Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 632/24.1BELLE |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 05/29/2025 |
| Relator: | JOANA COSTA E NORA |
| Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO ACTO ADMINISTRATIVO PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ACTO DE INDEFERIMENTO CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO CONVITE DO TRIBUNAL ARTIGO 51.º, N.º 4, DO CPTA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE INDEFERIMENTO |
| Sumário: | I - Contendo o acto impugnado apenas as razões de facto, sem fazer qualquer referência às normas legais em que assenta, nem sequer à disciplina jurídica aplicável, padece o mesmo de fundamentação de direito. II - Se o autor se limitou a pedir a anulação de acto de indeferimento e o tribunal não o convidou a substituir a petição para deduzir o adequado pedido de condenação à prática do acto devido, nos termos do n.º 4 do artigo 51.º do CPTA, a pretensão formulada na acção principal reconduz-se à mera anulação daquele acto, e não à condenação do requerido a praticar o acto de concessão de equivalência de habilitações. III - É por referência ao momento é que é decidido o processo cautelar – e não a um cenário futuro, hipotético e eventual, de convite ao autor para deduzir o pedido de condenação à prática do acto devido, ao qual o autor até pode nem aceder - que têm de ser aferidos os requisitos de decretamento das providências cautelares. IV - O decretamento da providência requerida de suspensão do acto de indeferimento do pedido de equivalências não atribui qualquer vantagem ao requerente, e, por conseguinte, o seu não decretamento não é apto a acarretar-lhe qualquer prejuízo, pois que se trata de um acto puramente negativo que não afecta o status quo anterior, não provocando qualquer alteração na situação jurídica do requerente, que se mantém sem a pretendida equivalência de habilitações, razão pela qual a suspensão de eficácia de tal acto em nada altera a situação do requerente, não tendo, assim, sequer, qualquer utilidade para o mesmo. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO G… instaurou processo cautelar contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO, pedindo (i) a suspensão de eficácia do acto de indeferimento do pedido de reconhecimento de equivalência das habilitações (estrangeiras) que adquiriu na Escola Internacional de Aljezur - onde frequentou um curso que alegadamente corresponderá aos Years 11, 12 e 13 do “currículo nacional britânico” - ao curso de ensino secundário português (ao 12.º ano de escolaridade); (ii) a intimação do requerido a aceitar, provisoriamente, a sua candidatura, e a não o excluir do concurso (nacional e local) por falta do certificado de equivalência; (iii) a admissão provisória do requerente a prosseguir os seus estudos no estabelecimento de ensino em que seja colocado e escolha frequentar. Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foi proferida sentença de recusa das providências cautelares requeridas, por considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris. O requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “1. O presente recurso é interposto da Sentença, datada de 24.02.2025, em que se decide que as habilitações do Recorrente «correspondem a (um ciclo de) estudos de um curso com um programa próprio certificado por uma instituição universitária de um país terceiro, (...) que se encontram tituladas (i) pelos certificados emitidos pela Cambridge Assessment Internacional Education, que atestam (apenas) a realização de exames a determinadas disciplinas e os respectivos resultados (...) que estas habilitações foram adquiridas pelo requerente no âmbito de um curso (...) que foi ministrado pela Escola Internacional de Aljezur (que, como se presume, estará autorizada pela Cambridge Assessment Internacional Education a funcionar como centro de exames), de acordo com planos de estudos, estruturas curriculares e programas ou conteúdos programáticos não portugueses» todavia a escola, «(...) não é reconhecida pelo Estado Português como estabelecimento de ensino, nem está autorizada a funcionar nessa qualidade.»; considera que «estão cumpridos os requisitos da fundamentação tal como exigidos pelo artigo 153.° do Código do Procedimento Administrativo» acrescentando que «(...) não é provável que a pretensão formulada pelo requerente no processo principal venha a ser julgada procedente», pelo que decide «(...) recusar as providências cautelares solicitadas. Custas deste processo cautelar pelo requerente, por se considerar que, ao nele ficar vencido, às mesmas deu causa (cfr. artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil).» 2. A decisão, sob recurso, advém da circunstância de, na óptica do Tribunal, se considerar que a decisão está fundamentada; o Recorrente detém o documento comprovativo de equivalência do curso de ensino estrangeiro ao ensino secundário português, prendendo-se a recusa da emissão do certificado de equivalência com a acreditação/homologação pelo Ministério da Educação da instituição de ensino que o Requerente frequentou, que não tem autorização de funcionamento, o que acarretaria a provável improcedência da pretensão no processo principal. 3. A questão é uma questão burocrática, que se não prende com o aproveitamento do Recorrente ou com a valia do seu desempenho escolar, ou sequer com alguma actuação ou comportamento do Recorrente. 4. Do disposto nos art. 1° e 2° do DL 227/2005, de 28.12, resulta que podem requerer equivalência, cidadãos portugueses (como é o caso do Recorrente), que comprovem ser titulares de habilitações de sistemas educativos estrangeiros (como é o caso do Recorrente), aplicando-se aos estudos e diplomas de cursos com programas próprios certificados por instituições universitárias de países terceiros (como é o caso do Recorrente). 