Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 45/23.2BCLSB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 11/21/2024 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | ARBITRAL COMPETÊNCIA LIQUIDAÇÃO INOVADORA ATO DE EXECUÇÃO RELAÇÃO CONTROVERTIDA |
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Sumário: | I. No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais, no conceito de pronúncia indevida incluem-se as situações de incompetência material dos tribunais arbitrais.
II. Havendo um julgado anulatório, cabe à AT executar voluntariamente tal decisão, não sendo considerado autonomamente impugnável um ato tributário que se situe dentro dos limites desse julgado. III. Se e na medida em que um ato tributário extravase os limites do julgado anulatório, já perde essa natureza de mero ato de execução. IV. Se a relação controvertida, tal como configurada pela ora Impugnante, se centra na emissão de uma liquidação inovadora, configuração essa que vai além de qualquer questão de execução de decisão arbitral, os tribunais arbitrais são competentes para a apreciação do pleito. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão
I. RELATÓRIO S………….. - Companhia …………….., SA (doravante Impugnante) veio impugnar a decisão arbitral proferida a 09.02.2023, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º ……./2022-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT). Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “A) Por via da presente impugnação pretende a ora Impugnante reagir contra a decisão arbitral proferida em 9 de Fevereiro de 2023 pelo Tribunal Arbitral Colectivo, no processo arbitral n.º ………/2022-T; B) O Tribunal Arbitral julgou procedente a excepção, levantada pela Administração Tributária, de incompetência material para a análise e pronúncia sobre a liquidação de IRC de 2009 notificada à Impugnante. C) De acordo com a interpretação propugnada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 177/2016 de 29 de Março de 2016, o conceito de “pronúncia indevida” constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, como fundamento de impugnação de decisão arbitral, contempla a sindicância de questões relativas à (in)competência do tribunal arbitral, pelo que a decisão arbitral proferida no processo n.º …./2022-T pode ser objecto de impugnação para o Tribunal Central Administrativo com base no vício de pronúncia indevida, conforme leitura conjunta do disposto alínea c) do n.º 1 do artigo 28° do RJAT e acórdão n.º 177/2016 do Tribunal Constitucional de 29 de Março de 2016. D) O Tribunal Arbitral considerou-se incompetente para conhecer do pedido arbitral, por entender que a liquidação em causa consubstanciaria a “materialização da decisão arbitral proferida no Processo n.º 933/2019-T, não se vislumbrando, por este motivo, suporte legal que permita ao tribunal arbitral a respetiva pronúncia”. E) Ora, ao contrário do que se afigura implícito, uma qualquer ligação a uma decisão judicial ou arbitral anterior de um acto de liquidação de imposto não basta para que se conclua que o mesmo consubstancia um acto de liquidação correctivo, não lesivo e insusceptível de impugnação autónoma. F) No presente caso, o acto contestado não consubstancia (pelo menos em parte) uma simples anulação parcial de acto anterior que tenha sido considerado ilegal. G) Com efeito, no processo n.º 933/2019-T foi considerado ilegal o indeferimento da reclamação graciosa que manteve inalterado o acto de autoliquidação de IRC de 2009 (cf. certidão desta decisão emitida pelo CAAD e junta como doc. n.º 3 em anexo ao PPA). H) Em concreto, com base em jurisprudência anterior, concluiu o Tribunal Arbitral que a legislação fiscal que exclui, de uma maneira geral, a possibilidade de evitar ou de atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, quando os referidos dividendos são distribuídos por sociedades estabelecidas em países terceiros, envolve uma restrição à livre circulação de capitais que não pode ser justificada por motivos relativos à necessidade de prevenir a fraude e a evasão fiscal. I) O que conduziu o Tribunal à conclusão de que os dividendos pagos pelas subsidiárias da Impugnante em 2009, sedeadas na Tunísia e no Líbano, deviam poder beneficiar do regime de eliminação de dupla tributação económica, à data previsto no artigo 46.º do Código do IRC, desde que verificadas as respectivas condições. J) É deste modo, por ter decidido em sentido contrário e ser, por isso, ilegal, que o Tribunal Arbitral julga que a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa deve ser anulada, determinando que o processo seja devolvido à Administração Tributária e que esta, assente a aplicação do regime do artigo 46.º do Código do IRC, se pronuncie sobre a verificação, ou não, dos respectivos pressupostos. K) Sobre a necessidade, ou sequer a possibilidade, de correcção ao crédito por dupla tributação jurídica considerado e deduzido pela Impugnante em 2009, nem uma palavra. L) Pois bem: na liquidação de IRC de 2009 sub judice, para além de considerar aplicação do aludido regime de eliminação da dupla tributação económica quanto aos dividendos pagos pelas subsidiárias da Impugnante sedeadas na Tunísia e no Líbano, a Administração Tributária reduz, em € 1.168.023,00, o crédito por dupla tributação jurídica fixado pela Impugnante para 2009. M) Valor que, deste modo, a Administração Tributária deixou de reembolsar à Impugnante. N) É com essa redução que a Impugnante não se conforma e é a mesma, concretizada através do acto de liquidação de IRC de 2009 em apreço, que a Impugnante contesta, considerando que tal redução foi materializada muito depois de expirado o prazo legal disponível para o efeito. O) O acto de liquidação em causa é, pois, um acto inovador e lesivo que concretizou, pela primeira vez, correcção à dedução à colecta, por dupla tributação jurídica internacional, efectuada pela Impugnante aquando da autoliquidação de IRC 2009, negando-a em montante de € 1.168.023,00 P) Dito isto, avancemos sem rodeios: não obstante a invocação da execução de decisão arbitral, tal não afasta a impugnabilidade da liquidação de imposto subjacente a este pedido, na medida em que esta não configura uma mera liquidação correctiva, favorável ao interessado, mas sim um acto inovador e lesivo. Q) Sem embargo, dúvidas não podem subsistir no que respeita à competência material deste Tribunal Arbitral para o conhecimento do pedido, desde logo considerando que à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a actos de liquidação que a Administração Tributários considera terem sido emitidos em execução de julgado. R) In casu, procedendo-se à impugnação de uma liquidação de IRC, que é um tributo administrado pela Administração Tributária e que notoriamente se insere nas competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais, nenhum impedimento se vislumbra à sua apreciação por este Tribunal Arbitral. S) Como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência arbitral, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do que ensina a doutrina versada sobre esta matéria, ao interessado na anulação de um acto administrativo relacionado com a execução de julgado é possível proceder à sua impugnação autónoma quando lhe pretenda imputar vícios próprios que não resultem apenas de desconformidade com o julgado exequendo ou insuficiência dos actos praticados em execução (cf., decisão arbitral de 21 de Junho de 2019 proferida no processo n.º 130/2019-T, decisão arbitral emitida no processo n.º 494/2016-T em 7 de Fevereiro de 2017, decisão arbitral emitida no processo n.º 150/2018-T de 6 de Novembro de 2018, decisão arbitral emitida no processo n.º 227/2021-T de 25 de Fevereiro de 2022 e decisão arbitral emitida no processo n.