Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul (Subsecção Administrativo Comum)
I. RELATÓRIO
S... (Autora), residente nos Estados Unidos da América, veio interpor o presente recurso jurisdicional da Sentença-Rejeição Liminar proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo Comum, em 06.10.2024, através da qual foi rejeitado liminarmente o presente pedido de Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias intentado contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA), Entidade Demandada (ED) na qual formulou os seguintes pedidos:
“a) Ser a Requerida notificada para se pronunciar sobre o pedido de autorização de residência para atividade de investimento apresentado pela Requerente em 28/08/2023, procedendo à sua “pré-aprovação” e notificando-o para proceder ao agendamento para recolha dos seus dados biométricos, porquanto reúne todos os pressupostos para o efeito; e
b) Ser a Requerida notificada para se pronunciar sobre os pedidos de reagrupamento familiar apresentados pela Requerente em 19/06/2024, procedendo à sua “pré-aprovação” e notificando-a para proceder ao agendamento para recolha dos dados biométricos do seu cônjuge e filhos, porquanto reúnem todos os pressupostos para o efeito; e.
c) Caso os referidos pedidos sejam aprovados, para proceder à emissão das devidas autorizações de residência, mediante o pagamento das taxas que se mostrem devidas e verificada a conformidade da documentação e demais pressupostos, porquanto reúne todos os pressupostos para o efeito previstos nos artigos 90º-A, n.º 2 e 98.º da Lei 23/2007; Bem como,
d) Tomar a Requerida as medidas necessárias para salvaguardar a especial urgência da situação, adotando as medidas consideradas adequadas ao abrigo do n.º 3 do artigo 110.º do CPTA; e
e) Subsidiariamente, caso assim não se entenda, notifique a Requerente nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA.”
Nas Alegações recursivas formulou as conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“I. O juiz a quo veio indeferir liminarmente o requerimento inicial apresentado pela Autora, por entender que “não estão reunidos os pressupostos ínsitos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias”.
II. Ora, salvo melhor entendimento, tais alegações são insustentáveis à luz dos factos apresentados pela Autora nos autos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
III. Não só porque, conforme se irá demonstrar, se encontram preenchidos os pressupostos de indispensabilidade, urgência, impossibilidade e insuficiência necessários para recorrer à presente intimação, como também, andou mal o Tribunal a quo quando entendeu “não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB”.
IV. Desde já se diga que, a Autora alegou e logrou provar que deu entrada, em 28/08/2023, de pedido de autorização de residência para atividade de investimento,
V. A Autora alegou e logrou ainda provar que deu entrada, em 19/06/2024, de pedidos de reagrupamento familiar para o seu cônjuge R... e filhos menores J... e J... .
VI. No entanto, não foi emitida, até à data, qualquer decisão por parte da Ré quanto aos pedidos apresentados pela Autora.
VII. A alegação, pela Autora, de que a inércia da Ré em proceder à análise e decisão do seu pedido de concessão de autorização de residência e do seu pedido de reagrupamento familiar fere os seus direitos constitucionais básicos é, por si só, suficiente para concluir pela situação concreta da Autora.
VIII. Isto é, pela factualidade circunstanciada que leva à caracterização de uma situação de ameaça iminente ou do início da lesão do direito invocado – a qual, segundo o Tribunal a quo, competia à Autora alegar e provar, sob pena de não se verificar o preenchimento dos pressupostos do recurso à intimação.
IX. Ora, a falta de decisão quanto aos pedidos formulados pela Autora traduz-se, em termos práticos, na falta de título de residência que permita ao Autor residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
X. O que lesa diretamente os seus direitos constitucionais básicos, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.
XI. A Autora agiu com a legítima expectativa de que, nos termos do programa Golden Visa, a sua candidatura seria decidida dentro do prazo legal de 90 dias, ou pelo menos dentro de um prazo razoável, tendo planeado a sua vida e projetos pessoais e familiares com base nessa expetativa.