5. No n° 3 diz-se «As disposições do presente decreto-lei aplicam-se, igualmente (...) aos estudos e diplomas de cursos com programas próprios certificados por instituições universitárias de países terceiros ou por organizações internacionais não governamentais, obtidos no estrangeiro, ou, em Portugal, em escolas do ensino particular e cooperativo não superior.». (negritos nossos) 6. O vocábulo igualmente, significa, in casu, também, pode aplicar-se também, pode aplicar-se ainda e não se estabelece uma condição cumulativa de aplicação de requisitos, como se não estabelece que estando alguém abrangido pelas situações previstas nos números anteriores, 1 e 2, ainda se tenha de ver cumprido um outro requisito, o eventualmente previsto no n° 3, qual seja o de se ter verificado que os estudos e diplomas de cursos com programas próprios foram certificados por instituições universitárias de países terceiros. 7. Igualmente, significa que o diploma legal se pode, ainda, aplicar i) aos estudos e diplomas de cursos com programas próprios certificados por instituições universitárias de países terceiros (que é o caso do Recorrente, que tem os seus diplomas passados pela Universidade de Cambridge) e ou - conjunção coordenativa disjuntiva que estabelece alternância - significa que também se pode aplicar ii) aos estudos e diplomas de cursos com programas próprios certificados por organizações internacionais não governamentais, obtidos no estrangeiro, ou, em Portugal, em escolas do ensino particular e cooperativo não superior (neste caso seriam diplomas passados por essas escolas do ensino particular ou cooperativo ou pelas organizações não governamentais). 8. No primeiro caso i) estamos numa situação em que os estudos e os diplomas de cursos com programas próprios provêm de Estados soberanos (caso do Recorrente) - e, portanto, em que o Recorrido se não pode imiscuir-; no segundo caso ii) estamos na situação em que os estudos e os diplomas de cursos com programas próprios provêm de organizações internacionais não governamentais, portanto não dotadas de soberania e aí pode e deve, o Recorrido, intervir. 9. De acordo com a Tabela A do Anexo VI11 à Portaria 224/2006 de 8.03, os exames A Levels (os que detém o Recorrente) dão equivalência ao 12° ano de escolaridade, e a tabela B.1 do mesmo Anexo VIII, contém a conversão das classificações dos A Levels para o sistema português, que foi utilizado no certificado que chegou a ser emitido ao Recorrente (vide facto provado e)). 10. Da lei - e note-se que se não identifica no acto prolatado a norma legal habilitante para tal decisão -, não resulta que a falta de autorização de funcionamento da escola seja causa para o indeferimento da pretensão do Recorrente. 11. Para efeitos de concessão de equivalência, não há nada no DL 227/2005, de 28.12, que estipule que os detentores dos diplomas em causa tenham de frequentar aulas ou sequer a quantidade de exames A Level que têm de realizar ou que o estabelecimento de ensino onde o Recorrente adquiriu os conhecimentos necessários para obter a dita certificação estrangeira tenha de estar homologado, acreditado, certificado ou autorizado pelo Recorrido. 12. Para efeitos de concessão de equivalência é irrelevante se a Escola Internacional de Aljezur tem ou não tem autorização de funcionamento em Portugal, uma vez que o que está em causa é o reconhecimento de habilitações emitidas pela Universidade de Cambridge e não pela Escola Internacional de Aljezur; não é a Escola Internacional de Aljezur que elabora o currículo de estudos de Cambridge Assessment International Education; também não é a Escola Internacional de Aljezur que elabora os enunciados dos exames A-Level; também não é a Escola Internacional de Aljezur que corrige e atribui classificação aos exames dos seus alunos; tudo isso é feito pela Cambridge Assessment International Education, na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. 13. E absolutamente bizarro cogitar, sequer, que o Recorrido pretenda exigir que uma escola sediada no estrangeiro - como aquela que emite os certificados do Recorrente - tenha de ter autorização de funcionamento em Portugal! 14. E mais bizarra e iníqua se torna, ainda, a situação, se pensarmos que outra pessoa que tenha realizado exactamente os mesmos exames, obtido exactamente a mesma classificação do Recorrente e exactamente os mesmos certificados, mas que tenha feito os exames num outro qualquer país, que não Portugal, por exemplo em Olivença ou Badajoz, teria visto, emitido pelo Recorrido, um certificado de equivalência - exactamente aquele que o Ministério de Educação, aqui Recorrido, persiste em negar ao Recorrente. 15. Os certificados de habilitações do Recorrente, têm força probatória plena, pois estão acompanhados de apostila, que os autentica como documentos públicos e autênticos com origem no Reino Unido (Cfr. Convenção de Haia e art. 369° e 371° do Código Civil). 16. A emissão do certificado de equivalências requerido resulta num poder vinculado e não discricionário, pelo que não pode ser indeferido pelo Recorrido. 17. O Despacho do Senhor Secretário de Estado, aposto na Informação Proposta N° 8498/2022/DSRAL-EMAP-UACAOE, diz apenas «Concordo com base na informação dos serviços», pelo que, se concorda, concorda com tudo o que consta da referida informação, designadamente com a proposta aí ínsita e não apenas com o encerramento da escola com efeitos a 31.08.2022 (vide facto provado sob a alínea b) e documentos juntos com a Oposição sob os números 4 e 5) 18. Apesar dessa ordem de encerramento definitivo para 31.08.2022, não há evidência que a escola não tenha autorização para funcionar, pois continua, hoje 20.03.2025, aberta e a funcionar (e basta ler o que se dá como facto provado sob a alínea c) para bem perceber que em 31.05.2024, havia interação entre a escola e o Recorrido). 