Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:205/24.9BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:MANUTENÇÃO DA INSCRIÇÃO E DO VÍNCULO NA CGA; ISS, IP; DOCENTE.
Sumário:Como se afirmou no Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 63/24.3BECTB, de 2025-09-25, disponível em www.dgsi.pt., ao caso inteiramente aplicável, dadas as semelhanças de facto e de direito: “…o que vale para a manutenção da inscrição na CGA é o facto de antes de 2006-01-01 o trabalhador já ter incorporado na sua esfera jurídica o direito a essa inscrição, independentemente do regime concretamente aplicável a essa inscrição na CGA. 17. O que acabou de se afirmar supra veio a ser reiterado pelo Tribunal Constitucional, no seu recente acórdão nº 689/2025, de 15-7-2025, proferido no âmbito do Processo nº 366/25, no qual se concluiu que desde 2006-01-01 e até à entrada em vigor do art. 2º da Lei nº 45/2024, de 27 de dezembro, todos os funcionários inscritos na CGA que interrompessem o exercício de funções públicas, mas a elas regressassem, beneficiavam do direito a reinscrição na CGA. 18. E, por assim ser, o art. 2º, nºs 1 e 2 da Lei nº 45/2024, de 27/12, ao adotar outro paradigma, acelerando o processo de convergência por via de um efeito ablativo sobre a esfera destes funcionários, eliminando o direito a reinscrição na CGA no caso de readmissão a funções públicas (ressalvando apenas, como se disse, os casos em que a interrupção haja sido involuntária, coeva à função e desde que o trabalhador não tenha exercido atividade remunerada durante o interregno), e fazendo retroagir a nova solução ao início do processo de convergência, em 2006-01-01, mostra-se violador do princípio de Estado de Direito, previsto no art. 2º da CRP, e sua derivação sobre segurança jurídica, uma vez que o seu desempenho operativo se projeta numa lesão em direitos incorporados na esfera jurídica de particulares sobre uma pessoa coletiva de Direito público, a CGA. 19. Ou seja, a ablação, unilateral e injustificada, do direito a reinscrição na CGA por funcionários que hajam sido reinstituídos em funções públicas depois de 2006-01-01 e antes de 2024-10-27 representa uma lesão arbitrária em direitos legais e legítimos titulados por particulares, lesiva do princípio da confiança e por isso proibida pelo princípio constitucional de Estado de Direito (cfr. art. 2º da CRP)…” : negrito e sublinhados nossos.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam as juízas da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO:
H …………………. , com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé – TAF de Loulé, contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES - CGA; MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – ME e INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL - ISS, IP, ação administrativa pedindo: “… a) O reconhecimento do seu direito à manutenção da inscrição e do vínculo junto na CGA e, como tal, da qualidade de subscritor da CGA, com efeitos reportados a novembro de 2007; b) A condenação dos RR. à prática dos atos materiais conducentes à reposição da situação legalmente devida, nomeadamente à manutenção/reinscrição do A. na CGA com efeitos retroativos desde novembro de 2007, integrando-o no regime de proteção social convergente, bem como à transferência das contribuições entregues à SS para a CGA…”.
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O TAF de Loulé, por decisão de 2025-01-31, julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, reconheceu: “… o direito do A. à manutenção da inscrição e do vínculo na CGA e da qualidade de subscritor da CGA, com efeitos desde novembro de 2007…” e, consequentemente, condenou “… as Entidades Demandadas a praticarem os atos e operações necessários à manutenção do A. como subscritor da CGA, e restabelecendo, em consequência, todos os seus direitos e interesses daí decorrentes, com efeitos reportados a novembro de 2007. “.: cfr. fls. 162 a 183.
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Inconformada a entidade demandada ISS, I.P., ora recorrente, veio interpor recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCAS, apresentou as respetivas alegações e conclusões, como se transcreve: “… A) No entanto, o Recorrente não se conforma com a Douta Sentença recorrida, na parte em que fixa efeitos retroativos e consequentemente determina a transferência para a CGA das contribuições sociais efetuadas em nome do Recorrido ao ISS, I.P., pugnando ora, com a devida vénia e mui respeitosamente, que a mesma se encontra ferida de erro de julgamento ao não interpretar nem aplicar corretamente o disposto no art. 2.° da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro e no art. 22.° do Estatuto da Aposentação.