XII. No entanto, a ausência de decisão por parte da Ré coloca-o numa posição extremamente vulnerável, não lhe sendo possível planear a sua vida com segurança e estabilidade e vendo-se obrigado a pôr todos os seus projetos pessoais e familiares em suspenso.
XIII. Ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, não se trata aqui de um mero incómodo causado pela ausência do seu título de residência, mas antes de uma completa paralisação de todos os seus planos de vida, tanto pessoais como familiares, até que o seu título seja emitido.
XIV. Mais que não seja, o mero direito de ir e vir livremente, ficando obrigatoriamente sujeito, caso pretenda permanecer em território nacional, a um regime de vistos de turista.
XV. O que é incompatível com os direitos constitucionais que deveriam estar salvaguardados.
XVI. Ora, tais factos relativos à situação concreta do Autor, causados pela inércia da Ré, encontram-se claramente expostos nos artigos 20 e 21 do requerimento inicial apresentado pela Autora.
XVII. No entanto, entende-se que mesmo que assim não fosse, os factos subjacentes à inércia administrativa e os que dela decorrem, são factos notórios e, portanto, nos termos do artigo 412.º do CPC, não carecem de alegação ou prova.
XVIII. No caso em apreço, a ausência de decisão por parte da Ré traduz-se na falta de título de residência que permita ao Autor residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
XIX.E tal é, não só de conhecimento geral, como de conhecimento oficioso.
XX. É de conhecimento geral e oficioso que, o pedido de concessão de autorização de residência por atividade de investimento tem como finalidade a obtenção de um título de residência,
XXI.E que este título de residência permite ao seu titular residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
XXII. Sem tal título de residência, a Autora, que é nacional dos Estados Unidos da América, vê-se impossibilitado de residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH).
XXIII. Quando poderia, por contraste, caso fosse já detentora do seu título de residência, passar em Portugal ou no espaço Schengen o tempo que quisesse, sem que tal implicasse utilizar os dias do seu visto de turista.
XXIV. Ora, tal afeta diretamente os direitos fundamentais da Autora, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, e impõe prejuízos evidentes.
XXV. Prejuízos, estes, atuais.
XXVI. Pelo que, o facto carreado aos autos pela Autora de que a inércia da Ré em proceder à análise e decisão do seu pedido de concessão de autorização de residência por atividade de investimento e os pedidos de reagrupamento familiar ferem os seus direitos constitucionais básicos, permite concluir os factos relativos à sua situação concreta.
XXVII. Ao contrário do entendimento do Tribunal, a urgência para obter uma decisão célere é, assim, evidente,
XXVIII. Não sendo necessário à Autora provar factos que, pela sua natureza, são notórios e amplamente conhecidos.
XXIX. Por outro lado, quanto à indispensabilidade do recurso à intimação e conforme alegado, também, em sede de requerimento inicial, a intimação constitui a última via que a Autora tem ao seu dispor para poder ver salvaguardados os seus direitos, aqui comprometidos pela falta de decisão, por parte da Ré, quanto ao seu pedido de autorização de residência.
XXX. Posição, esta, uniformizada na jurisprudência pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 11/2024, de 6 de junho. XXXI. Pelo que, andou mal o Tribunal a quo quando entendeu “não ter lugar o acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordaosupremo-tribunal-administrativo/11-2024-871585082), porquanto o mesmo se centra nos pedidos apresentados, e não decididos, de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada”.
XXXII. O acórdão uniformizador de jurisprudência supra referido não só deve ter aplicação ao caso em apreço, como deveria ter fundamentado a decisão do Tribunal a quo acerca do preenchimento do requisito de indispensabilidade quanto ao recurso à intimação.
XXXIII. Bastará, para o efeito, ler-se o sumário do referido acórdão, segundo o qual “Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: Estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência por banda da Administração, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, traduzida na atribuição de uma autorização provisória, antes reclama uma tutela definitiva, pelo que o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA.”,
XXXIV. Para se concluir que, ao contrário do alegado pelo Tribunal a quo, o referido acórdão uniformizador de jurisprudência não limita a sua aplicação apenas a pedidos de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada.
