Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1807/09.9BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 10/10/2024 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | LOCAÇÃO FINANCEIRA SUJEITO PASSIVO MISTO CRITÉRIO DOS CONTRATOS EM CARTEIRA PRO RATA DIREITO À DEDUÇÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL ERRO NOS PRESSUPOSTOS NEUTRALIDADE |
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Sumário: | I. O vício de falta de fundamentação comporta quer uma dimensão apenas formal, quer uma dimensão substancial. II.O método a adotar, para efeitos de cálculo do imposto a deduzir por sujeitos passivos mistos de IVA, deve ser aquele que garanta, o mais possível, a neutralidade. III.O princípio da neutralidade admite que a modalidade de cálculo do direito à dedução em casos de sujeitos passivos mistos seja aquela que permita a maior precisão possível. IV. Como tal, o método do pro rata de dedução não é o método de aplicação prevalente. V. Tendo a Impugnante, sujeito passivo de IVA misto, que leva a efeito operações de locação financeira mobiliária, adotado um critério de cálculo do IVA dedutível baseado nos contratos em carteira, para que a AT afaste tal critério tem de sustentar a sua posição. VI.Para que o ónus da prova passe a caber ao sujeito passivo, em casos como o dos autos, é fundamental que a AT tenha, de forma sustentada, demonstrado a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação. VII.Não tendo, de forma absoluta, sido demonstrado o motivo pelo qual o método de cálculo do IVA dedutível, baseado nos contratos em carteira, é de afastar, as liquidações estão viciadas na sua essência. VIII.A situação descrita em VII. reflete uma falta de fundamentação substancial do ato, por falta de demonstração da motivação inerente à exclusão do critério adotado, e um erro nos pressupostos, por não estar cabalmente demonstrada a aplicação do disposto no art.º 23.º, n.º 4, do CIVA. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | * Acórdão I. RELATÓRIO T……… C….. Especializado - Instituição ………………., S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 29.10.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos períodos 05/03, 05/12 e 06/12. Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “1.º A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pelo Recorrente contra a liquidação de IVA n.º ……….712, n.º ……….716 e n.º ………720 e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º ……….713, n.º ………..717 e n.º ………..721, relativas aos períodos 05/03, 05/12 e 06/12, respetivamente, todas datadas de 05.05.2009; 2.º No que ora releva, o Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação judicial quanto aos vícios de falta de fundamentação e violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança apontados pelo ora Recorrente face à correção do alegado IVA indevidamente deduzido relativamente ao imposto suportado nas despesas comuns; 3.º Considera o Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto por a prova não ter sido integralmente valorada e por insuficiência da matéria de facto; 4.º Face à prova produzida, cuja credibilidade não foi posta em causa, e na qual assenta a convicção do Tribunal a quo, deveria ter sido dado como provado que o critério dos contratos em carteira foi escolhido por ser nestes que assenta a atividade do Recorrente e por este critério ser o mais adequado e objetivo na medida em que não provoca distorções na dedução do IVA, pelo que não tendo ocorrido é forçoso concluir que a prova não foi integralmente valorada pelo Tribunal a quo; 5.º Não pode o Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos corroborados pelo depoimento da testemunha N ………………….. (cf. a) e b) infra): a. O apuramento do pro rata era efetuado com base no critério dos contratos em carteira, considerando-se no numerador da fração os contratos de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção existentes no final do exercício e, no seu denominador, todos os contratos com e sem direito à dedução, em vigor no mesmo momento (cf. depoimento da testemunha N ………………………. de minutos 00:03:41 a 00:04:13 da gravação áudio junta aos autos); b. A escolha do apuramento do pro rata com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Recorrente (cf. depoimento da testemunha N ……………….. de minutos 00:04:59 a 00:05:13 e 00:06:48 a 00:06:55 da gravação áudio junta aos autos), e, por conseguinte, por ser este o critério mais adequado e objetivo na medida em que não provoca distorções na dedução do IVA (cf. depoimento da testemunha N …………………… de minutos 00:03:28 a 00:03:41 e 00:06:47 a 00:06:55 da gravação áudio junta aos autos); 6.