19. Por que continua, hoje, volvidos quase três anos, a escola em questão, aberta e a funcionar? 20. Por que nunca foram os encarregados de educação dos alunos, designadamente os do Recorrente, notificados para vir transferir os seus educandos para um estabelecimento de ensino público ou privado devidamente autorizado? 21. E já que a escolaridade é obrigatória até ao 12° ano (vide Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei 46/86, de 14.10, na sua actual redacção, art. 6°, n° 1), e embarcando neste raciocínio quase absurdo, por dever de raciocínio, de que a frequência da escola em questão seria o equivalente à não escolarização dos alunos que a frequentam ou frequentaram - ou que essa questão pudesse determinar o acto suspendendo, no sentido em que foi prolatado, e não pode -, por que nunca foram os encarregados de educação dos alunos, designadamente os do Recorrente, notificados para vir esclarecer onde tinham os filhos escolarizados? 22. Por que nunca foram os alunos que frequentaram e frequentem a escola em questão, designadamente o Recorrente, sinalizados perante a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, e instaurado a seu favor o competente Processo de Promoção e Protecção, pelo Ministério Público? 23. Porque o Recorrido, que por acaso é só o garante do cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo continua a demitir-se da sua função, estando mais preocupado em ostensivamente negar ao Recorrente um direito que lhe assiste. 24. Quaisquer questões que se prendam com o funcionamento da escola são absolutamente irrelevantes, pois que não foi essa escola que emitiu os certificados que o Recorrente detém, como aliás resulta provado (vide alínea d) dos factos provados). 25. Dada a matéria de facto dada como provada e as normas legais convocadas para a decisão, constata-se que a interpretação da lei é errada e a solução encontrada contra legem. 26. A obrigação legal de fundamentação dos actos que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos decorre do art. 268°, n° 3, da CRP e se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, designadamente os pressupostos legais em que assenta, o acto considera- se não fundamentado (art. 153°, n° 2, do CPA). 27. Não basta que o destinatário compreenda, literalmente, a decisão, portanto; tem de saber quais os respectivos pressupostos, de facto e de Direito, que, in casu, dela não constam. 28. No caso sub iudice, em sede de fundamentação formal do acto impugnado, a única a considerar é a que consta das comunicações que lhe serviram de suporte, (vide matéria dada como provada sob a alíneas g) e i), que nenhuma menção têm, sequer, à lei habilitante para a respectiva prolação), ou seja, a que é contemporânea da prática do acto, não relevando qualquer fundamentação a posteriori - seja na Oposição, seja na Sentença de que se recorre - conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (por todos, Acórdão STA, de 22.02.2022, proferido no Proc. 03014/11.1BEPRT, disponível em www.dgsi.pt). 29. O indeferimento da emissão do certificado pretendido pelo Recorrente padece, sim, do vício de insuficiente fundamentação, o qual equivale à inexistência da mesma (cfr. 153°, n° 2 do CPA), desde logo, não cumprindo a sua função exógena. 30. Quanto à aparência do bom direito, no plano factual, desde logo, estão alegados e demonstrados os pertinentes factos que permitam a formulação de um juízo de probabilidade de sucesso do pedido na acção principal e é credível a posição do Recorrente, porque resulta do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos de adopção da providência cautelar requerida. 31. No plano do Direito, tal como a lei exige, do exame, perfunctório, resulta inegável um juízo de verosimilhança e previsibilidade do resultado expectável e a probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal. 32. O fumus boni iuris, tal como vertido no n° 1 do artigo 120° do CPTA, como critério de decisão na adopção de providências cautelares, apresenta uma formulação positiva, ou seja, pressupõe uma avaliação, em termos sumários, da existência do direito invocado pelo requerente ou das ilegalidades que o mesmo invoca e provável procedência da acção principal, o que no caso dos autos é gritante existir. 33. Falta evidência à conclusão tirada pelo Tribunal a quo, de que o deferimento do requerido pelo Recorrente dependa da escola que tenha frequentado. 34. Mas também lhe falta a certeza, na medida em que não se pode ter por unicamente certo e ser, assim, seguro que, por tal razão, a pretensão do Requerente deveria ser, à luz do Direito, indeferida. 35. E os demais requisitos de que depende o decretamento das mediadas cautelares resultam explicitados e provados e no requerimento inicial. 36. O Recorrente, vem frequentando a Escola Superior de Artes e Design, na Licenciatura em Teatro, com muito bom aproveitamento, em igualdade de circunstâncias com os seus colegas. 37. A sua colocação resultou da participação, classificação e seriação, em igualdade de circunstâncias com os demais candidatos ao respectivo concurso, da criação de vaga adicional na sequência do decretamento provisório de medida cautelar nos âmbitos presentes autos (vide documentos juntos sob os números 2 e 3 da Oposição). 38. Privá-lo, agora, do prosseguimento dos seus estudos, condenando-o ao ócio, com as consequências amplamente conhecidas que daí advêm, seria um ataque fulminante ao seu direito fundamental a prosseguir a sua formação e a violação dos art. 73° e 74° da CRP, art. 26°, n° 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e no art. 14° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE). 39. Tal situação, a que se veria votado o Recorrente, configuraria uma sanção absolutamente infundada, pois que o seu comportamento em nada contribuiu para a situação em que se encontra, frustrando-se totalmente as suas legítimas expectativas de empenhadamente construir o seu futuro, também profissional. 