XXXV. Pelo que, a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual idóneo e adequado para a tutela jurisdicional das pretensões como as que aqui se colocam.
XXXVI. Ademais, sempre se diga que, como é de conhecimento oficioso, o recurso a outros meios, mesmo os urgentes, não funciona com a celeridade que é necessária para acautelar os direitos da Autora aqui em causa.
XXXVII. Ora, se é verdade que para fazer uso da intimação a Autora tem de demonstrar estar numa evidente situação de urgência que não possa ser suficientemente acautelada, em tempo útil, pelo normal decretamento de uma providencia cautelar ou outro meio de reação não urgente,
XXXVIII. Também será verdade que, considerando os Indicadores de desempenho dos tribunais administrativos e fiscais de 1ª instância consultáveis através do site https://estatisticas.justica.gov.pt/, segundo os quais o “disposition time” – indicador utilizado para efeitos de estatística que visa medir, em dias, o tempo de resolução da pendência com base no ritmo de trabalho observado num determinado período – para ações administrativas, providências cautelares e outros processos urgentes em 2023 foi o seguinte: d) Para ações administrativas, o tempo médio para obter uma decisão foi de 810 dias, ou seja, 2 anos e 3 meses; e) Para providências cautelares, foi de 160 dias, mais de 5 meses; f) Para outros processos urgentes, foi de 158 dias, mais de 5 meses.
XXXIX. Assim, face à situação de incerteza em que se encontra a Autora, em que vê os seus direitos fundamentais básicos lesados, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, bem como o direito à proteção legal contra discriminação,
XL. O recurso a uma providencia cautelar, ou a qualquer outro meio cautelar, mesmo que urgente, não será suficiente, no caso concreto, para obter uma decisão em tempo útil por parte da Ré.
XLI. Não restando alternativa se não a de recorrer a meios judiciais que possam efetivamente assegurar a tutela devida.
XLII. Face ao exposto, é imperativa a revisão da decisão liminar que indeferiu o requerimento inicial, com o reconhecimento da urgência da decisão e da indispensabilidade de recurso à intimação, e consequente desnecessidade de alegação ou prova de factos notórios.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, com a anulação da decisão recorrida e com a consequente admissão e procedência da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ordenando-se à Ré que, em prazo determinado, profira decisão sobre os pedidos de autorização de residência e reagrupamento familiar apresentados pela Autora.
* A Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA) apesar de regularmente notificada não apresentou contra-alegações.
* O DMMP notificado nos termos do art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) emitiu pronúncia, no sentido de não provimento do recurso, ao que a Recorrente/Autora respondeu, invocando ex nuovo a nulidade da decisão recorrida por violação do princípio do contraditório.
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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão
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I.1- DO OBJECTO DO RECURSO / DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Das conclusões da Recorrente extrai-se que, no essencial, importa aferir se o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito em violação do artigo 109º do CPTA ao rejeitar liminarmente o requerimento inicial.
Em sede de resposta à pronúncia do DMMP veio a Recorrente trazer à colação uma questão nova, como seja a de eventual violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do CPC), em virtude de o Tribunal a quo não ter convidado a se pronunciar sobre a excepção dilatória inominada antes da rejeição liminar, pelo que a sentença da qual se recorre padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 195.º e 615º, nº 1, al. d) do CPC.
Ora, tal questão deveria ter sido suscitada em sede própria, ou seja, as conclusões recursivas as quais balizam os termos em que o Tribunal ad quem pode e deve se pronunciar.
Pelo que não se conhecerá de tal matéria.
* II. Fundamentação
O Tribunal a quo, atenta a fase inicial do processo, não fixou matéria de facto nem se mostra necessária para a presente decisão.
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II.2 - De Direito
Cumpre decidir, conforme delimitado em I.1.