B) Na pendência da presente ação foi publicada a Lei n.°45/2024, de 27 de dezembro, que veio estabelecer uma interpretação autêntica do art. 2.° da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, norma nuclear do presente litígio e, nesse sentido, afigura-se-nos essencial no caso sub judice.
C) A Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro dispõe no n.º 3 do seu artigo 2.° que: (…)
D) Por conseguinte, ainda que se conceda que o Recorrido poderia ser enquadrado no regime jurídico previsto na al. b) do n.º 2 do art. 2.° da Lei n.º 45/2024, jamais a decisão poderia ser a de atribuir efeitos retroativos à reinscrição. Assim ficando prejudicada a migração para a CGA das contribuições sociais do Recorrido.
E) Como resulta da Lei n.°45/2024, de 27 de Dezembro, a qual faz uma interpretação autêntica do art. 2.° da Lei n.°60/2005, o seu art. 2.°, n.°3 determina (…), que os períodos contributivos para o regime geral de segurança social dos trabalhadores (doravante RGSS) abrangidos pelos números anteriores relevam para efeitos da aplicação do Regime Jurídico da Pensão Unificada, afastando, s.m.o., efeitos retroativos.
F) Com efeito, o Regime Jurídico da Pensão Unificada previsto no DL n.°361/98, de 18 de novembro, e de harmonia com os princípios constitucionais, instituiu o Regime Jurídico da Pensão Unificada, o qual teve por objetivo permitir a totalização dos períodos contributivos existentes no RGSS e no Regime da Função Pública, para a finalidade de atribuição de uma única pensão.
G) (…)
H) Portanto, o facto da Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro estabelecer concretamente que os períodos contributivos para a segurança social relevam para efeitos da pensão unificada, afasta integralmente a transição de carreiras contributivas, ao contrário do entendimento expendido na Douta Sentença, pelo que, alegamos, com todo o respeito, que se verifica erro na aplicação do Direito.
I) Efetivamente, o reconhecimento do direito à reinscrição na CGA com efeitos retroativos, corresponde, no fundo, a um pedido de transição de uma carreira contributiva que se depara com vários obstáculos legais e colide com várias normas legais.
J) O sistema previdencial da segurança social é um sistema autofinanciado, que tem por base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações, conforme consagrado no art. 54.° da Lei n.°4/2007, de 16 de janeiro, alterada pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro, diploma legal que aprova as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social (BGSSS).
K) A taxa contributiva global é desagregada por cada eventualidade que integra o regime contributivo de proteção social.
A taxa global resulta de uma pluralidade de subtaxas e de obrigações contributivas, a que correspondem taxas autónomas por eventualidades ou modalidades de proteção abrangidas pelo âmbito material do regime de proteção social.
E cada parcela da taxa contributiva global destina-se a financiar a proteção social do trabalhador com um determinado risco social ou eventualidade, que tem um custo técnico.
L) Nos termos do art. 55.° das acima referidas BGSSS: «...».
M) E, segundo o disposto no art. 61.°, n.º 1 do suprarreferido diploma legal, «..
N) Ora, foi com base nas receitas de contribuições e quotizações oriundas das entidades empregadoras e do próprio trabalhador que o ISS, I.P. obteve o financiamento necessário para processar, in casu, subsídios de desemprego e desemprego parcial.
O) O reconhecimento do direito do Recorrido à reinscrição com efeitos retroativos na CGA implicará um processo de transferência dos valores contributivos pagos ao Recorrente, seguindo-se a respetiva anulação, no Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), dos registos de enquadramento/qualificação/remunerações do docente que venha a ser reinscrito na CGA.
P) A devolução da totalidade dos valores das contribuições e quotizações, que foram pagas à Segurança Social, implicará um prejuízo para o Recorrente, pois o mesmo reconheceu direitos e já pagou ao Recorrido prestações sociais, nomeadamente subsídios de desemprego e desemprego social.
Q) Por outro lado, foi por força da carreira contributiva do Recorrido, que o Recorrente ISS, I.P. reconheceu e pagou tais prestações sociais imediatas, a cuja atribuição não teria direito se não tivesse prévia carreira contributiva, necessária a perfazer os prazos de garantia previstos na legislação especial que regula a sua atribuição.
