Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:193/10.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:10/30/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS
ADIANTAMENTOS POR CONTA DE LUCROS
ERRO NOS PRESSUPOSTOS
Sumário:i) Consideram-se rendimentos da categoria E do IRS, os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros (art.º 5.º, n.º 2 alínea h), do CIRS).

ii) Proveitos pretensamente omitidos à contabilidade da sociedade que entraram na conta particular do sócio, não são qualificáveis, sem mais, como adiantamentos sobre lucros.

iii) A qualificação de tais proveitos como adiantamentos sobre lucros não prescinde da indagação dos requisitos substantivos de que depende esta figura, cujo ónus recai sobre a Administração tributária, nos termos gerais do art.º 74.º, n.º 1, da LGT e a que o sujeito passivo pode oferecer contraprova, no procedimento e no processo.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

Sérgio ………………… e Maria …………………., casados entre si, impugnaram o despacho proferido pela Directora da Direcção de Serviços do IRS, que desatendeu o recurso hierárquico que intentaram contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, relativa a liquidação oficiosa de IRS, do ano 2003, deduzindo acção administrativa especial, convolada em impugnação judicial, por despacho de 22/4/2010.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença de 24/04/2017, julgou improcedente a impugnação.

Inconformados com tal decisão, dela vieram os impugnantes apelar para este Tribunal Central Administrativo tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

«

CONCLUSÕES:

1) Conforme consta dos autos, os Recorrentes apresentaram a sua petição inicial, nos termos do disposto nos artigos 70° e 102° e seguintes do CPPT “ex vi” artigos 92°, n° 8 e 95° e seguintes da LGT, alegando o que acima se transcreveu;

2) A Exma. Representante da Fazenda Pública apresentou contestação, alegando o que consta de fls.;

3) Por Sentença de fls., a Meritíssima Juiz decidiu o acima transcrito;

4)Os Impugnantes alegaram na sua petição inicial que não foram notificados para o exercício do direito de audição prévia;

5) Os Impugnantes alegaram na sua petição inicial que não foram notificados para o exercício do direito de audição prévia;

6) Dos documentos juntos aos autos de fls., resulta que os Impugnantes não tiveram conhecimento das notificações para o exercício do direito de audição prévia, visto que as mesmas foram devolvidas, com a menção mudou-se e outras não reclamadas;

7) Ficou provado que os Impugnantes não foram notificados para o exercício do direito de audição;

8) A presunção de notificação prevista no n°1 do art. 39° do CPPT está conexionada com a forma de notificação consagrada no art. 38°, n° 3, do CPPT, que se refere à notificação por carta registada, mas esta presunção apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida como se pressupõe no n° 2 do referido artigo 39° do CPPT em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido;

9) Ora, tendo sido devolvidas as cartas registadas, enviadas e nada mais tendo sido feito não pode considerar-se efectuada a notificação do projeto de inspeção para o exercício do direito de audição;

10) Conforme ficou demonstrado os Impugnantes não foram notificados para o direito de audição;

11)Foi cometida uma nulidade, nulidade que, desde já e aqui se requer a sua apreciação;

12) Segundo a Ré, a liquidação reclamada, datada de 04/12/2007, resulta da liquidação oficiosa de rendimentos da categoria E, no valor de € 19.968,50€;

13)Porém, a declaração em causa, é do ano de 2003, sendo os rendimentos do ano de 2002;

14) Assim, dúvidas não existem de que quando os serviços de finanças notificaram os Autores da liquidação adicional, já havia caducado o direito da administração fiscal, poder liquidar tal tributo;

15)Caducidade esta que aqui mais uma vez se invoca e se requer a sua apreciação prévia;

16) Pelo que, também por este motivo deve ser a sentença revogada, com todas as consequências legais daí resultantes;

17) Tanto mais que, para se saber que um determinado rendimento deve ser considerado na declaração de rendimentos: A, B, C, D, etc., é uma questão de prova da obtenção desses rendimentos, em que condições foram obtidos, relatar os factos, etc., e depois aplicar o direito de acordo com esses factos;

18) A prova documental não era suficiente, e daí se terem apresentado as testemunhas para suprir essa falta;

19)Dúvidas não existem de que foi cometida uma preterição de formalidades por parte da entidade subordinada da Ré, ao não inquirir as testemunhas;

20)Tendo sido uma questão que foi apresentada, nunca poderia a entidade subordinada da Ré, decidir não ouvir as testemunhas, sem nada dizer aos Autores, nomeadamente tendo em conta o disposto no artigo 60° da LGT, vindo nesta fase a Ré tentar justificar o injustificável;

21) Dúvidas não existem de que foi cometida uma nulidade, cuja apreciação aqui desde já se requer;

22)O Despacho cuja anulação aqui se requer, também é nulo, porque apreciou a questão da inquirição das testemunhas deficientemente;

23)Em primeiro lugar teria a administração fiscal - quem elaborou as notas de liquidação reclamadas e que deram causa a esta acção, de provar que os Autores receberem de facto os valores descritos nessas notas de liquidação;

24)E depois provar, que pela distribuição de lucros da sociedade de que o Autor marido fez parte, foi destruído de facto;

25)Então sim, após obter-se a prova da divisão dos lucros da sociedade - a sociedade não deu lucro - logo não poderia dividir lucros;

26)Logo, não poderia ter sido dado como provado que os Impugnantes receberam esse dinheiro;

27)Conforme alegou o “sujeito passivo”, estes não obtiveram nenhum rendimento;

28)Para que a Administração Fiscal pudesse fixar valores em liquidação de IRS, teria de provar que os Aut

29) A Administração fiscal não fez essa prova e apenas deduziu através de uma fotocópia de um contrato que foi impugnada e que os Autores não receberam essa quantia;

30) Dúvidas não existem de que o Despacho que anulação aqui se requer tem de ser anulado, com todas as consequências legais daí resultantes;

31) No Despacho cuja anulação aqui se requer, foi feita uma errada interpretação e aplicação das normas legais que são indicadas nesse despacho e parecer que o acompanham;

32) A fundamentação (?) quer de facto quer direito, que é referida no parecer que deu causa ao Despacho cuja anulação aqui se requer, faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

33)E assim, e só por si, já se pode dizer que o Despacho não está fundamentado, tanto de facto como de direito;

34) Quem tem de fundamentar as decisões, é a administração fiscal, e não os Autores;

35) Os Autores apenas têm de contestar a decisão da fixação dos valores, por os mesmos não estarem calculados de acordo com o que impõe a Lei impõe;

36) Na verdade os Autores não devem nenhumas importâncias que estão descritas nos ofícios que deram causa às liquidações e compensações, reclamadas, e que deram causa ao Despacho Impugnado;

