Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:208/23.0BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:ANA CARLA TELES DUARTE PALMA
Descritores:NULIDADE SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; QUESTÕES A DECIDIR.
Sumário:I - Nos termos da disposição do artigo 615.º, n.º 1, alínea, do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo que ao tribunal apenas se impõe a apreciação das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com exceção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do que determina o n.º 2, do artigo 608.º, do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *

Acordam, em conferência, na secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul.

Relatório

Águas do Vale do Tejo, S.A., intentou contra o Município do Fundão, ação administrativa comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de €107.588,84, a título dos serviços de tratamento de efluentes em “alta”, prestados ao réu no período compreendido entre 29 de agosto de 2022 e 26 de dezembro de 2022, acrescida de juros, vencidos vincendos.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a ação foi julgada procedente e o réu, Município do Fundão, condenado no peticionado.

Inconformado, o réu interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo, tendo concluído a alegação nos termos seguintes:

«1. O Tribunal a quo, parte da existência de um Contrato de Concessão celebrado entre o Estado português e a Autora, ao abrigo do qual são celebrados, entre a Autora e o ora Recorrente, os Contratos de Fornecimento e Recolha em crise nos presentes autos.

2. O Tribunal a quo dá como provado que, o que está na base dos Contratos de Fornecimento e Recolha – contratos que deram origem às facturas cuja cobrança esteve (também) em discussão nos presentes autos – é o Contrato de Concessão celebrado entre a Autora e o Estado Português.

3. A 26 de Janeiro de 2023, o recorrente, juntou aos autos a decisão final que foi proferida em sede de Tribunal arbitral.

4. O que se discute no Tribunal arbitral, é, para além do mais, saber se a matéria que está também em discussão nos presentes autos, é ou não da sua competência ( do Tribunal arbitral) , e o Tribunal arbitral decidiu que sim.

5. O Tribunal a quo não dispunha, como não dispõe de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, não sem antes se pronunciar sobre a junção de um documento da importância da decisão proferida no Tribunal arbitral.

6. A decisão do Tribunal arbitral é essencial para a descoberta da verdade material, pelo que devia ser valorada por este Tribunal.

7. Estamos perante uma omissão de pronúncia, pois, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões com relevância para a decisão de mérito da causa

8. O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão de fundo, i. e, quanto à questão da nulidade do Contrato de Concessão e quais as consequências da declaração da nulidade nos Contratos de Fornecimento e Recolha.

9. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre quais as consequências da declaração de nulidade do Contrato de Concessão, quando a acção arbitral transitar em julgado.

10. O Tribunal não se pronunciou sobre quais as consequências para os Contratos de Recolha e Fornecimento da decisão proferida em Tribunal arbitral

11. A matéria relativa à validade dos contratos que suportam juridicamente os pagamentos que se reclamam nos autos recorridos, mormente a validade do Contrato de Concessão, bem como a ilegalidade do sistema multimunicipal são matérias que deveriam ter sido conhecidas a final.

12. No caso de o Contrato de Concessão e/ou de os Contratos de Fornecimento de água e de Recolha de efluentes vierem a ser declarados nulos, tal declaração terá efeitos retroactivos com consequências na exequibilidade na sentença ora recorrida,

13. A quase totalidade da relação contratual pressuposta na petição inicial e nas facturas reclamadas, está regulada no Contrato de Concessão.

14. É do interessa da Justiça e do Direito, aceitar uma decisão judicial que, mais tarde, não possa efectivar-se em virtude de a mesma não ser aplicável a todos os seus interessados, ou a todos aqueles que por ela, em abstracto seriam afectados, mormente à ora Recorrente.

15. A decisão proferida em sede do tribunal arbitral acarreta, no entender do ora recorrente, consequências sobre todos os demais contratos celebrados para concretizar a referida concessão, nomeadamente os contratos de fornecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes subjacentes à emissão das facturas cujo pagamento a A. ora recorrida reclama nos autos.

16. Ignorar este facto, é ignorar o regime jurídico das nulidades aplicável no âmbito do direito administrativo, nomeadamente o princípio da total improdutividade de efeitos jurídicos dos actos administrativos nulos, constante do art. 134º, nº 1 do CPA, norma que a decisão recorrida violou.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, nos termos alegados, como é de inteira


J U S T I Ç A!».

