Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:314/18.3 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:UNIÃO DE FACTO
IDENTIDADE DE DOMICÍLIO FISCAL
PROVA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I – A exigência da identidade de domicílio fiscal entre os unidos de facto como pressuposto de atribuição do respectivo regime fiscal constitui a criação de um novo pressuposto ilegal por não decorrer da lei;
II - A não aceitação de outros meios de prova da residência apresentados determina, nessa medida que é à AT que é imputado o erro nos pressupostos de facto e de direito que determinaram a anulação das liquidações.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por H. R. e J. C. contra os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios referentes aos anos de 2013 e 2014, na parte em que a condenou ao pagamento de juros indemnizatórios, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo terminando as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

« I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso prende-se com a condenação da ora recorrente no pagamento de juros indemnizatórios aos impugnantes, concretamente saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter condenado a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios uma vez que considerou que “houve erro imputável aos serviços”.

II. O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado de anulação de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito) imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

III. Ou seja, a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o ato, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida.

IV. No caso em apreço, estamos perante uma situação de entrega de declarações de IRS, pelos ora impugnantes referente aos anos de 2013 e 2014 [os quais pretendiam ser tributados em sede de IRS pelo regime aplicável aos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens] tendo a AT desconsiderado a situação de união de facto e emitido as liquidações ora impugnadas com o fundamento de que os impugnantes não lograram apresentar à AT prova suscetível de demonstrar a sua condição de unidos de facto, de molde a que lhes fosse aplicado o regime legal dos unidos de facto, maxime, em matéria de tributação.

V. Conforme se explanou sede de contestação os impugnantes apenas lograram em sede de gestão de divergências (n.º 10432413) apresentar à AT “o atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de A. em 15.02.2014 registado sob o n.º 1..9-2014”.

VI. Conforme proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 02 de dezembro de 1999, no processo nº 0066156, o qual tem vindo a entender que: “(…) II – A lei só dá competência às juntas de freguesia para atestar a residência, mas já não a residência permanente.

VII – O atestado de residência não prova a residência, prova, sim, que a Junta de Freguesia, com base nas informações directas dos seus membros ou com base em testemunho ou declaração do próprio, atestou a residência.”

VII. Perfilhando do mesmo entendimento o acórdão do STA, proferido em 11 de março de 2009, no processo 0411/2008 refere que: “I - O atestado de residência é um meio de prova necessário e, em princípio, suficiente da residência dos candidatos no concurso de atribuição de alvará de instalação de farmácias, nos termos do n.º 10 da Portª 936/A/99, de 22 de Outubro. Mas, quando emitido com base em elementos arquivados e declaração do interessado, não faz prova plena da residência (art.º 371/1, “in fine”, do Cód. Civil), ficando, nestes casos, sujeito à livre apreciação da entidade competente. II – Se houver contradição entre o atestado de residência e outros elementos constantes do procedimento (Bilhete de Identidade, declaração do próprio à Segurança Social, Cartão de Contribuinte) fica seriamente abalada e, portanto, afastada a força probatória desse atestado.”

VIII. Perante aquele que é o entendimento dos nossos tribunais superiores afigura-se-nos claro que o atestado, só por si, nenhuma prova faz sobre a residência habitual e comum.

IX. Aliás, mesmo que assim não fosse e retirando-se do seu teor que o mesmo foi emitido a pedido dos próprios Impugnantes (não há sequer idoneidade proveniente da corroboração de terceiros) nenhum valor probatório se lograria obter. O que há é mera alegação emitida sob a capa de documento por entidade pública.

X. Cumpre ainda referir que embora o disposto no art.º 14.º n.º 2 do CIRS tenha sido alterado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, tal alteração só se aplica a partir do dia 1 de janeiro de 2015.

XI. Pelo que, apenas dispondo a lei para o futuro, nos termos do art.º 12.º/1 do Código Civil, só a partir do dia 1 de janeiro de 2015 é que se passa a admitir qualquer meio legalmente admissível como prova da união de facto.

XII. Assim sendo nos anos de 2013 e 2014, a prova da união de facto quanto ao período mínimo de duração de dois anos exigia a identidade de domicílio fiscal, algo que os ora impugnantes só detêm a partir do dia 05 de junho de 2014.

XIII. Antes de 05.06.2014, o Impugnante J. C. residia, desde 15.11.2010, na R. P., .., B.; 2.-1.. C., no mesmo concelho de Sintra.

XIV. Pelo que discorda a Fazenda Pública do entendimento da Mma. Juiz a quo ao referir que: “considerando a incorreta interpretação do regime jurídico aplicável, levada a cabo pela Administração Tributária, torna-se evidente que houve erro imputável aos serviços (…).”