R) Ora, a transição de toda a carreira do Recorrido para outra pessoa coletiva de direito público origina uma outra questão legal: todas as prestações sociais, atribuídas ao abrigo de determinados pressupostos legais, tornam-se indevidas e devem ser restituídas ao ISS, I.P., nos termos do art. 60.°, n.º 2 da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro e do DL n.º 133/88, de 20 de abril.
S) Importa acrescer, que o valor de taxa retida sobre o vencimento do Recorrido nas entidades demandadas é diferente ao longo dos anos, suscitando desde logo dúvida e incerteza acrescida na eventual “deslocação” da carreira contributiva de uma entidade para a outra, inexistindo plataformas próprias para o efeito, ou normativos legais que o regulamentem.
T) Além do mais, sempre se diga, que as prestações que o Recorrido recebeu por parte da Segurança Social em virtude de estar inscrito no RGSS, sempre seriam indevidas e constituir- se-iam num verdadeiro enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473.° do Código Civil: (...)
U) De facto, analisados os dados correspondentes a prestações pagas pelo Recorrente, no período compreendido entre 01.09.2008 e 01.03.2024 (data do despacho da citação da presente ação), constata-se que foram efetuados pagamentos de prestações ao Recorrido, prestações essas que abarcam subsídio de desemprego e subsídio de desemprego parcial, cfr. fls. 3 do PA.
V) Face ao que, importa reforçar, que inexiste qualquer plataforma/aplicação ou mecanismo legal de convergência entre as duas Entidades Demandadas (ISS, I.P. e CGA, I.P.), habilitado a efetuar a “migração” da carreira contributiva do Recorrido, tendo em conta as taxas aplicáveis, bem como, as prestações por este auferidas.
W) Por conseguinte, e com o maior respeito, entendemos que a Douta Sentença recorrida erra ao decidir pela migração para a CGA das contribuições sociais do Recorrido, consubstanciando um erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito, impondo-se a sua revogação na parte ora recorrida…”: cfr. 197 a 215.
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Notificados, os recorridos não contra-alegaram: cfr. fls. 203 a 206.
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O recurso foi admitido e ordenada a sua subida em 2025-04-23: cfr. fls. 208.
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Para tanto notificado, o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central ao abrigo do disposto no art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, emitiu parecer, concluindo: “…a análise feita na sentença recorrida encontra-se em sintonia com as normas aplicáveis inexistindo fundamentos para, em face dos concretos contornos fácticos do litígio em presença, dela divergir (…) sendo múltipla a jurisprudência que já se pronunciou, de forma unânime, acerca desta questão, com destaque para o citado Ac. do STA, de 6/3/2014, in Proc. 0889/13 - aliás, alinhado por todas as decisões judiciais que se têm pronunciado acerca desta questão, decidindo pela possibilidade de reinscrição, em circunstâncias em tudo semelhantes.
Uma vez que as considerações tecidas nos acórdãos citados – que refletem aquilo que constitui a jurisprudência mais atualizada dos Tribunais Superiores nesta matéria – tem plena aplicação ao caso retratado nos presentes autos, é manifesto que o presente recurso não merece provimento. Termos em que o Ministério Público pugna pela improcedência do presente recurso…”: cfr. fls. 260 a 263.
E, de tal parecer, notificadas, as partes nada disseram: cfr. fls.264 a 267.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão as Juízas Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639º, n°1 a nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece, ou não, do invocado erro de julgamento de direito.
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.
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B – DE DIREITO:
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO:
Do discurso fundamentador da decisão recorrida ressalta que a: “… A recente Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro, vem proceder à interpretação autêntica do n.º 2 do art. 2.° da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, nos seguintes termos: "Art. 2.° Interpretação autêntica:
1- Para efeitos de interpretação do n.º 2 do art. 2.° da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, considera-se que a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social do pessoal que inicie funções a partir de 1 de janeiro de 2006, ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função pública em matéria de aposentação, abrange os subscritores que cessaram o seu vínculo de emprego público após 1 de janeiro de 2006 e que voltem a estabelecer novo vínculo de emprego público em condições que, antes da entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, conferiam direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações.
2- Ressalva-se da obrigatoriedade estabelecida no número anterior o funcionário ou agente que demonstre que, apesar da cessação do vínculo de emprego público, constituiu um novo vínculo de emprego público com a mesma ou com outra entidade pública, desde que, nos termos do n.º 1 do art. 22.° do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo DL n.º 498/72, de 19 de dezembro:
a) Não exista qualquer descontinuidade temporal; ou
b) Existindo descontinuidade temporal, se comprove que:
i) Esta seja de natureza involuntária, limitada no tempo e justificada pelas especificidades próprias da carreira em que o funcionário ou agente está inserido; e
ii) O funcionário não tenha exercido atividade remunerada durante o período em que interrompeu o vínculo público.
3 - Os períodos contributivos para o regime geral de segurança social dos trabalhadores abrangidos pelos números anteriores relevam para efeitos da aplicação do Regime Jurídico da Pensão Unificada, previsto no DL n.º 361/98, de 18 de novembro".
Ora, refira-se que a jurisprudência dos tribunais superiores vinha já decidindo neste sentido.
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-03-2014, proferido no processo n.º 0889/13: (…)
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14-02-2020, proferido no processo n.º 01771/17, bem como o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28-01-2022, proferido no processo n.º 1100/20.6BEBRG, dos quais resulta que (…)
Volvendo ao caso vertente, decorre do probatório que o A. sempre teve contratos com o ME, entre 2003 e 2024, de forma sequencial, apenas com interregnos decorrentes da calendarização das colocações.
A situação do A. enquadra-se, assim, no n.º 2 do art. 2.° da supracitada Lei n.º 45/2024, mostrando-se verificados os pressupostos aí previstos, inexistindo, por isso qualquer obrigatoriedade de inscrição do A. no regime geral de segurança social.
Com efeito, tendo em conta a continuidade das funções do A., apenas com interregnos de natureza involuntária, limitados no tempo e justificados pelas especificidades próprias da carreira docente, decorrentes da calendarização das colocações, impõe-se reconhecer o direito do A. à manutenção de inscrição na CGA, bem assim como condenar os RR a praticar os atos materiais conducentes à reposição da legalidade.
Alega o ISS, IP que o direito a requerer a restituição das contribuições prescreve no prazo de 5 anos.
A alegação do ISS, IP quanto à prescrição não tem qualquer fundamento/consagração legal, visto estarmos perante uma ação para reconhecimento de um direito e não perante uma ação de condenação da administração a restituir prestações ao beneficiário.
(…)
No que respeita aos efeitos ex nunc ou ex tunc da procedência da presente ação, a que se procederá a final, a jurisprudência dos tribunais superiores definiu também que os efeitos são ex tunc, ou seja, operam retroativamente, à data em que o A. foi inscrito na Segurança Social.
Quanto ao alegado enriquecimento sem causa do A., o mesmo não se verifica.
A obrigação de restituir, com fundamento no enriquecimento sem causa, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: que haja um enriquecimento de alguém; que o enriquecimento careça de causa justificativa; e que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
Ora, desde logo, não se verifica a falta de causa do enriquecimento, aquilo a que a doutrina e a jurisprudência apelidam da "causa justificativa da deslocação patrimonial".
Na verdade, o A., quando auferiu as prestações sociais em causa estava inscrito na Segurança Social, existindo, por isso causa justificativa da deslocação patrimonial.
Carece, portanto, de fundamento legal, o invocado enriquecimento sem causa.
Face ao que antecede, tudo visto e ponderado, impõe-se julgar a presente ação totalmente procedente e, em consequência, reconhecer o direito do A. à manutenção de inscrição na Ré CGA, com efeitos reportados a novembro de 2007.
Quanto ao caminho a seguir para a reposição integral dos descontos que deviam ter sido efetuados para a CGA e foram antes efetuados para a Segurança Social, caberá as estas entidades promover o procedimento legal destinado à transferência dos descontos que foram realizados para a Segurança Social para a CGA, e bem assim promover o que mais necessário se mostrar devido em ordem a esse desiderato (vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 28-01-2022, proferido no processo n.º 01100/20.6BEBRG…”.

Correspondentemente, e como resulta já do sobredito, o tribunal a quo reconheceu o direito do A., ora recorrido, à manutenção da inscrição e do vínculo na CGA e da qualidade de subscritor da CGA, com efeitos desde novembro de 2007 e condenou as demandadas a praticarem os atos e operações necessários à manutenção do A. como subscritor da CGA, e restabelecendo, em consequência, todos os seus direitos e interesses daí decorrentes, com efeitos reportados à referida data de novembro de 2007.

O assim decidido pelo tribunal a quo escora-se em tese que, se acompanha.

Na exata medida em que, como decorre dos autos e o probatório elege, a decisão recorrida mostra-se clara, coerente e completa, fundamentada e escora-se em jurisprudência administrativa que vem unanimemente no sentido que propugnamos, da qual, se salienta, entre outros arestos, nomeadamente os identificados na decisão recorrida, o recentíssimo Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 63/24.3BECTB , de 2025-09-25, disponível em www.dgsi.pt.

Ponto é que estando, como está, a CGA, IP impedida de inscrever como subscritor apenas os funcionários ou agentes que, pela primeira vez, a partir de 2006-01-01, viessem a ser titulares de uma relação jurídica de emprego público, o art. 2º nº 2 da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro foi interpretado pelas várias decisões de Tribunais Superiores melhor identificadas na decisão recorrida e acima transcritas, no sentido de que a mesma visava apenas abranger o pessoal que iniciasse funções públicas no início do ano de 2006, pelo que é manifesto, em face da factualidade assente, que a situação do A., ora recorrido, não se encontrava abrangida pelo disposto naquele preceito legal.

Donde, não podia tal dispositivo servir de fundamento para a retirada da inscrição daquele da CGA, IP e para a sua passagem automática para o regime geral da segurança social.

Dos autos resulta ainda que o A., após 2006-01-01, não iniciou ex novo o exercício de funções públicas, mediante a constituição original de uma relação jurídica de emprego público, antes pelo contrário, do desenhado quadro fáctico, claramente, decorre que o A. se manteve sempre, de forma ininterrupta, no exercício de funções públicas (como docente), as quais se iniciaram antes de 2006-01-01, mediante a constituição sucessiva de diversos vínculos que titulavam a relação jurídica de emprego público, apenas com interregnos decorrentes da calendarização das colocações.

Mais, acresce que quanto ao argumento da aplicação do art. 22º do Estatuto da Aposentação - EA, reiteramos o entendimento vertido na jurisprudência supra mencionada,
no sentido de que a eliminação da subscrição do trabalhador em funções públicas por motivo de cessação de exercício de funções só ocorrerá se este, seguidamente, não for investido noutro cargo a que, antes de 2006-01-01, correspondesse o direito de inscrição.

Vale isto por dizer que, considerado o exercício ininterrupto de funções docentes, pelo A.
desde 2003 até, pelo menos, 2024, ainda que sob diversos vínculos contratuais sucessivamente celebrados, facilmente se constata que o argumento invocado não tem aplicação no caso dos autos, conclusão que também afasta a argumentação invocada nas conclusões do recurso interposto pela entidade apelante, pois o que vale para a manutenção da inscrição na CGA, IP é o facto de antes de 2006-01-01 o trabalhador já ter incorporado na sua esfera jurídica o direito a essa inscrição, independentemente do regime concretamente aplicável a essa inscrição na CGA, IP ser o previsto no DL nº 179/90, de 5 de junho e/ou no DL nº 142/92, de 17 de julho.

Ponto é que a “continuidade” ou “descontinuidade” temporal dos vínculos contratuais docentes demandam considerar as concretas circunstâncias das colocações dos docentes, quer referentes aos anos letivos, quer quanto às colocações em termos de localização, vagas, etc, dito de outro modo, a “descontinuidade temporal”, para efeitos da interpretação dada pelo citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2014-03-06, importa tomar em linha de conta as circunstâncias do caso concreto, e em particular as especificidades da carreira docente.

Entendemos que a sentença recorrida interpretou e aplicou corretamente o direito ao caso concreto aplicável, ao decidir, como decidiu, pela migração para a CGA das contribuições sociais do recorrido, pois e ainda como se assentou no Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 63/24.3BECTB, de 2025-09-25, disponível em www.dgsi.pt., ao caso inteiramente aplicável, dadas as semelhanças de facto e de direito: “… 16. Por outro lado, mesmo que não tivesse ocorrido um exercício ininterrupto de funções docentes por parte da A., ainda que sob diversos vínculos (mormente, contratuais) sucessivamente celebrados, facilmente se constata que, também aqui, não colhem as objeções invocadas nos recursos interpostos quer pela CGA, IP, quer pelo ISS, IP, pois o que vale para a manutenção da inscrição na CGA é o facto de antes de 2006-01-01 o trabalhador já ter incorporado na sua esfera jurídica o direito a essa inscrição, independentemente do regime concretamente aplicável a essa inscrição na CGA.
17. O que acabou de se afirmar supra veio a ser reiterado pelo Tribunal Constitucional, no seu recente acórdão nº 689/2025, de 15-7-2025, proferido no âmbito do Processo nº 366/25, no qual se concluiu que desde 2006-01-01 e até à entrada em vigor do art. 2º da Lei nº 45/2024, de 27 de dezembro, todos os funcionários inscritos na CGA que interrompessem o exercício de funções públicas, mas a elas regressassem, beneficiavam do direito a reinscrição na CGA.
18. E, por assim ser, o art. 2º, nºs 1 e 2 da Lei nº 45/2024, de 27/12, ao adotar outro paradigma, acelerando o processo de convergência por via de um efeito ablativo sobre a esfera destes funcionários, eliminando o direito a reinscrição na CGA no caso de readmissão a funções públicas (ressalvando apenas, como se disse, os casos em que a interrupção haja sido involuntária, coeva à função e desde que o trabalhador não tenha exercido atividade remunerada durante o interregno), e fazendo retroagir a nova solução ao início do processo de convergência, em 2006-01-01, mostra-se violador do princípio de Estado de Direito, previsto no art. 2º da CRP, e sua derivação sobre segurança jurídica, uma vez que o seu desempenho operativo se projeta numa lesão em direitos incorporados na esfera jurídica de particulares sobre uma pessoa coletiva de Direito público, a CGA.
19. Ou seja, a ablação, unilateral e injustificada, do direito a reinscrição na CGA por funcionários que hajam sido reinstituídos em funções públicas depois de 2006-01-01 e antes de 2024-10-27 representa uma lesão arbitrária em direitos legais e legítimos titulados por particulares, lesiva do princípio da confiança e por isso proibida pelo princípio constitucional de Estado de Direito (cfr. art. 2º da CRP).
20. Outro dos argumentos invocados para justificar o erro de direito em que ocorreu a sentença recorrida – nomeadamente por parte do recorrente ISS, IP –, é o de que a devolução da totalidade dos valores das contribuições (de entidades empregadoras) e quotizações (do trabalhador), que foram recebidas/pagas à Segurança Social, implicará um prejuízo para o ISS, IP, pois o mesmo reconheceu direitos e pagou à recorrida prestações sociais, nomeadamente subsídios de desemprego e de doença, posto que tais prestações sociais e subsídios eram devidos, na medida em que a A. se encontrava, nessa data, a efetuar descontos para a Segurança Social e, nessa medida, tinha efetivo direito aos mesmos.
21. Assim sendo, conclui o ISS, IP, uma vez que o estatuto que a A. pretende ver reconhecido nos presentes autos – decorrente da sua reinscrição na CGA – engloba todo um conjunto de direitos e interesses diretamente assentes na sua qualidade de subscritora da CGA, nos termos legais, e cuja titularidade o mesma visa, como se viu, acautelar, é manifesto que o decidido não só não é inexequível, como se impõe, face ao quadro jurídico que se mostra aplicável.
22. Contudo, muito embora na sentença recorrida se tenha determinado a transferência das contribuições entregues à Segurança Social para a CGA, tal só acontecerá no momento em que a A. vier a beneficiar da pensão unificada, por força do disposto no art. 3º da citada Lei nº 45/2024, ou seja, será apenas nesse momento que o ISS, IP, estará obrigado a remeter à CGA os montantes relativos aos descontos que a A. efetuou para a segurança social, de acordo com o que dimana do art. 10º, nº 1 do DL nº 361/98, de 18/11.
23. Ante todo o exposto, impõe-se concluir que, tal como decidiu a sentença ora sob recurso, a A. tem direito à manutenção da sua inscrição na CGA, com efeitos reportados a 27-1-2006, embora com a observância do disposto no art. 3º da Lei nº 45/2024, de 27/12, e no art. 10º, nº 1 do DL nº 361/98, de 18/11, improcedendo desta forma os recursos jurisdicionais interpostos pela CGA, IP, e pelo ISS, IP…” : negrito e sublinhados nossos.

Termos em que a decisão recorrida não padece do invocado erro de julgamento.
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam as juízas da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente ISS, IP.

09 de outubro de 2025
(Teresa Caiado – relatora)
(Maria Helena Filipe – 1ª adjunta)
(Ilda Côco – 2ª adjunta)