A recorrida, Águas do Vale do Tejo, S.A., contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões:

«A) O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, resume-se em saber se houve erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do art. 134º, do CPA, entendendo o Recorrente que houve por parte do tribunal recorrido omissão de pronúncia (art. 615.º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil).

B) A jurisprudência e a doutrina são consensuais no sentido de que as questões cuja falta de apreciação pelo tribunal é suscetível de a gerar identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/5/2022, proferido no processo nº 588/14.9TVPRT, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, pág. 143).

C) A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se a Autora tem direito a exigir do Réu o pagamento de 102 523,07 €, decorrentes da prestação de serviços de recolha de efluentes, acrescido de juros de mora vencidos, no valor de 5 065,77 €, e vincendos, tendo a douta sentença impugnada considerado os elementos de facto necessário ao conhecimento da referida questão, aplicando o respetivo quadro jurídico em conformidade.

D) Aliás, a questão da nulidade do Contrato de Concessão não foi sequer debatida nos respetivos articulados, daí que o Tribunal tenha considerado que a questão a decidir se resumia a saber se a Autora tinha, ou não, direito ao pagamento dos serviços de tratamento e recolha de efluentes que faturou ao Réu, respetivas TRH e juros de mora vencidos e vincendos, e, não tendo a validade do contrato de concessão sido foi posta em causa nos presentes autos, não poderia a mesma ter sido incluída no objeto do litígio.

E) Não tendo tal questão sido submetida à apreciação do Tribunal a quo e não sendo a mesma de conhecimento oficioso, não tinha a decisão recorrida de se pronunciar sobre a alegada nulidade do contrato de concessão e as consequências para os contratos de fornecimento e de recolha da declaração da nulidade daquele contrato, inexistindo, por conseguinte, a invocada nulidade por omissão de pronuncia.

MAS NÃO SÓ,

F) O recurso interposto pelo Recorrente assenta no pressuposto – errado – de que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a junção, em 26 de janeiro de 2023, da decisão proferida pelo Tribunal arbitral, que, no seu entender, é essencial para a descoberta da verdade e devia ser valorada.

G) Em primeiro lugar, importa referir que a presente ação foi instaurada em 05 de julho de 2023 e que, como tal, o Tribunal recorrido não podia pronunciar-se sobre um documento que o Recorrente diz ter sido junto em data anterior ao início da presente lide e, em segundo lugar, constata-se que, depois de iniciada a instância, em momento algum, foi junta a alegada decisão, ou seja, trata-se de documento cuja existência o Tribunal a quo desconhece, pelo que jamais poderia pronunciar-se sobre o mesmo, o que determina a improcedência da alegada nulidade por omissão de pronúncia.

H) A propósito da questão agora trazida aos autos pelo Recorrente nas suas alegações – que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão de fundo, i. e, quanto à questão da nulidade do Contrato de Concessão -, importa ainda sublinhar que, no corpo as alegações, o Recorrente refere-se à existência de um contrato de concessão celebrado entre a Recorrida e o Estado Português, que concessionou àquela a exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e saneamento do Alto Zêzere e Côa, cujo sistema foi criado pelo decreto-lei 121/2000 de 04 de julho.

I) Ora, no caso dos autos, está em causa não aquele sistema, mas antes o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Lisboa e Vale do Tejo, criado pelo Decreto-Lei n.º94/2015, de 29 de maio, que constituiu a sociedade Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S.A., e atribui-lhe a concessão da exploração e da gestão do dito sistema multimunicipal, exploração e gestão atribuídas à Recorrida, em regime de concessão, nos termos do artigo 9º, nº 1, do referido diploma legal, e do contrato de concessão celebrado com o Estado em 30 de junho de 2015.

I) Por força do D.L. nº 94/2015, de 29 de maio, a sociedade Águas do Zêzere e Côa, S.A., foi extinta, tendo sido criado um novo sistema multimunicipal, em substituição de oito sistemas multimunicipais então existentes, cuja agregação determinou a extinção do contrato de concessão celebrado entre esta e o Estado, em 15 de Setembro de 2000, que teve por objeto o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa.

K) Assim, para além do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a sociedade Águas do Zêzere e Côa, S.A., não integrar o objeto da presente ação, certo é que tal contrato se extinguiu por força do estabelecido no nº 8 do artigo 2º de tal diploma legal do D.L. nº 94/2015, de 29 de maio, o que gera a improcedência do recurso.

L) Finalmente, diga-se que na contestação não foi levantada qualquer questão relativa à validade do contrato de concessão e/ou dos contratos de fornecimento e de recolha, a qual não foi incluída nas questões a resolver e não foi tratada na decisão recorrida, sendo, por isso, uma questão nova que o Recorrente suscita agora em sede de recurso, mas que não pode ser apreciada no presente recurso jurisdicional (art. 5º n.º 1, do CPC), razão pela qual deve ser negado provimento ao mesmo e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida.

M) A douta sentença recorrida não violou os preceitos legais invocados.

TERMOS EM QUE deverá julgar-se improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se, consequentemente, a douta decisão recorrida nos seus precisos termos, como é de


JUSTIÇA.»


*

O Ministério Público foi notificado para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, e emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos, nos termos do disposto no artigo 657.º, n.º 4, do CPC, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


*

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do recurso interposto é a de saber se a sentença recorrida incorreu na nulidade que lhe vem apontada, qual seja a prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por, segundo a posição da recorrente, ter omitido pronúncia quanto à alegada junção de uma decisão proferida pelo tribunal arbitral e, designadamente quanto às consequências da declaração de nulidade do contro de concessão.

*

Fundamentação

O tribunal a quo, na sentença recorrida, considerou provados os seguintes factos:

1. A Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S.A foi criada pelo Decreto-Lei n.° 94/2015 de 29 de maio resultando da agregação de vários sistemas multimunicipais, entre os quais, e para o que aqui releva, o Sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Alto Zêzere e Côa — facto não controvertido.

2. O sistema multimunicipal abrange a captação, o tratamento e o abastecimento de água para o consumo público e a recolha, o tratamento e a rejeição de efluentes domésticos de efluentes que resultem da mistura de efluentes domésticos com efluentes industriais ou pluviais, designados por efluentes urbanos e a receção de efluentes provenientes de limpeza de fossas sépticas, que cumpram o disposto no regulamento de exploração e serviço relativo à atividade de saneamento de águas residuais em vigor no sistema, os respetivos tratamento e rejeição — facto não controvertido.

3. Em 30.06.2015 foi celebrado contrato de concessão entre o Estado Português e a Águas de Lisboa e Vale do Tejo S.A. tendo por objeto, entre outros, a exploração e gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Lisboa e Vale do Tejo — facto não controvertido.

4. A sociedade Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S.A. passou a denominar-se Águas do Vale do Tejo e o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Lisboa e Vale do Tejo passou a denominar-se sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Vale do Tejo, por via do Decreto-lei n.° 34/2017 de 24 de março — facto não controvertido.

5. Em 15 de setembro de 2000, e no exercício das suas atividades, a Águas do Zêzere e Côa, S.A. celebrou com o Município do Fundão um contrato de fornecimento, no qual se obrigou a fornecer ao município água destinada ao abastecimento público, mediante o pagamento das tarifas previstas no contrato de concessão — cf. fls. 1674 do SITAF.

6. Na mesma data, as duas entidades celebraram, também, um contrato de recolha no qual a Águas do Zêzere e Côa, S.A. se obrigou a recolher efluentes provenientes do sistema próprio do Município do Fundão, mediante o pagamento das tarifas devidas - cf. 180-200 do SITAF.

7. Atualmente a relação contratual relativa à “alta” mantém-se relativamente ao Município do Fundão, contudo, a atividade de distribuição, “em baixa”, ou seja, a cada um dos munícipes, é atualmente prosseguida, no quadro de uma concessão que, entretanto, foi atribuída, pela A……………. - ÁGUAS ………….., S.A., que, por sua vez, fatura aos munícipes — facto não controvertido.

8. No período de 29 de agosto de 2022 a 28 de setembro de 2022, a autora prestou ao réu serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, no volume total de 121.167 m3 — facto não controvertido.

9. Com referência ao serviço em questão a autora emitiu, em 30 de setembro de 2022, a fatura n.° ………..886, vencida em 29 de novembro de 2022, no valor de 71 593,83 € - cf. fls. 209-212 do SITAF.

10. Nessa fatura foi liquidada a quantia de 1 069,14 € relativa à taxa de recursos hídricos correspondente à prestação de serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes — cf. fls. 209-212 do SITAF.

11. Recebida esta fatura pelo réu, este, em 02/01/2023, pagou à autora, por conta da mesma, a quantia de 58 704,75 €, estando, assim, em dívida, na presente data, o montante de 12 889,08 € - facto não controvertido.

12. Durante o período de 28 de setembro de 2022 a 28 de outubro de 2022, a autora prestou ao réu serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, no volume total de 112.642 m3 — facto não controvertido.

13. Referente a esse serviço foi emitida, em 31 de outubro de 2022, a fatura n.° ………..056, vencida em 30 de dezembro de 2022, no valor de 66 533,58 € - cf. fls. 213-216 do SITAF.

14. Nessa fatura foi liquidada a quantia de 972,13 € relativa à taxa de recursos hídricos correspondente à prestação de serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes — cf. fls. 213-216 do SITAF.

15. Recebida esta fatura pelo réu, este, em 27/01/2023, pagou à autora, por conta da mesma, a quantia de 54 189,69 €, estando, assim, em dívida, na presente data, o montante de 12 343,89 € - facto não controvertido.

16. Durante o período de 28 de outubro de 2022 a 25 de novembro de 2022, a autora prestou ao réu serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, no volume total de 134.468 m3 — facto não controvertido.

17. Referente a esse serviço foi emitida, em 30 de novembro de 2022, a fatura n.° …………228, vencida em 29 de janeiro de 2023, no valor de 79 562,50 € - cf. fls. 217221 do SITAF.

18. Nessa fatura foi liquidada a quantia de 1 289,81 € relativa à taxa de recursos hídricos correspondente à prestação de serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes - cf. fls. 217-221 do SITAF.

19. Recebida esta fatura pelo réu, este, em 01/03/2023, pagou à autora, por conta da mesma, a quantia de 60 197,81 €, estando, assim, em dívida, na presente data, o montante de 19 364,69 € - facto não controvertido.

20. Durante o período de 25 de novembro de 2022 a 26 de dezembro de 2022, a autora prestou ao réu serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, no volume total de 181.096 m3 — facto não controvertido.

21. Referente a esse serviço foi emitida, em 31 de dezembro de 2022, a fatura n.° …………407, vencida em 01 de março de 2023, no valor de 107 587,29 € - cf. fls. 222-226 do SITAF.

22. Nessa fatura foi liquidada a quantia de 2.148,17 € relativa à taxa de recursos hídricos correspondente à prestação de serviços de saneamento, de recolha e de tratamento de efluentes, calculada nos termos legais e devida pelo réu — cf. fls. 222-226 do SITAF.

23. Recebida esta fatura pelo réu, este, em 31/03/2023, pagou à autora, por conta da mesma, a quantia de 49 661,88 €, estando, assim, em dívida, na presente data, o montante de 57 925,41 € - facto não controvertido.

Mais se provou que

24. Os volumes faturados pela autora no período em questão foram obtidos através da leitura, realizada por técnicos ao serviço da autora, dos medidores de caudais situados nos pontos de entrega no sistema de saneamento — facto provado através do depoimento de testemunhas.

25. As leituras assim obtidas foram registadas, manualmente, em auto assinado pelo técnico que realizou as mesmas, no qual consta o histórico das leituras anteriores — facto provado através do depoimento de testemunhas e através de documento de fls. 300-307 da paginação eletrónica.

26. Os autos aludidos no ponto anterior foram entregues pelo técnico subscritor ao responsável da área que, por sua vez, inseriu os dados manuscritos no auto e carregou os mesmos no sistema informático da autora dando origem a um auto definitivo, posteriormente assinado pelo responsável de área — facto provado através de depoimento de testemunhas.

27. Os autos de medição definitivos são remetidos mensalmente ao réu anexos à fatura a que respeitam — facto provado através do depoimento de testemunhas e através dos documentos constantes de fls. 209-226 da paginação eletrónica.

28. Mensalmente, o réu é notificado pela autora, através de mensagem de correio eletrónico, do pré-agendamento das datas de realização das leituras para, querendo, acompanhar a leitura dos medidores — facto provado através do depoimento de testemunhas.

29. No período indicado o réu não tomou parte das medições através de um técnico por si designado para o efeito — facto provado através do depoimento de testemunhas.

30. O réu recebeu as faturas e os autos de medição em apreço nos presentes autos tendo procedido ao pagamento parcial do valor faturado de acordo com a aplicação de uma percentagem de 80% sobre os volumes medidos pela autora — facto provado através do depoimento de testemunhas.

31. O réu reencaminhou as faturas que lhe foram enviadas pela autora para a A……………….. — Águas ………… S.A. que, por sua vez procedeu ao pagamento aoréu de uma percentagem dos volumes de abastecimento de água “em alta” que lhe foram fornecidos no mesmo período — cf. fls. 1042-1044 do SITAF.

Factos não provados

1. No dia 17.1.2012 no âmbito de reunião realizada em Fornos de Algodres a autora e os Municípios utilizadores do sistema acordaram que a autora passaria a cobrar aos Municípios utilizadores do Sistema 0,50 €/m3 para a quantidade de água medida e 0,55€/m3 para 80% da quantidade de efluentes medidos.

2. No dia 8.3.2012 no âmbito de reunião realizada em Celorico da Beira, a autora e os Municípios utilizadores do sistema acordaram que estes passariam a pagar, relativamente ao fornecimento de água, o equivalente a 77,54% da quantidade de água medida e, relativamente ao tratamento de efluentes, passariam a pagar o valor equivalente a 77,17%.

3. Na primeira assembleia geral da autora a autora e os municípios utilizadores do sistema acordaram na redução a 79,25% do valor relativo à água medida a pagar pelos municípios e quanto ao saneamento acordaram que a quantidade a considerar para efeitos de faturação correspondia a 80% do valor da água efetivamente fornecida.

Motivação da decisão da matéria de facto

Os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente dos documentos constantes dos autos, não impugnados pelas partes, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório para a respetiva paginação eletrónica do documento que contribuiu para a extração de tal facto.

Para prova dos factos constantes dos pontos 24 a 27 (respeitantes ao modo de leitura dos medidores de caudais e à elaboração dos autos de medição, para efeitos de faturação), foram tidos em conta os depoimentos das testemunhas J ………………, Coordenadora Regional da Direção de Operações de Saneamento das Águas do Vale do Tejo S.A.; A …………………, engenheiro responsável da Área do Centro Operacional Este das Águas do Vale do Tejo, SA desde 2021 e ainda R ………………., técnico operativo responsável pela leitura dos medidores de caudais em apreço nos presentes autos. O depoimento das referidas testemunhas foi considerado isento e credível pelo tribunal, quer pela razão de ciência que evidenciaram relativamente aos factos em apreço, quer pela serenidade e espontaneidade do seu depoimento, revelando grande à vontade e conhecimento relativamente aos documentos que lhes foram exibidos durante a inquirição (faturas e autos de medição).

Para prova dos factos constantes dos pontos 28 a 31 (referentes às notificações enviadas pela autora ao réu relativas ao pré-agendamento das leituras dos medidores de caudais para efeitos de faturação; a ausência do réu nas leituras do período em questão e razões subjacentes ao pagamento parcial dos valores faturados) foi tido em conta, em adição, o depoimento da testemunha M …………………, técnica superior no Departamento de Administração e Finanças da Câmara Municipal do Fundão que, pelo exercício das funções que desempenha e pelo conhecimento que revelou da situação em apreço foi considerado pelo tribunal como isento e credível.

Quanto aos factos não provados, os mesmos assim foram julgados por total ausência de prova do alegado pela parte a quem incumbia o referido ónus, a qual dependia da apresentação de documento escrito que suportasse o alegado, nos termos da lei e do direito convencionado pelas partes.


***


Nos termos enunciados acima a única questão a decidir no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida é nula por ter omitido pronúncia sobre a alegada junção aos autos, em janeiro de 2023, da decisão proferida pelo tribunal arbitral.

Nos termos da disposição do artigo 615.º, n.º 1, alínea, do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo que, determina o n.º 2, do artigo 608.º, do CPC, que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Sobre esta causa de nulidade das decisões judiciais têm-se pronunciado os tribunais superiores, convocando-se, pela pertinência e relevância para a decisão de que nos ocupamos, o vertido no ponto II do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.02.2021 (P.º 487/20), no qual se referiu que:

« II – Na apreciação da nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, importa não confundir questões colocadas ao tribunal para decidir e fundamentos ou argumentação, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes, já não aos fundamentos/argumentações invocados

Compulsados os autos, verifica-se que o réu, aqui recorrente, não colocou a questão da nulidade do contrato de concessão nos articulados apresentados nem em momento posterior.

Na verdade, as questões que se impunha ao tribunal a quo conhecer foram corretamente identificadas na sentença recorrida, a saber, saber se a autora tem, ou não, direito ao pagamento dos serviços de tratamento e recolha de efluentes que faturou ao réu, respetivas TRH e juros de mora vencidos e vincendos, tendo o tribunal delas tomado conhecimento.

Ademais, a questão em discussão foi recentemente decidida por este TCA Sul no acórdão proferido a 9.10.2025, nos autos n.º 554/10 (em que eram partes as aqui recorrente e recorrida), tendo-se aí referido, a propósito, que:

«3.2.2 Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a decisão do Tribunal Arbitral proferida a 23/01/2023 e junta aos autos em 27/01/2023 e da violação do artigo 134.º, n.º 1 do CPA

Defendeu o réu e ora recorrente que o Tribunal a quo não dispunha, como não dispõe, de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, não sem antes se pronunciar sobre a junção aos presentes autos da decisão do Tribunal arbitral, que é essencial para a descoberta da verdade material, pelo que devia ser valorada por este Tribunal.

(…)

A questão que importa apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo incorreu em nulidade por não se ter pronunciado sobre a decisão arbitral junta aos autos, quanto à questão da nulidade do contrato de concessão e quais as consequências dessa nulidade para os contratos de fornecimento e recolha subjacentes à emissão das faturas cujo pagamento a autora reclama nos presentes autos, isto é para a decisão a proferir nos presentes autos, i.e. se incorreu em violação do disposto no artigo 132.º, n.º 1 do CPA e no artigo 615.º, n.º 2, do CPC.

Nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC): “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…).”.

Só ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art.º 608.º, nº 2, do CPC).

É consabido que as questões que ao tribunal se impõe apreciar e cuja omissão é suscetível de gerar nulidade são as que as partes invocaram nos respetivos articulados e que se consubstanciam no pedido, na causa de pedir, assim como nas exceções deduzidas. Ora, no caso dos autos, atentas as posições manifestadas pelas partes nos articulados apresentados, as questões a decidir e que a sentença recorrida identificou claramente circunscrevem-se à questão de saber “se o réu está obrigado, em cumprimento dos contratos de fornecimento e recolha que celebrou com a autora em 15/09/200, a pagar-lhe € 516.447,79, a título de serviços prestados e bens fornecidos e não pagos” e em caso de resposta afirmativa a esta questão, importava, ainda, decidir se o réu estava obrigado a pagar à autora juros de mora vencidos até 30/09/2010, no montante global de €5.918,92, e juros de mora vincendos. Na referida sentença foi julgada provada a factualidade considerada relevante para a decisão do pedido formulado e efetuada a respetiva subsunção às normas jurídicas aplicáveis. Com efeito, o Tribunal a quo não estava obrigado a pronunciar-se sobre o acórdão arbitral junto aos autos pelo réu, ou sobre a validade do contrato de concessão ou sobre as consequências da mencionada nulidade do contrato de concessão relativamente aos contratos de fornecimento. Questão que não foi objeto de discussão pelas partes nos respetivos articulados. Na verdade, o réu limitou-se a mencionar que corre termos em Tribunal Arbitral uma ação arbitral onde se discutiam, entre outas questões a eventual existência de um incumprimento contratual por parte da Autora, a qual na perspetiva do réu impunha a suspensão “da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 279.° do Código de Processo Civil.”. Não tendo ocorrido a invocada omissão de pronúncia – cfr. artigo 5.º do CPC.

(…)

Sucede que em 27 de janeiro de 2023 a autora veio requerer a junção aos autos “da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral”, em 23 de janeiro de 2023, sem que nada mais tenha requerido ao Tribunal a quo – cfr. fls. 2714-2825 do SITAF.

A autora pronunciou-se, dizendo, em síntese que “além do acórdão do Tribunal Arbitral não ter ainda transitado em julgado – facto que o Réu omite convenientemente -, a decisão proferida não integra o conceito de documento supra referido e previsto no art. 362º do C.C.”, requerendo a final que os documentos sejam desentranhados dos autos, por legalmente inadmissíveis – cfr. fls. 2829-2832 do SITAF.

É, pois, manifesto que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer nulidade, por omissão de pronúncia, seja processual, pronunciando-se sobre todas as questões que se lhe impunha apreciar e decidir.

De todo o modo, ainda que nos autos não se tivesse demonstrado o trânsito em julgado do referido acórdão arbitral, sempre diremos, como de resto, a autora e recorrida menciona na conclusão H), da sua alegação recursória “a decisão do Tribunal Arbitral não se reporta à nulidade do Contrato de Concessão e às consequências dessa nulidade sobre os contratos de fornecimento e recolha, mas antes à “interpretação ou execução” do Contrato de Recolha de Efluentes”.

Com efeito consta do acórdão arbitral “O âmbito da arbitragem (ou, se se preferir, e como se disse antes, o objecto do litígio) ficou assim cingido à “interpretação ou execução” do Contrato de Recolha de Efluentes, sabendo-se que a sua vigência não foi além da do Contrato de Concessão, a cuja luz fora celebrado.” - Cfr. al. c) do ponto 11, pág. 8 do acórdão arbitral. Para além de que estavam em causa apenas faturas relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, claramente fora do âmbito temporal do pedido formulado nos presentes autos – cfr. fls. 108-109 do acórdão arbitral.

Por outro lado, e como já decidido por diversos tribunais desta jurisdição o conhecimento da questão da nulidade do contrato de concessão e/ou dos contratos de fornecimento de água e recolha de efluentes, ou ainda das consequências da declaração de nulidade do contrato de concessão nestes contratos configuraria a prática de um ato inútil – cfr. artigo 130.º do CPC – pois mesmo que se viesse a concluir pela nulidade do contrato de concessão, e, em consequência pela invalidade dos contratos de fornecimento e recolha, tal não implicaria qualquer modificação da sentença recorrida.

Neste sentido já havia decidido o STA, designadamente, em acórdão de 12 de abril de 2018, proferido no proc. n.º 0595/17, nos seguintes termos:

carece de fundamento a invocação pelo acórdão aqui recorrido de que se impunha a suspensão da instância para que se aguarde a decisão sobre a nulidade dos contratos por tal ser uma questão prejudicial.

Na verdade, não se trata de uma questão prejudicial a partir do momento em que este STA em formação alargada entendeu que a nulidade do contrato não impedia a autora de reclamar do réu o «quantum» correspondente às tarifas administrativamente estabelecidas.”.

(…)

Ora, na contestação deduzida nos presentes autos não foi levantada qualquer questão relativa à validade do contrato de concessão e/ou do contrato de fornecimento de água e/ou do contrato de recolha referidos nos n.ºs 1, 2 e 3 dos factos provados. Em sede de alegação de recurso o réu também não indica qualquer razão de facto e/ou de direito que fundamente tal declaração de nulidade.

De todo o modo, ainda que se venha a concluir pela nulidade do contrato de concessão e, em consequência, pela invalidade dos contratos de fornecimento e de recolha, tal não implicaria qualquer modificação na sentença recorrida, que condenou o réu a pagar à autora o “valor de €516.447,79, acrescidos de juros de mora vencidos até 30/09/2010, no valor de €5.918,92, e de juros vincendos, calculados à taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado até efetivo e integral pagamento”, relativo aos serviços prestados – fornecimento de água e saneamento -, correspondentes às faturas discriminadas nos n.ºs 5 e 6 dos factos provados e respetivos juros de mora, ou seja, tal nulidade não tem qualquer influência na exequibilidade da sentença recorrida - cfr., também, já decidido na referida decisão sumária.

(…)».

Inexistindo razões para divergir do entendimento acima explanado, ao qual se adere e para cuja fundamentação se remete, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o decidido pela 1.ª instância.

As custas serão suportadas pela recorrente, em razão do decaimento, que foi total (artigo 527.º, do CPC).


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Decisão

Por tudo o que vem de ser expendido, acordam em conferência os juízes que compõem a presente formação da subsecção de Contratos Públicos da secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (artigo 527.º, do CPC).

Registe e notifique.


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Lisboa, 20 de novembro de 2025


Ana Carla Teles Duarte Palma (relatora)

Jorge Martins Pelicano

Helena Telo Afonso