Inconformados com tal decisão, dela vieram os impugnantes apelar para este Tribunal Central Administrativo tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões: « CONCLUSÕES: 1) Conforme consta dos autos, os Recorrentes apresentaram a sua petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 70° e 102° e seguintes do CPPT “ex vi” artigos 92°, n° 8 e 95° e seguintes da LGT, alegando o que acima se transcreveu; 2) A Exma. Representante da Fazenda Pública apresentou contestação, alegando o que consta de fls.; 3) Por Sentença de fls., a Meritíssima Juiz decidiu o acima transcrito; 4)Os Impugnantes alegaram na sua petição inicial que não foram notificados para o exercício do direito de audição prévia; 5) Os Impugnantes alegaram na sua petição inicial que não foram notificados para o exercício do direito de audição prévia; 6) Dos documentos juntos aos autos de fls., resulta que os Impugnantes não tiveram conhecimento das notificações para o exercício do direito de audição prévia, visto que as mesmas foram devolvidas, com a menção mudou-se e outras não reclamadas; 7) Ficou provado que os Impugnantes não foram notificados para o exercício do direito de audição; 8) A presunção de notificação prevista no n°1 do art. 39° do CPPT está conexionada com a forma de notificação consagrada no art. 38°, n° 3, do CPPT, que se refere à notificação por carta registada, mas esta presunção apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida como se pressupõe no n° 2 do referido artigo 39° do CPPT em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido; 9) Ora, tendo sido devolvidas as cartas registadas, enviadas e nada mais tendo sido feito não pode considerar-se efectuada a notificação do projeto de inspeção para o exercício do direito de audição; 10) Conforme ficou demonstrado os Impugnantes não foram notificados para o direito de audição; 11)Foi cometida uma nulidade, nulidade que, desde já e aqui se requer a sua apreciação; 12) Segundo a Ré, a liquidação reclamada, datada de 04/12/2007, resulta da liquidação oficiosa de rendimentos da categoria E, no valor de € 19.968,50€; 13)Porém, a declaração em causa, é do ano de 2003, sendo os rendimentos do ano de 2002; 14) Assim, dúvidas não existem de que quando os serviços de finanças notificaram os Autores da liquidação adicional, já havia caducado o direito da administração fiscal, poder liquidar tal tributo; 15)Caducidade esta que aqui mais uma vez se invoca e se requer a sua apreciação prévia; 16) Pelo que, também por este motivo deve ser a sentença revogada, com todas as consequências legais daí resultantes; 17) Tanto mais que, para se saber que um determinado rendimento deve ser considerado na declaração de rendimentos: A, B, C, D, etc., é uma questão de prova da obtenção desses rendimentos, em que condições foram obtidos, relatar os factos, etc., e depois aplicar o direito de acordo com esses factos; 18) A prova documental não era suficiente, e daí se terem apresentado as testemunhas para suprir essa falta; 19)Dúvidas não existem de que foi cometida uma preterição de formalidades por parte da entidade subordinada da Ré, ao não inquirir as testemunhas; 20)Tendo sido uma questão que foi apresentada, nunca poderia a entidade subordinada da Ré, decidir não ouvir as testemunhas, sem nada dizer aos Autores, nomeadamente tendo em conta o disposto no artigo 60° da LGT, vindo nesta fase a Ré tentar justificar o injustificável; 21) Dúvidas não existem de que foi cometida uma nulidade, cuja apreciação aqui desde já se requer; 22)O Despacho cuja anulação aqui se requer, também é nulo, porque apreciou a questão da inquirição das testemunhas deficientemente; 23)Em primeiro lugar teria a administração fiscal - quem elaborou as notas de liquidação reclamadas e que deram causa a esta acção, de provar que os Autores receberem de facto os valores descritos nessas notas de liquidação; 24)E depois provar, que pela distribuição de lucros da sociedade de que o Autor marido fez parte, foi destruído de facto; 25)Então sim, após obter-se a prova da divisão dos lucros da sociedade - a sociedade não deu lucro - logo não poderia dividir lucros; 26)Logo, não poderia ter sido dado como provado que os Impugnantes receberam esse dinheiro; 27)Conforme alegou o “sujeito passivo”, estes não obtiveram nenhum rendimento; 28)Para que a Administração Fiscal pudesse fixar valores em liquidação de IRS, teria de provar que os Aut 29) A Administração fiscal não fez essa prova