º Dá-se como impugnada a insuficiência da matéria de facto da sentença recorrida, na parte em que não deu como provados os factos acima referidos (cf. artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT) e não tendo sido dados como provados tais factos, os quais são essenciais para a decisão da causa, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto, devendo, assim, ser revogada; 7.º Por outro lado, entende o Recorrente que a sentença padece de nulidade por falta de apreciação crítica da prova, na medida em que não apreciou os factos alegados à luz da prova produzida (cf. artigos 123.º, n.º 2 e 125.º do CPPT; artigos 154.º e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT; artigo 205.º da CRP; JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, Volume I, 2006, p. 906; LUÍS CORREIA DE MENDONÇA E HENRIQUE ANTUNES, in “Dos recursos – regime do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.08”, 2009, Quid Juris, Sociedade Editora, p. 240; ALBERTO RUÇO, in “Prova e formação da convicção do juiz”, Almedina, 2016, p. 288; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.04.2009 (recurso n.º 1115/08); acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.05.2016 (proc. n.º 00162/07.6BEPNF)); 8.º Atendendo a que todas as atividades do Recorrente dão origem à celebração e manutenção de contratos/operações, cujos custos (ditos comuns), que não são passíveis de afetação direta a cada um dos contratos/operações, são incorridos independentemente de se tratar da celebração de contratos sujeitos a IVA ou de contratos isentos, ou do “volume de proveitos” por si gerado (cf. depoimento da testemunha N …………………… de minutos 00:07:25 a 00:08:39 e 00:09:36 a 00:10:02 da gravação áudio junta aos autos), o critério dos contratos em carteira afigura-se objetivo, ou seja, não provoca distorção na dedução do IVA (cf. depoimento da testemunha N ……………… de minutos 00:06:47 a 00:06:55 da gravação áudio junta aos autos); 9.º A adoção de um critério alternativo, tal como o da administração tributária no caso sub judice, provoca uma distorção na dedução do IVA, atento o facto de, como se referiu, o valor das operações poder divergir significativamente de uma operação para outra, mantendo-se inalterados os custos suportados para a respetiva realização (cf. depoimento da testemunha N ……………………… de minutos 00:05:14 a 00:06:45 da gravação áudio junta aos autos); 10.º Da sentença recorrida não resulta qualquer juízo de efetiva ponderação da prova testemunhal quanto à aplicação do critério de proratização específico em detrimento do critério geral do volume de negócios e de que forma a mesma influiu na decisão do Tribunal a quo, pelo que a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica da prova junta aos autos, pelo que, com este fundamento, deve ser revogada; 11.º Sendo declarada a nulidade da sentença, nos termos e condições acima mencionados, e revogando-se a decisão recorrida, sempre se impõe, no caso sub judice, que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto (cf. artigo 662.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05.06.2008, (proc. n.º 2806/07)); 12.º Ademais, a decisão recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de direito na medida em que os fundamentos em que a mesma se alicerça são improcedentes quanto (i) ao vício de falta de fundamentação, (ii) à violação dos princípios constitucionais da igualdade e da tutela da confiança e (iii) à aplicação do critério de proratização específico em detrimento do critério geral do volume de negócios; 13.º O Tribunal recorrido julgou improcedente a impugnação quanto à correção do alegado IVA indevidamente deduzido relativamente ao imposto suportado nas despesas comuns, na parte relativa ao vício de falta de fundamentação, por entender que o ato tributário se encontra devidamente fundamentado; 14.º As correções sub judice não se encontram devidamente fundamentadas, na medida em que os serviços de inspeção tributária determinam o afastamento do critério de proratização específico utilizado pelo Recorrente, em afirmações genéricas e meramente conclusivas, sem qualquer particularização quanto à falta de objetividade do mesmo, limitando-se a descrever, de forma sucinta e abstrata, os serviços associados a cada uma das diferentes áreas de atividade do Recorrente, concluindo, de per se, pela falta de objetividade do critério de dedução adotado dos contratos em carteira sem demonstrarem, como se lhes impunha que o fizessem, em que medida a intensidade do consumo de bens e serviços adquiridos comuns a estas atividades é diferenciada, e, em que termos tal fator coloca em causa, de forma impreterível e absoluta, a objetividade do critério de dedução utilizado (cf. artigos 36.