40. Independentemente da decisão que venha a ser proferida por este Tribunal, indiscutível é que a possibilidade de continuar a sua educação e instrução, adquirindo competências formativas e construtivas, não só na sua área de estudos, que é o Teatro, mas também como pessoa e cidadão, é fundamental para o Recorrente, como, aliás, para qualquer pessoa. 41. Para além da instabilidade e insegurança indefinidas a que o Requerente se veria sujeito durante o período em que estivesse a aguardar a decisão deste Tribunal, a situação seria insuportável para quem quer que fosse que estivesse colocado na situação do Recorrente, vendo destruído o esforço do seu trabalho e sacrifício e qui ça, hipotecado um projecto de futuro para o qual despendeu e quer continuar a despender o melhor da sua energia e juventude. 42. Mas, também teria como resultado o mais profundo descrédito na Justiça material, no sentido ético, o mais puro e nobre, privando-se a sociedade do contributo de alguém que, também na sua área de estudos, é muito competente, sério e empenhado. 43. Não colhe, sequer, o eventual argumento de que possa, o Recorrente, ter ocupado uma vaga que poderia ser ocupada por outros candidatos, pois que a sua colocação resultou da criação de vaga adicional, em que foi colocado em igualdade de critérios relativamente aos demais seus colegas e o Recorrente paga, como qualquer dos seus colegas, a propina e demais emolumentos devidos pela frequência do estabelecimento de ensino em questão. 44. Se nos ativermos à ponderação dos interesses em presença, segundo os critérios próprios da tutela cautelar, previstos no art. 120°, n° 2 do CPTA, facilmente se conclui que a execução da sentença cautelar causaria ao Recorrente, desacompanhada da medida que ordene a continuação dos seus estudos, prejuízo muito mais gravoso do que aquele que poderia resultar para o Recorrido. 45. A manutenção da actual situação do Recorrente, designadamente continuando a frequência do curso que actualmente frequenta, em termos de plena igualdade com os demais seus colegas e prosseguindo os seus estudos até final, praticando todos os actos e operações materiais respectivos, o que se requer, é a única que é de molde a evitar maiores prejuízos ao Recorrente e a que melhor serve os interesses em presença. 46. A decisão de que se recorre revela a violação do disposto nos art. 268°, n° 3 da CRP, 153°, n° 2 do CPA, 120°, n° 2, 112°, n° 1 e 113° do CPTA, 73° e 74° da CRP, 26°, n° 1 da DUDH, 14° da CDFUE, ar. 1° e 3° do DL 227/2005, de 28.12, Portaria 224/2006, de 08.03, Lei46/86, de 14.10, Convenção de Haia e art. 369° e 371° do CC. TERMOS EM QUE, JULGANDO-SE O PRESENTE RECURSO PROCEDENTE, DEVE SER A SENTENÇA REVOGADA E SUBSTUTÍDA POR OUTRA QUE DECRETE A PROVIDÊNCIA REQUERIDA ACOMPANHADA DA MEDIDA QUE ORDENE A MANUTENÇÃO DA ACTUAL SITUAÇÃO DO RECORRENTE, DESIGNADAMENTE CONTINUANDO A FREQUÊNCIA DO CURSO QUE ACTUALMENTE FREQUENTA, EM TERMOS DE PLENA IGUALDADE COM OS DEMAIS SEUS COLEGAS E PROSSEGUINDO OS SEUS ESTUDOS ATÉ FINAL, PRATICANDO TODOS OS ACTOS E OPERAÇÕES MATERIAIS RESPECTIVOS, POR SER A ÚNICA QUE É DE MOLDE A EVITAR MAIORES PREJUÍZOS AO RECORRENTE E A QUE MELHOR SERVE OS INTERESSES EM PRESENÇA,COMO E DA MAIS ELEMENTAR JUSTIÇA!” Notificado das alegações apresentadas, o requerido apresentou contra-alegações, contendo as seguintes conclusões: “A- Inconformado com a sentença proferida nestes autos que indeferiu a providência cautelar por si requerida, por entender “não poder julgar-se provável que a pretensão formulada pelo requerente no processo principal venha a ser julgada procedente”, veio o Requerente interpor o presente recurso alegando estarem verificados os pressupostos de que dependeria o decretamento da providência cautelar (cf. conclusões 30 a 35) e reafirmando que, na sua óptica, o acto administrativo impugnado padecia de falta de fundamentação (cf. conclusões 2 e 26 a 29), explicando ainda as razões da sua discordância com o teor do mesmo (cf. conclusões 4 a 25), bem como realçando as consequências nefastas para a vida do Requerente no caso de a providência solicitada não vir a ser concedida (cf. conclusões 36 a 45). B- A fundamentação constante do acto impugnado cumpre as exigências do artigo 153.º, n.º 1 do CPA já que oferece uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito subjacentes à decisão, não se descortinando na mesma qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência. C- Decorre do facto provado g) que do teor da comunicação que lhe foi feita do dito despacho se refere expressamente a razão que lhe subjaz, ou seja, que o estabelecimento de ensino que o Requerente frequentou “não se encontra homologado pelo Ministério da Educação não sendo, deste modo, reconhecido como um estabelecimento de ensino com autorização de funcionamento em Portugal. Assim, não se encontrando a Escola Internacional de Aljezur devidamente certificada como um estabelecimento de ensino, não existe sustentação legal para esta Direcção-Geral poder proceder à concessão de qualquer equivalência ao sistema de ensino português.” D- Uma decisão administrativa considera-se fundamentada quando um destinatário normal possa ficar ciente e tomar consciência do sentido e das razões que a justificam, não interessando conhecer quaisquer e todos os motivos da decisão, mas tão só os seus motivos determinantes. E- Acompanhamos a douta sentença recorrida no que concerne aos argumentos que permitem rebater os fundamentos da discordância do Recorrente com o sentido de tal despacho e constantes das conclusões 4 a 25. F- As habilitações com as quais o Requerente pretendia candidatar-se a um estabelecimento de Ensino Superior em Portugal foram adquiridas através da frequência de um curso ministrado por um estabelecimento criado em Portugal, situado em território nacional e pertencente a uma pessoa colectiva privada de direito português que adoptou planos de estudos, estruturas curriculares e programas ou conteúdos programáticos não portugueses, independentemente de qual a entidade que as tenha certificado. G- Tais habilitações não foram adquiridas num estabelecimento de ensino estrangeiro, integrado num sistema educativo estrangeiro ou regularmente instituído ou mantido por um Estado estrangeiro. H- Decorre do disposto no n.