Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 349/18.6BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/19/2024 |
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Relator: | VITAL LOPES |
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Descritores: | IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO REGIME INTRODUZIDO PELO D.L. 41/2016, DE 1 DE AGOSTO PRESSUPOSTOS DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA |
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Sumário: | I - Na redacção do art.º 3.º do Código do IUC dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, apenas preenchem os pressupostos das normas de incidência subjectiva os titulares (proprietários, locatários financeiros…) das situações jurídicas constantes do registo automóvel. II - Os titulares não inscritos no registo não preenchem os pressupostos da norma de incidência subjectiva. III - Como assim, a prova de que os veículos sobre que incidiu o IUC estavam, à data de liquidação do imposto (Julho/2017), na posse de terceiros, locatários financeiros não inscritos no registo, não preenche os pressupostos da norma de incidência subjectiva prevista no n.º 2 do art.º 3.º, do CIUC, sendo o imposto devido pelo proprietário (locador) inscrito, nos termos do n.º 1. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO C… S.A., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial e absolveu a Fazenda Pública do pedido relativamente às liquidações de IUC incidentes sobre os veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…e …-…-…, alegando para tanto, conclusivamente: « Em conclusão, portanto: i) Todos e cada um dos veículos automóveis a que se reporta o Imposto de Circulação objecto da Impugnação onde foi proferida a sentença recorrida foram e são objecto de Contratos de Locação Financeira; ii) Todos e cada um dos ditos veículos estavam na posse dos locatários financeiros referidos, à data da liquidação do imposto mencionado nos autos, isto é em Julho de 2017, como nos ditos autos têm que ser dado como provado, ao invés do que decidido foi; iii) Assim, por errada interpretação e aplicação, no entender do recorrente, da matéria de facto que se tem que considerar provada nos autos, e por violação do disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação, quer na versão actual, quer na versão anterior, por violação também do disposto no artigo 5º do Registo Automóvel, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada por Acórdão que julgue a impugnação Judicial totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo JUSTIÇA». Não foram apresentadas contra-alegações. A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se na ordem jurídica a decisão recorrida. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões da alegação, a questão central do recurso reconduz-se a saber se o impugnante é sujeito passivo do Imposto Único de Circulação, com referência a liquidações efectuadas em Julho/2017, relativamente aos veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-…, que não foram abrangidas pelo deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida daquelas liquidações. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: « «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» ». B.DE DIREITO Como acima deixamos enunciado, a questão do recurso reconduz-se a indagar se, como entendeu a sentença recorrida, o impugnante é sujeito passivo do IUC com relação a liquidações efectuadas em Julho/2017 e incidentes sobre os veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-…, não abrangidas pelo deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida daquelas liquidações. Em causa, estão liquidações de IUC efectuadas em Julho/2017, sendo de aplicar o novo regime de tributação decorrente das alterações introduzidas na Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto. Recorda-se, na redacção anterior à do Decreto-Lei n.º 41/2016, o art.º 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, dispunha, no segmento relevante para os autos: «Artigo 3.º Incidência subjectiva 1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. 2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação. 3 – (…)». Após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, conforme preceituado no n.º 1 do seu art.º 15.º), o art.º 3.º do CIUC passou a ter a seguinte redacção: «Artigo 3.º Incidência subjectiva 1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos. 2 - São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação. 3 – (…)». No regime anterior ao introduzido pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, era consensual na jurisprudência deste Tribunal, expressada em diversos arestos que também subscrevemos, a interpretação de que a norma de incidência constante do n.º 1, do artigo 3.º do CIUC consagrava uma presunção legal ilidível, por força do disposto art.º 73.º da Lei Geral Tributária, segundo o qual, «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário». Na esteira da melhor doutrina fiscalista (vd. Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, Vol. I, 6ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 589 a 591), entendia a jurisprudência deste Tribunal e, ao que julgamos saber, também a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte e do CAAD, que a expressão “considerando-se…” consagrada no n.º 1 daquele art.º 3.º do CIUC, equivalia a uma presunção legal, que seria necessariamente uma presunção juris tantum, consequentemente ilidível, seja por força do estabelecido no n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, seja à luz do disposto no artigo 73.º da LGT, permitindo, assim, à pessoa que figurava no registo como proprietário do veículo, a possibilidade de apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida. E sendo a situação jurídica de locação financeira ou operacional, no regime então vigente, equiparada à de propriedade para efeitos de incidência subjectiva do imposto (art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IUC), a prova concludente (art.º 350.º, n.º 2 do Código Civil), daquela situação jurídica à data da exigibilidade do imposto (art.º 4.º do Código do IUC), era idónea para ilidir a presunção de incidência subjectiva do IUC sobre o proprietário inscrito, ainda que o locador não tivesse cumprido a obrigação acessória prevista no art.º 19.