e apenas deduziu através de uma fotocópia de um contrato que foi impugnada e que os Autores não receberam essa quantia; 30) Dúvidas não existem de que o Despacho que anulação aqui se requer tem de ser anulado, com todas as consequências legais daí resultantes; 31) No Despacho cuja anulação aqui se requer, foi feita uma errada interpretação e aplicação das normas legais que são indicadas nesse despacho e parecer que o acompanham; 32) A fundamentação (?) quer de facto quer direito, que é referida no parecer que deu causa ao Despacho cuja anulação aqui se requer, faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso em concreto; 33)E assim, e só por si, já se pode dizer que o Despacho não está fundamentado, tanto de facto como de direito; 34) Quem tem de fundamentar as decisões, é a administração fiscal, e não os Autores; 35) Os Autores apenas têm de contestar a decisão da fixação dos valores, por os mesmos não estarem calculados de acordo com o que impõe a Lei impõe; 36) Na verdade os Autores não devem nenhumas importâncias que estão descritas nos ofícios que deram causa às liquidações e compensações, reclamadas, e que deram causa ao Despacho Impugnado; 37)Os Autores não celebraram nenhum negócio, ou obtiveram rendimentos, que fosse possível alterar-se o IRS do ano de 2003; 38) Para ser possível alterar-se a liquidação do IRS do ano de 2003, aos Autores, seria necessário que estes tivessem obtido rendimentos nesse ano, ou no ano anterior, que não tivessem declarado; 39)Ora, isso não sucedeu; 40) Aliás, nas notificações de liquidação e compensação, que deram causa a este processo, não é possível saber-se de onde provém as liquidações e compensações, bem como as restantes “contas”; 41) Não existem fundamentos, quer de facto quer de direito, para se poder liquidar aos Autores, as quantias que constam dos ofícios que deram causa à reclamação, ao recurso hierárquico e a esta Ação; 42) Têm se ser anuladas as liquidações assim como o Despacho que deu causa a esta acção, por não existir fundamento legal para tais liquidações, nem para a emissão de tal despacho; 43) As entidades Reclamada, Recorrida e Impugnada, ao emitir as liquidações que deram causa à Reclamação, posteriormente ao emitirem o despacho que deu causa ao recurso hierárquico e depois ao emitir o Despacho impugnado nesta acção, não cumpriram o que dispõe o artigo 16°, e alínea a) do Artigo 17° do Código de Processo Tributário e 8°, 55°, 56° e 60° LGT; 44) A Decisão que deu causa a este recurso, não está fundamentada como exigem as normas referidas, tendo por esse facto de ser Revogada, nulidade, esta, que aqui, mais uma vez, se requer; 45) Daí dúvidas não existirem de que terá de ser revogada a decisão recorrida, aliás, conforme acima já se referiu; 46)O Venerando Juiz do Tribunal a quo, na decisão, sob recurso viola o disposto nas alíneas b), e d) do artigo 615° do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nulo; 47)Tanto mais que o direito da Alegante é um direito legal e constitucional; 48) Ora, decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada; 49) Na verdade a decisão recorrida, viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13° e 20°; 50) Isto é, o (Venerando Tribunal) com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos da Alegante, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto; 51) O Venerando Juiz do Tribunal a quo limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões, deficientemente e sem qualquer cabimento, conforme acima já se alegou e explicou; 52) Deixando o Venerando Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas; 53) Cometeu, pois, uma nulidade; 54) Deverá ser REVOGADA a Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 55) A Sentença recorrida viola: Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso. A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. No dia 19 de dezembro de 2002, a sociedade U …………. CONSTRUÇÕES, LDA., representada pelo seu sócio gerente Sérgio ………………. (ora Impugnante), celebrou com Pedro …………… e Josélia ……….. um contrato promessa de compra e venda de duas parcelas de terreno, aprovadas para construção de quatro moradias geminadas, sitas na Rua …….., B…………, freguesia de A…………, concelho do S…….., designadas por lote 38, com a área de 550 m2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de A................. sob o n.° 5352/130899, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 8625, e lote n.