XV. Porquanto, no momento em que a administração tributária elaborou as correspondentes liquidação oficiosas ora impugnadas constatou inequivocamente que os ora impugnantes não haviam feito prova suscetível de demonstrar a sua condição de unidos de facto, de molde a que lhes fosse aplicado o regime legal dos unidos de facto, maxime, em matéria de tributação (IRS) , conforme lhe competia tendo em conta a regra do ónus da prova, nos termos do disposto nos artigos 74.° n.° 1 da LGT e 342.°, n.° 2 do CC.

XVI. Pelo que as liquidações ora impugnadas foram efetuadas pela AT em rigoroso respeito pelas disposições legais que se encontravam vigentes à data não afigurando a existência de qualquer erro de facto ou de direito praticado pela administração tributária.

XVII. Assim, não podemos deixar de concluir que a administração tributária, no momento em que elaborou as liquidações de IRS ora impugnadas, não poderia ter atuado de forma diferente, face à redação legal vigente à data.

XVIII. Pelo que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios aos Impugnante, não pode ser assacado à administração tributária qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, na altura em que o fez, face às disposições legais vigentes na data dos factos tributários.

XIX. Neste enquadramento, se o ato de liquidação é anulado por força de uma ilegalidade que não implica uma errada definição da situação tributária, isto é, de uma ilegalidade que não implica forçosamente que a prestação tributária seja legalmente indevida, não pode falar-se em direito a juros indemnizatórios à luz do artigo 43° da LGT.

XX. Pelo exposto, a Fazenda Pública entende que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto no art.º 43 n.º 1 da LGT.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida ora recorrida no segmento em que condena a AT no pagamento de juros indemnizatórios e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada. Tudo com as devidas consequências legais.»


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, os recorridos contra-alegaram rematando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:


«1. As Alegações de recurso oferecidas pela Fazenda Pública não especificam os pontos de facto que considera incorretamente julgados bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo (ou do registo ou gravação nele realizada) que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida. Limitam-se a mencionar, repetindo o alegado na Contestação (onde, importa sublinhar, a ora Recorrente não impugnou os documentos em causa juntos ao processo administrativo e aos autos) que ‘‘VIII. Perante aquele que é o entendimento dos nossos tribunais superiores afigura-se-nos claro que o atestado, só por si, nenhuma prova faz sobre a residência habitual e comum. IX. Aliás, mesmo que assim não fosse e retirando-se do seu teor que o mesmo foi emitido a pedido dos próprios Impugnantes (não há sequer idoneidade proveniente da corroboração de terceiros) nenhum valor probatório logrará obter. O que há é mera alegação emitida sob a capa de documento por entidade pública.”


2. Na impugnação da decisão da matéria de facto apurada na 1.a Instância a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso.


3. “Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1a. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual impõe ao recorrente um ónus rigoroso cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida do C.P.Civil,“ex vi" do art°.281,do 20/12/2012, proc.4855/11;ac.T.C.A.SuI-2aSecção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Anuindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2a. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9a. edição, Almedina, 2009, pág.181). cf. Acórdão do TCA Sul, proc. 1447/11.2BELRS, de 22.10.2020 (disponível em www.dgsi.pt).


4. Atento o exposto, deve o recurso apresentado pela Fazenda Pública ser rejeitado nos termos do disposto no artigo 640.°, n.° 1 do Código de Processo Civil (ónus da impugnação especificada no recurso da matéria de facto) aplicável ex vi o artigo 281.° do CPPT.


5. Caso o Tribunal não rejeite o recurso o mesmo não pode proceder pois é “(...) evidente que houve erro imputável aos serviços, razão pela qual, o Tribunal condena a Fazenda Pública no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do efetivo pagamento -20.12.2017 e 27.12.2017 (cf. alíneas MM) e NN) do probatório) calculado sobre o montante das liquidações de IRS dos anos de 2013 e 2014, respetivamente, € 38.051,59 e € 14.573,57 até à data em que viera ser emitida a respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61°, n° 3,do CPPT.” (cf. pág. 21 e 22 do segmento decisório da Sentença recorrida), [negrito nosso]


6. “No caso em apreço, ficou demonstrado que os atos tributários impugnados são ilegais, por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por terem desconsiderado a situação de união de facto dos Impugnantes” (sublinhado nosso), cf. pág. 21 da douta Sentença.