Ø Da junção de documentos na fase do recurso
Sobre a admissibilidade da junção de documentos em sede de recurso, chamamos aqui à colação a doutrina que dimana do acórdão do STJ, de 30.04.2019, P. 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, no qual se sumariou o seguinte:
«I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.
III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.
IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.»
Ora, dúvidas inexistem que as questões para as quais a junção dos citados documentos foi perpetrada em sede de recurso – indicadores de desempenho dos tribunais administrativos e fiscais da 1ª instância - não fazem parte da causa de pedir do requerimento inicial, não podendo, pois, serem juntos em sede de alegações de modo a carrear uma nova questão que, para além de não ter sido apresentada em 1ª instância, sempre seria inócua para a decisão recorrida de rejeição liminar. Além de que, nada de superveniente face à sentença recorrida, importa a necessidade da sua junção nesta fase.
Pelo que devem ser desentranhados e devolvidos à apresentante, como se decidirá a final.
Ø Do mérito do recurso
Antecipamos, desde já, que o presente recurso terá de soçobrar.
A ora Recorrente apresentou, em 28.08.2023, o pedido de autorização de residência para investimento, ao abrigo do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, tendo ainda formulado, em 19.06.2024, pedido de reagrupamento familiar (marido e filhos), ao abrigo do disposto no artigo 98.º n.º 1 da mesma Lei, a qual foi regulamentada pelo Decreto-Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, actualizado.
Por aplicação do disposto no artigo 65.º-D n.º 16 do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, a formalização do pedido de concessão de autorização de residência para actividade de investimento (ARI), como aquela a que a Recorrente almeja, é precedido de registo eletrónico em plataforma para o efeito.
O Tribunal a quo decidiu rejeitar liminarmente a presente intimação por falta de urgência e de indispensabilidade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o que consubstancia uma excepção dilatória inominada, cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Apreciando;
Em concretização da imposição constitucional contida no artigo 20º, nº 5, encontra-se prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea o) e 109.º e segs. do CPTA a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, configurando-se como um processo urgente, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, alínea e) do CPTA. Não obstante o cariz da urgência, a intimação referida integra-se no conjunto de meios processuais principais previstos no Código, porquanto visa a resolução a título definitivo da questão de mérito que lhe subjaz.
De notar que a via normal de reacção é a utilização da acção administrativa, acompanhada da respectiva tutela cautelar, pelo que a presente intimação ocupa um lugar residual e subsidiário no contencioso administrativo, sendo a sua utilização quase de ultima ratio, obedecendo a um elenco estricto de requisitos, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA. O qual determina que “a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (s/n).
Donde se extrai que, em primeiro lugar, deve estar em causa a invocação da lesão de um direito, liberdade e garantia, abrangendo qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, tanto pessoais como patrimoniais, incluindo aqueles direitos que lhes são análogos, nos termos do artigo 17.º da CRP, relevando, ainda, a este propósito que se traduza num direito, liberdade e garantia que se encontra suficientemente densificado e concretizado na CRP ou na própria lei.
Exige-se, quanto a este pressuposto, a alegação e concretização pelo interessado dos concretos factos que sustentam a ameaça ou a lesão do direito invocado.
Em segundo lugar, exige-se a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade e garantia invocado. Ao contrário de outros processos urgentes em que a urgência é, desde logo, assumida e ficcionada pelo legislador (a título de exemplo, a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões ou o contencioso pré-contratual), na presente intimação a urgência deve ser concreta, sendo acrescido o ónus do interessado em alegar e demonstrar essa mesma urgência. Não se olvide a subsidiariedade deste meio processual que apenas consente a sua utilização no caso de falência das vias normais de reacção.
Por fim, acoplada à urgência concreta que possa ser invocada, encontra-se a exigência da demonstração da insuficiência ou possibilidade do decretamento de uma providência cautelar nas circunstâncias do caso concreto. O legislador, ao remeter para o decretamento da providência cautelar reforça a subsidiariedade desta intimação, pois aquele decretamento afigura-se como o meio mais célere de obtenção de uma decisão no seio da tutela cautelar. O juízo que deve ser feito passa por analisar se a tutela no caso concreto se basta com uma decisão célere, mas provisória/precária ou se, pelo contrário, exige uma decisão célere que resolva definitivamente a questão.