° 39, com a área de 450 m2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de A................., sob o n.° ……., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo .- cfr. fls. 55 e 72 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2. Em 22 de agosto de 2003, foi celebrado entre Pedro ……………. e esposa, Josélia ………. (Primeiros Outorgantes), e Valter …………. e Sérgio ………. (Segundos Outorgantes) "CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA", no âmbito do qual os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos outorgantes os imóveis inscritos na matriz predial urbana da freguesia de A................., concelho do S.............., sob os artigos …… e ……. e acima referidos, pelo preço de € 274.303,00 - cfr. fls. 52 a 54 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3. No mesmo dia (22 de agosto de 2003), foi celebrada entre a sociedade U..................., CONSTRUÇÕES, LDA., representada pelo seu sócio-gerente Sérgio …………… (Primeiro Outorgante), e Valter ………………… (Segundo Outorgante) "DECLARAÇÃO DE CEDÊNCIA DA POSIÇÃO CONTRATUAL", no âmbito da qual, por referência ao contrato promessa de compra e venda mencionado em 1., foi convencionado que: 5. O valor titulado pelo cheque n.° …… foi pago no Banco ………….. em 29 de agosto de 2003 - cfr. fls. 56 e 74 do processo de reclamação graciosa apenso. 6. Com base na ordem de serviço n.° OI200701962, datada de 30 de outubro de 2007, emitida pela Direção de Finanças de Santarém - Divisão de Inspeção Tributária I, os Impugnantes foram alvo de uma ação de inspeção interna, de âmbito parcial (IRS), incidente sobre o exercício de 2003 - cfr. fls. 45, 63 e 65 a 70 (relatório inspetivo) do processo de reclamação graciosa apenso. 7. Por ofício n.° 11793, datado de 22 de novembro de 2007, foi expedita notificação por via postal (registo CTT ……………… 1 PT) do projeto do relatório de inspeção para exercício do direito de audição, dirigida aos Impugnantes para o domicílio "CSL …………. 2……..-260 F…….." - cfr. fls. 60 a 62 do processo de reclamação graciosa apenso. 8. A notificação mencionada no ponto antecedente foi devolvida em 23 de novembro de 2007 com a menção no campo de devolução "Mudou-se" - cfr. fls. 61 do processo de reclamação graciosa apenso. 9. No dia 27 de novembro de 2007 foi proferido pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Santarém relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo referido no ponto 6. que antecede, onde ficou consignado, na parte que ora importa, o seguinte: 10. Sobre o relatório de inspeção referido no ponto 9. que antecede recaiu despacho de concordância do Chefe de Divisão, por delegação do Diretor de Finanças de Santarém, datado de 27 de novembro de 2007 - cfr. fls. 65 do processo de reclamação graciosa apenso. 11. Por ofício n.° 11931, datado de 28 de novembro de 2007, foi expedita notificação por via postal (registo CTT RM ………….. PT) das correções advenientes da ação inspetiva interna, dirigida aos Impugnantes para o domicílio "C……. ………F………. 2…………-260 F………." - cfr. fls. 75 e 76 do processo de reclamação graciosa apenso. 12. A notificação mencionada no ponto antecedente foi devolvida com a menção "Não Reclamado" - cfr. fls. 76 do processo de reclamação graciosa apenso. 13. Com base das correções efetuadas ao lucro tributável de IRS referente ao exercício de 2003 em sede inspetiva foi emitida, em 04 de dezembro de 2007, liquidação com o n.° …………..399, no âmbito da qual se apurou imposto no montante de € 2.587,82, acrescidos de € 370,36 a título de juros compensatórios, num total de € 2.958,18 - cfr. fls. 09 a 11, 40 a 43 do processo de reclamação graciosa apenso. 14. Os Impugnantes foram notificados em 18 de dezembro de 2007 da demonstração de liquidação de IRS com o n.° …………….339, por ofício n.°200138-45780, remetido por via postal (registo CTT R…………PT) - cfr. fls. 09, 36 e 38 do processo de reclamação graciosa apenso. 15. Os Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Ourém, em 11 de abril de 2008, reclamação graciosa da liquidação n.°………..399, no âmbito da qual arrolaram quatro testemunhas - cfr. fls. 03 a 07, e respetivos versos, do processo de reclamação graciosa apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas. 16. A reclamação graciosa originou o processo n.° …………730, instaurado no Serviço de Finanças de Ourém no dia 11 de abril de 2008 - cfr. fls. 01 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso. 17. No dia 30 de outubro de 2008, Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém emitiu a informação no âmbito do processo de reclamação graciosa n.