º do CPPT, 77.º, n.º 2 da LGT, 62.º do RCPIT, 268.º, n.º 3 da CRP, 152.º e 153.º do CPA; depoimento da testemunha N …………………………. de minutos 00:11:45 a 00:12:15, 00:12:27 a 00:12:40, 00:13:07 a 00:13:18 e 00:13:40 a 00:14:10 da gravação áudio junta aos autos; ESTEVES DE OLIVEIRA, COSTA GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM, in “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 2.ª edição, 3.ª reimp., 2001, Almedina, p. 604; JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado», Volume II, Áreas Editora, 6ª Edição, 2011, p. 116; acórdão do STA de 03.07.2019 (proc. n.º 0561/03.2BTCBR 01438/15)); 15.º O facto de o sujeito passivo não recorrer ao mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT, desobriga de alguma forma a administração tributária de fundamentar os atos, ou sana o vício de falta de fundamentação (cf. artigo 34.º da informação da Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, que integra a contestação; SERENA CABRITO NETO e CARLA CASTELO TRINDADE, in “Contencioso Tributário, Procedimento, Princípios e Garantias”, Vol. I, 2017, Almedina, p. 185; JORGE LOPES DE SOUSA in “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Vol. I., Áreas Editora, 2006, pp. 349 e 350; decisão arbitral de 11.12.2017 (proc. 136/2017-T); RUI DUARTE MORAIS in «Manual de Procedimento e Processo Tributário», Almedina, 2012, p. 125 e acórdãos do STA (proc. n.º 0619/11) de 30.11.2011, (proc. n.º 01674/13) de 12.3.2014, (proc. n.º 01690/13) de 23.4.2014, e acórdão TCAS (proc. n.º 24/01.0BTLRS) de 28.01.2021); 16.º Esta foi a conclusão alcançada no âmbito do processo de impugnação judicial referente a IVA de 2008, no qual se discute idêntica correção, que correu termos na 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa sob o número de processos 1274/11.7BELRS, atualmente em fase de recurso junto do Tribunal Central Administrativo Sul; 17.º Assim, deverá a sentença recorrida ser anulada porquanto é ilegal e julgado procedente o recurso uma vez que se verifica vício de forma que afeta a legalidade do referido ato tributário o qual, por este motivo, deve ser anulado, com fundamento no disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos artigos 36.º e 99.º, alínea c), do CPPT, no artigo 77.º, n.º 2, da LGT, no artigo 62.º do RCPIT e ainda no artigo 125.º do CPA; 18.º Por outro lado, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de direito ao entender que não se verifica qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da tutela da confiança porquanto não foi aplicada uma lei retroativa nem o Recorrente procedeu ao cálculo do pro rata com base em entendimento sufragado pela administração tributária; 19.º Verifica-se a violação do princípio da igualdade, por a administração tributária proceder ao tratamento desigual de situações materialmente iguais, pois esta negou ao Recorrente a possibilidade de utilização de um critério específico de proratização dos inputs comuns às atividades por si desenvolvidas quando, não só de forma reiterada e sistemática o tem aceite à generalidade dos contribuintes, mas também o considera na própria doutrina administrativa (cf. ofício n.º 30.018) como sendo o que mais se aproxima da neutralidade desejada (cf. o artigo 266.º, n.º 1 da CRP); 20.º Bem assim, verifica-se a violação do princípio da proteção da confiança ínsito no Estado de Direito, porquanto vem arruinar o mínimo de certeza e de segurança que deve nortear a atuação da administração tributária (cf. artigo 266.º, n.º 2 da CRP), pelo que também com estes fundamentos deverá ser anulada a sentença; 21.º Por fim, quando à aplicação do critério de proratização específico em detrimento do critério geral do volume de negócios, a sentença encontra-se incorre em erro de julgamento da matéria de direito porquanto entendeu o Tribunal que critério geral do volume de negócios se releva mais adequado face aos princípios do IVA e permite assegurar maior neutralidade do imposto porquanto evita distorções (cf. p. 49 da sentença); 22.º No caso concreto, sempre se impunha a aplicação do critério de proratização específico em detrimento do critério geral do volume de negócios, porquanto aquele é o critério que, em face dos princípios estruturantes do sistema comum do IVA, se afigura como mais adequado (cf. depoimento da testemunha N ………………… de minutos 00:03:28 a 00:03:41 da gravação áudio junta aos autos); 23.