37)Os Autores não celebraram nenhum negócio, ou obtiveram rendimentos, que fosse possível alterar-se o IRS do ano de 2003;

38) Para ser possível alterar-se a liquidação do IRS do ano de 2003, aos Autores, seria necessário que estes tivessem obtido rendimentos nesse ano, ou no ano anterior, que não tivessem declarado;

39)Ora, isso não sucedeu;

40) Aliás, nas notificações de liquidação e compensação, que deram causa a este processo, não é possível saber-se de onde provém as liquidações e compensações, bem como as restantes “contas”;

41) Não existem fundamentos, quer de facto quer de direito, para se poder liquidar aos Autores, as quantias que constam dos ofícios que deram causa à reclamação, ao recurso hierárquico e a esta Ação;

42) Têm se ser anuladas as liquidações assim como o Despacho que deu causa a esta acção, por não existir fundamento legal para tais liquidações, nem para a emissão de tal despacho;

43) As entidades Reclamada, Recorrida e Impugnada, ao emitir as liquidações que deram causa à Reclamação, posteriormente ao emitirem o despacho que deu causa ao recurso hierárquico e depois ao emitir o Despacho impugnado nesta acção, não cumpriram o que dispõe o artigo 16°, e alínea a) do Artigo 17° do Código de Processo Tributário e 8°, 55°, 56° e 60° LGT;

44) A Decisão que deu causa a este recurso, não está fundamentada como exigem as normas referidas, tendo por esse facto de ser Revogada, nulidade, esta, que aqui, mais uma vez, se requer;

45) Daí dúvidas não existirem de que terá de ser revogada a decisão recorrida, aliás, conforme acima já se referiu;

46)O Venerando Juiz do Tribunal a quo, na decisão, sob recurso viola o disposto nas alíneas b), e d) do artigo 615° do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nulo;

47)Tanto mais que o direito da Alegante é um direito legal e constitucional;

48) Ora, decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;

49) Na verdade a decisão recorrida, viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13° e 20°;

50) Isto é, o (Venerando Tribunal) com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos da Alegante, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;

51) O Venerando Juiz do Tribunal a quo limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões, deficientemente e sem qualquer cabimento, conforme acima já se alegou e explicou;

52) Deixando o Venerando Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas; 

53) Cometeu, pois, uma nulidade;

54) Deverá ser REVOGADA a Sentença recorrida, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

55) A Sentença recorrida viola:
a) O disposto nos artigos 8°, 55°, 56°, 58°, 59°, 60°, 77°,87°, b), 92°, nos 6 e 7 da LGT;
b) O disposto nos artigos 13°, 20°, 202°, 204°, 205°, 266°, n° 2 e 268°, n°s 1, 2 e 3 da CRP
Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA, por ser de:
LEI, DIREITO,
E
JUSTIÇA.»

Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, as questões a resolver consistem em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da alegada preterição de formalidades dos procedimentos de liquidação e de reclamação graciosa e recurso hierárquico, da caducidade da liquidação, da inexistência dos rendimentos fixados, da falta de fundamentação da liquidação e da violação de princípios enunciados nas leis tributárias.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual: «

1. No dia 19 de dezembro de 2002, a sociedade U …………. CONSTRUÇÕES, LDA., representada pelo seu sócio gerente Sérgio ………………. (ora Impugnante), celebrou com Pedro …………… e Josélia ……….. um contrato promessa de compra e venda de duas parcelas de terreno, aprovadas para construção de quatro moradias geminadas, sitas na Rua …….., B…………, freguesia de A…………, concelho do S…….., designadas por lote 38, com a área de 550 m2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de A................. sob o n.° 5352/130899, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 8625, e lote n.° 39, com a área de 450 m2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de A................., sob o n.° ……., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo .- cfr. fls. 55 e 72 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 22 de agosto de 2003, foi celebrado entre Pedro ……………. e esposa, Josélia ………. (Primeiros Outorgantes), e Valter …………. e Sérgio ………. (Segundos Outorgantes) "CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA", no âmbito do qual os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos outorgantes os imóveis inscritos na matriz predial urbana da freguesia de A................., concelho do S.............., sob os artigos …… e ……. e acima referidos, pelo preço de € 274.303,00 - cfr. fls. 52 a 54 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. No mesmo dia (22 de agosto de 2003), foi celebrada entre a sociedade U..................., CONSTRUÇÕES, LDA., representada pelo seu sócio-gerente Sérgio …………… (Primeiro Outorgante), e Valter ………………… (Segundo Outorgante) "DECLARAÇÃO DE CEDÊNCIA DA POSIÇÃO CONTRATUAL", no âmbito da qual, por referência ao contrato promessa de compra e venda mencionado em 1., foi convencionado que:
"[...] o PRIMEIRO OUTORGANTE, cede ao SEGUNDO OUTORGANTE, a sua posição contratual, e renuncia ao contrato por si já efetuado, referente aos lotes de terreno acima identificados, transferindo-se deste modo para o SEGUNDO OUTORGANTE, todos os direitos desse contrato promessa de compra e venda inicial, sendo que para o efeito, recebe deste a quantia de Euros: 39.937,00 (Trinta e nove mil novecentos e trinta e sete Euros)" - cfr. fls. 55 e 72 e 74 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Para pagamento da cedência posição contratual referida no ponto antecedente, Valter ………… emitiu o Cheque n.°…………6, de 22 de agosto de 2003, sobre o Banco …………. - Banco ……, à ordem do Impugnante Sérgio ………., no valor de € 39.937,00 - cfr. fls. 56 e 74 do processo de reclamação graciosa apenso.

5. O valor titulado pelo cheque n.° …… foi pago no Banco ………….. em 29 de agosto de 2003 - cfr. fls. 56 e 74 do processo de reclamação graciosa apenso.

6. Com base na ordem de serviço n.° OI200701962, datada de 30 de outubro de 2007, emitida pela Direção de Finanças de Santarém - Divisão de Inspeção Tributária I, os Impugnantes foram alvo de uma ação de inspeção interna, de âmbito parcial (IRS), incidente sobre o exercício de 2003 - cfr. fls. 45, 63 e 65 a 70 (relatório inspetivo) do processo de reclamação graciosa apenso.

7. Por ofício n.° 11793, datado de 22 de novembro de 2007, foi expedita notificação por via postal (registo CTT ……………… 1 PT) do projeto do relatório de inspeção para exercício do direito de audição, dirigida aos Impugnantes para o domicílio "CSL …………. 2……..-260 F…….." - cfr. fls. 60 a 62 do processo de reclamação graciosa apenso.

8. A notificação mencionada no ponto antecedente foi devolvida em 23 de novembro de 2007 com a menção no campo de devolução "Mudou-se" - cfr. fls. 61 do processo de reclamação graciosa apenso.