º 2 do artigo 59.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 16 de Outubro) que, quando uma instituição do ensino particular e cooperativo sediada em Portugal adoptar planos e programas próprios, o seu reconhecimento oficial é concedido caso a caso, mediante avaliação positiva resultante da análise dos respectivos currículos e das condições pedagógicas da realização do ensino. I- Não se provou que o estabelecimento de ensino frequentado pelo Requerente tenha sido objecto desse reconhecimento oficial, razão pela qual os seus cursos e programas próprios não podem ser reconhecidos pelo Estado Português. J- O hipotético acolhimento da tese propugnada pelo recorrente nas conclusões 11 a 13 e 18 a 22, constituiria uma manifesta fraude ao princípio da soberania do Estado Português na determinação do plano curricular a que devem obedecer as escolas do ensino secundário que funcionam em Portugal, implicando necessariamente que o requisito expresso no artigo no artigo 59.º, n.º 2, da Lei de Bases do Sistema Educativo se tornasse desnecessário, por totalmente ineficaz. K- Pois bastaria a alegação de que o diploma obtido na sequência dos estudos e exames realizados num estabelecimento escolar sediado em Portugal, ainda que não reconhecido, era emitido por uma autoridade estrangeira, para tal ser suficiente para o declarar como susceptível de reconhecimento e equivalência pelas autoridades Portuguesas. L- Pelo que a interpretação, sufragada pelo Recorrente, do teor do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 227/2005, de 28 de Dezembro – cf. conclusões 9 a 12 – se revela contrária ao espirito do sistema jurídico quando interpretado no seu todo. M- Constituindo este o alicerce do recurso, é patente que bem andou também a douta sentença recorrida ao reconhecer que, no caso concreto, os pressupostos para a interposição de uma providência cautelar se não verificavam – cf. artigo 120.º do CPTA – já que, num juízo meramente sumário, o acto de indeferimento do pedido de concessão de equivalência das habilitações de que o requerente se diz titular não parece padecer de vício que inquine a sua validade, razão pela qual se não revelava provável que a pretensão formulada pelo requerente no processo principal pudesse vir a ser julgada procedente. Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exs., doutamente, suprirão, entende o Recorrido que o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente e, por essa via, integralmente confirmada a decisão da 1.ª Instância. Todavia, V. Exs. decidirão conforme for de LEI e JUSTIÇA” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, nos termos da sentença recorrida. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou indiciariamente provados: “a) O requerente concluiu, com aproveitamento, um curso leccionado num estabelecimento particular denominado «Escola Internacional de Aljezur», com um ciclo de estudos anunciado como correspondente aos Years 11, 12 e 13 do sistema de ensino do Reino Unido, com planos de estudos, estruturas curriculares e conteúdos próprios de um programa certificado pela Cambridge Assessment Internacional Education (nome ou marca pela qual é conhecido o departamento da Universidade de Cambridge University of Cambridge Local Examinations Syndicate), que incluiu a realização de exames abrangidos pelo International General Certificate of Secondary Education (IGCSE) e pelo Cambridge Internacional Advanced Subsidiary Levels e Advanced Levels (AS & A Levels); b) Em 19 de Julho de 2022, por despacho do Secretário de Estado da Educação, foi ordenado o encerramento compulsivo da Escola Internacional de Aljezur, a efectivar até 31 de Agosto desse ano (cfr. documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a oposição); c) Em 31 de Maio de 2024, mediante ofício (com a ref.ª 23979/2024) recebido em 3 de Junho de 20024, a Escola Internacional de Aljezur submeteu aos serviços da Direcção-Geral da Educação um pedido de concessão de equivalência de habilitações escolares estrangeiras do requerente (“12.º ano do currículo nacional britânico”) ao ensino secundário do sistema educativo português (“12.º ano do currículo português”), nos seguintes termos: «(…) Venho por este meio remeter o processo de equivalência de habilitações de ensino secundário estrangeiras do aluno G... Solicitando que seja atribuída a equivalência aos seus estudos e que seja emitida declaração provisória para efeitos de candidatura ao Ensino Superior. (cfr. fls. 6 do processo administrativo e documentos n.