7. Todos os factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, foram considerados PROVADOS.


8. Os Recorridos, notificados das “divergências” relativas ao IRS de 2013 e de 2014 (“consideração do estado civil como unidos de facto, não estão reunidas as condições legais previstas, para que a mesma tenha relevância fiscal”) prestaram à Autoridade Tributária a informação em causa (designadamente no âmbito do exercício do seu direito de audição).


9. Pelo que, não pode agora a Recorrente negar - depois de ter feito tábua rasa da informação prestada pelos Recorrentes sobre a sua situação fiscal, teimando em desconsiderar a união de facto, e ao insistir, de forma intencional e contrária às Recomendações da Procuradoria Geral da República, numa má interpretação e aplicação da lei - a existência de erro que lhe seja imputável!


10. A Autoridade Tributária teve várias oportunidades de emendar o seu erro: num primeiro momento, após o exercício do direito de audição dos ora Recorridos, e num segundo momento, no âmbito da Impugnação Judicial, revogando o ato de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 112.° do CPPT.


11. No âmbito do procedimento, a Autoridade Tributária deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido e socorrendo-se de todos os meios de prova admitidos em direito (cf. artigos 58.° e 71.°, n.° 2 da LGT).


12. Pelo que, aquela sempre poderia (e deveria) ter chamado ao procedimento os contribuintes ou quaisquer outras testemunhas para prestar declarações e assim averiguar se, em substância, os Recorridos residiam juntos, em união de facto, antes de procederem à alteração do seu domicílio fiscal.


13. Sublinha-se deveria, porque este dever de inquisitório é bidirecional e vale quer para a Autoridade Tributária efetuar correções desfavoráveis ao contribuinte, como para efetuar correções favoráveis - assim o impõe o princípio da legalidade (cf artigo 55.° da LGT).


14. No âmbito do processo judicial a Recorrente poderia revogar o ato tributário.


15. A Recorrente não adotou nenhuma destas condutas por considerar que a aplicação do artigo 14.°, n.° 2 do CIRS (na redação anterior à Lei do OE 2015) dependia da verificação do requisito formal da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos.


16. Ora, é precisamente aqui que reside o erro da Impugnada, ora Recorrente ao considerar que a identidade do domicílio dos sujeitos passivos, exigida pelo artigo 14.°, n.° 2 do CIRS (na redação à data) deveria ser uma identidade (também) formal, não se bastando com a identidade material da residência, passível de ser aferida, caso assim o entendesse.


17. Entendimento que consubstancia um erro de direito, inteiramente imputável aos serviços.


18. Por outro lado, resulta claro dos articulados apresentados pela Recorrente que a sua posição é a de não aceitar a possibilidade de alteração retroativa do domicílio fiscal de um contribuinte, para efeitos de aplicação do artigo 14.°, n.° 2 do CIRS com base na apresentação do atestado da junta de freguesia por não reconhecer valor probatório ao documento emitido por uma autoridade pública (que, refira-se, é aquela que tem competência para atestar a união de facto nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 2.°- A da Lei 7/2001 e alterações subsequentes) e tão pouco às declarações prestadas pelos Recorridos e quaisquer outras testemunhas conhecedoras da vida do casal.


19. No que a este segmento concerne, a conduta assumida pela Recorrente consubstancia, ainda, um erro na apreciação dos pressupostos de facto, também este inteiramente imputável aos serviços.


20. Não obstante o exposto, a Autoridade Tributária optou pela manutenção da situação lesiva da situação jurídica dos Recorridos impondo-lhes:


(a) o pagamento de juros compensatórios sobre quantias que já havia arrecadado;


(b) o pagamento de imposto superior ao que era legalmente devido;


21. Pese embora tivesse ao seu alcance os meios e as prerrogativas da lei para procurar a verdade material.


22. O Estado, na prossecução do interesse público, só pode arrecadar receita que seja devida nos termos lei.


23. Pelo que, impunha o P. da Legalidade que a Autoridade Tributária encetasse todas as diligências de prova, nomeadamente, pedindo aos contribuintes mais elementos que permitissem reduzir o grau de dúvida quanto à residência comum antes de 2014.


24. Como bem ensina a douta Sentença (cf. pág. 20) “A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de direito. Significa, assim, que o legislador não exige prova de qualquer grau de culpabilidade por parte dos Serviços, mas tão só que q erro lhes seja imputável, pois dessa imputabilidade resultará, necessariamente, q imputabilidade do pagamento de imposto em montante indevido ou superior ao devido.”(negrito e sublinhado nosso).


25. E também neste sentido, e pelo seu especial interesse, se reproduz parcialmente decisão arbitrai CAAD, Processo n° 625/2020-T de 28.03.2022, disponível em https://caad.org.pt/tributario/


“E como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, (...):


- «(…)»;


- «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária, pelo artigo 43.° da LGT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.


Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar a liquidação afetada por erro, podendo servir de responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço globalmente considerado»;


- (…);


- «os juros indemnizatórios previstos no art. 43.º da LGT são devidos sempre possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação (negrito e sublinhado nossos).


26. Ante o exposto, e como bem decidiu a douta Sentença, estando preenchidos os requisitos do direito aos juros indemnizatórios no caso em apreço, i.e.:


a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;


b) que esse erro seja imputável aos serviços;


c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;


d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido, (cf. pág. 20 da Sentença).


28. Forçoso é concluir que bem decidiu o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente a liquidar juros indemnizatórios aos contribuintes!»



*




O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida efectuou errada apreciação dos factos e se incorreu em erro de julgamento de direito ao ter condenado a recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, por erro imputável aos serviços.


*


III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« A) Os ora Impugnantes, H. R. e J. C., vivem, na mesma casa, sita na R. E., lote .., A., A., pelo menos, desde o ano de 2011 - [facto que resulta provado, pelos depoimentos das testemunhas M. O. e A. M.];

B) O Impugnante J. N. comportava-se como o “dono” da casa, recebendo as pessoas, em ocasiões como jantares ou festas, tendo lá os seus objetos de uso pessoal, como livros, discos e quadros – [facto instrumental que resultou do depoimento das testemunhas M. O. e A. M.];

C) O Impugnante, J. N., recebia as visitas dos dois filhos, do seu anterior casamento, que passavam fins de semana com o pai, na casa da R. E. – [facto instrumental que resultou do depoimento da testemunha M .O.];

D) O impugnante alterou o seu domicílio fiscal, no decurso do ano de 2014, para a R. E., Lote .., 2...-… A. – [facto provado, por confissão – artigo 21º da petição inicial];

E) A Impugnante H. R. nasceu no dia 5 de julho de 19.. – [cf. Assento de Nascimento nº 1…. da Conservatória do Registo Civil de Barrancos];

F) O Impugnante J. C., nasceu no dia 27 de dezembro de 19.. - [cf. Assento de Nascimento nº 2… da Conservatória do Registo Civil de Coimbra, a fls. 86/88 dos autos];

G) Em 12.05.2014, a Junta de Freguesia de A., do concelho de C., emitiu o documento intitulado “Atestado”, com o seguinte teor:

“A JUNTA DE FREGUESIA DE A., CONCELHO DE C. (…):

ATESTA E CERTIFICA, segundo informação arquivada nesta Junta e em virtude da deliberação tomada que, J. C. nascido a 27-12-19.., estado civil União de Facto, profissão P. S., natural de Concelho de Coimbra, (…), residente em R. E., nº .. de A., 2…-… A., desta freguesia Reside na morada acima indicada desde 01 de Janeiro de 2011. Vive em União de facto com H. R., com quem vive em comunhão de mesa e habitação.

Declara que, nos termos do nº 2 do artigo 1º do decreto-lei nº 217/88 de 27 de Junho, as declarações prestadas à Junta de Freguesia de A. são verdadeiras e delas assume todas as responsabilidades.

E por ser verdade e nos ser pedido para efeitos de APRESENTAR NAS FINANÇAS, se passa o presente atestado. (…)” – [cf. fls. 80 dos autos];

H) Em 30.05.2014, foi apresentada, por via eletrónica, uma declaração de rendimentos referente ao ano de 2013, identificada com o nº 1…-J…-21, pelos Impugnantes H. R. e J. C., figurando no Quadro 6, referente ao “Estado Civil dos Sujeitos Passivos”, a opção “Unidos de Facto” - [cf. fls. 26/32 dos autos];

I) Em 18.07.2014, foi emitida a liquidação nº 20145005148953, com data de compensação de 24.07.2014, em nome dos Impugnantes, no valor, a pagar, de € 29.754,04 – [cf. fls. 67 dos autos];

J) Em 24.07.2014, por consulta ao Portal das Finanças, a Impugnante obteve o comprovativo de existência de divergências, referente ao IRS do ano de 2013, declaração de 2013 J… 21, donde se extrai o seguinte teor:

“Relativamente à consideração do estado civil como unidos de facto, não estão reunidas as condições legais previstas, para que a mesma tenha relevância fiscal, pelo que deverá deslocar-se ao seu SF acompanhado dos respetivos documentos comprovativos, bem como da notificação que em breve lhe será remetida”. – [cf. fls. 33 dos autos];

K) Em 21.07.2014, foi remetido o documento intitulado “Notificação”, em nome da Impugnante, com o seguinte teor:

“A declaração de rendimentos relativa ao ano de 2013, com a identificação J…/21 foi selecionada para análise por ter(em) sido detetada(s) a(s) seguinte(s) situação(ões): Não cumprimento pelos sujeitos passivos, de requisitos legais de união de facto.