9. No dia 27 de novembro de 2007 foi proferido pela Divisão de Inspeção Tributária I da Direção de Finanças de Santarém relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo referido no ponto 6. que antecede, onde ficou consignado, na parte que ora importa, o seguinte:
"I- 2. Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção
De acordo com os factos abaixo descritos no ponto III - Descrição dos factos das correções meramente aritméticas à matéria tributável, propõe-se o encerramento desta ação de inspeção com as seguintes correções:
Em sede de IRS:

[...]
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
No âmbito da ação de inspeção interna OI200600688, levada a cabo pela Divisão de Inspeção Tributária I da DF de Setúbal, e relacionada com a alineação de dois lotes de terreno para construção urbana, situados em B…….., lote 38 e 39, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de A................., concelho de S.............., respetivamente sob os artigos ……… e …...
Após a recolha de informações levadas a cabo pela mesma Divisão, obteve esta, cópia de um contrato de promessa de compra e venda celebrado em 22 de Agosto de 2003, entre os vendedores (Pedro ……. e esposa) e os compradores (Valter …………….. e Sérgio ……………), no qual os primeiros prometem vender aos segundos os imóveis acima referidos.
No mesmo dia foi efetuada uma «Declaração de Cedência da Posição Contratual», conforme cópia em anexo 1, na qual a U..................., Ld.ª na pessoa do seu sócio gerente, Sérgio ……………., cede a sua posição contratual, e renúncia ao contrato por si já efetuado a favor de Valter ……………., referente aos lotes de terreno acima referidos, sendo que para o efeito este se obriga a pagar à sociedade U..................., Ldª a quantia de € 39.937,00.
A Posição Contratual nos referidos imóveis por parte da U..................., Ldª foi obtida através de contrato de promessa de compra e venda celebrado em 19 de Dezembro de 2002, (em que foi interveniente o s.p. Sérgio ……….., na qualidade de sócio gerente daquela sociedade), com o proprietário dos imóveis Pedro ………….. e mulher Josélia …………, conforme se pode retirar da «Declaração de Cedência da Posição Contratual», (anexo 1).
Assim, em 22 de Agosto de 2003, o referido Valter ………….. para pagamento da posição contratual nos referidos imóveis, e que lhe foi cedida naquela data, emite um cheque sobre o Banco ……… - Banco …….., n.° …….., à ordem de Sérgio ……….., datado de 22 de Agosto de 2003 (anexo 2).
Este ganho por parte do s.p. Sérgio …….., está sujeito a tributação em sede de IRS, na categoria E na medida em que se tratava de um proveito da sociedade (já que a atividade desta é a Compra e Venda de Bens Imobiliários), e tendo sido o sócio gerente da empresa U……………., Ldª- que na sua esfera pessoal obteve aquele ganho, é considerado um adiantamento sobre os lucros nos termos da alínea h) do n.° 2 do artigo 5.° do CIRS. Ainda nos termos do n.° 2 da alínea a) do n.° 3 do mesmo artigo, estes rendimentos estão sujeitos a imposto no ano em que forem pagos ou colocados à disposição.
Assim, vamos proceder à devida correção, nos termos do artigo 40-A do CIRS que refere que os lucros e adiantamentos por conta de lucros são considerados apenas em 50% do seu valor. Não foi efetuada retenção na fonte pela entidade pagadora:
CORRECÇÃO

[...]
VIII. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
A fim de dar prosseguimento às correções propostas, vai ser elaborado DC para o exercício de 2003, refletindo as correções referidas no presente relatório. Vai ser levantado competente auto de notícia.
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado nos termos do artigo 60.° da LGT e artigo 60.° RCPIT, em 22/11/2007 através de ofício n.° 11 793, para exercer o direito de audição por escrito ou oralmente, sobre o projeto de relatório de inspeção que seguiu em anexo à notificação.
Nesse dia, foi o mesmo entregue na Estação CTT e, Santarém (conforme pesquisa de objetos em anexo ao processo), sendo que no dia 26 do corrente mês, foi o mesmo devolvido a estes serviços, com a menção «Devolução...Mudou-se» efetuada pelos serviços dos CTT. Verificado o sistema informático, nomeadamente no tocante à morada do s.p. confirmou-se (conforme print da visão do contribuinte), que a morada fiscal do sujeito passivo, é a que foi indicada na correspondência, «Sérgio ………….. - Casal ………..- F…………. – 2……….. - 260 F…………..».
Assim, encontra-se cumprido o estabelecido no n.° 3 do artigo 38.° do CPPT, pelo que se propõe o encerramento desta ação de inspeção, com as correções propostas neste relatório, no seu ponto III- Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável.
[...]" - cfr. fls. 65 a 70 (relatório de inspeção) do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Sobre o relatório de inspeção referido no ponto 9. que antecede recaiu despacho de concordância do Chefe de Divisão, por delegação do Diretor de Finanças de Santarém, datado de 27 de novembro de 2007 - cfr. fls. 65 do processo de reclamação graciosa apenso.

11. Por ofício n.° 11931, datado de 28 de novembro de 2007, foi expedita notificação por via postal (registo CTT RM ………….. PT) das correções advenientes da ação inspetiva interna, dirigida aos Impugnantes para o domicílio "C……. ………F………. 2…………-260 F………." - cfr. fls. 75 e 76 do processo de reclamação graciosa apenso.

12. A notificação mencionada no ponto antecedente foi devolvida com a menção "Não Reclamado" - cfr. fls. 76 do processo de reclamação graciosa apenso.

13. Com base das correções efetuadas ao lucro tributável de IRS referente ao exercício de 2003 em sede inspetiva foi emitida, em 04 de dezembro de 2007, liquidação com o n.° …………..399, no âmbito da qual se apurou imposto no montante de € 2.587,82, acrescidos de € 370,36 a título de juros compensatórios, num total de € 2.958,18 - cfr. fls. 09 a 11, 40 a 43 do processo de reclamação graciosa apenso.

14. Os Impugnantes foram notificados em 18 de dezembro de 2007 da demonstração de liquidação de IRS com o n.° …………….339, por ofício n.°200138-45780, remetido por via postal (registo CTT R…………PT) - cfr. fls. 09, 36 e 38 do processo de reclamação graciosa apenso.

15. Os Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Ourém, em 11 de abril de 2008, reclamação graciosa da liquidação n.°………..399, no âmbito da qual arrolaram quatro testemunhas - cfr. fls. 03 a 07, e respetivos versos, do processo de reclamação graciosa apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas.

16. A reclamação graciosa originou o processo n.° …………730, instaurado no Serviço de Finanças de Ourém no dia 11 de abril de 2008 - cfr. fls. 01 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso.