Quanto ao processo cautelar não ser apto a proteger o direito invocado pela Recorrente neste ponto aceita que assim seja.
Atendendo ao exposto, cumpre verificar se estão reunidos os requisitos para o uso da intimação ora proposta pela Recorrente, os quais são de verificação cumulativa, analisando, pois, o requisito da existência de uma lesão de um direito, liberdade e garantia que imponha uma decisão urgente e definitiva.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, 2021, p. 931, citando Jorge Reis Novais, “…o pressuposto da existência de um direito, liberdade ou garantia para efeitos de justiça administrativa define-se, portanto, em função destes critérios: há lugar para recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias desde que, verificados os restantes pressupostos, se trate de um direito fundamental em sentido material, portanto, um direito da maior relevância material, e, além disso, tenha um conteúdo normativo tão precisamente determinado (pela Constituição e/ou pela lei) que permita a intervenção do juiz administrativo sem perda ou afetação da separação de poderes própria do Estado de Direito".
Afirmam também os mesmos Autores, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in obra citada, p. 883, “À partida, o preenchimento deste requisito [é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício] pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”
Do que antecede ressalta que não basta a invocação de qualquer direito, liberdade, ou garantia, é pressuposto que esse tenha uma dimensão suficientemente concretizada para que o Tribunal possa, sem violação do princípio de separação de poderes, intimar a Administração a uma prestação de facere ou non facere.
A Recorrente nas conclusões recursivas pretende, sobretudo, refutar o decidido pelo Tribunal a quo, destacando que a falta de decisão por parte do Recorrido/AIMA implica a falta de um título de residência válido, criando uma “situação de incerteza em que se encontra a Autora, em que vê os seus direitos fundamentais básicos lesados, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, bem como o direito à proteção legal contra discriminação” – conclusão XXXIX.
Embora alegue, agora, em sede de recurso, que a simples falta de decisão quanto aos pedidos formulados traduz-se, em termos práticos, na falta de título de residência que lhe permita residir ou permanecer em Portugal por mais de 90 dias, circular livremente no espaço Schengen e, ainda, que se possa inscrever como residente fiscal em Portugal e beneficiar do Estatuto de Residente Não Habitual (RNH) (vide Conclusões XVIII, XXI, XXII), o que lesa directamente os seus direitos fundamentais, como o direito à identidade pessoal e cidadania, à liberdade, de deslocação e de emigração, à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais, bem como à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação, e impõe prejuízos evidentes, tal alegação é meramente conclusiva.
Idêntica formulação conclusiva consta designadamente dos artigos 20º e 21º, 31º e 32º do seu requerimento inicial, porquanto, compulsado o teor dos mesmos constatamos que aí conclui, jurídica e conclusivamente, que “(…) com o atraso na sua decisão, a AIMA violou ainda os direitos da Requerente, à identidade pessoal e cidadania (artigo 26.º da CRP), à liberdade (artigo 27.º da CRP), de deslocação e de emigração (artigo 44.º CRP), à equiparação dos estrangeiros a cidadãos nacionais (artigo 15.º, n.º 1 CRP), e à informação (artigo 37.º, n.º 1 e artigo 268.º, n.º 1 da CRP), bem como o seu direito à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação (artigo 26.º, n.º 1, da CRP e artigo 6.º, n.º 1 do CPA),” (art. 31º do r.i.) bem como “(…) direitos consagrados em instrumentos de direito internacional, tais como, o direito à liberdade e à segurança (artigo 6.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), o direito a uma boa administração (artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), o direito a um processo equitativo (cfr. Artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos), bem como o direito à liberdade (artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos), o direito à livre circulação (artigo 13.º DUDH) e o direito ao recurso efetivo contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei (artigo 8.º DUDH)” (art. 32º do r.i.).