Face ao exposto, fica V. Exa, por este meio notificado para, nos termos do disposto no artigo 128º do Código do IRS, no prazo de 15 dias contados a partir do 3º dia seguinte ao do registo postal desta notificação, apresentar no Serviço de Finanças da área do seu domicílio fiscal, o duplicado da referida declaração e todos os documentos comprovativos da sua situação pessoal e familiar, bem como dos elementos quantitativos associados às situações assinaladas.”

- [cf. fls. 34 dos autos];

L) Por carta registada, com aviso de receção, datada de 29.08.2014, a Impugnante apresentou audição prévia – [cf. fls. 35/66 dos autos];

M) Na mesma data, a Impugnante lavrou declaração, sob compromisso de honra, declarando que vive em união de facto, desde 01 de janeiro de 2011 com J. C., na R. E., lote .., 2…-… A., A. – [cf. fls. 81 dos autos];

N) Ainda na mesma data, o Impugnante lavrou declaração, com o mesmo teor, declarando que vive, desde 01 de janeiro de 2011, com H. R. – [cf. fls. 82 dos autos];

O) Em 30.08.2014, foi efetuado o pagamento da liquidação, referida em I) – [cf. fls. 68 dos autos];

P) Em 29.05.2015, os Impugnantes, submeteram, eletronicamente, a declaração de rendimentos, para efeitos de IRS, do ano de 2014, com a identificação 1…-J…-90 – [cf. fls. 28/33 do apenso];

Q) Em 27.07.2015, a Impugnante prestou esclarecimentos, no portal das finanças, relativamente às divergências detetadas na declaração de 2014, quanto ao estado civil – [cf. fls. 34 do apenso];

R) Na mesma data, os Impugnantes lavraram declaração, sob compromisso de honra, de que viviam em união de facto, desde 01 de janeiro de 2011 – [cf. fls. 66/67 do apenso];

S) Em 28.07.2015, em resposta à notificação remetida pelo Serviço de Finanças de Cascais 1, com a refª DIV2/012396470, a Impugnante veio justificar as situações relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro e quanto à união de facto – [cf. fls. 35/37 do apenso];

T) Em 22-09-2015, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação nº 2015 5005477458, em nome dos Impugnantes, com valor a pagar de € 5.637,00 – [cf. fls. 38 do apenso];

U) Em 30.10.2015, a Impugnante procedeu ao pagamento do valor referido na alínea que antecede – [cf. fls. 39 do apenso];

V) Em 03.06.2016, os Serviços de Inspeção Tributária remeteram à Impugnante o ofício nº 025124, com o assunto “Divergências em sede de IRS – código D33 (Retenções no Regime de Transparência Fiscal) Entrega de declarações de rendimentos de IRS de substituição referentes ao ano de 2014 – [cf. fls. 40/41 do apenso]; W) Em 20.06.2016, os Impugnantes submeteram, eletronicamente, a declaração de substituição, para efeitos de IRS, referente ao ano de 2014, com a identificação nº 1…-J….-78 – [cf. fls. 45/51 do apenso];

X) Na sequência da entrega da declaração de substituição, foi emitida a demonstração de acerto de contas nº 2016 00010791453, no valor de € 157,15 – [cf. fls. 52/53 e 54 do apenso];

Y) Em 27.10.2017, o Serviço de Finanças de Cascais 1 remeteu à Impugnante, o ofício nº 005998, registado com aviso de receção, com o assunto “Notificação de correção oficiosa da declaração de IRS do ano de 2013”, donde se extrai, designadamente, o seguinte:

“(…)

Foi efetuada declaração oficiosa modelo 3 de IRS após eliminação da declaração entregue no estado civil de unidos de facto.

Não estão reunidas as condições para entrega de declaração como unidos de facto nos termos do artº 14º do CIRS.

O sujeito passivo exerceu direito de audição prévia, que em nada veio alterar os pressupostos da correção pelo que foi notificado do despacho de indeferimento pelo ofício nº 7824 de 2014.09.02.