° ………….730, com o seguinte teor: [...]"- cfr. fls. 101 a 104 do processo de reclamação graciosa apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas. 18. Sobre a informação referida no ponto anterior recaiu "PROJECTO DE DESPACHO" do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, por delegação de competências, com o seguinte teor: 19. Por ofício n.° 3120, os Impugnantes foram notificados em 06 de novembro de 2008 do projeto de despacho referenciado no ponto 18. que antecede e para se pronunciarem sobre o seu teor no prazo de dez dias - cfr. fls. 106 a 108 do processo de reclamação graciosa apenso. 20. Os Impugnantes apresentaram resposta escrita ao projeto de despacho no dia 17 de novembro de 2008 - cfr. fls. 109 a 111 do processo de reclamação graciosa apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas. 21. Em 19 de novembro de 2008, a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém emitiu a seguinte informação: 22. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaiu "DESPACHO" do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, por delegação de competências, datado de 19 de novembro de 2008, com o seguinte teor: 23. Os Impugnantes foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por ofício n.° 2.459, em 11 de dezembro de 2008 - cfr. fls. 116 a 118 do processo de reclamação graciosa apenso. 24. No dia 08 de janeiro de 2009, os Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Ourém recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 02 a 12, e respetivos versos, do processo de recurso hierárquico apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas. 25. A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém prestou informação sobre o recurso hierárquico interposto propugnando pela manutenção da decisão recorrida, remetendo os autos para a Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o que originou o processo de recurso hierárquico n.° ……………. - cfr. fls. 15 a 21 do processo de recurso hierárquico apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas 26. No âmbito do processo de recurso hierárquico n.° …………….., a Divisão de Administração II da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares prestou, no dia 02 de setembro de 2009, informação n.° 2237/09, com o seguinte teor: 27. Sobre a informação referida no ponto anterior recaiu despacho da Diretora de Serviços do IRS, por subdelegação, datado de 30 de setembro de 2009, com o seguinte teor: 28. Os Impugnantes foram notificados da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico interposto no dia 27 de outubro de 2009, por ofício n.° 2552 - cfr. fls. 32 e 33 do processo de recurso hierárquico apenso. 29. À data da expedição das notificações referidas em 7. e 11. constava das bases cadastrais da Administração Tributária o seguinte domicílio fiscal dos Impugnantes: "…………. – F……..- 2……. - 260 F………" - cfr. fls. 77, 80 a 83 do processo de reclamação graciosa apenso. 30. A Impugnante Maria ………………. alterou o seu domicílio fiscal para "R P…………., N S/N F……….. 2……-285 F……….." em 03 de setembro de 2008 - cfr. fls. 99 e 100 do processo de reclamação graciosa apenso. 31. O Impugnante Sérgio …………….. alterou o seu domicílio fiscal para "R P…………., N S/N F……….. 2……-285 F……….." em 24 de setembro de 2008 - cfr. fls. 84 e 85 do processo de reclamação graciosa apenso. 32. A presente impugnação judicial foi apresentada em 25 de janeiro de 2010 - cfr. fls. 02 e ss. dos autos (suporte físico). * Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa, atenta a causa de pedir.FACTOS NÃO PROVADOS * A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, no Processo Administrativo, no Processo de Reclamação Graciosa e no Processo de Recurso Hierárquico apensos, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.».MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO B.DE DIREITO Como enunciamos nas questões a resolver, os recorrentes imputam à sentença erro de julgamento na apreciação que fez de vários vícios, de forma e de fundo, que imputam à liquidação impugnada e às decisões de reclamação graciosa e recurso hierárquico dela interpostos. Começaremos por apreciar o erro de julgamento em que a sentença terá incorrido na apreciação que fez do vício substantivo da liquidação que se prende com a inexistência de rendimentos qualificados como adiantamentos por conta de lucros por ser aquele cuja procedência determina uma mais estável e eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos, na linha do preconizado no art.