º 810/2021-T de 30 de Julho de 2022). T) Na verdade, como se reconhece naquelas decisões arbitrais, a jurisprudência e doutrina dominantes são até no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo acto e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma. U) A Impugnante invoca vícios próprios da liquidação de IRC contestada, desde logo que o mesmo foi emitido para lá do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT. V) A apreciação de tais vícios próprios não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação. W) Meio autónomo que é, nos tribunais tributários, o processo de impugnação judicial a que corresponde, no âmbito do processo arbitral, o pedido de pronúncia arbitral. X) Tudo visto, o processo arbitral é meio adequado à impugnação da liquidação cuja declaração de ilegalidade se suscitou e o Tribunal Arbitral competente ao seu conhecimento. Y) Por todo o exposto, deverá a excepção de incompetência do tribunal arbitral ser julgada improcedente e como tal declarada nula a decisão arbitral aqui impugnada por “pronuncia indevida” com todas as consequências legais, nomeadamente a baixa do processo ao CAAD para que conheça do mérito do pedido arbitral. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Ex. as doutamente suprirão, requer-se a esse douto tribunal central administrativo sul que, julgando procedente a presente impugnação de decisão arbitral, declare nula a decisão arbitral proferida no processo de arbitragem tributária n.º 539/2022-t, por pronúncia indevida, com as demais consequências legais. Sendo o valor da acção superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja a impugnante dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do regulamento das custas processuais”. Foi ordenada a notificação de Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada ou AT) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, nas quais foram formuladas as seguintes conclusões: “A. vem a Impugnante interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), imputando à decisão, o vício de: ii. Pronúncia indevida em conformidade com a alínea c) do art.º 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT). B. Com efeito, salvo o devido respeito, não se entrevê qualquer vício que possa ser assacado à decisão arbitral. C. Conforme demonstraremos, os argumentos da Impugnante escoram-se num claro entendimento falacioso e faccioso. D. Insurge-se a Impugnante referindo que, contudo a AT efectuou também uma correcção desfavorável, reduzindo em 1.168.023,00 €, o crédito por dupla tributação jurídica considerado pela Impugnante para 2009, questão que não foi objeto do referido processo. E. A Impugnante, oblitera in totum o funcionamento do próprio IRC. F. Ora, bem sabe a Impugnante que estão em causa os mesmos rendimentos auferidos das suas subsidiárias sediadas na Tunísia e no Líbano, em face do que ao beneficiar do mecanismo da eliminação da Dupla Tributação dos Lucros Distribuídos não pode beneficiar do mecanismo do crédito de imposto por Dupla Tributação Internacional, G. Como adiante veremos uma vez aplicada a eliminação a dupla tributação económica prevista no artigo 46º do CIRC (actual artigo 51º do CIRC) aos dividendos distribuídos, deixa de ter aplicação a estes rendimentos o disposto no artigo 85º do CIRC (actual artigo 91º do CIRC), quanto à consideração do imposto suportado nos países em causa – Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional H. No fundo e sintetizando, o equivocado ideário argumentativo da Impugnante queda-se por considerar que a liquidação sindicada nos autos arbitrais não é uma liquidação correctiva. I. No seguimento da decisão proferida no citado processo arbitral n.º 933/2019 – T CAAD, foi reconhecido o direito da ora Impugnante usufruir do mecanismo da Dupla Tributação Económica quanto aos dividendos auferidos das suas subsidiárias sedeadas na Tunísia e no Líbano, ressalvando a decisão que, o Tribunal não se encontrava na posse de elementos que permitissem verificar que se encontravam reunidos os requisitos exigíveis para tal, decidindo assim pelo retorno do processo à AT para o efeito. J. Para concretização da decisão, a Unidade dos Grandes Contribuintes reabriu o processo de reclamação graciosa cuja decisão de indeferimento foi contestada, e notificou a Impugnante para juntar aos autos: iii. Elementos documentais, traduzidos nos termos legais, caso estejam em língua estrangeira, que permitam identificar o período de tributação em que os lucros distribuídos em 2009 foram obtidos pelas sociedades “Société des Ciments de Gabés” e “Ciments de Sibiline, S.A.L.”, e iv. Elementos documentais devidamente traduzidos que comprovem a sujeição dessas sociedades a imposto sobre o rendimento (tributação efectiva), como, por exemplo, declaração de rendimentos dessas sociedades acompanhadas do comprovativo de pagamento de imposto. K. uma vez aplicada a eliminação a dupla tributação económica prevista no artigo 46º do CIRC (actual artigo 51º do CIRC) aos dividendos distribuídos, deixa de ter aplicação a estes rendimentos o disposto no artigo 85º do CIRC (actual artigo 91ºdo CIRC), quanto à consideração do imposto suportado nos países em causa – Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional. L. Determina o nº 1 do artigo 85º do CIRC (actual artigo 91º do CIRC), redacção aplicável, que há dedução à colecta unicamente quando os rendimentos obtidos no estrangeiro tenham sido incluídos na matéria colectável. M. A afirmação da Impugnante de que a AT efectuou uma correção desfavorável, reduzindo em 1.168.023,00 € o imposto calculado a final, referente ao crédito por dupla tributação jurídica, considerado pela Impugnante para 2009, extravasa a execução da decisão proferida no processo arbitral nº 933/2019 – T CAAD é totalmente desprovida de fundamento. N. O ato de liquidação em causa resume-se à concretização da decisão proferida no CAAD 933/2019-T, que decidiu pela aplicação do regime da Dupla Tributação Económica previsto no artigo 46º do CIRC aos dividendos recebidos pela Impugnante de subsidiárias residentes na Tunísia e no Líbano, desde que se verificados os requisitos enumerados na referida norma. O. Ora, no caso que nos ocupa, a Unidade dos Grandes Contribuintes, entidade com competência para executar a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral concluiu, após a análise dos documentos remetidos pela Impugnante, que se encontravam reunidos os requisitos para a Impugnante usufruir da dedução à coleta prevista no artigo 46º do CIRC, ou seja, a aplicação do Crédito por Dupla Tributação Económica, o que arrasta consigo o afastamento do Crédito por Dupla Tributação Internacional previsto no artigo 85º de que os mesmos rendimentos usufruíram. P. E, dúvidas não subsistem de que estão em causa os mesmos rendimentos, conforme resulta das alíneas d) e h) do capítulo “III.1.1 - Factos Provados”, a fls. 5 da decisão arbitral proferida no processo 933/2019-T e no quadro 04 do anexo F da Declaração Anual. Q. Posto isto é manifesto que o acórdão arbitral não padece de nenhum vício devendo, por conseguinte, manter-se incólume na ordem jurídica Termos em que, por tudo o supra exposto e sempre com o douto suprimento de V. Exas. deve a) deve a presente Impugnação ser julgada improcedente, por ser deduzida em abuso de direito e por não provada, e, consequentemente, ser mantida a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA. b) Mais se requer que, atendendo a que o valor da acção é superior a € 275.000,00, seja a Ré dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento de Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa”. O Ilustre Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA. Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.