Decorrente dessa(s) alteração(ões) aos valores declarados, será V. Exa. oportunamente notificado da liquidação do correspondente imposto, da qual poderá reclamar/impugnar nos termos do artigo 140º do Código do IRS e artigos 68º/99º e seguintes do Código de Procedimento e do Processo Tributário” – [cf. fls. 70 dos autos];

Z) Na mesma data, o Serviço de Finanças de Cascais 1 remeteu idêntica notificação ao Impugnante J. C., através do ofício nº 005995 – [cf. fls. 71 dos autos];

AA) Ainda na mesma data, o Serviço de Finanças de Cascais 1 remeteu à Impugnante o ofício nº 5997, registado com aviso de receção, com o assunto

“Notificação de Correção Oficiosa da Declaração de IRS do ano de 2014 – [cf. fls. 56 do apenso];

BB) O Serviço de Finanças de Cascais 1 remeteu idêntica comunicação ao Impugnante – [cf. fls. 57 do apenso];

CC) Em 07.11.2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças de Cascais 1 emitiu a liquidação nº 2017 5005443780, relativa ao ano de 2013, em nome da Impugnante – [cf. fls. 23 dos autos];

DD) Na mesma data, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação nº 2017 5005443310, referente ao ano de 2013, com valores nulos – [cf. fls. 24 dos autos];

EE) Em 09.11.2017, foi emitido o cheque do Tesouro, no valor de € 29.717,22, à ordem dos Impugnantes, referente ao reembolso por estorno da liquidação nº 20145005143953 – [cf. fls. 72/74 dos autos];

FF) Em 10.11.2017, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IRS, do ano de 2014, em nome dos Impugnantes, com valor nulo – [cf. fls. 26 do apenso];

GG) Em 10.11.2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, em nome da Impugnante, a liquidação nº 20175005444844, do ano de 2014, no valor, a pagar, de € 14.573,57 – [cf. fls. 24/25 do apenso];

HH) Em 14.11.2017, foi emitida a demonstração de liquidação de juros compensatórios, em nome da Impugnante, no valor de € 4.568,39 – [cf. fls. 25 dos autos]; II) Em 14.11.2017, foi emitido o cheque do Tesouro, no valor de € 1.450,32, referente à liquidação nº 2017 5005443781, em nome do Impugnante – [cf. fls. 75/77 dos autos];

JJ) Na mesma data, foi emitido o cheque do Tesouro, no valor de e 5.794,15, em nome dos Impugnantes, conforme demonstração de acerto de contas nº 2017 00028219061 – [cf. fls. 58/60 do apenso];

KK) Em 17.11.2017, foi emitida a demonstração de liquidação de juros compensatórios, no valor de € 1.285,81, referente ao ano de 2014 – [cf. fls. 27 do apenso];

LL) Na mesma data, foi emitido o cheque do Tesouro no valor de € 4.310,07, em nome do Impugnante, conforme demonstração de liquidação de IRS nº 2017 4005444845 – [cf. fls. 61/63 do apenso];

MM) Em 20.12.2017, a Impugnante procedeu ao pagamento do valor de € 38.051,59, referente à liquidação referida em CC) – [cf. fls. 78/79 dos autos];

NN) Em 27.12.2017, a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação de IRS do ano de 2014, no valor de € 14.573,57 referida em GG) – [cf. fls. 25 do apenso].»


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Mais se fez constar na sentença recorrida o seguinte: «Inexistem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, que devam julgar-se como não provados.»

Quanto à motivação fez-se menção de que «Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso e informações oficiais juntas e não impugnadas, tal como se foi fazendo referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Relativamente à factualidade constante das alíneas A) a C), foi valorado o depoimento das testemunhas M. O. e A. M., que revelaram conhecimento pessoal da situação de vida dos Impugnante, tendo a 1ª testemunha referido que já conhece o Impugnante J. N., há mais de 40 anos, tendo sido ela que apresentou o casal, há cerca de 13/14 anos, afirmando, ainda, conhecer a Impugnante S., desde os 15 anos de idade.

Ambas as testemunhas, de modo credível e sem hesitações, de forma unânime, corroboram a situação de vida em comum dos Impugnantes, relatando, ao Tribunal, episódios da vida quotidiana, referentes a festas de aniversários, ressaltando a festa dos 50 anos do Impugnante J. N., jantares de amigos, férias, tendo, inclusivamente, afirmado que tinham ideia que os Impugnantes já viviam, em comum, desde 2009/2010.

Descreveram, em pormenor, o comportamento do Impugnante, J. N., enquanto “dono da casa”, o facto de tratar do jardim e da piscina, de receber as pessoas, de cozinhar, por ocasião dos jantares que organizavam, de existirem objetos de uso pessoal, na casa, pertença do Impugnante, como sejam a aparelhagem, os discos, livros e quadros, as visitas dos filhos do anterior casamento, e outras circunstâncias que denotavam a vivência quotidiana do casal.