º A adoção do critério do volume de negócios ou outro critério específico de acordo com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo para efeitos de proratização do IVA suportado com custos comuns não se afigura irrelevante, porquanto, de acordo com o princípio do direito à dedução e da neutralidade, impõe-se a utilização daquele que com maior rigor conduza à mais exata proporção das operações ativas que conferem o direito à dedução (cf. acórdão Sucurenta do TJUE, proc. n.º C-437/06; RUI LAIRES, «Acórdão do TJCE de 13 de março de 2008», in Revista de Ciência e Técnica e Fiscal, n.º 421, pp. 210 a 264 e pp. 229 e 253; JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA, «Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado: as recentes alterações do artigo 23.º do Código do IVA» in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano I, abril 2008, pp. 49 e ss.; ofício n.º 30.018; Informação n.º 1461, de 10.05.1998, da DSIVA; despacho de 19.05.2005 (proc. A090 2002005) e ofício circulado n.º 79713, de 18.07.1989; Relatório do Grupo de Trabalho relativo à dedução do IVA, in Revista de Ciência e Técnica Fiscal, 2006, n.º 418, 237-357); 24.º A adoção pelo Recorrente do critério de proratização do IVA, suportado nos custos comuns dos contratos em carteira foi motivada pelo facto de este critério refletir com maior rigor, coerência e elevado grau de realidade, a proporção das operações ativas que conferem o direito à dedução pois, há um inquestionável nexo entre a manutenção dos contratos em carteira e a incorrência de fornecimentos e serviços externos, quer por a imputação direta ao setor de atividade isento ou tributado ser mais difícil de concretizar na manutenção dos contratos, quer por o custo e o tempo médio de preparação e manutenção de um contrato ser independente da sua natureza tributada ou não em sede de IVA, do rendimento por si gerado e da atividade a que respeita; 25.º Atendendo a que todas as atividades do Recorrente dão origem à celebração e manutenção de contratos/operações, cujos custos (ditos comuns), que não são passíveis de afetação direta a cada um dos contratos/operações, são incorridos independentemente de se tratar da celebração de contratos sujeitos a IVA ou de contratos isentos, ou do “volume de proveitos” por si gerado, o critério dos contratos em carteira afigura-se objetivo, ou seja, não provoca distorção na dedução do IVA (cf. depoimento da testemunha N …………………. de minutos 00:07:25 a 00:08:39, 00:09:36 a 00:10:02 e 00:06:47 a 00:06:55 da gravação áudio junta aos autos); 26.º O critério do volume de negócios alheia-se da especificidade da atividade do Recorrente e da irrelevância dos custos comuns incorridos em função da tributação dos contratos em sede de IVA, bem como do valor a estes subjacente sendo este o motivo que permite perceber a divergência da percentagem de dedução apurada pelo Recorrente e a apurada pela administração tributária, uma vez que a maior realização de proveitos numa atividade não tributada, não implica a sua equivalência no número de contratos em carteira e dos custos comuns incorridos para esse efeito (cf. depoimento da testemunha N ……………………….. de minutos 00:08:00 a 00:08:39, 00:09:30 a 00:09:35 e 00:05:14 a 00:06:55 da gravação áudio junta aos autos); 27.º Assim, a aplicação do critério previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA para a determinação do pro rata do IVA a deduzir das despesas comuns, sem ponderação e justificação da exclusão do critério aplicado pelo Recorrente, in casu o mais adequado para efeitos de apuramento daquela percentagem de dedução, viola os princípios do direito à dedução e da neutralidade, pelo que se impunha a sentença recorrida tivesse anulado o ato tributário em juízo, e não o tendo feito tal importa a sua anulação porquanto incorre em erro de julgamento da matéria de direito (cf. PEDRO COSTA MONTEIRO, in «O Direito à Dedução do IVA das Sucursais de Sujeitos Passivos Mistos: O acórdão Morgan Stanley», in Cadernos IVA 2019, Almedina, p. 292); 28.º Por fim, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao aplicar o disposto no acórdão Banco Mais, processo C-183/13 do TJUE, no sentido de sufragar a tese da Fazenda Pública e de afastar o critério de dedução dos contratos em carteira; 29.