ºs 3 e 4 do requerimento cautelar); d) O pedido foi instruído, para além do requerimento em modelo oficial assinado pelo requerente, com os seguintes documentos, devidamente traduzidos e autenticados: (i) Certificado Geral Internacional do Ensino Secundário [Internacional General Certificate of Secondary Education (IGCSE)] e Certificado de Educação de Nível Normal [General Certificate of Education Ordinary Level (GCE O Level)], conferido na sequência de exames realizados em 2021, emitido pela Cambridge Assessment Internacional Education; (ii) Certificados Gerais de Educação de Nível Subsidiário Avançado e de Nível Avançado [General Certificate of Education Advanced Subsidiary Level (CGE AS Level) and Advanced Level (CGE A Level)], conferidos na sequência de exames realizados em 2022 e 2023, emitidos pela Cambridge Assessment Internacional Education; (iii) Respectivas declarações de resultados (Statement of Results); (iv) Declarações emitidas pela Escola Internacional de Aljezur, intituladas “Certificado Escolar”, nas quais consta que o requerente completou o Year 11, o Year 12 e o Year 13 do “Currículo Nacional Britânico”, nos anos de, respectivamente, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023; (cfr. fls. 7 a 91 do processo administrativo); e) Em 26 de Julho de 2024, a pedido do requerente, foi emitido pelo Agrupamento de Escolas Gil Eanes um certificado, no qual consta que foi concedida ao requerente «a equivalência do Nível Subsidiário Avançado e do Nível Avançado, do Sistema de Ensino do Reino Unido, ao 12º Ano de Escolaridade do Ensino Secundário, com média de 16 (dezasseis) valores para todos os efeitos legais, com fundamento no anexo VIII da Portaria nº 224/2006 de 8 de março” (cfr. documento n.º 5 junto com o requerimento cautelar); f) O requerente apresentou este certificado na sua candidatura ao ensino superior nos concursos nacional e local; g) Com data de 26 de Julho de 2024, foi emitido um ofício pela Subdirectora-Geral da Direcção-Geral da Educação, remetido à Escola Internacional de Aljezur, com conhecimento ao requerente, do qual consta, entre o mais, o seguinte: «(…) Sua referência: Carta de 03/06/2024 (Receção DGE) (…) Assunto: Equivalência de Habilitações – G… (Escola Internacional de Aljezur) DSDC-EE/Diversos Em resposta à V/ carta mencionada em título e a todas as comunicações eletrónicas p.p. relativas ao assunto referido em epígrafe, onde é solicitada a equivalência ao 12.º ano do Currículo Nacional Britânico realizado na “Escola Internacional de Aljezur”, cumpre-nos informar V. Ex.ª do seguinte: a) A entidade supracitada não se encontra homologada pelo Ministério da Educação não sendo, deste modo, reconhecida como um estabelecimento de ensino com autorização de funcionamento em Portugal. Assim, não se encontrando a “Escola Internacional de Aljezur” devidamente certificada como um estabelecimento de ensino, não existe sustentação legal para esta Direcção- Geral poder proceder à concessão de qualquer equivalência ao sistema de ensino português. Face ao exposto, é indeferido o pedido do requerente (sublinhado nosso). Caso o requerente pretenda, poderá fazer um novo pedido, apresentando documentos que comprovem a conclusão com aproveitamento de outra habilitação realizada num estabelecimento de ensino devidamente autorizado pelas entidades competentes. (…)» (cfr. fls. 88 do processo administrativo e documento n.º 6 junto com o requerimento cautelar); h) Em 29 de Julho de 2024, os serviços da Direcção-Geral do Ensino Superior comunicaram ao requerente o seguinte: «(…) Na sequência da apresentação do Pedido de Substituição de Provas de Ingresso por Exames Finais de Cursos de Ensino Secundário Não Portugueses, no âmbito do disposto no artigo 20.º-A do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro, para efeitos de candidatura a concurso local, informa-se que o mesmo não se encontra regularmente instruído, devendo proceder à entrega da documentação a seguir identificada, no prazo de cinco dias úteis, a contar da data da receção da presente notificação: • Certificado de Equivalência ao ensino secundário português, com registo da média final, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º da Portaria n.º 119/2024/1, de 27 de março. (…)» (cfr. documento n.º 8 junto com o requerimento cautelar); i) Depois de ter sido junto pelo requerente “o documento solicitado”, os serviços da Direção-Geral do Ensino Superior comunicaram-lhe, em 8 de Agosto de 2024, o seguinte: «(…) No seguimento do seu email, informamos que o Certificado de Equivalência não pode ser aceite porque a habilitação é adquirida em estabelecimento de ensino sem autorização de funcionamento. (…)» (cfr. documento n.º 8 junto com o requerimento cautelar); j) Em 6 de Agosto de 2024, os serviços do Agrupamento de Escolas Gil Eanes comunicaram ao requerente o seguinte: «(…) Venho por este meio informá-lo que, ao abrigo das informações veiculadas na página da DGE (https://www.dge.mec.pt/faq-equivalencias-de-habilitacoes-estrangeiras), as habilitações escolares certificadas por Cambridge Assessment International Education são competência da Direção Geral de Educação e não dos estabelecimentos do ensino público. Assim o seu processo será enviado para a DGE, ficando sem efeito o certificado emitido no dia 26 de julho. (…)» (cfr. documento n.º 7 junto com o requerimento cautelar); k) Para a candidatura no ano de 2025, as provas de ingresso nos cursos e escolas da preferência do requerente, a saber Sociologia, no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Sociologia, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, Sociologia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, Teatro, na Escola de Artes da Universidade de Évora e Teatro, na Escola Superior de Artes e Design do Instituto Politécnico de Leiria, serão diferentes das estabelecidas para o ano de 2024, incluindo provas que, para a candidatura ao ensino superior no ano de 2024, o requerente não teve que realizar (cfr. documento n.º 9 junto com o requerimento cautelar).” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Os pressupostos do decretamento das providências cautelares constam do artigo 120.º do CPTA, cujos n.