º 124.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Pois bem, mostram os autos e o probatório que a sociedade U..................., CONSTRUÇÕES, LDA., representada pelo seu sócio-gerente, Sérgio ……………(impugnante e ora recorrente), prometeu comprar a Pedro ……………. e Josélia ………….. dois lotes de terreno para construção; posteriormente, em 22/08/2003, estes últimos, prometeram vender a Valter ……………….. e Sérgio ………….. os referidos lotes de terreno e, na mesma data de 22/08/2003, a sociedade U..................., CONSTRUÇÕES, LDA., cedeu a posição contratual aos referidos Valter ……………… e Sérgio …………. e transferiu para estes últimos todos os direitos do contrato promessa de compra e venda inicial, mediante a contrapartida de EUR. 39.937,00 (Trinta e nove mil, novecentos e trinta e sete Euros). O pagamento daquela quantia de EUR. 39.937,00 em contrapartida da cedência da posição contratual da sociedade foi efectuada através de cheque emitido à ordem do impugnante, aqui recorrente, Sérgio ………….. Em acção inspectiva ao impugnante e seu cônjuge, a Administração tributária constatou e deixou relatado, destacadamente, o seguinte: « A Posição Contratual nos referidos imóveis por parte da sociedade U…………., Ld.ª foi obtida através de contrato de promessa de compra e venda celebrado em 19 de Dezembro de 2002, (em que foi interveniente o s.p. Sérgio ……….., na qualidade de sócio-gerente daquela sociedade), com o proprietário dos imóveis Pedro ………. e mulher Josélia ………….., conforme se pode retirar da «Declaração de Cedência da Posição Contratual», (anexo 1). Assim, em 22 de Agosto de 2003, o referido Valter ………. para pagamento da posição contratual nos referidos imóveis, e que lhe foi cedida naquela data, emite um cheque sobre o Banco ………. - Banco ……., n.° ………., à ordem de Sérgio ………….., datado de 22 de Agosto de 2003 (anexo 2). Este ganho por parte do s.p. Sérgio ………., está sujeito a tributação em sede de IRS, na categoria E na medida em que se tratava de um proveito da sociedade (já que a atividade desta é a Compra e Venda de Bens Imobiliários), e tendo sido o sócio-gerente da empresa U…………., Ldª- que na sua esfera pessoal obteve aquele ganho, é considerado um adiantamento sobre os lucros nos termos da alínea h) do n.° 2 do artigo 5.° do CIRS. Ainda nos termos do n.° 2 da alínea a) do n.° 3 do mesmo artigo, estes rendimentos estão sujeitos a imposto no ano em que forem pagos ou colocados à disposição. Assim, vamos proceder à devida correção, nos termos do artigo 40-A do CIRS que refere que os lucros e adiantamentos por conta de lucros são considerados apenas em 50% do seu valor. Não foi efetuada retenção na fonte pela entidade pagadora (…)». Vejamos o que preceitua aquele art.º 5.º, n.º 2 alínea h) do CIRS e se a situação factual descrita encontra enquadramento nessa norma de incidência. « Artigo 5.º 1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.Rendimentos da categoria E 2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: a) (…) h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20. º; (…)» Estabelece o art.º 11.º da LGT, no segmento pertinente: »1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. 2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei. 3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. 4 – (…)» A vantagem económica referida naquela alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS é a que constitua lucro de entidades sujeitas a IRC ou adiantamentos por conta de lucros, em qualquer caso, colocada à disposição dos sócios ou titulares do património social. Inserido no Título IV, relativo às sociedades anónimas, prevê o art.º 297.º do Código das Sociedades Comerciais: « Artigo 297.º 1 - O contrato de sociedade pode autorizar que, no decurso de um exercício, sejam feitos aos accionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:Adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício a) O conselho de administração ou o conselho de administração executivo, com o consentimento do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, resolva o adiantamento; b) A resolução do conselho de administração ou do conselho de administração executivo seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efectuado; c) Seja efectuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste; d) As importâncias a atribuir como adiantamento não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b). 