Ora, cabia à Recorrente ter densificado, em sede própria e recorrendo a um enquadramento factual apropriado, em que medida o seu caso, perante as circunstâncias específicas do seu agregado, meio social, saúde ou outras, carecia de ser escudado pela presente intimação para protecção de direitos liberdades e garantias. Sobretudo, em que medida, a delonga na decisão da sua pretensão, vem pondo, de forma intolerável e iminente, em causa direitos liberdades e garantias seus.
Ora, não se disputa, numa visão abrangente deste tipo de casos, que a ausência de decisão definitiva quanto à Autorização de Residência para Investimento (ARI) possa eventualmente tolher a liberdade de circulação da Requerente/Recorrente que aguarda, no caso dos autos, o prosseguimento do procedimento para a fase seguinte.
Todavia, naquilo que ora nos ocupa, a invocação genérica quanto à restrição da sua liberdade de circulação não permite sustentar uma situação jurídica individualizada que caracterize qualquer ofensa a um direito, liberdade e garantia.
Relevando que a Recorrente e sua família não residem em território nacional, pelo que não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, quanto aos estrangeiros que se encontrem em Portugal.
Nem foi, como atrás se explanou, invocada qualquer situação específica que onere ou lese a Recorrente ou a sua família decorrente da omissão (atempada) de decisão, que exija a intimação urgente do Recorrido nos termos por si pretendidos. Pois, embora a demora na decisão contenda, potencialmente, com direitos, liberdades e garantias, mormente pela impossibilidade de exercício de direitos cívicos, neste caso tal não vem alegado/concretizado, sequer.
Releva, ainda que a Recorrente, como reconhece, não se encontra a residir em Portugal, nem está impedida de entrar no país e também não invoca estar separada ou impedida de viver com os restantes membros da família (marido e filhos) ou de este acederem à educação, cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência actual, Estados Unidos da América.
Por último, a violação dos prazos procedimentais que, salvo norma especial, são meramente orientadores sem preclusão da prática de acto ulteriormente pela entidade administrativa, quando e se ultrapassados, podem originar o direito à tutela judicial, designadamente através da acção de condenação à prática de acto devido (vide art. 66º do CPTA) ou reagir contra a ilegal omissão de acto administrativo, nos termos do artigo 184º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPA, mediante reclamação ou recurso. Estando, portanto, assegurada a garantia constitucional tal como consagrada no artigo 268º, nº 4 da CRP.
Nem se invoque para alicerçar o critério da urgência a delonga ou a demora em média de resolução noutros meios processuais ao dispor da Recorrente, como seja a acção administrativa ou o processo cautelar, pois que além de ser uma questão nova que este Tribunal ad quem está impedido de apreciar, para a situação sub iudice os critérios a atender, neste caso, residem na efectiva necessidade para a esfera da Recorrente/Requerente de recorrer à presente intimação, a qual é aferida em função das circunstâncias da sua situação em particular, que deveriam ter sido alegadas, e não em função do tempo médio de resolução de outros meios processuais.
Neste contexto, como tem sido entendido por este TCA Sul, em vários arestos, nomeadamente os aludidos na sentença recorrida (um deles respeitante a requerente nacional de residente nos EUA):
“Adicionalmente, sem prejudicar a impropriedade já sustentada, não se encontrando ou residindo em território nacional (cfr. artigo 15.º da CRP), cfr a residência que o próprio indica, a Requerente não é titular dos direitos, liberdades e garantias a que se arroga – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7BELSB, e de 23-05-2024, proferido no processo n.º 155/24.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt. Veja-se, com detalhe, o doutamente sumariado no processo 3595/23.7BELSB:
“I - Para se darem por verificados os pressupostos [adjectivos/processuais] da admissibilidade desta acção principal, excepcional e urgente, impunha-se que os Recorrentes na petição tivessem alegado factos que permitissem concluir que o uso de uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, associado a uma providência cautelar, não seria suficiente a assegurar o exercício dos direitos fundamentais ou análogos que invocam, em tempo útil. Ou dito de outro modo, o respectivo exercício seria frustrado antes de poder obter decisão judicial não urgente;
II - Como cidadãos nacionais e residentes nos EUA é nesse país que têm a sua vida pessoal, familiar e profissional organizada e exercem os direitos que lhe são inerentes ou relacionados. Nada do que alegaram na petição, de forma genérica e conclusiva, permite afirmar que se verifica a exigida lesão iminente e irreversível dos vários direitos que referem, nem que seja indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil;
III - A circunstância de terem investido em Portugal confere-lhes, nos termos da legislação aplicável, o direito a requerer junto das autoridades portuguesas ARI e, não sendo por estas observados os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, têm também ao seu dispor os meios judiciais de reacção junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro em idêntica situação, os quais poderão ser urgentes ou não, consoante a causa de pedir e pedidos formulados;
(…).”