ºs 1 e 2 estabelecem o seguinte: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” Assim, a adopção de providências cautelares depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) periculum in mora, ou seja, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal; e (ii) fumus boni iuris, ou seja, probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal. Todavia, ainda que verificados tais pressupostos, as providências cautelares são recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” Em suma, a não verificação do periculum in mora ou do fumus boni iuris determina o indeferimento da providência; caso se verifiquem cumulativamente tais pressupostos – e só apenas nesse caso -, importa proceder à referida ponderação de interesses públicos e privados em presença e, decorrendo da mesma que os danos que resultariam da concessão da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências, o Tribunal indefere a providência. A sentença recorrida recusou as providências cautelares requeridas por considerar não verificado o requisito do fumus boni iuris, em virtude de não procederem, ainda que num juízo perfunctório, os vícios que o recorrente imputa ao acto impugnado na acção principal, que indeferiu o seu pedido de reconhecimento de equivalência das habilitações (estrangeiras) que adquiriu na Escola Internacional de Aljezur - onde frequentou um curso que alegadamente corresponderá aos Years 11, 12 e 13 do “currículo nacional britânico” - ao curso de ensino secundário português (ao 12.º ano de escolaridade). Insurge-se o recorrente contra a sentença recorrida, imputando-lhe erro de julgamento de direito. Começa por alegar que, ao contrário do decidido, o acto impugnado padece de fundamentação formal, por não indicar a lei habilitante para a respectiva prolação. Vejamos. A exigência legal de fundamentação dos actos administrativos decorre do artigo 268.º da Constituição, em cujo n.º 3 se estabelece que “Os actos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.” Tal norma constitucional citada mostra-se concretizada nos artigos 152.º e 153.º do CPA. Estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 152.º que devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções. Esta exigência (i) Permite ao cidadão conhecer o percurso cognoscitivo e volitivo que levou a Administração a decidir naquele sentido, e não noutro, podendo aquele conformar-se com o acto ou impugnar o mesmo pela via administrativa ou judicial; (ii) Obriga a Administração a ponderar os factos e a uma melhor aplicação do direito, de modo a convencer o administrado da validade dos seus fundamentos e da decisão. A falta de fundamentação do acto constitui um vício de forma, tendo como consequência a anulação do acto que, não obstante, poderá ainda ser renovado sem o vício. O artigo 153.º estabelece os requisitos da fundamentação, dispondo o n.º 1, designadamente, que a mesma “deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”. Relativamente à exposição das razões de direito em que assenta a decisão, deve a mesma indicar as normas e a disciplina jurídica aplicáveis – não só as normas de competência, mas também as respeitantes “à situação concreta decidendi e às medidas que a Administração deve (ou pode) providenciar para elas (ou aos interesses ou necessidades que nelas devam ser prosseguidos)” - , sob pena de se “dificultar significativamente a avaliação pelos interessados da (i)legalidade do acto com que se confrontam”, não podendo a fundamentação cingir-se “só às razões de facto ou só às razões de direito” – neste sentido, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM, “Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 602 e 603. Volvendo ao caso em apreço, o acto impugnado na acção principal, da qual depende o presente processo cautelar, como vimos, é o acto que indeferiu o seu pedido de reconhecimento de equivalência das habilitações (estrangeiras) que adquiriu na Escola Internacional de Aljezur - onde frequentou um curso que alegadamente corresponderá aos Years 11, 12 e 13 do “currículo nacional britânico” - ao curso de ensino secundário português (ao 12.º ano de escolaridade). Entendeu o Tribunal a quo que tal acto não padece do vício de falta de fundamentação considerando que os respectivos fundamentos de facto e de direito resultam do mesmo com clareza e perceptibilidade, tendo o pedido sido indeferido porque a Escola Internacional de Aljezur (na qual o requerente adquiriu as habilitações estrangeiras) não se encontra homologada pelo Ministério de Educação e não tem autorização de funcionamento, não sendo, pois, reconhecida (ou “certificada”) em Portugal como um estabelecimento de ensino. Todavia, atento o teor do acto, constante da alínea g) do probatório, o mesmo apenas contém as razões de facto, não fazendo qualquer referência às normas legais em que assenta, nem sequer à disciplina jurídica aplicável. Com efeito, do acto apenas resulta que o indeferimento assenta na circunstância de a Escola Internacional de Aljezur (na qual o requerente adquiriu as habilitações estrangeiras) não se encontrar homologada pelo Ministério de Educação e não ter autorização de funcionamento, não sendo, pois, reconhecida (ou “certificada”) em Portugal como um estabelecimento de ensino. E esta circunstância constitui a razão de facto, faltando a indicação das normas legais que conferem competência ao autor do acto para o praticar, bem como das que regem a concessão da pretendida equivalência, falta essa que prejudica o escrutínio da validade substancial do acto impugnado. Tal omissão das razões de direito que sustentam o acto impugnado mostra-se particularmente relevante e consequente no caso em apreço, considerando que, de acordo com a disciplina legal que o Tribunal a quo acabou por aplicar para apreciar os demais vícios imputados pelo requerente ao acto impugnado (Decreto-Lei n.º 227/2005, de 28 de Dezembro), a competência para conceder equivalência de habilitações estrangeiras dos ensinos básico e secundário é do órgão de direcção executiva, ou do director pedagógico, consoante os casos, do estabelecimento de ensino (cfr. artigo 6.º), e não de órgão do requerido (Ministério da Educação e Ciência), sendo o acto impugnado da autoria da Subdiretora-geral da Educação. Ante o exposto, num juízo perfunctório e de prognose, é provável que a pretensão de anulação do indeferimento do pedido de equivalências, formulada no processo principal, venha a ser julgada procedente, por o acto padecer de fundamentação de direito, vício determinante da respectiva anulação. Assim, concluímos pela verificação do fumus boni iuris, impondo-se a revogação da sentença, que, com erro de julgamento, decidiu em sentido contrário. Importa ainda deixar claro que, ao contrário do que ficou expresso na sentença recorrida, a pretensão formulada na acção principal reconduz-se à mera anulação do acto de indeferimento, e não à condenação do requerido a praticar o acto de concessão de equivalência de habilitações. É certo que o n.º 4 do artigo 51.º do CPTA prevê o convite do tribunal ao autor que, contra um acto de indeferimento não tiver deduzido o adequado pedido de condenação à prática de acto devido, a substituir a petição, para o efeito de deduzir o referido pedido. Porém, no caso em apreço – como se constata por consulta do mesmo no SITAF -, tal convite não foi feito, encontrando-se os autos de acção principal, presentemente, na fase final dos articulados. E é por referência ao momento presente – e não como se entendeu na sentença recorrida, a um cenário futuro, hipotético e eventual, de convite ao autor para deduzir o pedido de condenação à prática do acto devido, ao qual o autor até pode nem aceder - que têm de ser aferidos os requisitos de decretamento das providências cautelares, o que, no caso, significa considerar que o processo principal, de que o presente processo cautelar é acessório e instrumental, é uma acção de anulação de um acto de indeferimento, e não uma acção de condenação à prática de acto devido. Verificado o requisito do fumus boni iuris, fica prejudicada análise dos demais fundamentos de recurso que alega o recorrente para sustentar o erro de julgamento quanto a este requisito, cumprindo decidir o objecto da causa, nos termos do n.º 2 do artigo 149.º do CPTA, apreciando os demais requisitos para a concessão das providências cautelares requeridas. Analisando agora o periculum in mora, tal requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado (e não meramente eventual ou hipotético) receio – traduzido numa probabilidade forte - de que a decisão do processo principal não venha a tempo de tutelar adequadamente a pretensão objecto do litígio, seja por inutilidade – decorrente da constituição de uma situação de facto consumado -, seja pela produção de prejuízos de difícil reparação, ou seja, “(…) sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.” – cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª edição, p. 972. Pugna o requerente pela verificação de tal requisito, alegando que, não sendo suspenso o acto de indeferimento impugnado, as condições de ingresso nos cursos e escolas da sua preferência para o ano de 2025 serão diferentes daquelas que na candidatura do ano de 2024 lhe são exigidas, o que o obrigará a realizar provas e exames que, para as candidaturas do ano de 2024, não teve de realizar, pois está apto a candidatar-se, além de que fica o requerente em situação de não poder prosseguir os seus estudos, tendo de repetir anos de estudo, o que atrasa a sua vida académica e a sua entrada no mercado de trabalho, que lhe permitirá realizar-se como pessoa e alcançar a sua independência económica. Todavia, o decretamento da providência requerida de suspensão do acto de indeferimento não atribui qualquer vantagem ao requerente, e, por conseguinte, o seu não decretamento não é apto a acarretar-lhe qualquer prejuízo. Com efeito, o acto de indeferimento do pedido de reconhecimento de equivalência de habilitações é um acto puramente negativo que não afecta o status quo anterior, não provocando qualquer alteração na situação jurídica do requerente, que se mantém sem a pretendida equivalência de habilitações. Ora, a suspensão de eficácia de um acto é uma providência cautelar de natureza conservatória, que visa a manutenção de uma situação já existente, pelo que a requerida suspensão da eficácia do indeferimento em causa em nada altera a situação do requerente e, portanto, não tem sequer qualquer utilidade para o mesmo, sendo certo que uma das características do processo cautelar é a sua utilidade para prevenir a inutilidade da sentença a proferir no processo principal, seja por infrutuosidade ou por retardamento. Por conseguinte, é manifesto que não se verifica o requisito do periculum in mora. É certo que o requerente peticiona ainda o decretamento de outras duas providências cautelares, a saber: a intimação do requerido a aceitar, provisoriamente, a sua candidatura, e a não o excluir do concurso (nacional e local) por falta do certificado de equivalência, e a admissão provisória do requerente a prosseguir os seus estudos no estabelecimento de ensino em que seja colocado e escolha frequentar. Porém, para além de esta última se dirigir a quem não está na acção (estabelecimento de ensino em que seja colocado e escolha frequentar), nenhuma das outras duas é apta a prevenir a inutilidade da sentença a proferir no processo principal, atento o objecto deste, circunscrito – como já dito – à mera anulação do acto de indeferimento impugnado. Aqui chegados, e atenta a circunstância de os pressupostos de concessão das providências cautelares serem de verificação cumulativa, não há que avançar para análise dos demais pressupostos de decretamento das providências cautelares. Termos em que se impõe julgar o presente processo cautelar improcedente. * Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente o processo cautelar. Custas pelo recorrente. Lisboa, 29 de Maio de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Marcelo Mendonça Ana Lameira |