É a seguinte a questão a decidir: a) A decisão impugnada padece de nulidade, em virtude de o tribunal arbitral ser competente para a apreciação do pleito?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos: 1) A 13.09.2022, a ora Impugnante apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral, do qual consta designadamente o seguinte: “9. Tal como aflorado acima, neste pedido é posto em causa acto de liquidação de IRC de 2009 do qual a Requerente discorda em parte por, nessa mesma parte, este se mostrar manifestamente ilegal. Vejamos. 10. A AT sustenta que esta liquidação decorre da suposta execução de “decisão proferida no processo de Decisão Arbitral com o n.º ……………….034 ”, número este que não corresponde a qualquer número de processo arbitral que seja conhecido pela Requerente. 11. Na verdade, é por dedução, ou exclusão de partes, que a Requerente relaciona a liquidação em crise com o processo arbitral n.º 933 /2019-T. 12. Ora, naquele processo foi considerado ilegal o indeferimento da reclamação graciosa que manteve inalterado o acto de autoliquidação de IRC de 2009 — cf. certidão desta decisão emitida pelo CAAD que se junta como doc. n.° 3 em anexo. 13. Sendo que, conforme definiu o próprio tribunal: “A questão de direito de que cumpre conhecer resume-se, essencialmente, à conformidade do regime de eliminação da dupla tributação económica - no que respeita à impossibilidade de dedução pela Requerente dos dividendos auferidos das suas subsidiárias sedeadas na Tunísia e no Líbano -, com o Direito da União Europeia, designadamente com a jurisprudência do TJUE" — cf. doc. n.° 3 em anexo. 14. E sobre esta questão, concluiu o Tribunal Arbitral, com base em jurisprudência anterior, que a legislação fiscal em causa exclui, de uma maneira geral, a possibilidade de evitar ou de atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, quando os referidos dividendos são distribuídos por sociedades estabelecidas em países terceiros, envolve uma restrição à livre circulação de capitais que não pode ser justificada por motivos relativos à necessidade de prevenir a fraude e a evasão fiscal. 15. O que conduziu o Tribunal à conclusão de que os dividendos pagos pelas subsidiárias da Requerente em 2009, sedeadas na Tunísia e no Líbano, deviam poder beneficiar do regime de eliminação de dupla tributação económica, à data previsto no artigo 46.° do Código do IRC, desde que verificadas as respectivas condições. 16. É deste modo, por ter decidido em sentido contrário e ser, por isso, ilegal, que o Tribunal Arbitral julga que a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa deve ser anulada, determinando que o processo seja devolvido a AT e que esta, assente a aplicação do regime do artigo 46.° do Código do IRC, se pronuncie sobre a verificação, ou não, dos respectivos pressupostos. 17. Sobre a necessidade, ou sequer a possibilidade, de correcção ao crédito por dupla tributação jurídica considerado e deduzido pela Requerente em 2009, nem uma palavra. 18. Pois bem: na liquidação de IRC de 2009 sub judice, para além de considerar a aplicação do aludido regime de eliminação da dupla tributação económica quanto aos dividendos pagos pelas subsidiárias da Requerente sedeadas na Tunísia e no Líbano, a AT reduz, em € 1.168.023,00, o crédito por dupla tributação jurídica fixado pela Requerente para 2009. 19. Valor que, deste modo, a AT deixou de reembolsar à Requerente. 20. É com essa redução que a Requerente não se conforma e é a mesma, concretizada através do acto de liquidação de IRC de 2009 em apreço, que a Requerente contesta, considerando que tal redução foi materializada muito para além do prazo legal disponível para o efeito, como melhor se analisará infra. 21. Dito isto, avancemos sem rodeios: não obstante a invocação da execução de decisão arbitral, tal não afasta a impugnabilidade da liquidação de imposto subjacente a este pedido, na medida em que esta não configura uma mera liquidação correctiva, favorável ao interessado, mas sim um acto inovador e lesivo. 22. Como resulta da jurisprudência consolidada dos nossos tribunais superiores, as liquidações correctivas são actos de apuramento de imposto subsequentes a liquidações adicionais resultantes de reclamações graciosas dos contribuintes parcialmente atendidas e em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, não sendo lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido — cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (adiante “TCA” Sul] de 25 de Novembro de 2009, proferido no processo n.° 02981/09. 23. Por outras palavras, uma liquidação correctiva é aquela em que os serviços competentes da AT procedem à correcção de anterior acto da mesma natureza, por exemplo por efeito de deferimento parcial de reclamação graciosa ou impugnação judicial (ou por deferimento de pedido de revisão, acrescentamos nós], concretizando a respectiva revisão ou reforma do acto de liquidação anteriormente praticado e reconhecidamente ilegal, sendo essa revisão ou reforma favorável ao contribuinte — cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (adiante “STA”) de 8 de Outubro de 2014, emitido no processo n.° 114/11. 24. Ou, como mais recentemente voltou a afirmar o TCA Sul: “[a] liquidação correctiva limita-se a revogar parte de anterior liquidação, não possuindo natureza de acto substitutivo porque não cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta, tratando-se antes de um acto que se limita a expurgar uma parte do acto primitivo e que, por isso, não inovando na ordem jurídica na parte não revogada, tem natureza meramente confirmativa que não admite impugnação autónoma” — cf. acórdão do TCA Sul de 21 de Maio de 2020, proferido no processo n.° 616/08.7BESNT. 25. No presente caso, estamos face a acto de liquidação emitido com referência ao Grupo S....... e ao exercício de 2009, pelo qual a AT materializa a aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica. 26. Porém, esta não é a única correcção feita pela AT. A AT vai mais longe. 27. Conforme já aflorado, através daquele acto de liquidação, ora em apreço, a AT concretizou, pela primeira vez, correcção à dedução à colecta, por dupla tributação jurídica internacional, efectuada pela Requerente aquando da autoliquidação de IRC 2009, negando-a em montante de € 1.168.023,00. 28. Ou seja, mediante a liquidação aqui contestada a AT recusa à Requerente e ao Grupo S....... a dedução de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional no valor de € 1.168.023,00, crédito que se encontrava incluído na autoliquidação de IRC de 2009 do Grupo S....... conforme Modelo 22 de IRC1 [1 A diferença entre o valor inscrito no campo da dupla tributação jurídica internacional na declaração do Grupo S......., € 1.316.466,84, e aquele constante da demonstração da liquidação em crise como sendo o valor da liquidação anterior, € 1.257.065,94, decorre de correcções anteriormente efectuadas pela AT em procedimento de inspecção por esta iniciado e não relacionado com a questão em apreço] que se junta como doc. n.° 4 em anexo. 29. Isto mesmo decorre da simples análise da demonstração de liquidação de IRC junta como doc. n.° 1 em anexo, correspondendo aquele valor à diferença entre o crédito por dupla tributação jurídica na liquidação anterior, que era de € 1.257.065,94 e o montante de € 89.042,94 inscrito pela AT como “importância corrigida”. 30. Assim sendo, afigura-se manifesto que, mediante a liquidação em crise, a AT procede a correcção injustificada e lesiva ao cálculo imposto do Grupo S…………... 31. Nesta conformidade, mostra-se cristalino que in casu não se procede apenas à anulação parcial de acto anterior ou à expurga de parte de acto primitivo. 32. O acto de liquidação adicional de IRC em apreço “cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta”, no que respeita ao cálculo do imposto devido pelo Grupo S………… e no âmbito da determinação do valor de específica dedução à colecta. 