º do Código do IUC (entretanto, revogado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março. Feito o enquadramento histórico – jurídico julgado pertinente, há que passar à interpretação das normas dos n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º do CIUC, na redacção vigente. E, desde logo, se constata que a expressão “considerando-se…” [como sujeitos passivos do imposto], deixou de estar contemplada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, não sendo agora defensável que essa norma consagre uma presunção juris tantum de propriedade do veículo, ilidível por prova em contrário. Sendo o elemento literal o ponto de partida na interpretação da norma (art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil), na redacção actual do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, o sujeito passivo do imposto é o proprietário inscrito e tal é um elemento da norma de incidência tributária, uma ficção legal que não admite prova em contrário, ou seja, a prova de quem é o efectivo proprietário do veículo, que poderá ser um terceiro que não consta do registo. É essa leitura que favorece o art.º 169º da Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado para 2016 – LOE 2016), que concedeu ao Governo autorização para «…introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22 -A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º; b) (…)». Isso assente, é necessário passar à interpretação do n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, segundo o qual, “São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”. A apreensão do sentido normativo deste preceito não pode ser dissociada da leitura que fazemos da norma do precedente n.º 1, do art.º 3.º, do CIUC. E, neste modo de ver, ao equiparar a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, a lei tem unicamente em vista, como elemento integrante da norma de incidência tributária, as situações que constam do registo, não sendo mais possível ao proprietário inscrito (que é a situação mais recorrente) fazer prova em juízo da existência e efectividade dessas situações não constantes do registo para o efeito de se subtrair à norma de incidência pessoal, prevista no n.º 1. É bom lembrar que estão sujeitas a registo obrigatório todas as situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º do CIUC, nomeadamente, o direito de propriedade e de usufruto, a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos automóveis, a locação financeira e a transmissão dos direitos dela emergentes, o aluguer por prazo superior a um ano, quando do respectivo contrato resulte a existência de uma expectativa de transmissão da propriedade, a afectação do veículo ao regime de aluguer sem condutor, conforme disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (registo automóvel). Salienta-se, ainda, como subsídio interpretativo, que o Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, veio criar o “procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda, tendo em vista a regularização da propriedade”, podendo ler-se na sua parte preambular: «A não regularização do registo de propriedade apresenta graves consequências, quer para quem permaneceu proprietário no registo, quer para quem adquiriu e não promoveu o registo a seu favor, como também para as diversas entidades públicas que assentam as suas decisões sobre titularidades que presumem ser substantivamente verdadeiras. Desde logo, verifica-se que do incumprimento da obrigação de registo ou do seu cumprimento tardio resulta, não apenas a possibilidade de apreensão do veículo e a aplicação de sanções pecuniárias, como outras consequências que prejudicam o titular inscrito. É o que se passa com o Imposto Único de Circulação, que atinge quem se encontra registado como proprietário de veículo automóvel e não aquele que é o seu verdadeiro proprietário e que não registou a sua aquisição», destacando-se do seu regime o estabelecido no seu art.º 2.º, n.º 1, segundo o qual, «Decorrido o prazo legalmente estabelecido para efetuar o registo obrigatório, o registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda pode ser pedido pelo vendedor, presencialmente ou por via postal, com base em documentos que indiciem a efetiva compra e venda do veículo». Favorece ainda a interpretação que fazemos da norma do n.º 2 do art.º 3.º do CIUC, o elemento sistemático de interpretação. Com efeito, sendo o sentido teleológico do novo regime do IUC o de conferir maior certeza e eficácia na aplicação das normas de incidência tributária, mal se compreenderia a revogação, pela alínea f) do n.º 1 do art.º 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, da obrigação acessória prevista no art.º 19.º do Código do IUC, segundo o qual, «Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados», a não ser num contexto prospectivo (que o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, viria a materializar) em que a informação veiculada até então à administração tributária por via declarativa para efeitos de aplicação da norma de incidência subjectiva passaria a ter por fonte exclusiva o registo. Passando ao caso dos autos, constata-se que o impugnante, instituição financeira de crédito, constava do registo como proprietário dos seis veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-… e pretendia fazer, na impugnação judicial, a prova de que os mesmos se encontravam na data da liquidação (Julho/2017) em poder dos terceiros a quem tinham sido entregues em regime de locação financeira e que os mantinham na sua posse apesar de findos os contratos, ou, de terem entrado em incumprimento não pagando as rendas acordadas, terceiros esses que, a seu ver, são os únicos responsáveis pelo pagamento do IUC que foi indevidamente liquidado ao impugnante. Todavia, como vimos, as normas de incidência tributária respeitam unicamente a situações jurídicas constantes do registo. E constando unicamente do registo a inscrição do impugnante como proprietário dos veículos, é ele o sujeito passivo do imposto, nos termos da nova redacção do art.º 3.º, n.º 1, do Código do IUC, como bem decidiu a sentença recorrida, não relevando para efeitos de preenchimento da norma de incidência subjectiva em sede de IUC prevista no n.º 2 do mesmo artigo, eventuais situações de locação financeira ou operacional não levadas a registo (cf. ponto único da matéria não provada). A jurisprudência deste tribunal que o recorrente junta em abono da sua posição – ac. de 25/03/2021, tirado no proc.º1347/14.4BELRS – respeita a liquidações de IUC efectuadas em 2014, portanto, ao abrigo do anterior regime jurídico do IUC, não sendo transponível para os autos o que nele se ponderou e decidiu. Em vista da solução jurídica ora preconizada, é manifesto que o erro de julgamento, de facto e de direito, apontado à sentença recorrida, não colhe, resultando outrossim evidente que a questionada dispensa de produção de prova testemunhal não comporta qualquer erro de julgamento, pois redundaria numa inutilidade. Termos em que, com os fundamentos expostos, é de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo do Recorrente. Lisboa, 19 de Junho de 2024 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Patrícia Manuel Pires ________________________________ Susana Barreto |