Por último, contesta a Recorrente a fundamentação da decisão recorrida ao não adoptar para a situação sub iudice a jurisprudência veiculada no “acórdão uniformizador de jurisprudência do STA n.º 11/2024, de 6 de junho, proferido no processo n.º 741-23.4BELSB (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunaladministrativo/11-2024-871585082 ), porquanto o mesmo se centra nos pedidos apresentados, e não decididos, de concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada”.
Ora, foi exactamente de modo a estabilizar a jurisprudência em casos como o presente que foi admitido, por Acórdão da Formação de Apreciação Preliminar do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.01.2025, no Proc. nº 2077/24.4BELSB, o recurso de revista, onde se adiantaram, para o efeito, os seguintes fundamentos: “(…) a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido do «indeferimento liminar» da pretensão dos autores por falta de preenchimento, no caso, dos requisitos da urgência e da indispensabilidade do meio processual utilizado, ao que tudo indica conjuga-se mal com o já decidido por este Supremo Tribunal em aresto tirado em formação alargada - Ac STA de 06.06.2024, processo n°0741/23.4BELSB. Por este essencial motivo importará revisitar a decisão recorrida, de forma a clarificá-la, e a solidificá-la, visando - eventualmente - uma melhor decisão de direito e a iluminação de decisões futuras semelhantes. (…)”- in www.dgsi.pt.
Consequentemente, naqueles autos, viria a ser prolatado pelo Colendo Tribunal, o recente Acórdão, de 13-03-2025, in www.dgsi.pt, no qual se decidiu:
“…Assim, para decidir a idoneidade do meio processual utilizado pelos Autores, importa analisar a específica situação dos autos - “é sempre a partir do caso concreto e do alegado na p.i. que o juiz a quo, para efeitos do despacho liminar, perscruta a existência, ou não, de fundamentos factuais que justifiquem a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação” [ac. TCA Sul de 19/03/2024, P. 3760/23.7BELSB ] - aferida em função do pedido e da concreta factualidade que os Autores alegaram na petição inicial para consubstanciar a respetiva causa de pedir.
Efetivamente, segundo cremos, para o acionamento da tutela prevista no art. 109º do CPTA, não basta que os Autores aleguem a existência de violação de direitos, liberdades e garantias pessoais, nem que apelem a anteriores decisões jurisprudenciais para sustentar genericamente a adequação desta tutela, descurando por completo as concretas circunstâncias do seu caso.
De acordo com as regras gerais em matéria de alegação e prova constantes dos arts. 5º do Cód. Proc. Civ. e 342º do Cód. Civil, competia aos Autores alegar, além do mais, factos concretos – nas circunstâncias do caso - suscetíveis de revelar o preenchimento daquele pressuposto da indispensabilidade.
Na nossa perspetiva impunha-se que os Autores, no requerimento inicial, tivessem alegado factos que permitam concluir que o exercício dos seus direitos ficaria inutilizado antes de poder obter decisão judicial em ação não urgente associada ao pedido de uma providência cautelar.
A indispensabilidade seria aferível pela iminência, a imediata perceção de uma violação que está a ocorrer ou em vias de ocorrer.