33. O acto de liquidação sub judice constitui, pois, uma "nova liquidação, autónoma e distinta da anterior" e, desse modo, autonomamente impugnável — cf. acórdão do STA de 25 de Junho de 2015, emitido no processo n.° 01483/14. 34. Outra não poderá ser a conclusão a alcançar ao se constatar que, não fosse a correcção efectuada pela AT, esta teria de reembolsar à Requerente, para além do valor que reembolsou, o valor adicional correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional que agora recusa: justamente aquele de € 1.168.023,00. 35. É o valor de € 1.168.023,00, cuja dedução à colecta a AT elimina, que a mesma AT imputa à Requerente e impõe que esta suporte. 36. Assente a impugnabilidade e a natureza do acto de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, dúvidas não podem igualmente subsistir no que respeita à adequação do presente meio e, sob outro ângulo de visualização, à competência material deste Tribunal Arbitral para o conhecimento do pedido. II.II. O MEIO UTILIZADO E A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL 37. Comecemos pelo mais evidente: considerando o disposto no artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do RJAT e a Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a actos de liquidação que a AT considera terem sido emitidos em execução de julgado. 38. In casu, procedendo-se à impugnação de uma liquidação de IRC, que é um tributo administrado pela AT e que notoriamente se insere nas competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais, nenhum impedimento se vislumbra à sua apreciação por este Tribunal Arbitral. 39. É isto mesmo que peremptoriamente se afirma na decisão arbitral de 21 de Junho de 2019 proferida no processo n.° 130/2019-T, (…) no qual a AT defendeu a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedido de pronúncia arbitral por se estar face a execução de julgado. 40. Na sua decisão, o Tribunal Arbitral esclarece que: "O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do RJAT atribui aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos. A Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, vinculou a Administração Tributária estadual (actualmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira) 'à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida', com algumas excepções que não se verificam neste caso. No caso em apreço, está-se perante a impugnação de uma liquidação de IRC, que é um tributo administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que manifestamente se insere nas competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a actos de liquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere (com razão ou sem ela) que são emitidos em execução de julgado". 41. Por outro lado, como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência arbitral, na esteira da jurisprudência do STA e do que ensina a doutrina versada sobre esta matéria, ao interessado na anulação de um acto administrativo relacionado com a execução de julgado é possível proceder à sua impugnação autónoma quando lhe pretenda imputar vícios próprios que não resultem apenas de desconformidade com o julgado exequendo ou insuficiência dos actos praticados em execução — cf., para além da decisão arbitral já citada, a decisão arbitral emitida no processo n.° 494/2016-T em 7 de Fevereiro de 2017, a decisão arbitral emitida no processo n.° 150/2018-T de 6 de Novembro de 2018 e a decisão arbitral emitida processo n° 227/2021-T de 25 de Fevereiro de 2022. 42. Na verdade, como se reconhece naquelas decisões arbitrais, a jurisprudência e doutrina dominantes são até no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo acto e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma. 43. A Requerente pretende invocar vícios próprios da liquidação de IRC de que foi notificada e que se relacionam, desde logo: com a sua ilegalidade por ter sido emitida (em parte) muito para além do prazo de caducidade, como mais detalhadamente se alegará. 44. Ora, como refere o TCA Norte: “[o] processo executivo não se mostra idóneo ao conhecimento de vícios assacados ao acto administrativo que não radiquem ou se reconduzam ao desrespeito da decisão judicial dada à execução" — cf. acórdão do TCA Norte de 23 de Maio de 2019 emitido no processo n.° 00112/11.5BEPRT-A. 45. O mesmo é dizer que a "apreciação de tais vícios [próprios] não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação".(…) 46. Meio autónomo que é, nos tribunais tributários, o processo de impugnação judicial a que corresponde, no âmbito do processo arbitral, o pedido de pronúncia arbitral e, como tal, dúvidas não subsistem de que o processo arbitral é meio adequado à impugnação da liquidação em causa e o Tribunal Arbitral competente ao seu conhecimento. I. OS FACTOS 47. Em 17 de Junho de 2022, a Requerente recepcionou demonstração de liquidação de IRC de 2009, mediante a qual a AT procedeu ao apuramento de um novo "valor a reembolsar" à Requerente de € 5.446.017,92, tendo a demonstração de acerto de contas fixado o reembolso devido em € 1.021.527,38, — cf. doc. n.° 1 e doc. n.° 2 em anexo. 48. O exercício de 2009 do Grupo S…………..decorreu de 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Dezembro de 2009. 49. A liquidação de imposto de 2009 agora notificada à Requerente encontra-se datada de 7 de Junho de 2022 e foi, como referido, recepcionada pela Requerente em 17 de Junho de 2022 — cf. doc. n.° 1 em anexo. 50. Na notificação daquela liquidação, a AT alega que a mesma resulta da execução da decisão proferida em processo arbitral — cf. doc. n.° 1 em anexo. 51. A Requerente admite estar em causa o processo arbitrai que correu termos sob o n.° 933/2019-T. 52. Naquele processo discutiu-se a autoliquidação de IRC de 2009 do Grupo S……….., assim como o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente quanto àquele acto de autoliquidação. 53. Segundo o Tribunal Arbitral: “A questão de direito de que cumpre conhecer resume-se, essencialmente, à conformidade do regime de eliminação da dupla tributação económica - no que respeita à impossibilidade de dedução pela Requerente dos dividendos auferidos das suas subsidiárias sedeadas na Tunísia e no Líbano -, com o Direito da União Europeia, designadamente com a jurisprudência do TJUE vertida no acórdão ... já prontamente identificado" — cf. certidão emitida pelo CAAD junta como doc. n.° 3 anexo. 54. Concluindo que: “Em virtude da concordância com os argumentos expressos na decisão citada, e em virtude da proibição da prática de actos no processo inúteis e desnecessários nos termos do artigo 130.°, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAT, nos quais se incluiria a repetição daqueles argumentos, conclui-se pela ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa apresentado pela Requerente. Isto na medida em que as normas que à data dos factos previam as regras para eliminar a dupla tributação económica violavam a liberdade fundamental de circulação de capitais ao afastarem a possibilidade de aplicação de tal regime quanto aos dividendos distribuídos a sociedades residentes em território português por sociedades residentes em países terceiros. Em decorrência da jurisprudência do TJUE, deveria ser demonstrada a impossibilidade de verificação da efectiva tributação sofrida pelas subsidiárias da Requerente nos respectivos Estados de residência, algo que não se comprovou nos presentes autos" [...] "Assim sendo, e em virtude da sua ilegalidade, deverá a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa ser parcialmente anulada" — cf. certidão emitida pelo CAAD junta como doc. n.° 3 anexo. 55. No que respeita à autoliquidação de IRC de 2009, entende o Tribunal Arbitral que "compulsados os factos provados e não provados, constata-se não existir matéria suficiente para este Tribunal concluir pela verificação do cumprimento do estabelecido pela legislação nacional, relativamente ao tratamento dos lucros distribuídos por uma sociedade residente ou em Portugal ou num Estado-Membro da União Europeia, designadamente do previsto no n.