17. No dia 30 de outubro de 2008, Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém emitiu a informação no âmbito do processo de reclamação graciosa n.° ………….730, com o seguinte teor:
"[...]
II - Alegações dos Reclamantes
1. Não foram notificados para exercerem o direito de audição, sobre o conteúdo dos valores fixados arbitrariamente pelo Exmo.° Sr. Diretor - Geral.
2. Não celebraram nenhum negócio, ou obtiveram rendimentos, que fosse possível alterar-se o IRS do ano de 2003.
3. Nas notificações que deram causa a este processo, não é possível saber-se de onde provém a liquidação, bem como as restantes «contas».
4. Caducidade do direito à liquidação, nos termos da parte final do n.° 1 do art.° 45.° da Lei Geral Tributária.
III- Parecer
Por conferência dos documentos juntos aos autos verifica-se que efetivamente a Administração Fiscal notificou os reclamantes, para querendo, exercerem o direito de audição nos termos dos artigos 60.° da LGT e RCPIT, vide fls. 62.
De facto, aquela notificação foi efetuada pelo ofício n.° 11793 de 22.11.2007, por carta registada, com o respetivo n.° de registo dos CTT «RM …………… PT», para o domicílio fiscal dos reclamantes, que constava no sistema informático àquela data – C…………. – F……..- 2……. - 260 F………, vide fls. 60 e 77.
Porém a correspondência foi devolvida pelos CTT, com a indicação «Mudou-se», fls. 61.
Pelo ofício n.° 11931 de 28.11.2007, procedeu a Administração Fiscal à notificação de correções resultantes de análise interna, nos termos do artigo 77 ° da LGT e 62.° do RCPIT, mediante carta registada, com o respectivo n.° de registo dos CTT «RM ………… PT», para o domicílio fiscal dos reclamantes, que constava do sistema informático da DGCI àquela data …………. – F……..- 2……. - 260 F………, vide fls. 75 e 77.
Porém, mais uma vez, a correspondência foi devolvida pelos CTT, desta vez, com a indicação de «Não Reclamado», vide fls. 76.
[...]
Ora, verifica-se que o Sujeito Passivo A, só alterou o domicílio fiscal para a actual morada em 24.09.2008 e, o Sujeito Passivo B em 03.09.2008, ou seja, em prazo bastante superior aos 15 dias prescritos na lei.
Nestes termos, verifica-se que o alegado pelos reclamantes não tem qualquer fundamento legal, uma vez que, praticaram uma infracção fiscal [...] ao não comunicarem à Administração Tributária, dentro do prazo legal, a alteração do domicílio fiscal.
Alegam ainda os reclamantes que ocorreu a caducidade do direito à liquidação, nos termos da parte final do n.° 1 do art.° 45.° da LGT.
Esta afirmação não faz qualquer sentido, uma vez que, não encontramos perante «erro evidenciado na declaração do sujeito passivo», nem foram utilizados métodos indiretos.
[...]
Em referência às testemunhas, informa-se que também nesta sede de reclamação graciosa a prova é documental, alínea e) do art.° 69.° do CPPT.
Face ao exposto, propõe-se o indeferimento total do pedido por falta de fundamentação legal, devendo a liquidação reclamada manter-se na ordem jurídica com as legais consequências.

[...]"- cfr. fls. 101 a 104 do processo de reclamação graciosa apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas.

18. Sobre a informação referida no ponto anterior recaiu "PROJECTO DE DESPACHO" do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, por delegação de competências, com o seguinte teor:
"O pedido é legal, tempestivo e, a parte tem legitimidade.
Quanto à matéria de facto, pelas razões referidas na informação de fls. 101 a 104, a qual fica a fazer parte integrante do presente projeto de decisão, nos termos do n.° 1 e 2 do art.° 77.° da Lei Geral Tributária, e considerando que não se verificam preterições de formalidades legais que possam inquinar o ato tributário, o pedido irá ser totalmente indeferido.
Em obediência ao disposto no art.° 60.° n.°1, alínea b) da Lei Geral Tributária, notifiquem-se os reclamantes para, no prazo de 10 (dez) dias, contados continuamente após o 3.° dia posterior ao do registo se pronunciarem por escrito, sobre o teor do ato notificado, remetendo-lhes para o efeito fotocópia do presente projeto de decisão" - cfr. fls. 105 do processo de reclamação graciosa apenso, que se dá por integralmente reproduzida.

19. Por ofício n.° 3120, os Impugnantes foram notificados em 06 de novembro de 2008 do projeto de despacho referenciado no ponto 18. que antecede e para se pronunciarem sobre o seu teor no prazo de dez dias - cfr. fls. 106 a 108 do processo de reclamação graciosa apenso.

20. Os Impugnantes apresentaram resposta escrita ao projeto de despacho no dia 17 de novembro de 2008 - cfr. fls. 109 a 111 do processo de reclamação graciosa apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas.

21. Em 19 de novembro de 2008, a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém emitiu a seguinte informação:
"Aos 19.11.2008, faço juntada dos documentos que antecedem de fls. 109 a 111 e, informo V. Ex.ª do seguinte:
- No exercício do direito de audição, vêm agora os reclamantes afirmar que não aceitam o conteúdo da notificação que lhes foi enviada e, que não existem fundamentos para se fazer a correção técnica;
- Porém, não se vislumbram quais as razões de facto ou de direito que sustentam estas afirmações;
Informa-se ainda e, mais uma vez que em nos termos da alínea e) do art.° 69.° do CPPT a prova é documental e ainda que, compete àquele que alega fazer prova dos factos alegados, art.° 74.° da LGT.
Assim, parece-nos de manter o indeferimento total do pedido, nos termos propostos na informação que sustenta o projeto de despacho de decisão de fls. 105.
[...]" - cfr. fls. 112 do processo de reclamação graciosa apenso, a qual se dá por integralmente reproduzida.

22. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaiu "DESPACHO" do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, por delegação de competências, datado de 19 de novembro de 2008, com o seguinte teor:
"O pedido é legal, tempestivo e, a parte tem legitimidade.
Considerando-se as informações que antecedem de fls. 101 a 104 e, 112, as quais ficam a fazer parte integrante do presente despacho decisório, nos termos do disposto no n.° 2 do art.° 77.° da LGT mantenho o indeferimento total do pedido.
Remeta-se o processo ao Serviço de Finanças de Ourém, para notificação aos reclamantes nos termos do n.° 6 do art.° 77.°, da Lei Geral Tributária, enviando-lhes fotocópia do presente despacho e após essa diligência arquivem-se os autos" - cfr. fls. 113 do processo de reclamação graciosa apenso, a qual se dá por integralmente reproduzida.