Como tal, teriam os Autores que fazer constar no requerimento inicial factos suficientemente densificados que demonstrassem tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados que, a não ser travada pelo processo de intimação, já não será possível ou suficiente para impedir a ocorrência dessa lesão o decretamento de uma providência cautelar, ainda que provisoriamente, nos termos conjugados dos artigos 110º-A, nº 2, e 131.º do CPTA (ex: um evento concreto, com data marcada, que não possam realizar ou em que não possam participar se não forem ordenadas as providências requeridas).
Todavia limitaram-se a argumentar, de forma vaga, imprecisa e genérica uma afetação do “direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia e de equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15º nº 1 da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação”, olvidando alegar factos concretos que evidenciem ser indispensável o recurso ao processo de intimação.
Na verdade, conforme resulta das alegações de recurso, os próprios Recorrentes partem da premissa de que a falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só 9 por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
Deste modo, e admitindo-se embora que o facto de os Recorrentes não terem obtido decisão no procedimento de obtenção de ARI e, consequentemente não lograrem conseguir a emissão de título/cartão de residência poderá, em abstrato, contender com o exercício de direitos, liberdades e garantias que invocam, falhando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e, por inerência, da urgência, resulta a falta de idoneidade do meio processual utilizado, razão pela qual a decisão de rejeitar liminarmente o requerimento inicial nos parece acertada.
Veja-se, no sentido que propugnamos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/07/2024 proferido no processo nº 3760/23.7BELSB, que se debruça sobre situação idêntica à do presente caso, onde se pode ler:
“No caso vertente, conforme o que foi julgado pelas instâncias, os ora recorrentes não alegaram qualquer facto concreto que evidencie ser indispensável o recurso ao processo de intimação, ou seja, em termos factuais, não transparece do requerimento inicial nem das conclusões de recurso – designadamente das conclusões 31 a 44, 46 e 47 –, qualquer lesão séria ou ameaça de lesão dos direitos que invocam.
Com efeito, os recorrentes não se encontram a residir em Portugal nem impedidos de entrar no país e também não invocam estarem separados ou impedidos de viver em família ou de acederem a cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência atual. Também não se mostra posto em causa o direito de propriedade sobre o bem imóvel que adquiriram em Portugal.
(…) A situação é, assim, muito diferente da que esteve na base do decidido, em formação alargada, no Ac. STA [FA], de 6.06.2024, P. 741/23.4BELSB.
(…) Com efeito, as instâncias, pelas razões anteriormente expostas, entenderam – e bem – que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é o meio adequado para tal, quando a referida inércia administrativa, segundo o alegado pelo requerente não o deixe numa situação em que um seu direito liberdade ou garantia esteja a ser lesado ou fique na iminência de ser lesado, tornando-se indispensável e urgente para evitar ou eliminar tal lesão continuada tutelá-lo a título principal (e não meramente cautelar).»
21. Assim sendo, bem decidiram as instâncias ao julgarem que a ação de “Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias” não é o meio adequado para reagir perante a identificada inércia administrativa, soçobrando todos os fundamentos de recurso invocados pelos Recorrentes, impondo-se confirmar o acórdão recorrido”.
Logo, e acordo com a citada jurisprudência, tal como se decidiu na sentença recorrida, inexistem, no caso em apreço, quaisquer elementos que impunham o direito célere a uma decisão administrativa em tempo útil para operacionalizar direitos fundamentais, tal como previsto para a presente intimação falhando, assim, os pressupostos inerentes ao uso deste específico meio processual.
O que conduz ao não provimento do recurso, como se decidirá a final.
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Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.
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III. Decisão
Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem esta Subsecção Administrativo Comum da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:
i) ordenar o desentranhamento dos docs. 1 e 2 juntos com a alegação de recurso;
ii) negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
R.N.
Lisboa, 03 de Julho de 2025 Ana Cristina Lameira (Relatora)
Carlos Araújo
Marta Cação Rodrigues Cavaleira |