2 - Se o contrato de sociedade for alterado para nele ser concedida a autorização prevista no número anterior, o primeiro adiantamento apenas pode ser efectuado no exercício seguinte àquele em que ocorrer a alteração contratual». Esta norma, embora prevista para as sociedades anónimas, aplica-se, por analogia, às sociedades por quotas, que é o tipo societário em causa nos autos (art.º 2.º do CSC). Raúl Ventura, na obra «Comentário ao Código das Sociedades Comerciais» - Volume I - 2.ª edição - editora Almedina, na página 339, refere o seguinte: «Como o artigo 297.º se aplica directamente apenas às sociedades anónimas, a sua aplicação às sociedades por quotas só pode ser feita por analogia. Poderá parecer que a justificação acima referida (relativa aos adiantamentos sobre dividendos) é exclusiva das sociedades anónimas, mas a verdade é que o problema resolvido por aquele artigo, coloca-se igualmente para as sociedades por quotas. São idênticas nas duas espécies de sociedades as regras de atribuição anual dos lucros de exercício anterior e, por outro lado, também nas sociedades por quotas pode haver interesse em efectuar distribuições de lucros no decurso do exercício. Será talvez menor o interesse prático do preceito nas sociedades por quotas, quanto propriamente a essas distribuições de lucros, mas em contrapartida será nestas sociedades maior o interesse quanto a distribuições de reservas, às quais o condicionamento estabelecido por aquele artigo é parcialmente extensivo. Concluo, portanto, pela aplicação analógica do artigo 297.º às sociedades por quotas.» Esses movimentos relativos a Adiantamento por conta de lucros, pelo montante adiantado, têm de ter expressão contabilística na entidade pagadora sujeita a IRC. Ora, a verificação dos requisitos previstos no art.º 297.º do CSC não foi sequer indagada pela Administração tributária na caracterização da vantagem patrimonial imputada ao sócio-gerente da sociedade, aqui recorrente, como adiantamento sobre lucros. A Administração tributária bastou-se para a caracterização daquela vantagem patrimonial de EUR. 39.937,00 como adiantamento sobre lucros, com a alegada circunstância de a sociedade ter omitido à contabilidade proveitos da sua actividade, proveitos esses depositados em conta particular do sócio. Embora não se coloquem dúvidas de natureza interpretativa quanto à não caracterização da situação factual como adiantamento por conta de lucros, mesmo do ponto de vista da substância económica (art.º 11.º, n.º 3 da LGT), não vemos que se possa reconduzir proveitos a lucros. Os proveitos contribuem para a formação do lucro (artigos 17.º e 20.º do CIRC), mas podem nem sequer gerar lucros (tributáveis). As retiradas de dinheiro por parte dos sócios podem vir a ser qualificadas como adiantamentos por conta de lucros por via da presunção prevista no artigo 6º, n.º 4, do Código do IRS, mas tal supõe que as quantias colocadas à disposição dos sócios se encontrem escrituradas na sociedade, o que no caso, não ocorre. Não funcionando a presunção do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS, fica por esclarecer e demonstrar por que razão os proveitos da sociedade que pretensamente entraram na conta particular do sócio foram qualificados como adiantamento sobre lucros e não mereceram outra qualificação, por exemplo, empréstimo da sociedade ao sócio ou reembolso de suprimentos feitos pelo sócio à sociedade (art.º 243.º do CSC). E o ónus de demonstrar os pressupostos da qualificação jurídica do facto tributário, na falta de presunção legal de que se possa prevalecer, recai sobre a Administração tributária, nos termos gerais do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, ónus que não logrou cumprir, o que inquina a correcção oficiosa dos rendimentos do impugnante do vício de violação de lei por erro nos pressupostos. A sentença recorrida, que validou a correcção da matéria colectável na base da liquidação oficiosa de IRS impugnada, incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica. O recurso merece provimento. Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente e anular a liquidação de IRS impugnada. Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça no recurso por não ter contra-alegado. Lisboa, 30 de Outubro de 2025 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Patrícia Pires ________________________________ Isabel Silva |