23. Os Impugnantes foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por ofício n.° 2.459, em 11 de dezembro de 2008 - cfr. fls. 116 a 118 do processo de reclamação graciosa apenso.

24. No dia 08 de janeiro de 2009, os Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Ourém recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. fls. 02 a 12, e respetivos versos, do processo de recurso hierárquico apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas.

25. A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém prestou informação sobre o recurso hierárquico interposto propugnando pela manutenção da decisão recorrida, remetendo os autos para a Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o que originou o processo de recurso hierárquico n.° ……………. - cfr. fls. 15 a 21 do processo de recurso hierárquico apenso, as quais se dão por integralmente reproduzidas

26. No âmbito do processo de recurso hierárquico n.° …………….., a Divisão de Administração II da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares prestou, no dia 02 de setembro de 2009, informação n.° 2237/09, com o seguinte teor:
"Vem o contribuinte Sérgio ……………, NIF …………, interpor recurso hierárquico do despacho de indeferimento proferido em 19/11/2008, em sede do processo de reclamação graciosa n.° 2……………., referente à liquidação de IRS n° ………….399, relativa ao ano de 2003, da qual resultou imposto a pagar no valor de € 2.587,82, e juros compensatórios de € 370,36.
Cumpre informar:
DOS FACTOS:
1. Os contribuintes procederam à entrega da declaração modelo 3 em 09/06/2004 com os anexos A e H, tendo sido efetuada a respetiva liquidação da qual não resultou qualquer imposto a pagar os a receber.
2. Em 04/12/2007 os serviços procederam à fixação oficiosa de rendimentos da categoria E no valor de € 19.968,50, tendo resultado a liquidação n.° …………399 com imposto a pagar no valor de € 2.587,82, e juros compensatórios de € 370,36.
3. A referida liquidação resultou do procedimento de inspeção interna (O.S. 0I20060688) à situação tributária do s.p. Pedro …………… e esposa, em virtude da alienação por parte destes dois sujeitos passivos de dois lotes de terreno para construção urbana, situados em Belverde e inscritos na matriz sob os artigos ……… e ……..
A alienação ocorreu em 24/09/2003, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial da Baixa da Banheira, pelo valor de € 160.000,00.
No âmbito da ação inspetiva foram detetados indícios de falsidade daquele valor já que, através de contrato promessa de compra e venda datado de 22/08/2003 entre os vendedores (Pedro ………… e esposa) e Valter ………….. e Sérgio ……, sócios gerentes da N…………., LDA, os primeiros prometiam vender, e os segundos prometiam comprar os referidos terrenos para construção pelo preço de € 274.303,00 (cfr. fls. 52 a 56 dos autos de reclamação). Apurou-se, também que, paralelamente, existia já um outro contrato promessa de compra e venda dos mesmos terrenos, datado de 19/12/2002, celebrado entre a U …………., CONSTRUÇÕES, LDA, representada por Sérgio …………., e Pedro ……….. e esposa.
Em 22/08/2003, mesmo dia da alienação dos imóveis, a mesma U……………, CONSTRUÇÕES, LDA, representada por Sérgio ……………….., na qualidade de 1º outorgante, e Valter …………………, na qualidade de 2.° outorgante, celebraram «Declaração de Cedência da Posição Contratual» (cfr. 55 e 56 dos autos de reclamação), na qual a referida sociedade cedeu ao segundo todos os direitos desse contrato promessa de compra e venda inicial, renunciando ao contrato por si já efetuado, recebendo, para o efeito, a quantia de € 39.937,00 - valor que lhe foi pago por cheque s/Nova .. – B………...
4. No relatório de inspeção que determinou a correção do rendimento mediante despacho de 27/11/2007, considerou-se que o valor em apreço constitui um proveito da sociedade U..................., CONSTRUÇÕES, LDA, cuja atividade é a compra e venda de bens imobiliários. E, tendo tal valor entrado na esfera pessoal do sócio gerente da firma, Sérgio ………………, considera-se um adiantamento sobre os lucros, nos termos da al. h) do n.° 2 do art. 5.° do CIRS, sujeito a IRS no ano em que os mesmos foram colocados à disposição do sujeito passivo, de acordo com o disposto no n.° 2 da al. a) do n.° 3 do art. 7.° do CIRS.
5. Não se conformando com a liquidação resultante das correções efetuadas à sua declaração, em 11/04/2008 o contribuinte apresentou reclamação graciosa alegando em síntese:
a) A nulidade do acto de liquidação por não ter sido notificado para o exercício do direito de audição prévia antes da fixação dos valores pelo Diretor-geral dos Impostos;
b) Não obteve em 2003 quaisquer rendimentos suscetíveis de alterar o IRS;
c) A caducidade do direito à liquidação nos termos do n.° 1 do art. 45.° da LGT.
6. A reclamação foi objeto de indeferimento porquanto, os contribuintes foram notificados para o exercício do direito de audição prévia nos termos dos arts. 60.° da LGT e RCPIT (cf. fls. 62 dos autos de reclamação graciosa), por ofício n.° 11793, de 22/11/2007, por carta registada (registo RM 2911 5020 1 PT), para o domicílio fiscal dos reclamantes que constava do sistema informático naquela data e, apesar de a correspondência ter sido devolvida ao remetente com a indicação «mudou-se», tal como ocorreu com a liquidação, tal facto não seria oponível à administração tributária pelo facto de o contribuinte não ter cumprido o disposto nos arts. 19.° da LGT e 43.° do CPPT.
Quanto à questão da caducidade, entendeu-se que carecia de fundamento tal alegação na medida em que não «ocorreu erro evidenciado na declaração do sujeito passivo», nem foram utilizados métodos indirectos. Referiu-se ainda que as testemunhas indicadas não foram ouvidas com fundamento no disposto na al. e) art. 69.° do CPPT.
7. Não se conformando com a decisão, apresentou Recurso Hierárquico em 08/01/2009, nos termos que sumariamente, se indicam:
i) Transcreve na íntegra a sua petição de Reclamação Graciosa por entender que deveria a mesma ter sido apreciada, o que não sucedeu, porque o despacho recorrido não fundamenta a decisão e porque, «ao contrário do que se diz na decisão reclamada, era necessário inquirirem- se essas testemunhas», tendo cometido, assim, uma «nulidade, por violação dos princípios do contraditório e da imediação»;
ii) Não foram notificados para se pronunciarem nos termos do disposto nos artigos 60.° e sgts da LGT, sobre o conteúdo dos valores fixados arbitrariamente pelo Sr. Director-Geral, tendo sido assim cometida uma nulidade que implica a anulação imediata das liquidações de IRS, o que requer;
iii) Em 2003 não celebrou nenhum negócio, nem obteve qualquer rendimento que implicasse a alteração do IRS;
iv) Das notificações de liquidação e compensação «não é possível saber-se de onde provém as liquidações e compensações bem como as restantes "contas"», devendo ser anuladas as liquidações por carecerem de fundamento legal;
v) O comportamento da administração violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé inscritos na Constituição da República Portuguesa (CRP);
vi) Conclui dizendo que as liquidações são «INJUSTAS» «ILEGAIS» e «INCONSTITUCIONAIS», devendo ser revogado o despacho recorrido e consequentemente as liquidações em crise e que
vii) De acordo com os arts 5.° e 45.° da LGT, o direito de liquidar os impostos já havia caducado, questão que deverá ser apreciada previamente.
8. A Divisão de Justiça Tributária da DF de Santarém prestou informação no sentido da manutenção da decisão recorrida na medida em que não foram apresentados factos novos suscetíveis de a alterar, nem de verificou a preterição de formalidades que possam ferir de nulidade o ato tributário.
APRECIAÇÃO
9. O presente recurso hierárquico é legal (art. 80.° da LGT), tempestivo (art. 66.°, n.° 2 do CPPT) e o Recorrente tem legitimidade para o efeito (art. 65.° da LGT e art. 9.° do CPPT).
Da caducidade:
10. A liquidação reclamada, datada de 04/12/2007, resulta da fixação oficiosa de rendimentos da categoria E no valor de € 19.968,50, entendendo o contribuinte que, nessa data, tinha já caducado o direito da Administração Fiscal de efetuar a liquidação cujo prazo, de acordo com o disposto no n.° 1 do art. 45.° da LGT, é de 3 anos.