Considerando o conhecimento pessoal das testemunhas, bem como a relação pessoal e de amizade que ambas afirmaram ter com os Impugnantes, tida há vários anos (há cerca de 40 anos), a prova testemunhal foi determinante na formação da convicção do Tribunal, quanto à real situação pessoal dos impugnantes, bem como quanto à existência de uma união de facto, ao tempo dos factos tributários, aqui em causa.»


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III. 2 – Da apreciação do recurso


A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida que julgou a acção procedente no segmento em que a condenou ao pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do efectivo pagamento – 20/12/2017 e 27/12/2017 - calculados sobre o montante das liquidações de IRS dos anos de 2013 e 2014, respectivamente, € 38.051,59 e € 14.573,57 até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito.

O recurso abrange assim, apenas a decisão quanto aos juros indemnizatórios, não abrangendo a decisão quanto à procedência do pedido de anulação as liquidações de IRS e de juros compensatórios, relativamente à qual se verificou o transito em julgado.

Antes de entrarmos na apreciação da presente alegação, cumpre referir que os recorridos alegam que o recurso deve ser rejeitado por falta de cumprimento do ónus que impende sobre o recorrente na impugnação da matéria e facto, já que não específica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo (ou do registo ou gravação nele realizada) que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.

Lidas as alegações o que se constata é que a recorrente não impugna a matéria de facto, mas sim a valoração da prova levada a cabo pelo Tribunal recorrido, como bem salienta o Procurador Geral-Adjunto, no seu parecer.

Tendo presente tal clarificação, vejamos o que a recorrente alega no recurso que nos vem dirigido.

No essencial, alega que a prova apresentada pelos recorridos «em sede de gestão de divergências» foi insuficiente. Os recorridos apresentaram atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de A. em 15/02/2014, prova que a recorrente considera insusceptível de demonstrar a sua condição de unidos de facto. Cita, em abono da sua tese, jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa de 1999 e do STA, numa situação em que estava em causa concurso de atribuição de alvará de instalação de farmácia que não tem aplicação ao caso.

Ora, no caso dos autos, tratava-se de apreciar e decidir se os recorridos reuniam os pressupostos legais para a apresentação conjunta das declarações de rendimentos, ou seja, se reuniam os requisitos previstos no Regime de Protecção das Uniões de Facto aprovado pela Lei n.º 7/2001 de 11/5, para poderem beneficiar da aplicação do regime de tributação aplicável aos casados, decorrente do artigo 14.º do Código do IRS.

Assim, impunha-se ao Tribunal apreciar a legalidade das liquidações impugnadas tendo presente aquele regime especial, como logrou efectuar, sem que a decisão tenha sido questionada quanto a tal segmento.

Ora, o Tribunal decidiu o seguinte: «convoque-se o disposto no artigo 1º da Lei nº 7/2001 e 11.05 (Lei da Proteção das Uniões de Facto):

“1. A presente lei adota medidas de proteção das uniões de facto.

2. A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”

De acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 2º-A do mesmo diploma que:

“1. Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.

2. No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles”.

E por sua vez dispunha a alínea d) do artigo 3º do mesmo diploma que, as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito à aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

Volvendo ao caso dos autos, sem embargo de ter ficado demonstrado que o Impugnante alterou o seu domicílio fiscal, para a R. E., Lote .., 2...-… A., apenas no decurso do ano de 2014, resulta ainda dos factos elencados nas alíneas A) a C), sem margem para dúvidas, que os Impugnantes vivem em união de facto, pelo menos, desde o ano de 2011, reunindo, por isso, à data dos factos tributários referentes a 2013 e 2014, os pressupostos legais para que lhes fosse aplicado o regime legal dos unidos de facto, maxime, em matéria de tributação.

Com efeito, e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.2016, proferido no processo nº 0761/15, “A vida em comum entre duas pessoas e a constituição de família, independentemente de formalização perante oficial público, encontra proteção Constitucional nos artigos 26º, nº 1 36º, nºs 1 e 4, bem como em diversos preceitos do Código Civil e legislação avulsa, e impõe-se como externação da individualidade e liberdade de cada individuo, bem como livre afirmação da personalidade de cada um.

A regulamentação da proteção da união de facto entre duas pessoas encontrou assento de forma expressa, mais, recentemente, na referida Lei nº 7/2001, de 11 de Maio.

Aí se estabeleceram dois requisitos de substância para que a mesma pudesse ser reconhecida e protegida, um positivo, a vivência diária em situação análoga à dos cônjuges há mais de 2 anos (…) e outro negativo, que não se verifique qualquer uma das concretas situações a que alude o artigo 2º (…).