° 10 do artigo 46.° do CIRC aplicável. Com efeito, dos factos dados como provados, não obstante verificar-se que terá havido pagamento de imposto pelas sociedades libanesa e tunisina, não é possível retirar se tal imposto se refere, ao lucro que foi distribuído à Requerente, sendo que tal juízo não incumbe, em primeira linha, ao Tribunal. Deste modo, não poderá proceder o pedido de reembolso formulado, e ter-se-á que concluir que em face da anulação da decisão da reclamação graciosa, deve o Tribunal determinar que o processo seja devolvido à Autoridade Tributária e que esta, assente que se aplica, in casu, o regime do supra-transcrito artigo 46.° do CIRC, se pronuncie sobre a verificação, ou não, dos respectivos pressupostos. Efectivamente, tal decorre da obrigação da AT "Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral", consagrada na al. a) do n.° 1 do art.° 24.° do RJAT, bem como do próprio efeito anulatório da presente decisão, que, retirando da ordem jurídica o acto decisório da reclamação graciosa, e os que dele dependem, faz retornar o procedimento à fase imediatamente anterior à decisão daquele pedido, assistindo à AT o dever legal de o decidir, em respeito do caso julgado que se formar, ou seja, e no caso, do entendimento de que a diferenciação, estabelecida pela legislação nacional, entre o tratamento dos lucros quando estes são distribuídos por uma sociedade não residente ou em Portugal ou num Estado- Membro da União Europeia é incompatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes, e que, portanto, se devem aplicar a estes as mesmas regras previstas para os restantes. O ora decidido não integrará o acolhimento de qualquer fundamentação a posteriori do acto de autoliquidação, na medida em que aquele, como se referiu previamente, se funda na declaração do contribuinte" — cf. certidão emitida pelo CAAD junta como doc. n.° 3 anexo. 56. Por isso, o Tribunal Arbitrai limitou-se a "julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar ilegal a decisão de indeferimento do pedido de reclamação graciosa que teve por objecto o acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício fiscal de 2009" — cf. certidão emitida pelo CAAD junta como doc. n.° 3 anexo. 57. A AT não levantou naquele processo qualquer questão relacionada com o crédito por dupla tributação jurídica apurado pela Requerente em 2009 e deduzido à colecta do Grupo S………….. nos termos legais, não tendo este sido objecto do mesmo processo e sobre essa questão não tendo, por isso, o Tribunal Arbitral emitido qualquer pronúncia — cf. certidão emitida pelo CAAD junta como doc. n.° 3 anexo. 58. A decisão do processo n.° 933/2019-T foi emitida em 15 de Junho de 2021 e notificada pelo CAAD em 23 de Junho de 2021, (…) tendo transitado em julgado em 13 de Setembro de 2021 com o fim do prazo mais alargado para a submissão de impugnação ou recurso da mesma — cf. certidão emitida pelo CAAD junta como doc. n.° 3 anexo. 59. Em 26 de Outubro de 2021, tendo em conta a referida data do trânsito em julgado e o previsto no n.° 3 do artigo 175.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (adiante "CPTA”), esgotou-se o prazo de 30 dias úteis destinado à execução espontânea da decisão arbitrai proferida no processo n.° 933/2019-T. 60. Se se considerar, à luz do n.° 1 do mesmo artigo 175.° do CPTA, ser de 90 dias úteis o prazo destinado à execução espontânea da decisão arbitral proferida no processo n.° 933/2019-T, então este prazo esgotou-se em 21 de Janeiro de 2022. 61. Em 31 de Janeiro de 2022, a Requerente foi notificada, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa inicialmente apresentado contra a autoliquidação de IRC 2009, para a junção de elementos documentais que "permitissem identificar o período de tributação em que os lucros distribuídos em 2009 foram obtidos pelas sociedades Société des Ciments de Gabés e Ciments de Sibiline, S.A.L.” — cf. notificação que se junta como doc. n.° 5 anexo. 62. A Requente respondeu àquele pedido no prazo estabelecido para o efeito, juntando os documentos solicitados e protestando alguns elementos, que efectivamente veio a remeter à AT. 63. No final de Abril de 2022,(…) a Requerente foi notificada do despacho que deferiu a reclamação graciosa em causa quanto ao montante a deduzir pela aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica, previsto no artigo 46.° do Código do IRC, com referência aos dividendos distribuídos pelas sociedades participadas e sedeadas na Tunísia e no Líbano — cf. notificação que se junta como doc. n.° 6 anexo. 64. Em 17 de Junho de 2022, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC de 2009 em apreço, tendo em 23 de Junho de 2022 recepcionado a demonstração de acerto de contas e o cheque de reembolso no valor de € 1.021.527,38 — cf. doc. n.° 1 e doc. n.° 2 anexo. 65. Naquela liquidação, a AT reflecte a referida aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica, mas procede também a correcção à dedução do crédito por dupla tributação jurídica internacional, reduzindo o dito crédito e aquela dedução no valor de € 1.168.023,00 — cf. doc. n.° 1 anexo. 66. Na autoliquidação de IRC de 2009 do Grupo S....... tinha sido considerado e deduzido crédito por dupla tributação jurídica internacional no valor de € 1.316.466,84, o qual, em resultado de correcções sustentadas em procedimento de inspecção posterior não relacionadas com a questão sub judice, foi reduzido para € 1.257.065,94, valor que consta na demonstração da liquidação de IRC de 2009 como “Importância Liq. Anterior” — cf. doc. n.° 4 e doc. n.° 1 anexo. 67. Pela liquidação de IRC de 2009 em causa a AT reduz aquele crédito de € 1.257.065,94 para € 89.042,94, pelo que se demonstra, pois, correcção ao mesmo no indicado valor de € 1.168.023,00 — cf. doc. n.° 1 anexo. 68. Na ausência daquela correcção, a AT teria procedido a um reembolso adicional à Requerente no montante de € 1.168.023,00, por este valor ser considerado no cálculo do imposto devido pelo Grupo S....... em 2009 — cf. doc. n.° 1 anexo. IV. O DIREITO: A CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO 69. Digamo-lo, desde já, e sem tibiezas: a AT procedeu à liquidação de imposto em crise, pela materialização de correcção ao crédito por dupla tributação jurídica internacional, em 2022, quando o direito à liquidação de IRC quanto ao exercício de 2009 já se encontrava caducado, sendo tal liquidação manifestamente ilegal nessa parte. (…) 75. Deste modo, tendo a liquidação adicional de IRC em apreço sido emitida em 7 de Junho de 2022 e notificada à Requerente apenas em 17 de Junho de 2022, esta mostra-se, na parte desfavorável à Requerente, ilegal por ter sido emitida para lá do prazo de caducidade que a AT dispunha para o efeito. 76. O que acima se concluiu não é posto em causa pela alegação, feita pela AT, de que o acto de liquidação em causa foi emitido em execução de decisão proferida em processo arbitral. 77. Quer seja na medida em que ficou acima assente que a liquidação de IRC em apreço não é uma simples liquidação correctiva. Não decorrendo da decisão arbitrai emitida no processo n.° 933/2019-T uma qualquer pronúncia sobre a (i)legalidade de crédito por dupla tributação jurídica internacional, considerado pela Requerente aquando da autoliquidação de IRC 2009, ou sobre a necessidade de o corrigir. 78. Quer seja por se ter de entender que, mesmo considerando o acto de liquidação em crise como acto emitido com vista à execução da decisão arbitral do processo n.° 933/2019-T, na parte em que aquele é desfavorável à Requerente e implica a cobrança acrescida de imposto, mediante, in casu, reembolso inferior ao devido pela redução de dedução à colecta, este apenas poderia, eventualmente, ter sido emitido até ao termo do prazo de execução espontânea, prazo esse que foi largamente ultrapassado. (…) 83. Pois bem: em 7 de Junho de 2022 já há muito tinha expirado o prazo de execução espontânea da decisão do processo n.° 933/2019-T, não sendo possível à AT a emissão de quaisquer novos actos lesivos com base naquela. 84. E, a essa luz, tem de se concluir que a liquidação em crise, na parte em que reflecte correcção à dedução de crédito por dupla tributação jurídica de 2009, no valor de € 1.168.023,00, foi emitida muito para além do relevante prazo de caducidade. 85. Em concreto, como vimos nos Factos, o prazo máximo de execução espontânea da decisão do processo n.° 933/2019-T terminou em 21 de Janeiro de 2022 — cf. o artigo 175.°, n.° 1, do CPTA —, data em que a AT não tinha ainda emitido o acto em causa. 86. Tudo visto, face ao exposto, impõe-se concluir que a liquidação de IRC em crise é parcialmente ilegal por violação de lei, designadamente do disposto no artigo 45.° da LGT, pelo que deverá a mesma ser declarada parcialmente ilegal e anulada com todos os necessários efeitos. 87. Anulada a liquidação contestada na parte respeitante à concretização de correcção, para menos, da dedução do crédito por dupla tributação jurídica internacional, deve à Requerente ser reembolsado o valor de € 1.168.023,00, correspondente àquela dedução e que lhe foi ilegalmente negada. 88. Sendo que, sobre aquele valor, terão de incidir juros indemnizatórios à luz do disposto no n.° 1 do artigo 43.° da LGT. V. O PEDIDO Termos em que se requer a v. Exa. Se digne admitir o presente pedido de constituição e de pronúncia arbitrais, nos termos e para os efeitos do decreto-lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro, seguindo-se a tramitação prevista nos artigos 17.° e seguintes e aplicando-se os efeitos mencionados no artigo 13.° do referido diploma, tudo com as devidas consequências legais, concluindo-se, a final, pela declaração de ilegalidade e anulação do acto de liquidação de irc em crise respeitante ao exercício de 2009, na parte desfavorável à requerente, em que materializa correcção, para menos, à dedução de crédito por dupla tributação jurídica internacional, pela verificação do vício invocado acima, tudo com os demais efeitos legais, nomeadamente procedendo-se ao reembolso do montante de € 1.168.023,00, acrescido de juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.° da LGT…”. (cfr. fls. 1 a 81 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 2) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.º ……../2022-T (cfr. fls. 96 da certidão do processo arbitral). 3) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida decisão arbitral, a 09.02.2023, da qual consta designadamente o seguinte: “III. FUNDAMENTAÇAO III. 1. Matéria de facto G. Factos provados Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos por estas ao presente Processo: a) A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC de 2009, mediante a qual a AT procedeu ao apuramento do valor a reembolsar à Requerente de € 5.446.017,92, tendo a demonstração de acerto de contas fixado o reembolso devido em € 1.021.527,38 (cf. cheque emitido pelo Tesouro - IGCP). « Texto no original» b) A AT fundamenta a liquidação efetuada com referência à execução da decisão proferida num processo de decisão arbitral com correspondência desconhecida. « Texto no original»
c) As Partes reportam a liquidação em crise à decisão proferida no processo arbitral n.° 933/2019-T, que mandou reabrir o processo de reclamação graciosa n° ………………….031 e apreciar a autoliquidação de 2009 contestada pela Requerente. d) Na decisão proferida no processo arbitral acima identificado (Processo n.° 933/2019-T), o Tribunal julgou procedente o pedido formulado pela Requerente, remetendo a execução de julgados a quantificação do montante de reembolso e de juros indemnizatórios.
(…) A) Questão prévia - Da Exceção invocada pela Requerida: Erro na forma de processo e da Incompetência Material do CAAD (para a apreciação de questões respeitantes à execução de julgados) Conclui a Requerida pela incompetência material do Tribunal o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da entidade requerida da instância, de acordo com o previsto nos artigos 576.°, n.° 2, 577.°, alínea a) do CPC e da alínea a) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA, ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e) do RJAT. Para efeitos da respetiva análise, importa saber se, em face do enquadramento factual e normativo em questão, a liquidação controvertida configura uma verdadeira liquidação adicional ou uma liquidação corretiva, efetuada em cumprimento do dever de execução da decisão arbitral no Processo n.° 933/2019-T. A matéria jurídica em questão foi já objeto de análise em várias decisões do CAAD, as quais naturalmente beneficiam o presente pedido de pronúncia pela exposição técnica aportada. Perante o enquadramento efetuado, remete-se em primeira instância para o instituto do caso julgado, o qual impõe a produção de efeitos da decisão já transitada em julgado, em concretização do princípio da tutela jurisdicional efetiva constante do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP). A decisão judicial proferida passa assim a assumir o carácter de título executivo, devendo ser asseguradas as ações ou meios principais adequados para assegurar a utilidade e efetividade das decisões jurisdicionais proferidas, garantido que as mesmas beneficiam de uma efetiva aplicação pelos seus destinatários. Desta forma, permite ao interessado a favor do qual foi proferida decisão interpelar judicialmente a parte contrária para o cumprimento desta. Vejamos. No seguimento do que se refere na Decisão prolatada no Processo n.° 735/2021-T deste Tribunal salienta-se que: “Como é sabido, e para efeito de execução de decisões, temos a considerar uma primeira fase em que a Administração Tributária se encontra sujeita à obrigação espontânea de executar a decisão jurisdicional proferida, sem necessidade de intervenção do interessado ou do seu recurso às vias judiciais, e frustrada a execução voluntária, o interessado dá início a uma segunda fase através do recurso às vias judiciais com a apresentação de requerimento de execução junto do tribunal competente. Tem-se revelado pacífico que o referido mecanismo se estende para lá das decisões judiciais, abrangendo as decisões proferidas em sede arbitral. ” [nosso sublinhado] Acrescenta que, “Transitada em julgado, e reunindo a estabilidade suficiente para ser executada pela(s) entidade(s) competente(s), a Administração Tributária encontra-se obrigada a cumprir com o conteúdo da sentença proferida no tribunal arbitral, sendo que esgotado o prazo para a execução espontânea, o interessado pode requerer aos tribunais tributários a execução da decisão arbitral através da instauração do processo de execução de julgados. [nosso sublinhado] É com a alteração legislativa ao artigo 146.°, do CPPT, introduzida pela Lei n.° 118/2019, de 17 de setembro, que o legislador tributário veio definir expressamente o trânsito em julgado como sendo o momento a partir do qual surge a obrigação de executar as decisões jurisdicionais. Nos termos do n.° 1 do artigo 170.°, do CPTA, este prazo será de 30 dias, nos casos em que a execução de julgado se limite ao dever de pagar uma quantia certa (...), sendo de 90 dias, de acordo com o previsto no n.° 1 do artigo 162.°, do CPTA, sempre que a execução de julgado implique a prática de factos ou entrega de coisas. Ora, no caso em apreço, estando em causa a execução de um julgado anulatório, dispõe o artigo 175.°, n.° 1 do CPTA, que “Salvo ocorrência de causa legítima de inexecução, o dever de executar deve ser integralmente cumprido, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias.” Deste modo, após o transito em julgado da decisão fica a Administração Tributária constituída no dever de executar a decisão jurisdicional, o que se traduz na prática de atos jurídicos e operações materiais que deverão concretizar a decisão jurisdicional em causa. A respeito do quadro normativo aplicável, refere-se que, “(...) o Capítulo IV [do CPTA] apresenta uma estrutura dicotómica, dividindo-se em duas partes: regula, naturalmente, o processo de execução de sentenças de anulação; mas, a preceder essa regulação, que sô tem início no artigo 176.°, abre com a disciplina de dever de a Administração executar as sentenças de anulação, que consta dos artigos 173.° a 175.1 [1 Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Côdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5a edição, 2021, pp. 1336, 1337]". A referida relação de precedência não prejudica, no entanto, o carater de autonomia do regime constante do artigo 173.°, entendendo Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha que, “(...) é a este artigo 173.° que o juiz terá de ir buscar os fundamentos 2 [2 Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., pp. 1338, 1339] do regime substantivo aplicável, dado ser aqui que se encontram reunidos os preceitos, de aplicabilidade geral, pelos quais a Administração se deve pautar sempre que lhe cumpra extrair consequências da anulação os seus atos administrativos.” Nos termos do artigo 100.° da LGT e do artigo 173.°, n.° 1 do CPTA, no que se refere concretamente à anulação de um ato tributário ou um ato administrativo em matéria tributária, a AT fica obrigada à reconstituição da situação em que hipoteticamente o interessado se encontraria se o ato ilegal não tivesse sido praticado. Prevê o artigo 100.° da LGT (“Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo”) que “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” Deste modo, “A administração está assim obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objeto de um ato lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. Trata-se, aliás, de uma simples explicitação do princípio geral de direito de que devem ser apagados todos os efeitos jurídico-práticos consequentes do acto ilícito, reconstituindo-se a situação que existiria se ela não houver ocorrido, princípio esse que informa igualmente o comando do art. 562.° do C. Civil. O sentido deste princípio encontra-se actualmente assumido expressamente no art.° 173.°do CPTA” 3 [3 Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4a edição, 2012, pág. 868,869.]. Atendendo à natureza da argumentação suscitada pela Requerida, entende este Tribunal, na senda do entendimento exposto na Decisão prolatada no Processo n° 942/2019-T, que: “É um dado inultrapassável que a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT. Acompanhando aqui a AT, temos que a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT. Estabelece aquela norma que: «1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.» (sublinhados nossos). Por força da remissão do n.° 1 do artigo 4.° do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.° 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Acompanhando aqui também a referência da AT ao autor abaixo referido “A competência dos Tribunais Arbitrais compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade: a) De atos de liquidação de tributos cuja administração seja cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) [...]; b) De atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131.° a 133.° do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [...]; c) De atos de fixação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo [...]; d) De atos de determinação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos [...]; e) De atos de fixação de valores patrimoniais, para efeitos de imposto, cuja administração seja cometida à AT[...]; f) De atos de liquidação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre exportação de mercadorias [...]; g) As pretensões relativas a imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum (PAC) ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas [...]; h) De atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), imposto especiais sobre o consumo (IEC's) e outros impostos indiretos sobre mercadorias que não sejam sujeitas a direitos de importação [...]» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 105-108). Há que concluir que, não se inserem no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, as questões relacionadas com a execução de julgados, carecendo o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foram concretizadas as decisões judiciais referentes ao exercício de 1997. Ora, a liquidação de IRC respeitante a 2009 em crise nos termos do presente procedimento arbitral (demonstração de liquidação e correspondente demonstração de acerto de contas aqui identificadas), decorre da concretização da decisão arbitral proferida no Processo n.° 933/2019- T, na sequência da devolução à AT para que esta assente a aplicação do regime do artigo 46.° do Código do IRC (atual artigo 51.° do mesmo Código), pronunciando-se sobre a verificação (ou não) dos respetivos pressupostos impostos pelo respetivo regime. Neste sentido, “O dever de execução da sentença que se configura como um dever de reconstituição da situação que existiria não fosse a prática do ato anulado, na verdade, impõe à Administração um verdadeiro dever de reexame da situação que lhe é colocada, devendo, em consequência fazer subsumir as circunstâncias que se apuram ao dispositivo da sentença proferida, tudo no quadro da legislação aplicável, e daí identificar os atos (materiais e jurídicos) necessários à reposição da legalidade conforme resulta da configuração dada pela sentença (daqui resultando os efeitos “ultra-constitutivos ” da sentença). Estes últimos, “(...) reportados ao dever da Administração de modelar a sua própria atividade de acordo com a sentença de anulação.”4[4 Carlos José Batalhão (Coordenação), Ana Filipa Urbano, Carlos José Batalhão, José Pinto de Almeida, Ricardo Maia Magalhães, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotações Práticas, Almedina, 2a edição, 2021, pp. 445]. Nestes termos, “[o]s deveres ultra-constitutivos são reportados no n.° 1 [do artigo 173.° do CPTA] a um eventual dever de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”. Reconhecendo-se o limite imposto pelo artigo 173.°, n.° 2 do CPTA “(...) a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação; a sua determinação depende de uma análise aos termos de execução do caso julgado, relevando um caráter intrinsecamente conexo entre as decisões em causa. Da análise efetuada aos factos apresentados, é convicção deste Tribunal que estamos perante a materialização da decisão arbitral proferida no Processo n.° 933/2019-T, não se vislumbrando, por este motivo, suporte legal que permita ao tribunal arbitral a respetiva pronúncia. A incompetência material do Tribunal consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da instância da entidade requerida, de acordo com o previsto nos artigos 576.°, n.° 2, 577.°, alínea a) do CPC e do artigo 89.°, n.° 4, alínea a) do CPTA, ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e) do RJAT…” (cfr. fls. 781 a 802 da certidão do processo arbitral). * Não existem quaisquer outros factos, provados ou não provados, pertinentes para a apreciação da presente impugnação.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Da nulidade por pronúncia indevida Considera a Impugnante verificar-se uma situação de nulidade da decisão arbitral por pronúncia indevida, em virtude de, na sua perspetiva, o tribunal arbitral ser competente para a apreciação do pedido de pronúncia arbitral. A Impugnada, em sede de contra-alegações, considerou não se verificar tal nulidade. Vejamos. Nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma. Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em: “a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”. Atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT]. In casu, como já referido, está em causa a pronúncia indevida por parte do tribunal arbitral. Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há excesso de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja pronúncia sobre questões de que o juiz não deva conhecer [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC]. No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais o conceito de pronúncia indevida é mais amplo do que o de excesso de pronúncia, nele se incluindo, por exemplo, as situações em que é suscitada a incompetência material dos tribunais arbitrais. A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29.03.2016, no qual foi julgada inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de “pronúncia indevida” não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na (in)competência material do tribunal arbitral. Sublinhou-se neste aresto que: “É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco. (…) Julga-se acertado considerar que a interpretação normativa contestada pelo recorrente, tornando judicialmente irrefutável uma decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência, constitui limitação injustificada da reapreciação da decisão arbitral”. Como tal, as decisões em torno da (in)competência do tribunal arbitral são passíveis de apreciação em sede de impugnação da decisão arbitral [cfr., v.g., igualmente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB)]. Feito este introito, desde já se adiante que assiste razão à Impugnante. Para efeitos de concretização desta conclusão, cumpre, antes de mais, atentar na competência e nos poderes dos tribunais arbitrais tributários. Nos termos do art.º 2.º do RJAT: “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”. Reconhecendo-se algumas limitações na redação deste n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, é pacífico que os Tribunais arbitrais têm poderes de anulação (1) ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato impugnado. É ainda pacífico que, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estreitamente ligados com o poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios ou com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia(2). Abstraindo destes poderes condenatórios, porquanto não são os mesmos que ora estão em causa, a questão sob apreciação prende-se com os poderes do tribunal arbitral quando se depara com um ato impugnado que considera ser ilegal. Sob essa exclusiva perspetiva, como referimos, estamos perante um contencioso tendencialmente de mera anulação. Significa isso que, perante a impugnação de um ato tributário junto de um tribunal arbitral (ou junto de um tribunal tributário estadual, dado que, ao nível da impugnação judicial, os poderes de uns e outros são idênticos), a este tribunal cabe apenas considerar o ato legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo (ou declarar a sua nulidade ou inexistência). Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. In casu, a Impugnante veio reagir contra a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2009, emitida depois de prolatada decisão arbitral no processo 933/2019-T, invocando, em síntese, que esta liquidação procedeu a correções que nada têm a ver com a decisão arbitral mencionada e que se verifica caducidade do direito à liquidação. O coletivo arbitral considerou que tal liquidação “decorre da concretização da decisão arbitral proferida no Processo n.º 933/2019- T, na sequência da devolução à AT para que esta assente a aplicação do regime do artigo 46.° do Código do IRC (atual artigo 51.° do mesmo Código), pronunciando-se sobre a verificação (ou não) dos respetivos pressupostos impostos pelo respetivo regime” e que “é convicção deste Tribunal que estamos perante a materialização da decisão arbitral proferida no Processo n.° 933/2019-T, não se vislumbrando, por este motivo, suporte legal que permita ao tribunal arbitral a respetiva pronúncia”, considerando, pois, que se trata de matéria a discutir em sede de execução de julgados. Não se acompanha este entendimento. Verificando-se a situação de ocorrência de um julgado anulatório, tendo por objeto uma concreta liquidação de imposto de um concreto exercício, cabe à AT, desde logo, executar voluntariamente tal decisão. Com efeito, atento o disposto no art.º 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), “[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”. Assim, havendo anulação de ato tributário, está a AT obrigada à reconstituição da situação atual e hipotética, por forma a recriar na esfera do administrado a situação que o mesmo teria se o ato ilegal não tivesse sido praticado. O ato tributário que resulte da execução do julgado anulatório, neste seguimento, não é considerado um ato autonomamente impugnável, porquanto se limita a cumprir o determinado judicialmente. No entanto, tal circunstância ocorre apenas e quando estivermos perante um ato tributário que se situe dentro dos limites do julgado anulatório, pois, se e na medida em que os extravase, já perde essa natureza de mero ato de execução. Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, é certo que, como decorre do próprio pedido de pronúncia arbitral, o que terá dado mote à emissão da liquidação em causa terá sido a decisão proferida no processo arbitral 933/2019-T. No entanto, na relação controvertida tal como configurada pela ora Impugnante, do que se trata é da emissão de uma liquidação inovadora, concretamente no que respeita ao crédito por dupla tributação jurídica reduzido, liquidação essa que a Impugnante considera ainda que foi emitida depois de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação. Ora, tal como a Impugnante configura a relação controvertida, a mesma vai além de qualquer questão de execução de decisão arbitral. O que a Impugnante, no fundo, defende é que a AT acabou por emitir uma verdadeira liquidação inovatória, nos termos que alega no pedido de pronúncia arbitral. Atenta esta configuração feita pela Impugnante, não poderia o tribunal arbitral deixar de se considerar competente para a apreciação do pleito – independentemente de vir, a final, a concluir estarmos perante uma verdadeira liquidação corretiva, o que consubstancia uma exceção que obsta ao conhecimento do mérito, por força da respetiva inimpugnabilidade, ou perante uma liquidação inovatória. Logo, atenta a relação controvertida tal como configurada pela Impugnante, o tribunal arbitral é competente para a sua apreciação, pelo que a decisão arbitral deve ser anulada, devendo os autos retornar ao CAAD, para a respetiva apreciação, se a tal mais nada obstar. Como tal, assiste razão à Impugnante.
Atento o valor dos autos, cumpre considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, aplicável na presente sede. Nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. No entanto, nesta decisão, há que atentar na conduta processual das partes, que, na verdade, se revelou, nos presentes autos, adequada e correta e ao facto de a questão apreciada não apresentar especial complexidade Assim, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Julgar procedente a presente impugnação, anular a decisão arbitral impugnada e determinar a baixa dos autos ao CAAD, para, se a tal nada obstar, ser proferida nova decisão; b) Custas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, porque contra-alegou, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.; c) Registe e notifique. Lisboa, 21 de novembro de 2024 (Tânia Meireles da Cunha) (Sara Diegas Loureiro) (Rui A. S. Ferreira) (2) Cfr. o Acórdão deste TCAS, de 06.08.2017 (Processo: 06112/12). Cfr. Jorge Lopes de Sousa, «Comentário ao regime jurídico da arbitragem tributária», Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2017, pp. 96 e 97. |