11. Ora, a Lei Geral Tributária vem fixar em 4 anos o prazo de caducidade do direito à liquidação dos impostos (art. 45.°. n.° 1), sendo este prazo aplicável aos factos tributários ocorridos a partir de 01 de Janeiro de 1998, nos termos do art. 5.° do Decreto-Lei n.° 398/98.
12. A caducidade é estabelecida com o fim de tornar certa, consolidar e esclarecer a relação jurídica tributária (art. 18.°, n.°s 1 e 3 da LGT) e, no caso do IRS (imposto periódico), o prazo conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (art. 45.°, n.° 4).
13. No caso, tendo o facto ocorrido no ano de 2003, o prazo de caducidade terminava em 31/12/2007, e não em 2006 como pretende fazer valer o contribuinte.
14. Existe também um prazo de 3 anos, mas este aplica-se apenas em dois casos: erro evidenciado na declaração do contribuinte ou no caso de utilização de métodos indiretos. No caso sub judice não se verifica qualquer destas situações. Não ocorreu erro na declaração do contribuinte mas omissão da declaração de determinados rendimentos e não houve recurso a métodos indiretos.
15. Pelo exposto, carece em absoluto de fundamento a alegação de caducidade do direito à liquidação, porquanto a liquidação foi efetuada em 04/12/2007, tendo sido remetida ao contribuinte por registo de 11/12/2007, presumindo-se a notificação no 3.° dia seguinte, ou no dia útil imediato - art. 39.° n.° 1 CPPT.
Da Matéria da Reclamação Graciosa / Falta de Inquirição das Testemunhas:
16. Alega o recorrente que transcreve toda a petição de Reclamação Graciosa porque deveria ter sido integralmente apreciada e não foi, mas não especifica em que sentido, ou em que matérias não o foi, limitando-se a referir que «era necessário inquirirem-se essas testemunhas», tendo cometido, assim, uma «nulidade, por violação dos princípios do contraditório e da imediação».
17. Assim, apenas se considerará em sede de recurso a questão relativa à falta de inquirição de testemunhas.
18. Elencam-se no art. 69.° do CPPT as regras fundamentais da Reclamação Graciosa, sendo que, relativamente à prova, a al. e) limita os meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material.
19. Deste modo, e tendo o órgão instrutor considerado que os elementos carreados para os autos, quer pelo sujeito passivo, quer por outras entidades (designadamente pelos serviços de inspecção tributária), bem como os constantes do sistema informático da DGCI, eram suficientes para apurar a verdade material, não considerou necessário ouvir as testemunhas indicadas pelo contribuinte, faculdade de que dispunha, não estando, de todo, obrigado a fazê-lo, como aliás resulta de modo bem claro da lei.
20. Não ocorreu, pois, preterição de qualquer norma legal aplicável ao procedimento em matéria de probatório, não resultando, por isso, prejudicado ou violado, como pretende fazer crer o s.p., o princípio do contraditório e da imediação.
Da alegada falta de notificação nos termos do disposto nos artigos 60.° da LGT, antes da fixação dos rendimentos:
21. Alega o Recorrente que não foi notificado para o exercício do direito de audição prévia antes da fixação dos rendimentos pela administração fiscal, tendo sido assim cometida uma nulidade que implica a anulação imediata das liquidações de IRS.
22. Ora, esta matéria encontra-se devidamente explanada e fundamentada na informação de 30/10/2008 da DJT da DF Santarém, pelo que apenas se referirá que:
A notificação que o contribuinte alega não ter ocorrido foi efectuada pelo ofício 11793 de 22/11/2007, por carta registada, para a morada fiscal constante do registo de contribuintes, ou seja, aquela que o contribuinte comunicou à Administração Fiscal como sendo o seu domicílio fiscal.
A correspondência foi devolvida ao remetente com a indicação «mudou-se», no entanto, o contribuinte só procedeu à alteração do seu domicílio fiscal em 24/09/2008, decorrido largamente o prazo indicado no art. 43.° do CPPT, que é de 15 dias, facto que consubstancia a prática de uma contra- ordenação punível com coima de € 50,00 a € 250,00, nos termos do disposto no n.° 4 do art. 117.° do RGIT.
Assim, a alteração de domicílio, sendo de comunicação obrigatória à administração (n.° 2 do art. 19.° da LGT) é ineficaz, para os devidos efeitos, enquanto não for efetuada (n.° 3 do art. 19.° da LGT) e in oponível à administração (n.° 2 do art. 43.° do CPPT).
23.Pelo exposto, também carece de fundamento a alegada nulidade do acto de liquidação com o fundamento ora apreciado.
Da alegada inexistência dos rendimentos fixados:
24. Alega o sujeito passivo que em 2003 não celebrou nenhum negócio, nem obteve qualquer rendimento que implicasse a alteração do IRS, no entanto, não contesta a veracidade do documento de «DECLARAÇÃO DE CEDÊNCIA DA POSIÇÃO CONTRATUAL»; não refere em momento algum que a assinatura que dele consta como «primeiro outorgante» não seja a sua, nem tão pouco refere em momento algum que não lhe tenha sido entregue o cheque cuja cópia consta de fls. 56 dos autos - o que seria impossível, considerando que constam do mesmo os carimbos relativos ao seu efetivo pagamento.
25. Assim sendo, não se poderá concluir senão no sentido em que o fizeram os serviços de inspeção, considerando tais rendimentos sujeitos a IRS de acordo com o exposto no ponto 4 desta informação.
Da falta de fundamentação da liquidação e nota de compensação:
26. Refere ainda o s.p. que das notificações de liquidação e compensação «não é possível saber-se de onde provém as liquidações e compensações bem como as restantes "contas"», por carecerem de fundamento legal.
27.Ora, em resposta a esta argumentação não poderá deixar de se considerar o que já foi dito nos pontos 21 a 23 desta informação. Da notificação então enviada ao contribuinte constava toda a fundamentação da correção/fixação de rendimentos a efetuar.
28. Acresce que, apesar de o contribuinte não ter recebido tal notificação - por motivo não oponível à administração, conforme já se referiu - teve já sobejas oportunidades de tomar conhecimento da mesma e, se eventualmente não o fez, o que só por mera hipótese se considera, é porque não está a agir com a diligência mínima exigível, já que dos autos de reclamação graciosa (que o contribuinte podia, e pode, consultar) constam todos os elementos em que assenta a alteração da declaração modelo 3 inicialmente apresentada por si.
29. Tinha também ao seu dispor a possibilidade de pedir a fundamentação da liquidação ao abrigo do disposto no art. 37.° do CPPT.
30. Deste modo, não pode senão considerar-se infundada a alegação da falta de fundamentação da liquidação e da respetiva nota de compensação.
31. A fundamentação dos atos administrativos tributários lesivos do contribuinte é garantia constitucional prevista no artigo 267.° da CRP e explicitada nos vários códigos tributários. No entanto, a mais alta jurisprudência é unânime em afirmar que «Não constitui falta de fundamentação o facto de a notificação da liquidação não vir acompanhada da fundamentação dessa liquidação. A notificação é um ato externo à liquidação e tem como função comunicar aquele ato» (cf. Acórdão do TCA Norte 00489/05.1BEBRG, de 05 de Junho de 2008).
32. Devem ter-se também por fundamentados os juros compensatórios liquidados pois como se vê da nota de liquidação correspondente é indicado o montante e o período a que respeitam, bem como a taxa aplicada. Conclusão:
33. Do exposto e devidamente fundamentado só poderá concluir-se, ao contrário do que argumenta o contribuinte, que o comportamento da administração não violou quaisquer princípios constitucionais, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé.
Pelo exposto, sou de parecer que não padece de qualquer vício a decisão recorrida, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso hierárquico. Atendendo a que os factos apresentados no recurso hierárquico foram os mesmos da reclamação graciosa, os quais já foram submetidos a audiência do interessado, nessa fase do procedimento, entendo que o direito de audição deve ser dispensado nos termos do disposto na al. c) do n.° 3 da circular n.° 13, de 08/07/1999, da Direção de Serviços da Justiça Tributária" - cfr. fls. 21 a 29 do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

27. Sobre a informação referida no ponto anterior recaiu despacho da Diretora de Serviços do IRS, por subdelegação, datado de 30 de setembro de 2009, com o seguinte teor:
"Concordo, pelo que com base nos fundamentos expressos nego provimento ao recurso" - cfr. fls. 21 do processo de recurso hierárquico apenso.

28. Os Impugnantes foram notificados da decisão que negou provimento ao recurso hierárquico interposto no dia 27 de outubro de 2009, por ofício n.° 2552 - cfr. fls. 32 e 33 do processo de recurso hierárquico apenso.

29. À data da expedição das notificações referidas em 7. e 11. constava das bases cadastrais da Administração Tributária o seguinte domicílio fiscal dos Impugnantes: "…………. – F……..- 2……. - 260 F………" - cfr. fls. 77, 80 a 83 do processo de reclamação graciosa apenso.

30. A Impugnante Maria ………………. alterou o seu domicílio fiscal para "R P…………., N S/N F……….. 2……-285 F……….." em 03 de setembro de 2008 - cfr. fls. 99 e 100 do processo de reclamação graciosa apenso.

31. O Impugnante Sérgio …………….. alterou o seu domicílio fiscal para "R P…………., N S/N F……….. 2……-285 F……….." em 24 de setembro de 2008 - cfr. fls. 84 e 85 do processo de reclamação graciosa apenso.

32. A presente impugnação judicial foi apresentada em 25 de janeiro de 2010 - cfr. fls. 02 e ss. dos autos (suporte físico).

*
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa, atenta a causa de pedir.
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, no Processo Administrativo, no Processo de Reclamação Graciosa e no Processo de Recurso Hierárquico apensos, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.».

B.DE DIREITO

Como enunciamos nas questões a resolver, os recorrentes imputam à sentença erro de julgamento na apreciação que fez de vários vícios, de forma e de fundo, que imputam à liquidação impugnada e às decisões de reclamação graciosa e recurso hierárquico dela interpostos.

Começaremos por apreciar o erro de julgamento em que a sentença terá incorrido na apreciação que fez do vício substantivo da liquidação que se prende com a inexistência de rendimentos qualificados como adiantamentos por conta de lucros por ser aquele cuja procedência determina uma mais estável e eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos, na linha do preconizado no art.º 124.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Pois bem, mostram os autos e o probatório que a sociedade U..................., CONSTRUÇÕES, LDA., representada pelo seu sócio-gerente, Sérgio ……………(impugnante e ora recorrente), prometeu comprar a Pedro ……………. e Josélia ………….. dois lotes de terreno para construção; posteriormente, em 22/08/2003, estes últimos, prometeram vender a Valter ……………….. e Sérgio ………….. os referidos lotes de terreno e, na mesma data de 22/08/2003, a sociedade U..................., CONSTRUÇÕES, LDA., cedeu a posição contratual aos referidos Valter ……………… e Sérgio …………. e transferiu para estes últimos todos os direitos do contrato promessa de compra e venda inicial, mediante a contrapartida de EUR. 39.937,00 (Trinta e nove mil, novecentos e trinta e sete Euros).

O pagamento daquela quantia de EUR. 39.937,00 em contrapartida da cedência da posição contratual da sociedade foi efectuada através de cheque emitido à ordem do impugnante, aqui recorrente, Sérgio …………..

Em acção inspectiva ao impugnante e seu cônjuge, a Administração tributária constatou e deixou relatado, destacadamente, o seguinte:
«
A Posição Contratual nos referidos imóveis por parte da sociedade U…………., Ld.ª foi obtida através de contrato de promessa de compra e venda celebrado em 19 de Dezembro de 2002, (em que foi interveniente o s.p. Sérgio ……….., na qualidade de sócio-gerente daquela sociedade), com o proprietário dos imóveis Pedro ………. e mulher Josélia ………….., conforme se pode retirar da «Declaração de Cedência da Posição Contratual», (anexo 1).

Assim, em 22 de Agosto de 2003, o referido Valter ………. para pagamento da posição contratual nos referidos imóveis, e que lhe foi cedida naquela data, emite um cheque sobre o Banco ………. - Banco ……., n.° ………., à ordem de Sérgio ………….., datado de 22 de Agosto de 2003 (anexo 2).

Este ganho por parte do s.p. Sérgio ………., está sujeito a tributação em sede de IRS, na categoria E na medida em que se tratava de um proveito da sociedade (já que a atividade desta é a Compra e Venda de Bens Imobiliários), e tendo sido o sócio-gerente da empresa U…………., Ldª- que na sua esfera pessoal obteve aquele ganho, é considerado um adiantamento sobre os lucros nos termos da alínea h) do n.° 2 do artigo 5.° do CIRS.

Ainda nos termos do n.° 2 da alínea a) do n.° 3 do mesmo artigo, estes rendimentos estão sujeitos a imposto no ano em que forem pagos ou colocados à disposição.

Assim, vamos proceder à devida correção, nos termos do artigo 40-A do CIRS que refere que os lucros e adiantamentos por conta de lucros são considerados apenas em 50% do seu valor. Não foi efetuada retenção na fonte pela entidade pagadora (…)».

Vejamos o que preceitua aquele art.º 5.º, n.º 2 alínea h) do CIRS e se a situação factual descrita encontra enquadramento nessa norma de incidência.
«
Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.


2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
a) (…)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20. º; (…)»

Estabelece o art.º 11.º da LGT, no segmento pertinente:

»1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 – (…)»

A vantagem económica referida naquela alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS é a que constitua lucro de entidades sujeitas a IRC ou adiantamentos por conta de lucros, em qualquer caso, colocada à disposição dos sócios ou titulares do património social.

Inserido no Título IV, relativo às sociedades anónimas, prevê o art.º 297.º do Código das Sociedades Comerciais:
«
Artigo 297.º
Adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício
1 - O contrato de sociedade pode autorizar que, no decurso de um exercício, sejam feitos aos accionistas adiantamentos sobre lucros, desde que observadas as seguintes regras:
a) O conselho de administração ou o conselho de administração executivo, com o consentimento do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, resolva o adiantamento;
b) A resolução do conselho de administração ou do conselho de administração executivo seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias e certificado pelo revisor oficial de contas, que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efectuado;
c) Seja efectuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste;
d) As importâncias a atribuir como adiantamento não excedam metade das que seriam distribuíveis, referidas na alínea b).
2 - Se o contrato de sociedade for alterado para nele ser concedida a autorização prevista no número anterior, o primeiro adiantamento apenas pode ser efectuado no exercício seguinte àquele em que ocorrer a alteração contratual».

Esta norma, embora prevista para as sociedades anónimas, aplica-se, por analogia, às sociedades por quotas, que é o tipo societário em causa nos autos (art.º 2.º do CSC).

Raúl Ventura, na obra «Comentário ao Código das Sociedades Comerciais» - Volume I - 2.ª edição - editora Almedina, na página 339, refere o seguinte:

«Como o artigo 297.º se aplica directamente apenas às sociedades anónimas, a sua aplicação às sociedades por quotas só pode ser feita por analogia. Poderá parecer que a justificação acima referida (relativa aos adiantamentos sobre dividendos) é exclusiva das sociedades anónimas, mas a verdade é que o problema resolvido por aquele artigo, coloca-se igualmente para as sociedades por quotas.

São idênticas nas duas espécies de sociedades as regras de atribuição anual dos lucros de exercício anterior e, por outro lado, também nas sociedades por quotas pode haver interesse em efectuar distribuições de lucros no decurso do exercício.

Será talvez menor o interesse prático do preceito nas sociedades por quotas, quanto propriamente a essas distribuições de lucros, mas em contrapartida será nestas sociedades maior o interesse quanto a distribuições de reservas, às quais o condicionamento estabelecido por aquele artigo é parcialmente extensivo. Concluo, portanto, pela aplicação analógica do artigo 297.º às sociedades por quotas.»

Esses movimentos relativos a Adiantamento por conta de lucros, pelo montante adiantado, têm de ter expressão contabilística na entidade pagadora sujeita a IRC.

Ora, a verificação dos requisitos previstos no art.º 297.º do CSC não foi sequer indagada pela Administração tributária na caracterização da vantagem patrimonial imputada ao sócio-gerente da sociedade, aqui recorrente, como adiantamento sobre lucros.

A Administração tributária bastou-se para a caracterização daquela vantagem patrimonial de EUR. 39.937,00 como adiantamento sobre lucros, com a alegada circunstância de a sociedade ter omitido à contabilidade proveitos da sua actividade, proveitos esses depositados em conta particular do sócio.

Embora não se coloquem dúvidas de natureza interpretativa quanto à não caracterização da situação factual como adiantamento por conta de lucros, mesmo do ponto de vista da substância económica (art.º 11.º, n.º 3 da LGT), não vemos que se possa reconduzir proveitos a lucros. Os proveitos contribuem para a formação do lucro (artigos 17.º e 20.º do CIRC), mas podem nem sequer gerar lucros (tributáveis).

As retiradas de dinheiro por parte dos sócios podem vir a ser qualificadas como adiantamentos por conta de lucros por via da presunção prevista no artigo 6º, n.º 4, do Código do IRS, mas tal supõe que as quantias colocadas à disposição dos sócios se encontrem escrituradas na sociedade, o que no caso, não ocorre.

Não funcionando a presunção do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS, fica por esclarecer e demonstrar por que razão os proveitos da sociedade que pretensamente entraram na conta particular do sócio foram qualificados como adiantamento sobre lucros e não mereceram outra qualificação, por exemplo, empréstimo da sociedade ao sócio ou reembolso de suprimentos feitos pelo sócio à sociedade (art.º 243.º do CSC). E o ónus de demonstrar os pressupostos da qualificação jurídica do facto tributário, na falta de presunção legal de que se possa prevalecer, recai sobre a Administração tributária, nos termos gerais do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, ónus que não logrou cumprir, o que inquina a correcção oficiosa dos rendimentos do impugnante do vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

A sentença recorrida, que validou a correcção da matéria colectável na base da liquidação oficiosa de IRS impugnada, incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica.

O recurso merece provimento.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente e anular a liquidação de IRS impugnada.

Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça no recurso por não ter contra-alegado.


Lisboa, 30 de Outubro de 2025

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Vital Lopes


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Patrícia Pires


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Isabel Silva