Nenhum outro requisito é exigido para que a união de facto entre duas pessoas possa ser equiparada ao casamento, nomeadamente para efeitos fiscais.»

Após o enquadramento jurídico da questão, o Tribunal procedeu à apreciação da situação concreta submetida a julgamento nos seguintes termos: «Acolhendo a jurisprudência do Acórdão, supra transcrito e considerando o que emerge da factualidade dos autos, reitera-se que vivendo duas pessoas, independentemente do sexo, em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, relativamente aos factos tributários, na mesma residência habitual [cf. alíneas A), B) e C) do probatório], factos que os Impugnantes lograram provar, verifica-se que reúnem os pressupostos substanciais para que lhe seja aplicado o regime da união de facto, não obstante terem reconhecido e confessado não ter cumprido o disposto no nº 3 do artigo 19º da LGT,

Destarte, atendendo a que a AT desconsiderou a existência de união de facto entre os Impugnantes, em virtude do Impugnante J. N. não ter atualizado o seu domicílio fiscal em data anterior a 2014 e, portanto, presumiu que não reuniam os requisitos para poder beneficiar do regime previstos no artigo 14º do Código do IRS, infere-se que a fundamentação da decisão administrativa assenta na inexistência de requisitos formais, i.e., no incumprimento das obrigações previstas no artigo 19º da LGT e do referido preceito ínsito no artigo 14º, nº 2 do Código do IRS.

Ora, como no caso dos autos, ficou demonstrado que os Impugnantes já viviam, em condições análogas às dos cônjuges, há pelo menos dois anos, em relação ao momento de verificação dos factos tributários, merece-nos censura a decisão da AT, na tributação operada.»

Com tal fundamentação concluiu o Tribunal recorrido que «as liquidações de IRS, dos anos de 2013 e 2014 enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e, por via disso, devem ser anuladas, e substituídas por outras, em que se considere a situação de união de facto e o regime de tributação das pessoas casadas e não separadas judicialmente de pessoas e bens, como se decidirá a final, procedendo in totum, a presente impugnação.»

Ora, tendo presente que os recorridos/impugnantes apresentaram junto da AT atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia da residência bem como declaração sob compromisso de honra (cf. pontos G), K) e M)), conforme se dispõe no nº 2 do artigo 2º-A, da Lei 7/2001 e ainda assim, a AT considerou que não estavam reunidas as condições para a entrega de declaração como unidos de facto, nos termos do artigo 14.º do CIRS, no fundo, não aceitou que a prova da residência pudesse ser efectuada pelos meios de prova que lhe foram apresentados e nessa medida é-lhe imputado o erro nos pressupostos de facto e de direito que determinaram a anulação das liquidações.

O que resulta do recurso é que a recorrente continua a afirmar mais um pressuposto de atribuição do regime em causa. Como se salienta no Acórdão citado na sentença recorrida, para a recorrente «a identidade de domicílio fiscal é mais um requisito de substância para que os recorrentes/impugnantes possam beneficiar do regime constante da al. d) do artigo 3º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.

Desde já se poderá afirmar com segurança que tal interpretação dos preceitos legais colide frontalmente com os princípios que presidem ao reconhecimento das uniões de facto e à sua equiparação às uniões formais, ao casamento.»

Assim sendo, como julgamos que é, resta-nos concluir, como o Tribunal recorrido reafirmando que «considerando a incorrecta interpretação do regime jurídico aplicável, levado a cabo pela Administração Tributária, torna-se evidente que houve erro imputável aos serviços» já que no momento em que foram emitidas as liquidações impugnadas, os impugnantes haviam demonstrado a sua condição de unidos de facto, mediante a apresentação dos meios de prova previstos no regime aplicável, requisito subjacente às declarações de rendimento que apresentaram e que a AT não aceitou. Tal actuação afectou assim a legalidade dos actos impugnados, por erro nos pressupostos de facto e de direito que lhe é imputável, estando assim verificados os requisitos de que dependia a condenação a recorrida no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do efectivo pagamento conforme se decidiu na sentença recorrida, nos seus precisos termos, julgamento que não merece, de todo a censura que lhe vem dirigida, impondo-se a sua confirmação.


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IV – CONCLUSÕES


I – A exigência da identidade de domicílio fiscal entre os unidos de facto como pressuposto de atribuição do respectivo regime fiscal constitui a criação de um novo pressuposto ilegal por não decorrer da lei;

II - A não aceitação de outros meios de prova da residência apresentados determina, nessa medida que é à AT que é imputado o erro nos pressupostos de facto e de direito que determinaram a anulação das liquidações.



V – DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.


Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 13 de Julho de 2023.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta