Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:885/10.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CRITÉRIOS DE SELEÇÃO INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA
FALTA DE CREDENCIAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS/NOTAS DE CRÉDITO
INEXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO
IN DUBIO CONTRA FISCUM
Sumário:I - Não pode ser convocada qualquer preterição do artigo 27.º do RCPIT, se as Ordens de Serviço e competente despacho que procede à alteração do âmbito da inspeção, densificam, de facto e de direito, os critérios de seleção para o visado procedimento inspetivo, mormente critério Regional, devidamente assinalado, percecionando-se, com clareza, todos os elementos atinentes ao efeito.
II - Da interpretação conjugada dos preceitos legais 46.º e 47.º do RCPIT resulta que o início do procedimento externo de inspeção depende da credenciação dos funcionários, sendo que a cominação para a sua falta se coaduna, tão-só, com a possibilidade de oposição aos atos de inspeção.
III - A falta de fundamentação do ato, não é passível de qualquer confusão conceptual com a falta de fundamentação da notificação da liquidação, sendo que esta última não tem efeito invalidante da liquidação.
III - A falta de inclusão, na citação do responsável subsidiário para a execução fiscal, dos elementos essenciais do ato de liquidação donde emerge a dívida exequenda, incluindo a respetiva fundamentação, representa a inobservância da formalidade legal prevista no n.º 4 do artigo 22.º da LGT, a qual configura uma nulidade à luz do regime contido no artigo 191.º do CPC, carecendo de expressa invocação junto do órgão da execução fiscal, podendo a sua decisão ser sindicada jurisdicionalmente ao abrigo do artigo 276.º do CPPT
IV - Para que sejam devidos juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a factualidade necessária ao preenchimento do conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável e que dá origem ao imposto em falta, plasmado no respetivo Relatório de Inspeção Tributária.
V - Competia à Recorrente provar que sendo as faturas emitidas previamente à prestação dos serviços solicitados, o seu não pagamento, da mesma forma que conduzia à emissão das aludidas notas de crédito, implicava a não realização daqueles mesmos serviços até ao seu efetivo pagamento, com a emissão de uma nova e ulterior fatura, respeitante à realização efetiva dos mesmos, por forma a demonstrar-se, inequivocamente, a inexistência do facto tributário.
VI - Não tendo a Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu nº1.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

A…, (doravante Recorrente ou Impugnante), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal administrativo e fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa apresentada na qualidade de responsável subsidiária, contra a cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente aos anos de 2003 e 2004, períodos 0503T e 0506T, e respetivos juros compensatórios, no valor global de €70.412,44, em que é devedora originária a sociedade com a denominação comercial “N… e N… – Gestão de Negócios, Lda.”.


***

A Recorrente apresentou as suas alegações, formulando as conclusões, que infra se reproduzem:

“A) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida no dia 29 de Maio de 2020, no âmbito do processo n.° 885/10.2BELRA, que correu termos na 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida por A….

B) Considera a Recorrente, no entanto, que a douta Sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

C) Como já alegado e demonstrado, o critério de selecção da devedora originária, para o procedimento de inspecção, não é conhecido, em evidente violação do preceituado no artigo 27.°, n.° 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPITA).

D) No caso, a ordem de serviço em causa, não integra elementos que permita aferir da conformidade legal do critério de selecção da devedora originária para o procedimento inspectivo.

E) E assim sendo, “caso a selecção do sujeito passivo para o procedimento de inspecção se desvie destes critérios, é nosso entendimento que se verifica aqui vício procedimental, uma vez que, apesar de a selecção dos inspeccionados constituir um acto interno da Administração fiscal, tal acto tem, necessariamente, que conformar-se com a lei'.

F) No caso dos presentes autos, desconhece-se qual foi o critério aplicado para tal selecção, até porque o conteúdo da ordem de serviço em crise não se mostra apto a revelar que critério foi esse ou, até, se algum critério existiu.

G) Ora, nos termos do artigo 123.° (70-A que corresponde, actualmente, com as devidas adaptações o artigo 151,°, do (novo) CPA), n.° 1, alíneas c) e d), do Código de Procedimento Administrativo (CPA), “sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem sempre constar do acto a enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, quando relevantes e a fundamentação, quando exigível”.

H) Nada disto ocorreu na ordem de Serviço em causa.

I) No caso concreto, não só faltam “a enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, quando relevantes e a fundamentação”, como, igualmente, tais menções não são, “enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poderem determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance”.

J) Por esta ordem de razões, importa concluir que ocorreu, no caso, vício procedimental, com directas consequências no processo de determinação do imposto e a consequente anulabilidade da notificação de liquidação impugnada.

K) Independentemente dos vícios específicos atrás invocados, a verdade é que, nesta parte, resulta de qualquer dos factos alegados quanto à ordem de serviço um outro vício, este consistente na falta de credenciação.

L) Sabe-se, o artigo 46.°, do RCPIT, estabelece os requisitos a que deve obedecer a credenciação quando esta dependa de uma ordem de serviço.

M) “Com efeito, decorre expressamente da redacção do artigo 46°, n° 1, do RCPIT, que a lei proíbe o início do procedimento externo de inspecção sem que exista a credenciação e que o funcionário possua cartão profissional ou outra identificação bastante. ”

N) Daí que os actos de inspecção praticados ao abrigo da ordem de serviço em causa não se mostrem idóneos para fundar a prática do acto impugnado, o qual, também por esta via, não deverá subsistir na ordem jurídica.

O) Na perspectiva do destinatário, a fundamentação deve levar em conta um destinatário normal ou razoável na situação do destinatário real.

P) Na perspectiva dos órgãos de controlo, a fundamentação só será suficiente se contiver os elementos necessários a esse controlo, administrativo e judicial

Q) A "fundamentação" expressa pela AT, para a determinação do imposto por cujo pagamento se pretende responsabilizar a ora Impugnante, não permite tal desiderato.

R) Ora, no caso dos presentes autos, qualquer (alegada) fundamentação a que se possa fazer referência, sempre se dirá que constitui - quando muito - “uma fórmula vaga, genérica e abstracta, do tipo passe-partout, que, por si e como mera referência ao processo gracioso, podia fundamentar qualquer acto administrativo, fosse qual fosse o seu tipo legar.

S) “É necessária uma referência expressa e inequívoca a elementos bem individualizados do processo administrativo [pois] caso contrário estaria a transferir-se para o administrado e, depois, para o tribunal, o ónus ou o dever de determinar, como a lei exige - clara, suficiente e congruentemente, nos expostos termos - o que motivou a decisão tomada, pesquisando no processo quais os elementos tidos em conta na decisão."

T) Por outro lado, é pacífico que, no âmbito da tributação oficiosa, o grau de fundamentação deverá ser especialmente intenso e exigente (cfr. o preceituado no artigo 77.°, da LGT).

U) Ora, o despacho aqui questionado não só não contém quaisquer elementos individualizadores - nomeadamente no que se refere a valores - como do mesmo modo, falta-lhe uma conclusão concreta e individualizadora.

V) O Autor “não concretiza sequer os elementos de que se serviu - a própria enunciação é equívoca”

W) “Em suma, a predita fundamentação é insuficiente, o que equivale à sua falta" o que deverá determinar a anulação do impugnado acto de liquidação do imposto.

X) Mesmo com recurso a grande esforço interpretativo não se consegue retirar qual o iter volitivo que levou a que a AT chegasse ao valor ali identificado como sendo devido.

Y) Constituindo a fundamentação a única forma de se apurar a motivação do autor do acto, há que possuir a certeza absoluta de que foi o autor do acto e não outra pessoa que escolheu aquela motivação.

Z) Ora, tal certeza não existe no presente caso.

AA) A isto acresce ainda que acto praticado e fundamentação do acto praticado têm que possuir, imperativamente, o mesmo autor.

BB) Sendo desconhecida qualquer fundamentação expressa, pertencente ao autor do acto impugnado, há que concluir que mesmo que exista algum texto pretensamente fundamentador do acto,

CC) O acto impugnado foi praticado por um órgão administrativo, mas a autoria da respectiva fundamentação não pertenceu a tal órgão, mas sim a um - ou a vários - funcionários subalternos.

DD) Nestes termos, “sendo obrigatória a notificação do acto, quando ele tem de ser fundamentado é obrigatória a notificação da fundamentação, pois ela, nestes casos, faz parte do acto”.

EE) Nos termos do artigo 36.° n.° 1 e 2 do CPPT os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeito quanto a estes quando lhes sejam regularmente notificados, devendo a notificação conter a fundamentação, a identificação da entidade que praticou o acto, e se o fez no uso de delegação ou de subdelegação de competências.

FF) Nos termos do n.° 9, do artigo 39.°, do CPPT, o acto de notificação da liquidação de imposto será nulo, no caso de falta de indicação do autor do acto, bem como da informação se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do sentido e da sua data.

GG) Neste sentido, importa concluir que, nos termos do n.° 9, do artigo 39.°, do CPPT, a notificação das liquidações é nula, sendo a mesma por conseguinte ineficaz em relação à Impugnante.

HH) Termos em que, os actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios em causa nos presentes autos devem ser anulados por falta de fundamentação.

II) Resulta da prova produzida nos presentes autos, que a sociedade devedora originária prestou serviços aos seus clientes.

JJ) E, posteriormente, anulou (determinadas) facturas mediante a emissão de notas de crédito.

KK) É a própria AT, quem no relatório de inspecção, reconhece que tal procedimento visou anular as facturas que não haviam sido pagas.

LL) E para além de ser esse o comportamento contabilístico e fiscalmente correcto, é também aquele que é sancionado pela própria AT.

MM) Seria, de resto, desprovido de qualquer lógica tributária, fazer permanecer como outputs na contabilidade da sociedade devedora originária aquilo que ela, como reconhecido pela AT no relatório de inspecção, não recebeu.

NN) Por outro lado, cumpre notar que a sociedade devedora originária cumpriu com o requisito previsto no artigo 71.°, n.° 5, do CIVA.

Ad cautelam, sempre se dirá que:

00) Entende a Impugnante que terá de reconhecer-se a existência de fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário.

PP) À míngua de factos e normas fundadoras do acto impugnado, à Impugnante apenas resta negar a existência de qualquer facto tributário.

QQ) Ora, quando se aleguem factos negativos, caberá à AT o ónus da prova de que o facto negativo invocado pela Impugnante não se verificou.

RR) Na verdade, tem sido entendimento pacífico da jurisprudência que, em qualquer caso, quando a prova não for possível ou se tornar muito difícil àquele que, segundo as regras do artigo 342.°, do Código Civil (CC), teria de a fazer, o ónus da prova deixa de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte.

SS) É que o artigo 108.°, n.° 3, do CPPT, ao impor a junção, à petição inicial, dos documentos de prova, obriga a juntar apenas os documentos relativos aos factos em relação aos quais recaia sobre a Impugnante, nos termos gerais, o ónus da prova.

TT) A não ser feita tal interpretação do artigo 108°, n° 3, do CPPT, ele violaria o disposto no artigo 268.°, n° 4, da CRP.

UU) Pois traduzir-se-ia, na realidade, em esvaziar de conteúdo o direito dos interessados ao recurso contencioso.

W) Haverá, pois, que concluir que, não obstante o disposto no artigo 108.°, n.° 3, do CPPT, caberá à AT alegar e provar, facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teria ocorrido facto tributário, recaindo no âmbito da incidência objectiva e subjectiva de IVA e em que consistiu a concreta quantificação efectuada.

WW) O brocardo in dubio contra fiscum exprime um princípio estruturante, quer do processo administrativo tributário, quer do processo contencioso tributário,

XX) De que é, precisamente, expressão, o artigo 100.°, n.° 1, do CPPT.

YY) Por esta ordem de razões, também por aqui, deverá resolver-se o presente litígio no sentido da procedência da pretensão jurídica da Impugnante, consistente na anulação total dos actos tributários impugnados.

ZZ) Nos termos do artigo 405.°, n.° 1 e 2, do CC e dentro dos limites da lei, as partes têm direito de fixar livremente o conteúdo de contratos, de celebrar contratos atípicos, bem como de incluir nos mesmos as cláusulas que lhes aprouverem.

AAA) Neste sentido, a lei civil permite à sociedade N…E N…, acordar com os seus clientes que os serviços de avença só seriam prestados, se as prestações mensais se encontrassem pagas.

BBB) Ora, nos termos do acordo celebrado entre a sociedade representada pela Impugnante e os seus clientes, se no momento da emissão da factura os serviços solicitados não eram prestados, a factura emitida era anulada pela emissão da nota de crédito.

CCC) Se os serviços não eram efectivamente prestados, nos termos do disposto na norma referida nos artigos anteriores, o IVA não era exigível, impondo a lei que a factura enquanto documento com relevância fiscal fosse anulada.

DDD) Se os serviços não eram efectivamente prestados, nos termos do disposto na norma referida nos artigos anteriores, o IVA não era exigível, impondo a lei que a factura enquanto documento com relevância fiscal fosse anulada.

EEE) “Se uma factura pró-forma não corresponder a uma prestação de serviço efectivamente feita e se o emitente da factura não tiver recebido o IVA indicado, não há lugar a sujeição a IVA de um serviço que comprovadamente não foi prestado."

FFF) Sendo que se a sociedade tivesse mantido as referidas facturas no comércio jurídico e tivesse efectuado o lançamento das mesmas, não procedendo à respectiva anulação, estaria de facto a emitir facturas correspondentes a operações simuladas, facto este punido pela lei fiscal e pela lei penal.

GGG) "Não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas’’- de acordo com o n.° 3 do artigo 19.° do Código do IVA.

HHH) Neste sentido e conforme impõe o artigo 78.°, n.° 2, do CIVA, uma vez emitida a factura pela sociedade, nos termos do artigo 45.°, do mesmo Diploma, a sociedade limitou-se a emitir a nota de crédito para anular a mesma,

III) E desta forma pode não registar a operação, nos termos do artigo 44.°, do CIVA, uma vez que o serviço não havia sido prestado e o preço não havia sido pago.

JJJ) E aqui cumpre sublinhar, uma vez mais, a prova testemunhal produzida nestes autos e através da qual, a factualidade conforme alegada pela Impugnante foi, de forma credível e isenta, descrita e confirmada pelas várias testemunhas.

KKK) Com efeito, a Impugnante juntou aos autos cópia dos contratos de prestação de serviços celebrados com as sociedades comerciais, das quais eram (ao tempo) gerentes e/ou sócias duas das testemunhas (71- A… (Docs. n.° 1,2 e 4) e T… (Doc. n.° 3).) (72-Início de actividade da N… e N...) ouvidas no âmbito dos presentes autos. (Cfr. Doc. n.° 1 a Doc. n.° 4 juntos com o requerimento de 08 de Fevereiro de 2017, o qual se dá aqui, para os devidos efeitos por legalmente reproduzido)

LLL) Conforme resulta daqueles contratos, o pagamento dos honorários estabelecidos entre a N… E N… e os seus clientes, deveria ser feito “até ao dia 15 do mês seguinte ao mês a que respeitar.

MMM) Tratando-se de contrato(s) celebrado(s) em Agosto de 200202, o(s) Cliente(s) deveria(m), nos termos do outorgado, entregar a documentação de Agosto sujeita a tratamento contabilístico até ao dia 15 de Setembro de 2002,

NNN) Documentação essa que seria objecto do trabalho a desenvolver pela sociedade N… E N…,

OOO) E, em consequência, deveriam nessa altura - até 15 de Setembro - pagar a avença do mês de Agosto de 2002,

PPP) Pelos serviços, repete-se, que seriam prestados em momento subsequente à entrega dos documentos contabilísticos.

QQQ) Neste enquadramento fáctico, as respectivas facturas eram emitidas e entregues aos Clientes até ao dia 15 de cada mês.

RRR) Pelo que, caso o Cliente não procedesse ao seu pagamento e de acordo com o procedimento adoptado pela “N… e N…”, a factura seria anulada.

SSS) Os serviços não eram prestados (relativamente) à documentação entregue.

TTT) E era emitida uma nota de crédito.

UUU) Apenas com o pagamento pelo Cliente, a sociedade (em causa) prestava os serviços e emitia nova factura.

VVV) Em suma, foi este o procedimento adoptado pela sociedade e que foi, de resto, descrito pelas testemunhas inquiridas em 01 de Fevereiro de 2017.

WWW) Com efeito, encontra-se demonstrado (nestes autos) que a sociedade devedora originária emitiu pela segunda vez facturas, relativamente a uma mesma prestação de serviços.

XXX) Mas, isto porque a primeira factura emitida não foi efectivamente paga, dando lugar à emissão de nota de crédito, uma vez que relativamente a essas (primeiras) facturas emitidas, a N… E N… não recebeu qualquer pagamento.

YYY) Ora, não debitando IVA aos seus Clientes, a sociedade devedora originária em nada lesou os interesses do Estado.

ZZZ) Por outro lado e já no que respeita aos juros compensatórios, cumpre salientar que a liquidação (dos mesmos) obedece, na sua plenitude, às exigências próprias do procedimento administrativo e do procedimento administrativo tributário.

AAAA) Sendo que, os actos tributários, para serem válidos, necessitam (como referido supra) de ser fundamentados.

BBBB) Nos termos das disposições conjugadas previstas no artigo 268.°, n.° 4, da CRP e artigo 77.° da LGT, os actos tributários de liquidação - que se sabem actos lesivos de eficácia externa - encontram-se sujeitos à fundamentação contextuai e suficiente, manifestada aquando da prática do acto e como elemento constituinte do mesmo.

CCCC) Por outro lado e já no que respeita aos juros compensatórios, cumpre salientar que a liquidação (dos mesmos) obedece, na sua plenitude, às exigências próprias do procedimento administrativo e do procedimento administrativo tributário.

DDDD) Sendo que, os actos tributários, para serem válidos, necessitam (como referido supra) de ser fundamentados.

EEEE) Nos termos das disposições conjugadas previstas no artigo 268.°, n.° 4, da CRP e artigo 77.° da LGT, os actos tributários de liquidação - que se sabem actos lesivos de eficácia externa - encontram-se sujeitos à fundamentação contextual e suficiente, manifestada aquando da prática do acto e como elemento constituinte do mesmo.

FFFF) O que, no caso em apreço, não se verificou.

GGGG) Existindo, apenas, uma notificação, onde se dá a conhecer à sociedade o montante das suas obrigações de pagamento.

HHHH) Assim, para além de violar o dever de fundamentação, o procedimento da AT fere o princípio do contraditório e o direito à ampla defesa, princípios que se encontram constitucionalmente garantidos e que assistem como pilares ao procedimento e processo tributário.

lll) Face ao exposto, estes actos deverão ser anulados, por vício de forma, enquanto irregularidade que condicionou, indubitavelmente, a Impugnante na sua presente defesa.

JJJJ) Por outro lado, para a liquidação de juros compensatórios, exige-se a culpa, ou seja, o atraso deve consubstanciar-se num comportamento censurável do contribuinte.

KKKK) “Não estando demonstrada nos autos a culpabilidade da Reclamante no retardamento da liquidação não são devidos, a nosso ver, juros compensatórios.’’

LLLL) Os juros compensatórios possuem natureza indemnizatória, pelo que se impõe, para que sejam exigíveis, a existência de um nexo subjectivo de imputação do retardamento da liquidação ao contribuinte, a título de culpa.

MMMM) O critério de apreciação da culpa é o da diligência de um bonnus pater familiae, em face das circunstâncias concretas do caso, ou seja, um homem abstracto suposto pela ordem jurídica, colocado nas mesmas circunstâncias em que o agente actuou.

NNNN) Falta, assim, um nexo de imputação subjectiva, traduzido em um comportamento censurável.

OOOO) Na falta desse nexo, não poderão ser exigidos juros compensatórios.

PPPP) Face a todo o exposto, deverá determinar-se a anulação dos actos de liquidação, referentes a juros compensatórios.

III - Pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência devem ser anuladas as liquidações sub judice, referentes a IVA dos exercícios de 2003, 2004 e dos períodos 0503T, 0506T, como também as liquidações de juros compensatórios reportadas àquele período, tudo com as necessárias consequências legais.


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A Recorrida DRFP optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso apresentado pela Impugnante.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:

“A) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Leiria, emitiram documento em nome da sociedade "N… e N… - Gestão de Negócios, Lda.", pessoa coletiva n.° 5…, com a menção "Procedimento de Inspecção Externa - Ordem de Serviço (Art.° 46° do RCPIT) N° OI200503640", do qual consta conforme segue:

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(...)» - conforme documento a folhas 4 (separador "Carta Aviso") do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

B) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Leiria, emitiram documento em nome da sociedade a que se alude em A), denominado "Alteração dos Fins, Âmbito e Extensão do Procedimento - Art° 15° do RCPIT", do qual consta conforme segue: «(...)




(…)


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(...)» - conforme documento a folhas 5 (separador "Carta Aviso") do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

C) Sobre o documento a que se alude em B) foi exarado despacho do chefe de divisão, do qual consta conforme segue:

«Concordo c/alteração. Notifique-se o SP. (...)» - conforme documento a folhas 5 (separador "Carta Aviso") do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

D) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Leiria, emitiram documento em nome da sociedade a que se alude em A), com a menção "Procedimento de Inspecção Externa - Ordem de Serviço (Art.° 46° do RCPIT) N° OI200503640", do qual consta conforme segue:

«(...)


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(...)


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(...)» - conforme documento a folhas 6 (separador "Carta Aviso") do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

E) No âmbito do procedimento a que se alude em A) e D) foi elaborado "Relatório de Inspecção Tributária" (RIT), datado de 10.05.2006, do qual consta conforme segue:

«(...)




(...)» - conforme documentos a folhas 4 a 18 [separador "(...) Relatório Inspectivo Final] do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

F) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Leiria, remeteram à sociedade a que se alude em A) ofício datado de 16.05.2006, sob o assunto "Notificação do Relatório de Inspecção Tributária", do qual consta conforme segue:

«(…)




(...)» - conforme documentos a folhas 1 a 3 [separador "(...) Relatório Inspectivo Final] do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

G) Os Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Leiria, emitiram em nome da sociedade a que se alude em A), documento denominado "Informação Preliminar - Indícios de Crime Fiscal", datado de 07.12.2005 - conforme documentos a folhas 1 a 192 [do separador "Informação Preliminar (Indícios de Processo Crime)"] do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

H) Da matrícula da sociedade a que se alude em A) consta conforme segue:

«(…)


«Imagem em texto no original»


(...)» - conforme documentos a folhas 5 a 7 (do separador "Elementos em Arquivo (...) da DF de Leiria") do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

I) A Autoridade Tributária emitiu em nome da sociedade a que se alude em A), liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios respeitantes aos anos de 2003 e 2004, bem como, aos períodos 0503T e 0506T, no valor global de 70.412,44 euros - conforme documentos a folhas 26 a 28 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

J) A Autoridade Tributária instaurou execução fiscal contra a sociedade a que se alude em A), à qual corresponde o processo n.° 1350200601053809, do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, tendo por base a dívida a que se alude em I) – conforme documentos a folhas 26 a 28 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

K) Em 03.09.2009 foi proferido, no âmbito do processo a que se alude em J), "despacho (reversão)" em nome da Impugnante, do qual consta conforme segue: «(...)


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(...)» - conforme documento a folhas 29 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

L) O Serviço de Finanças das Caldas da Rainha dirigiu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em J), ofício datado de 22.09.2009, do qual consta conforme segue:

«(...)


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(...)» - conforme documentos a folhas 32 e 33 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

M) Em 12.01.2010 foi recebida no Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, "reclamação graciosa" em nome da Impugnante contra as liquidações de IVA e juros compensatórios a que se alude em I) - conforme documentos a folhas 3 a 53 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

N) A "reclamação graciosa" a que se alude em M) correu termos sob o processo n.° 1350201004000277, do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha - conforme documento a folhas 55 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

O) Em 18.03.2010 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em N), informação dos Serviços de Inspecção Tributária, da Direção de Finanças de Leiria, da qual consta conforme segue:

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(...)» - conforme documento a folhas 62 a 68 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

P) Em 27.04.2010 foi proferido, no âmbito do processo a que se alude em N), "Projecto de Decisão", do qual consta conforme segue:

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1. (...)» - conforme documento a folhas 69 a 72 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

Q) Sobre o projeto a que se alude em P) foi exarado despacho do chefe da Divisão de Justiça Tributária - Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria, datado de 27.04.2010, do qual consta conforme segue:

«Notifique-se o reclamante para, querendo, exercer o direito de audição, nos termos do Art° 60 do L.G.T. (...)» - conforme documento a folhas 69 a 72 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

R) A Divisão de Justiça Tributária - Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria, remeteu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em N), ofício datado de 28.04.2010, sob o assunto "Notificação. Direito de audição nos termos do n.° 5 do art° 60° da Lei Geral Tributária" - conforme documentos a folhas 73 e 74 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

S) Em 03.05.2010 foi remetido à Direção de Finanças de Leiria, requerimento em nome da Impugnante com vista a exercer o seu "direito de audição", no âmbito do processo a que se alude em N) - conforme documentos a folhas 75 a 78 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

T) Em 05.05.2010 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em N), "Informação/Decisão Final", da qual consta conforme segue:

«(…)


«Imagem em texto no original»


(...)» - conforme documento a folhas 79 a 82 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

U) A Divisão de Justiça Tributária - Contencioso, da Direção de Finanças de Leiria, remeteu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em N), ofício datado de 07.05.2010, do qual consta conforme segue:

«(…)




(...)» - conforme documentos a folhas 83 a 85 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

V) O ofício a que se alude em U) foi recebido em 11.05.2010 - conforme documentos a folhas 83 a 85 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

W) Entre a sociedade a que se alude em A) e as sociedades "A…- A… Climatização, Lda." (NIPC 5…), "A… & S…, Lda." (NIPC 5…) e "V…- S… Imobiliária, Lda." (NIPC 5…), todas representadas por A…, foram celebrados "contratos de prestação de serviços" datados de 01.08.2002, dos quais consta conforme segue:

«(…)


«Imagem em texto no original»


(...)» - conforme documentos a folhas 211 a 213, 225 a 227 e 250 a 252 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

X) Entre a sociedade a que se alude em A) e a sociedade "X… - S… Vending, Lda." (NIPC 5…), representada por V…, foi celebrado "contrato de prestação de serviços" datado de 01.08.2002, do qual consta conforme segue:

«(...)


«Imagem em texto no original»


(...)» - conforme documento a folhas 238 a 240 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

Y) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "A…- A… Climatização, Lda.", a que se alude em W), documentos denominados "Factura", datados de 31.10.2004, 30.11.2004, 31.12.2004, 31.01.2005, 28.02.2005, 31.03.2005, 30.04.2005 e 30.11.2005 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Outubro, Novembro, Dezembro de 2004, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Junho e Agosto de 2005") - conforme documentos a folhas 214 a 216, 218 a 220, 222 e 224 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

Z) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "A…- A… Climatização, Lda.", a que se alude em W), documentos com a menção "Crédito", datados de 31.12.2004 (com o descritivo "Anulação das facturas de Out. Nov. E Dez. 2004"), 31.03.2005 (com o descritivo "Anulação das nossas facturas de Janeiro a Março"), 30.06.2005 (com o descritivo "Anulação da nossa factura de Abril") - conforme documentos a folhas 217, 221 e 223 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

AA) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "A… & S…, Lda.", a que se alude em W), documentos denominados "Factura", datados de 31.12.2003, 27.02.2004 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Dez. 2003"), 30.04.2004, 31.05.2004, 30.06.2004, 30.12.2004 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Abril de 2004"), 31.01.2005 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Maio de 2005") e 31.03.2005 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Junho de 2004") - conforme documentos a folhas 228, 230 a 233 e 235 a 237 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

BB) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "A… & S…, Lda.", a que se alude em W), documentos com a menção "Crédito", datados de 31.12.2003 (com o descritivo "Anulação da nossa factura de Dezembro de 2003") e de 30.06.2004 (com o descritivo "Anulação das nossas facturas de Abril, Maio e Junho") - conforme documentos a folhas 229 e 234 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

CC) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "X… - S… Vending, Lda.", a que se alude em X), documentos denominados "Factura", datados de 31.07.2003, 31.08.2003, 30.09.2003, 31.10.2003, 30.11.2003, 31.12.2003 e 30.04.2004 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Maio a Dezembro de 2003") - conforme documentos a folhas 241 a 243, 245 a 247 e 249 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

DD) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "X… - S… Vending, Lda.", a que se alude em Y), alude em X), documentos com a menção "Crédito", datados de 30.09.2003 (com o descritivo "Anulação das nossas facturas de Julho, Agosto e Setembro") e de 31.12.2003 (com o descritivo "Anulação das nossas facturas de Out. Nov. e Dezembro de 2003") - conforme documentos a folhas 244 e 248 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

EE) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "V… - S… Imobiliária, Lda.", a que se alude em W), documentos denominados "Factura", datados de 31.07.2004 ("Factura Nr 1002231"), 31.08.2004 ("Factura Nr 1002331"), 30.09.2004 ("Factura Nr 1002423), 30.11.2005 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Julho/2004"), 30.12.2005 (com o descritivo "Recuperação da contabilidade de Agosto 2004") e 31.01.2006 (com o descritivo "Recuperação da contab. de Setembro 2004 e Outubro 2004") - conforme documentos a folhas 253 a 255 e 257 a 259 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

FF) A sociedade a que se alude em A) emitiu em nome da sociedade "V… - S… Imobiliária, Lda.", a que se alude em W), documento com a menção "Crédito", datado de 30.09.2004 (com o descritivo "Anulação das Facturas N.° 1002231, 1002331, 1002423) - conforme documento a folhas 256 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

GG) Nos anos de 2003 a 2005 a sociedade a que se alude em A) prestava serviços, relativamente à maior parte dos seus clientes, em regime de contrato de "avença";

HH) Nos anos de 2003 a 2005 a sociedade a que se alude em A) emitia, relativamente à maior parte dos seus clientes, faturas mensais;

II) Nos casos em que as faturas a que se alude em HH) não eram pagas, a sociedade a que se alude em A) anulava as mesmas e após, emitia "notas de crédito" que eram rubricadas pelo cliente;

JJ) Nos casos em que as faturas a que se alude em HH) não eram pagas, os clientes eram advertidos de que a sociedade a que se alude em A) deixaria de lhes prestar os seus serviços;

KK) As faturas emitidas em nome das sociedades a que se alude em W), que foram anuladas, reportam-se a serviços prestados anteriormente à respetiva emissão;

LL) A petição inicial da impugnação foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 18.05.2010 conforme sobrescrito a folhas 74 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.”


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“1 - Que os serviços constantes das faturas iniciais, anuladas pela "N… e N… - Gestão de Negócios, Lda.", apenas foram prestados depois do respetivo pagamento;

2 - Que o valor dos pagamentos respeitantes às novas faturas, emitidas após regularização das notas de crédito emitidas, foram refletidos na contabilidade da "N… e N… - Gestão de Negócios, Lda."


***

A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.

Quanto aos factos sob as alíneas GG) a KK) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas inquiridas, as quais depuseram com segurança e coerência, merecendo por isso, e atenta, ainda, a respetiva razão de ciência, a credibilidade do Tribunal.

Em particular, quanto à factualidade sob as alíneas GG) a II) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento de todas as testemunhas inquiridas.

Quanto à factualidade sob a alínea JJ) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A… e A….

Quanto à factualidade sob a alínea KK) dos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento da testemunha A…, representante legal das sociedades em causa.

No que respeita aos factos não provados, a convicção do Tribunal resulta de nenhuma testemunha ter procedido à respetiva confirmação com a certeza e segurança exigíveis à formação da convicção do Tribunal no sentido da verificação da aludida factualidade, nem a mesma resultar de forma inequívoca dos documentos juntos aos autos; sendo que, no que tange às faturas a que alude a alínea KK) dos factos provados, o ponto 1) dos factos não provados saiu infirmado.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

MM) A 08 de setembro de 2008, foi emitida citação reversão em nome de A…, integrando como anexos, listagem com descrição integral da dívida, identificando, particularmente, o número do processo executivo, a proveniência, a certidão, o documento de origem, o período de tributação, a data limite de pagamento voluntário, o tributo e o valor, e bem assim o despacho de reversão referido em K) e informação instrutora emitida pela Técnica Administração Tributária Adjunta, da qual resulta, designadamente, expressa menção ao Relatório de Inspeção Tributária identificado em E) (cfr. fls. 30 a 33 do PA apenso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela responsável subsidiária, contra a cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA dos anos de 2003, 2004 e dos períodos 0503T, 0506T, e respetivos JC, no valor global de €70.412,44, em que é devedora originária a sociedade com a denominação comercial “N… e N… – Gestão de Negócios, Lda.”.

Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

Ø Incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto ao critério de seleção constante no artigo 27.º do RCPIT, e bem assim quanto à falta de credenciação dos funcionários em ordem ao consignado no artigo 47.º do mesmo diploma legal.

Ø Ajuizou, erradamente, que inexistia falta de fundamentação formal dos atos impugnados, sendo que quanto à liquidação de juros compensatórios a mesma não comporta qualquer apreciação no domínio da culpa;

Ø Decidiu, com desacerto, quanto à inexistência do facto tributário e à própria valoração do princípio do in dubio contra fiscum.

Apreciando.

De relevar ab initio que a Recorrente não impugna a matéria de facto, em ordem aos requisitos constantes no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento por complementação ou supressão do probatório, em nada relevando as considerações genéricas aduzidas em JJJ) e VVV), encontrando-se, por isso, a mesma devidamente estabilizada.

A Recorrente convoca, desde logo, erro de julgamento quanto à sentenciada inexistência de preterição do artigo 27.º, nº1, do RCPIT, na medida em que, inversamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, desconhece-se o critério de seleção da sociedade devedora originária para o procedimento de inspeção, não contemplando a Ordem de Serviço qualquer elemento que permita aferir dessa conformidade legal.

Neste âmbito, discorreu a decisão recorrida, designadamente, o seguinte:

“Compulsada a ordem de serviço a que se alude em A) dos factos provados, resulta que o critério de seleção da sociedade "N… e N… - Gestão de Negócios, Lda." para ser objeto de procedimento inspetivo tem um cariz regional.
Acresce que, extrai-se do documento a que se alude em B) e C) dos factos provados, sob o item "Alteração do âmbito/extensão da acção inspectiva e fundamentação", conforme segue:
«Tendo sido iniciada a acção inspectiva, conforme Ordem de Serviço n° OI200503640 notificada em 03/11/2005, propõe-se a alteração, com os seguintes fundamentos:
No decorrer da acção de inspecção a este sujeito passivo apurou-se que além do não envio das declarações do IVA e o não pagamento do correspondente imposto, dos períodos de 04,03T a 05,06T, não foi efectuado o pagamento do IVA apurado nos períodos 03,09T e 03,12T. Verificamos também algumas incorrecções em sede de IRC no exercício de 2004.
Pelo exposto propomos que a extensão da presente inspecção seja alargada, para efeitos de IVA, aos períodos do exercício de 2003 e o seu âmbito seja, no exercício de 2004, alargado ao IRC.
Resulta, assim, que o procedimento inspetivo em causa teve na sua base o comportamento fiscal desconforme da sociedade "N… e N…- Gestão de Negócios, Lda.", o que, para além de ter sido dado a conhecer à Impugnante, conforme é evidenciado pelo teor dos documentos a que se alude em B) e D) dos factos provados, foi, de resto, externado no relatório final inspetivo (…).”

Ora, tendo presente a fundamentação supra expendida e transpondo a mesma para o regime normativo não se vislumbra o aduzido erro de julgamento.

Com efeito, preceituava o normativo 27.º do RCPIT, sob a epígrafe de “seleção” que:

“1 - A identificação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspecionar no procedimento de inspeção tem por base:
a) A aplicação dos critérios objetivos definidos no PNAIT para a atividade de inspeção tributária;
b) A aplicação dos critérios que, embora não contidos no PNAIT, resultem de orientações a nível comunitário ou internacional, sejam definidos pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de acordo com necessidades conjunturais de prevenção e eficácia da inspeção tributária ou correspondam à aplicação justificada de métodos aleatórios;
c) A participação ou denúncia, quando sejam apresentadas nos termos legais;
d) A verificação de desvios significativos no comportamento fiscal dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários perante os parâmetros de normalidade que caracterizam a atividade ou situação patrimonial, ou de quaisquer atos ou omissões que constituam indício de infração tributária.
2 - Os casos em que a iniciativa da inspeção tributária é do próprio sujeito passivo ou de terceiro que igualmente prove interesse legítimo estão sujeitos a regulamentação especial.”

Logo, tendo por base o preceito que, alegadamente, a Recorrente entende ter sido violado, não se vislumbra, de todo, qualquer preterição legal, porquanto da interpretação da factualidade constante no probatório e densificada na decisão recorrida, se conseguem retirar quais os critérios que presidiram à realização da ação inspetiva.

Inversamente ao aduzido pela Recorrente, as Ordens de Serviço e competente despacho que procede à alteração do âmbito da inspeção, densificam, de facto e de direito, os critérios de seleção para o visado procedimento inspetivo, mormente critério Regional, devidamente assinalado, percecionando-se, com clareza, todos os elementos atinentes ao efeito, e sem que possa, ademais, ser reclamada qualquer preterição do artigo 123.º do CPA.

Aliás, no próprio Relatório de Inspeção Tributária encontra-se, outrossim, densificado esse critério dele se externando, designadamente, o seguinte:

“O Sujeito passivo, exerce a sua actividade como prestador de serviços de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal. Aquando da inspecção a um seu cliente, constatou-se que o sujeito passivo não tinha entregue algumas declarações de IVA. Foi emitida Ordem de Serviço para a inspecção, em sede de IVA, para os períodos de 04.03T a 05.06T pelo facto das declarações periódicas de IVA destes períodos, não terem sido entregues.

No início da nossa inspecção constatamos que-para além da não entrega das declarações periódicas de IVA dos períodos referidos - as declarações dos períodos de 03.09T e 03.12T haviam sido enviadas sem os meios de pagamento do imposto, apurado nos termos dos artigos 19.° a 25.° e 71.° do CIVA e a existência de algumas incorrecções em sede de IRC, no exercício de 2004. Por este facto foi autorizado alargar a extensão da Ordem de Serviço, para efeitos de IVA, aos períodos do exercício de 2003 e o âmbito, para efeitos de IRC, ao exercício de 2004”.

Face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, improcede o aludido erro de julgamento.

Prosseguindo.

Advoga, igualmente, erro de julgamento quanto à falta de credenciação, porquanto no caso vertente, e inversamente ao ajuizado na decisão recorrida ocorre preterição do artigo 46.º do RCPIT, donde os atos de inspeção praticados ao abrigo da ordem de serviço em causa não se mostram idóneos para fundar a prática do ato impugnado.

No concernente a esta questão o Tribunal a quo após convocar o normativo legal atinente ao efeito, esteou a sua improcedência relevando, designadamente, o seguinte:

“[p]erscrutado o teor das ordens de serviço a que se alude em A) e D) do probatório, resulta conterem as mesmas todos os elementos enumerados na norma acabada de aludir, em particular, a identificação dos funcionários incumbidos da prática dos atos de inspeção, mais resultando ter sido entregue cópia das mesmas, respetivamente, ao TOC e à Impugnante, circunstância que não vem, de resto, pela mesma contrariada.

Nestes termos, encontrando-se os referidos funcionários munidos das ordens de serviço em causa, impõe-se concluir, à luz do que emana do n.° 2 do citado artigo 46.° do RCPIT encontrarem-se os mesmos devidamente "credenciados", com o que falece o vício em causa.”

E mais uma vez, não se vislumbra qualquer erro de julgamento.

Com efeito, preceituava o citado artigo 46.° do RCPIT, na redação aplicável e na parte que ora releva, conforme segue:

«1 - O início do procedimento externo de inspeção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam.

2 - Consideram-se credenciados os funcionários da Direcção-Geral dos Impostos munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento de inspeção ou, no caso de não ser necessária ordem de serviço, de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do acto.

3 - A ordem de serviço deverá conter os seguintes elementos:

a) O número de ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspeção;

b) A identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos atos de inspeção, do respetivo chefe de equipa e da entidade a inspecionar;

c) O âmbito e a extensão da ação de inspeção. (…)”.

Mais preceituava o artigo 47.º do mesmo diploma legal relativamente às consequências da falta de credenciação que:

“É legítima a oposição aos atos de inspeção com fundamento na falta de credenciação dos funcionários incumbidos da sua execução.”

Ora, da interpretação conjugada dos aludidos preceitos legais dimana que o início do procedimento externo de inspeção depende, efetivamente, da credenciação dos funcionários e do porte de cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam, visando, assim, assegurar que a inspeção é efetuada por quem se encontra habilitado para tal, sendo certo que a cominação para a falta de credenciação é, tão-só, a legítima oposição aos atos de inspeção (1-Vide Acórdãos TCAS, proferido no processo nº 241/12, de 03.11.2019 e TCAN prolatado no processo n.º 006071, de 29.03.2012.).

No caso sub judice, conforme dimana do probatório foi emitida a Ordem de serviço para a realização da ação inspetiva de natureza externa e de âmbito parcial ao IVA, dos anos de 2004 e 2005, e ulteriormente foi decretada a alteração do âmbito da ação de inspeção tendo a mesma sido alargada ao IVA do ano de 2003 e ao IRC do exercício de 2004, com ulterior emissão de nova Ordem de serviço, constando, por seu turno, como funcionários credenciados para a prática dos atos de inspeção A… e A….

Constatando-se, a final, que o Relatório de Inspeção Tributária reportado a esses anos foi elaborado, precisamente, por A…, com parecer do Coordenador A….

Ora, face ao supra exposto, é por demais evidente que não se verifica a aludida falta de credenciação. De todo o modo, sempre se dirá que, in casu, mesmo ajuizando-se existir uma mera irregularidade, a verdade é que a mesma nunca lograria afetar os atos de liquidação cominando-os de anulabilidade, visto que não se vislumbra de que forma-nem tão pouco a Recorrente o substancia como era seu ónus- a alegada falta de credenciação prejudicou os direitos da Recorrente, até porque, no caso vertente, deduziu a presente impugnação judicial.

Acresce, outrossim, que não resulta dos autos, nem tão-pouco a Recorrente o alega, como era seu ónus, que tenha havido qualquer oposição aos atos de inspeção, permitindo, assim, inferir que a Recorrente não colocou em causa que os funcionários da AT que procederam à inspeção -indicados nas Ordens de Serviço entregues e assinadas pelo Técnico Oficial de Contas da sociedade, e pela própria Recorrente, e bem assim do despacho que procedeu à sua alteração, por si, igualmente, assinado- não tenham sido legalmente habilitados para a prática dos respetivos atos inspetivos.

A final e que conforme já evidenciado anteriormente, a cominação para a falta de credenciação está tipificada na lei, tendo o legislador, de forma absolutamente clara, regulamentado no citado normativo 47.º do RCPIT que as consequências para a falta de credenciação coadunam-se, tão-só, com a possibilidade de oposição aos atos de inspeção, inexistindo, assim, qualquer fundamento para concluir que tal falta tem como efeito a ineficácia ou implica a nulidade dos atos de inspeção e subsequentemente dos atos de liquidação. [Neste particular, vide, designadamente, os Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 241/12, de 31.10.2019 e 1429/08.1BELRS, de 11.04.2019].

Face ao exposto, improcede, igualmente, o aludido erro de julgamento.

Continuando com o erro de julgamento atinente à falta de fundamentação.

Neste âmbito, prossegue assacando erro de julgamento, na medida em que a fundamentação tem de ser coeva, contemporânea e devidamente esclarecedora, realidade que não sucede no caso vertente. Sublinha, ademais, que no âmbito da tributação oficiosa, o grau de fundamentação deverá ser especialmente intenso e exigente.

Adensa, neste âmbito, que o despacho aqui questionado não só não contém quaisquer elementos individualizadores - nomeadamente no que se refere a valores - como do mesmo modo, falta-lhe uma conclusão concreta e individualizadora, sendo que o ato praticado e fundamentação do ato praticado têm que possuir, imperativamente, o mesmo autor.

Conclui que sendo obrigatória a notificação do ato, tendo o mesmo de ser fundamentado é obrigatória a notificação da fundamentação, pois ela, nestes casos, faz parte do ato, conferindo-lhe caráter invalidante, e sem que se possa apelar ao artigo 37.º do CPPT.

No concernente à falta de fundamentação o Tribunal a quo, evidenciou, designadamente, o seguinte:

“Nesta sede sustenta a Impugnante, entre o mais, que tal como a devedora originária, nunca recebeu qualquer "fundamentação expressa" dos atos impugnados, sendo que o "documento de citação" não contém todos os elementos essenciais dos atos de liquidação.

Cabe atentar que constitui objeto imediato da presente impugnação a decisão de indeferimento proferida no seio do processo de reclamação graciosa n.° 1350201004000277, do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha, a que se alude em N) e T) dos factos provados, constituindo, por outro lado, objeto mediato da mesma, as liquidações de IVA a que se alude em I) dos factos provados.

No que tange à decisão final proferida no seio do aludido procedimento de reclamação graciosa, compulsado o seu teor, considera este Tribunal que a mesma, alicerçada em informação dos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária, que transcreve e para cuja motivação remete, se encontra adequadamente fundamentada, quer de facto, quer de direito.

No que respeita à invocada falta de fundamentação da liquidação, por referência ao ofício de citação remetido à Impugnante no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1350200601053809, do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha [conforme alíneas J) a L) do probatório], reproduz-se a jurisprudência firmada, entre outros, no recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 05.02.2022, no sentido de que «a falta de inclusão, na citação do responsável subsidiário para a execução fiscal, dos elementos essenciais do acto de liquidação donde emerge a dívida exequenda, incluindo a respectiva fundamentação, representa a inobservância da formalidade legal prevista no n.° 4 do artigo 22.° da LGT, a qual configura uma nulidade à luz do regime contido no artigo 198.° do CPC» [artigo 191.° do NCPC].

Ora, conforme vem sendo decidido pacificamente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo3, a nulidade/irregularidade da citação - que não constitui fundamento de impugnação, nem de oposição - deve ser arguida perante o órgão da execução fiscal, com eventual reclamação da decisão para o tribunal, donde resulta, não poder o vício em causa, na aludida formulação, ser apreciado no seio da presente impugnação.

No que respeita à fundamentação (formal) dos concretos atos de liquidação postos em crise, particularmente, por referência à devedora originária enquanto destinatária dos mesmos, reproduz-se o sentido do aresto proferido pelo TCA Sul no supra citado Processo n.° 1301/06.0BELRA, o qual decidiu conforme segue:

«(...) importa apurar se os actos tributários, aqui sindicados, se mostram, ou não formalmente fundamentados, redundando, por isso e essencialmente, tal fundamentação, na que tiver sido utilizada para a fixação da matéria colectável corrigida, já que tal alteração é que consubstancia a vontade da AF, no caso vertente, na medida em que, uma vez concretizada, a liquidação stricto sensu, enquanto operação de apuramento do montante de imposto devido, se mostra estritamente vinculada ao ordenamento jurídico vigente.

- Ora, no caso presente, e como aliás foi dado conhecimento à impugnante (...), o despacho que veio a determinar a alteração da matéria tributável que, por seu turno, deu origem aos actos tributários impugnados, limita-se a fazê-lo, por concordância com o relatório da acção inspectiva, assim se apropriando das razões que levaram o seu autor a propor aquelas mesmas correcções, pelo que, como temos por axiomático, será em função do afirmado nesse mesmo relatório que se imporá aferir da existência, ou não, da aludida fundamentação formal.

- Ora, tendo em consideração o que se dá conta no referido relatório, muito particularmente no seu ponto III.1.1, com referência ao seu segmento relativo à «Análise dos recebimentos dos clientes», aliás transcrito no probatório, tem-se por evidente, que ali se referem, quer as razões de facto, quer a motivação jurídica, que subjazem ao agir da AT, de uma forma coerente, adequada à decisão tomada, - enquanto motivação credível e apta à ilação extrapolada -, e de forma absolutamente perceptível, cumprindo, nessa medida e manifestamente, aquela aludida dupla vertente de, por uma lado, atestar devida ponderação pela AT, da sua conduta e, por outro, facultando à recorrente todos elementos adequados a habilitá-la a tomar uma decisão de se conformar ou, ao invés, de reagir, contra o proceder da administração fiscal.

- Em suma, pois, se conclui que as presentes liquidações não padecem da apontada insuficiência e, muito menos, ausência de fundamentação formal. (...)”

Vejamos, então.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (2-cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.).

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (3-neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.).

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (4-Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.)”.

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.

Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (4-Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012)(destaques nossos).

Por outro lado, e tendo em consideração que nos encontramos perante a discussão de atos de liquidação emitidos em nome da sociedade devedora originária, e objeto de citação ao responsável subsidiário, há que ter presente o consignado no artigo 22.º, nº4 da LGT do qual dimana que “[a]s pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.”

Feitos estes considerandos de direito apliquemos ao caso vertente.

De relevar, desde já, que não se vislumbra o alcance do aduzido em T), atenta, desde logo, a natureza das correções e dos atos de liquidação adicional.

Sendo, igualmente, de sublinhar que a falta de fundamentação do ato, não é passível de qualquer confusão conceptual com a falta de fundamentação da notificação da liquidação, sendo que esta última não tem efeito invalidante da liquidação.

Mais importa sublinhar que, qualquer irregularidade ocorrida em sede de citação, mormente, por a mesma não identificar cabalmente os atos de liquidação que subjazem à cobrança coerciva ou por não vir acompanhada dos seus elementos essenciais, a mesma constitui nulidade que carece de ser arguida, como aduzido e bem na decisão recorrida, mediante requerimento junto do órgão da execução fiscal, realidade que, in casu, não foi realizada.

Com efeito, constitui jurisprudência unânime e consolidada que a falta de inclusão, na citação do responsável subsidiário para a execução fiscal, dos elementos essenciais do ato de liquidação donde emerge a dívida exequenda, incluindo a respetiva fundamentação, representa a inobservância da formalidade legal prevista no n.º 4 do artigo 22.º da LGT, a qual configura uma nulidade à luz do regime contido no artigo 191.º do CPC, carecendo de expressa invocação junto do órgão da execução fiscal, podendo a sua decisão ser sindicada jurisdicionalmente ao abrigo do artigo 276.º do CPPT [Vide, designadamente, Acórdãos STA, proferidos nos processos nºs 833/14, de 03.08.2020, 0178/14, de 05.02.2020, 01384/13, de 25.09.2013 e 01075/11, de 19.09.2012]. Logo, inexistindo essa expressa arguição em sede e momento próprio, encontra-se precludida a sua sindicância.

Acresce que, inversamente ao alegado pela Recorrente, o ato de citação de reversão contempla a identificação completa das dívidas exequendas, particularmente, a natureza da dívida, e os seus valores, devidamente, especificados, tendo inclusivamente sido acompanhado, do despacho de reversão e de informação para reversão, sendo que quanto a esta última consta a expressa menção e remissão para o Relatório de Inspeção Tributária da sociedade devedora originária.

No concernente à falta de fundamentação do despacho, e embora a Recorrente não consubstancie, com rigor, qual o despacho visado, entendemos na esteira do que é propugnado na decisão recorrida, que sendo o objeto imediato da presente impugnação o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, basta uma análise cuidada do seu teor para se retirar que o mesmo se encontra fundamentado, de facto e de direito, externando todas as razões que subjazem ao indeferimento da sua pretensão.

Mais importa sublinhar que, inversamente ao evidenciado pela Recorrente, é perfeitamente possível descortinar o autor dos atos em contenda, sendo que, conforme já evidenciado anteriormente, existe integral coincidência entre o funcionário credenciado para a ação de Inspeção Tributária e o autor do Relatório de Inspeção Tributária.

Sendo que, naturalmente, não tem de existir convergência de autores quanto à emissão das liquidações adicionais, e bem assim quanto à extração das certidões de dívida, e inerentes citações no âmbito das reversões operadas contra a responsável subsidiária, porquanto emanados de autores distintos. Logo, em nada pode ser reclamada qualquer nulidade da notificação nos moldes e com o âmbito propugnado pela Recorrente.

Por último, e quanto à aduzida falta de fundamentação formal das liquidações, e uma vez que os atos que estão na génese são os emitidos em nome da sociedade devedora originária, e que a apreciação dessa específica questão foi objeto de decisão no âmbito do processo nº 1301/06, transitado em julgado, limitamo-nos, inclusive apelando à autoridade do caso julgado, a aderir, na íntegra, à fundamentação jurídica nela vertida, e concluir no sentido da sua improcedência, conforme realizado e bem na sentença visada.

Uma última nota, para evidenciar que não assiste razão quanto ao âmbito da densificação da culpa dos juros compensatórios, na medida em que o juízo de censura se encontra refletido no respetivo Relatório de Inspeção Tributária.

Com efeito, para que sejam devidos juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação (6-Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 01490/13, de 22.01.2014.). Sendo certo que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável e que dá origem ao imposto em falta (7-Vide, designadamente, Acórdãos do TCA Sul, proferidos nos processos nºs 86/08, de 30.03.2023 e 02414/08, de 05.05.2009.).

In casu, conforme dimana inequívoco do acervo fático dos autos, as liquidações impugnadas têm na sua génese uma ação inspetiva, a qual, como visto, constatou diversas irregularidades e com base nelas materializou um conjunto de correções meramente aritméticas, que culminou na elaboração do correspondente Relatório Definitivo e consequentes liquidações adicionais. Aliás, todo esse circunstancialismo resulta, devidamente, evidenciado no seu articulado inicial.

Face ao supra expendido, dimana inequívoco que a liquidação de juros compensatórios em contenda, não enferma do arguido vício, porquanto o juízo de censura encontra-se nos factos que originam a liquidação do imposto, donde, no respetivo Relatório de Inspeção Tributária.

De relevar, in fine, que não se encontra minimamente substanciada qualquer violação do contraditório e o direito à ampla defesa, sendo certo que mediante uma análise cuidada do probatório dos autos, não se retira essa mesma preterição, bem pelo contrário.

Face ao exposto, improcede, em toda a linha, o erro de julgamento atinente à falta de fundamentação.

Continuando.

No respeitante ao erro de julgamento atinente à inexistência do facto tributário, discorre uma errada apreciação da matéria de facto à luz do regime normativo em apreciação.

Advoga, neste âmbito, que resulta da prova produzida que a sociedade devedora originária anulou as faturas por falta de pagamento das mesmas, e com a correspondente emissão das notas de crédito.

Sustenta, adicionalmente, que não podem permanecer como outputs na contabilidade da sociedade devedora originária aquilo que ela não recebeu.

Mediante convocação da liberdade contratual, evidencia que nada obstava a que a sociedade devedora originária acordasse com os seus clientes que os serviços de avença só seriam prestados, se as prestações mensais se encontrassem pagas, como in casu.

Convoca, in fine, a existência de fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário, relevando que inexiste imposto em falta, porquanto o serviço não foi prestado e o preço não foi pago.

Neste concreto particular, e mediante convocação e adesão à fundamentação jurídica constante no já citado Aresto deste TCAS, relativamente aos mesmos factos tributários, no âmbito da impugnação deduzida pela sociedade devedora originária, a decisão recorrida, evidencia o seguinte:

“Ora, conforme decidiu o TCA Sul no âmbito do aludido processo n.° 1301/06.0BELRA - por referência à sociedade devedora originária, que no mesmo figura na qualidade de Impugnante - «(...) como se refere no relatório da acção inspectiva, tendo em consideração o pagamento ulterior das facturas inicialmente emitidas e anuladas, com emissão de novas facturas, foi constatado, designadamente, pela conciliação da conta da recorrente e de cinco dos seus clientes e na maior parte dos casos, que tais pagamentos se encontravam revelados nas contabilidades dos últimos mas já não da [impugnante]" (...) sendo de novo emitidas notas de crédito trimestrais para anulação do excedente".(...)
- E, considerando tal circunstancialismo, - sendo que, nalguns casos, as contabilidades dos clientes não apresentavam quaisquer dívidas à [impugnante], ao passo que na da [impugnante], ao invés, não se revelava, correspectivamente, qualquer pagamento daqueles -, e o facto do procedimento invocado pela recorrente para emissão de notas de crédito, por referência a facturas não pagas quando da sua apresentação, não ser, sequer uniforme (cfr. subponto 5, do ponto III.1.1, do relatório) é adequado ao retirar da presunção de credibilidade da contabilidade da recorrente, ao que releva, também e necessariamente, a circunstância de ser ela mesmo que procedia a todas aquelas contabilidades.
- E, a ser assim, como se crê ter de ser, então pass(ou)a impender sobre a [impugnante] o ónus da prova do, por si alegado, isto é e ao que aqui releva, que sendo as facturas emitidas previamente à prestação dos serviços solicitados, o seu não pagamento, da mesma forma que conduzia à emissão das aludidas notas de crédito, implicava a não realização daqueles mesmos serviços até ao seu efectivo pagamento, com a emissão de uma nova e ulterior factura, respeitante à realização efectiva dos mesmos, para, daí, se poder inferir, como sustenta (...) que as facturas originais representavam uma "não-operação". (...)».
No caso sujeito, em que está em causa o mesmo procedimento/relatório inspetivo visado no aresto acabado de aludir, conclui-se, com base na motivação externada no mesmo, pela existência de indícios sérios - passíveis de afastarem a credibilidade da contabilidade da sociedade devedora originária - da falta de entrega de IVA exigível à luz do estatuído nos artigos 7.° e 8.° do Código do IVA, na redação aplicável.
Nestes termos, passou a competir à ora Impugnante o ónus da prova do por si alegado.
Ora, perscrutada a factualidade provada resulta demonstrado, de resto, conforme é reconhecido pela própria Impugnante, que nos casos em que as faturas não eram pagas, a sociedade devedora originária procedia à anulação das mesmas e após, emitia "notas de crédito" que eram rubricadas pelo cliente; e, ainda, que em tais casos, os clientes eram advertidos de que a referida sociedade deixaria de lhes prestar (para futuro) os seus serviços [conforme alíneas II) e JJ) dos factos provados].
Todavia, não logrou a Impugnante demonstrar, conforme era seu ónus, que as referidas faturas originais, que vieram a ser anuladas, não correspondem a um serviço efetivamente prestado, constituindo, assim, nas palavras contidas no citado aresto, uma "não-operação"; nem, por outra via, que o valor dos pagamentos respeitantes às novas faturas, emitidas após regularização das notas de crédito emitidas, foram refletidos na contabilidade da devedora originária.
Por outro lado, quanto a determinados clientes da devedora originária foi, de resto, evidenciado o contrário do afirmado pela própria Impugnante, tendo ficado demonstrado quanto aos mesmos, que as faturas que foram anuladas se reportam a serviços prestados anteriormente à respetiva emissão [conforme alínea KK) dos factos provados]. Com efeito, e tendo por base as regras da experiência, a emissão de uma "nota de crédito" a favor do prestador do serviço - crédito esse reconhecido pelo devedor através da aposição da sua assinatura - é mais compreensível num cenário como este último que foi evidenciado, em que a fatura que é anulada respeita a um serviço efetivamente prestado, e em que nessa medida, foi constituído um efetivo crédito a favor do prestador do serviço.”

Apreciando.

Neste âmbito, há, outrossim, que validar o entendimento do Tribunal a quo, o qual se estriba, como visto, em Aresto já transitado em julgado, donde inteiramente transponível para a realidade dos autos.

Por outro lado, todas as alegações da Recorrente têm na base um erro de interpretação quanto à própria matéria de facto constante no probatório dos autos, e bem assim quanto à concreta valoração do ónus probatório, na medida em que inversamente ao por si preconizado o ónus probatório relativamente à factualidade que alega encontra-se na sua esfera jurídica, não logrando mérito o aduzido quanto à inversão do ónus da prova quanto a factos negativos.

Com efeito, incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário. De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Mais importa ter presente que vigorando o princípio da verdade declarativa (artigo 75.º da LGT), e abalando-o a AT, de forma consistente, demonstrando os factos génese que legitimam a tributação, compete ao Impugnante demonstrar a realidade que alega e tendente, in casu, a demonstrar a inexistência de facto tributário, donde falta de entrega de IVA.

No caso vertente, atenta a fundamentação contemporânea das correções constantes no Relatório de Inspeção Tributária, competia à Recorrente demonstrar que não obstante a emissão das faturas as mesmas não correspondiam, efetivamente, a serviços prestados realidade que, como visto, não resulta demonstrada nos autos.

Note-se, desde logo, que consta na factualidade provada, especificamente, na alínea KK) que as faturas emitidas em nome das sociedades em contenda nos autos e melhor identificadas em W), reportam-se a serviços prestados anteriormente à respetiva emissão.

Resultando, outrossim, provado que a Recorrente presta serviços aos seus clientes em regime de contrato de avença mensal, nada dimanando do teor dos aludidos contratos, -e sem que naturalmente seja sindicada a liberdade de estipulação e negociação contratual- que permita inferir que os serviços contratados não eram realizados sem o respetivo pagamento, mormente, o aduzido na cláusula terceira, que, per se, nada permite atestar nesse e para esse efeito.

Sendo certo que, todo o evidenciado em MMM) e YYY), mais não representa que meras alegações que não resultam minimamente demonstradas nos autos e corporizadas no respetivo probatório.

Note-se que, conforme aduzido no Aresto deste TCAS que vimos acompanhando “[o] contrato de avença consubstancia um tipo de contrato de prestação de serviços que, como o delimita o nosso ordenamento jurídico (cfr. artº 7º, nº3 do DL 409/91OUT10) se caracteriza por ter como objecto prestações sucessivas, no exercício de profissão liberal, mediante a referida contraprestação e que, in casu, não implicava, o seu não pagamento, a resolução automática do contrato. Ou seja, pelos contratos estabelecidos com os seus clientes, a recorrente vinculou-se a proporcionar um determinado resultado a estes últimos, concretizado no tratamento das respectivas contabilidades. Daí que, a circunstância do não pagamento atempado das contraprestações que lhe eram devidas, quando sucederam, não só não implicam, como não permitiriam o não proporcionar, aos clientes, do dito resultado, desde logo pelo tratamento contabilístico dos documentos que, estes, lhes faziam chegar para o efeito.”

Sendo que, o constante em II) e JJ) do probatório em nada permite inferir no sentido oposto, quando, ademais, nos encontramos perante asserções genéricas, e não devidamente alocadas aos respetivos clientes, e em termos temporais.

Por outro lado, há que ter presente que consta como factualidade não provada essa concreta asserção, o que, per se, faz claudicar a sua esteira de entendimento, no sentido de que demonstrou que as faturas eram anuladas pelo facto de os serviços não terem sido prestados ( ainda que em II) das suas conclusões alegue o oposto).

Com efeito, e socorrendo-nos, mais uma vez, da fundamentação jurídica constante no citado Aresto transitado em julgado, não resulta demonstrado “que enquanto os pagamentos não eram efectuados, os respectivos serviços não foram efectivamente prestados, nem, tão pouco, que a emissão de novas facturas, que aqui se não discutem terem acontecido, se prenda com efectivo pagamento dos serviços contratados.”

Sendo, outrossim, de sublinhar que não resulta, de todo, provado que o valor dos pagamentos respeitantes às novas faturas, emitidas após regularização das notas de crédito emitidas, tenham sido refletidos na contabilidade da "N… e N… - Gestão de Negócios, Lda."

Competia, assim, à Recorrente provar, o que não fez, que sendo as faturas emitidas previamente à prestação dos serviços, o seu não pagamento implicava a realização daqueles mesmos serviços até ao seu efetivo pagamento, com a emissão de uma nova e ulterior fatura, donde, que nos encontramos, efetivamente, perante a inexistência de factos tributários.

De relevar, in fine, que carece de qualquer relevo o aduzido quanto ao cumprimento dos requisitos constantes nos artigos 71.º, nº5, e 78.º, nº2 do CIVA, porquanto, por um lado, a questão é a montante e, como visto, quanto a ela não foi feita a competente prova, e por outro lado, não integram a fundamentação contemporânea do ato.

De sublinhar, in fine, que carece de qualquer relevo o aduzido quanto à fatura proforma, e bem assim quanto à prova de simulação, na medida em que não tem a mínima conexão e respaldo com a realidade de facto em contenda.

Subsiste, ora, por analisar o princípio do in dubio contra fiscum para evidenciar que mais uma vez não se vislumbra o aduzido erro de julgamento, na medida em que não pode relevar nesta sede e com o alcance almejado pela Recorrente o princípio consignado no artigo 100.º do CPPT.

Senão vejamos.

Dispõe expressamente o citado normativo sob a epígrafe de “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” que : “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, resultando, assim, do seu teor literal um princípio estruturante do direito tributário que estabelece, per se, que a fundada dúvida alicerçada na prova produzida -e não na inércia probatória- terá de reverter a favor do contribuinte.

Daí que, doutrine Alberto Xavier que a AT só deve praticar o ato tributário-liquidação, quando : “formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável” (8-Alberto Xavier-Conceito e natureza do acto tributário, página 150.). Significa isto que, em caso de subsistência de dúvida “acerca do objeto do processo deve a Administração Fiscal abster-se de praticar o ato tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum” (9-vide ob. citada, páginas 158 e 169.)

Ora, no caso vertente, não se verifica a convocada preterição ao referido princípio, na medida em que a dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, no caso da Impugnante, ora Recorrente, sobre quem recaía, conforme já devidamente evidenciado anteriormente, o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º, nº 1, do CC e 74.º da LGT). Significa isto, então, que não tendo a Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu nº1.

E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede na íntegra o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida, com a consequente manutenção dos atos de liquidação impugnados.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente
Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de outubro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Tânia Meireles da Cunha)

(Sara Diegas Loureiro)