º A situação é materialmente diferente porquanto no acórdão Banco Mais se está perante o afastamento do critério utilizado pelo sujeito passivo em favor do critério da afetação real, enquanto que na situação sub judice se está perante a substituição do critério dos contratos em carteira pelo critério de pro rata geral do volume de negócios, para além de que no processo Banco Mais o mesmo havia calculado o seu pro rata inserindo no numerador as remunerações recebidas relativamente às operações financeiras que conferiam direito à dedução, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado pelas operações de locação financeira que conferiam direito à dedução, e, no denominador, as remunerações recebidas relativamente a todas as operações financeiras, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado por todas as operações de locação financeira; 30.º No acórdão Banco Mais o TJUE concluiu que “(…) embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.” (cf. processo C-183/13 do TJUE; sublinhado nosso); 31.º Exatamente por estas razões, e conforme decorre do depoimento da testemunha, o Recorrente adotou o método dos contratos em carteira, por ser o mais objetivo e que não provoca distorções na dedução do IVA pelo que não se aceita que o Tribunal a quo aplique o disposto no acórdão Banco Mais para sufragar a posição da Fazenda Pública, porquanto o método de dedução utilizado pelo Recorrente e pelo Banco Mais são materialmente distintos e o critério adotado pelo Recorrente se afigura conforme ao entendimento do TJUE, motivo pelo qual a sentença deverá nesta parte ser revogada, porquanto é ilegal. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, nesta parte, e nessa medida, anulado o ato tributário sub judice nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”. A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto? b) A sentença recorrida é nula, por não especificação dos fundamentos de facto? c) Verifica-se erro de julgamento, quanto ao vício de falta de fundamentação? d) Há erro de julgamento, em relação à violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança? e) Verifica-se erro de julgamento, dado que a aplicação do critério previsto no art.º 23.º, n.º 4, do Código do IVA (CIVA), sem ponderação e justificação do critério aplicado pela Recorrente, viola os princípios do direito à dedução e da neutralidade?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A. A Impugnante é uma instituição de crédito que tem por objecto a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos e que, relativamente ao IVA, está enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 186/2002, de 21 de Agosto e doc. 1, junto com a p. i. a fls. 52 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido); B. Nos exercícios de 2005 e 2006, a actividade da Impugnante encontrava-se segmentada pelas áreas de locação financeira mobiliária e imobiliária, de factoring e confírming, aluguer de longa duração e financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços - acordo das partes (cf. artigo 1.º da p. i. e artigo 6.º da informação para que remete a contestação), doc. 1, junto com a p. i. a fls. 52 e segs. e depoimento da testemunha inquirida; C. A Impugnante desenvolve operações isentas de IVA e operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção - acordo das partes (cf. artigo 2.º da p. i. e artigo 7.º da informação para que remete a contestação), doc. 1, junto com a p. i. a fls. 52 e segs. e depoimento da testemunha inquirida; D. A dedução dos custos suportados pela Impugnante com serviços de utilização mista (comuns à actividade sujeita a IVA e à actividade isenta de IVA) era efectuada segundo um critério de imputação baseado no número de contratos em carteira, tendo, nos exercícios de 2005 e 2006, apurado uma percentagem de dedução de IVA respeitante a custos comuns de 80% e 77%, respectivamente – acordo das partes (cf. artigo 4.º da p. i. e artigo 7.º da informação para que remete a contestação), doc. 1, junto com a p. i. a fls. 52 e segs. e depoimento da testemunha inquirida; E. Ao abrigo das Ordens de Serviço n.°s OI200800301 e OI200800300, de 31 de Julho de 2008, foi efectuada uma acção inspectiva, de âmbito geral, à Impugnante, com referência aos exercidos de 2005 e 2006, da qual resultaram correcções em sede, designadamente, de IVA, com base na seguinte fundamentação essencial constante do Relatório de Inspecção Tributária (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 52 e segs., igualmente constante de fls. 161 e segs. do PAT apenso): « Texto no original» (…) « Texto no original»
(…) « Texto no original» (…) « Texto no original» (…) « Texto no original»
(…) « Texto no original»
F. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos Anexos 1 a 7 ao Relatório de Inspecção Tributária referido na letra anterior, constantes de fls. 218 e segs. do PAT apenso; G. A Impugnante foi notificada das liquidações de IVA n.ºs ……….712, ……………716 e …………720, nos valores de € 28.500,00, € 89.420,59 e € 89.088,94 e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs ……………713, ………..717 e …………721, nos valores de € 4.422,58, € 11.171,45 e € 7.546,93, relativas aos períodos 05/03, 05/12 e 06/12, respectivamente (cf. docs. 4 e 5, juntos com a p. i. a fls. 139 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e prints informáticos a fls. 152-B e 153 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); H. As liquidações referidas na letra anterior foram pagas em 30 de Junho de 2009 (cf. docs. 6 e 7, juntos com a p. i. a fls. 147 e segs. e 151 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e prints informáticos a fls. 154 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); I. No âmbito do exercício do direito de audição no procedimento de inspecção, a Impugnante invocara que “(…) a omissão da menção ao IVA na escritura pública do contrato de compra e venda do imóvel se deveu a mero lapso e que se encontra já em curso, junto do Cartório Notarial onde foi lavrada, procedimento com vista à rectificação daquela escritura pública”, protestando juntar cópia da mesma escritura pública rectificada, o que fez, conforme resulta do Relatório de Inspecção Tributária referido na letra E supra, constando do averbamento respectivo a seguinte menção: “Completa-se a requerimento dos interessados que no preço de € 150.000,00 da fracção adquirida na presente escritura acresce o IVA à data à taxa legal de 19% no montante de € 28.500,00 pelo facto de a sociedade vendedora ter renunciado à isenção do mesmo tal como lhe foi deferido pelo Serviço de Finanças competente conforme certidão que se encontra arquivada a instruir esta mesma escritura” (cf. docs. 2 e 3, juntos com a p. i. a fls. 124 e segs. e 130 e segs., respectivamente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e, bem assim, no depoimento da testemunha inquirida, o qual se revelou isento e credível e foi prestado com conhecimento directo dos factos, atenta a sua relação com os factos (a testemunha inquirida era, à data dos factos, a pessoa responsável pela área de contabilidade e reporting da Impugante), tal como referido em cada letra do probatório”.
II.C. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto Considera, desde logo, a Recorrente que o Tribunal a quo errou o seu julgamento de facto, entendendo que, face à prova testemunhal produzida, resultaram provados os seguintes factos: a) “O apuramento do pro rata era efetuado com base no critério dos contratos em carteira, considerando-se no numerador da fração os contratos de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção existentes no final do exercício e, no seu denominador, todos os contratos com e sem direito à dedução, em vigor no mesmo momento (cf. depoimento da testemunha N ………………….. de minutos 00:03:41 a 00:04:13 da gravação áudio junta aos autos)”; b) “A escolha do apuramento do pro rata com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Recorrente (cf. depoimento da testemunha N ……………………… de minutos 00:04:59 a 00:05:13 e 00:06:48 a 00:06:55 da gravação áudio junta aos autos), e, por conseguinte, por ser este o critério mais adequado e objetivo na medida em que não provoca distorções na dedução do IVA (cf. depoimento da testemunha N ……………………………….. de minutos 00:03:28 a 00:03:41 e 00:06:47 a 00:06:55 da gravação áudio junta aos autos)”. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1). Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC: “2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados (2). Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido. Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros. Feito este introito, cumpre apreciar: ¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea a): “O apuramento do pro rata era efetuado com base no critério dos contratos em carteira, considerando-se no numerador da fração os contratos de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção existentes no final do exercício e, no seu denominador, todos os contratos com e sem direito à dedução, em vigor no mesmo momento” Quanto ao concreto aditamento proposto, há que sublinhar que o mesmo já resulta, em parte, da decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente do facto D. No entanto, considera-se pertinente aditar facto que discrimine, nos termos requeridos, que dados eram considerados no numerador e no denominador, o que resultou provado, face à prova testemunhal produzida e mencionada pela Recorrente e se extrai do próprio relatório de inspeção tributária (RIT). Face ao exposto, defere-se o aditamento de um facto provado, com a seguinte formulação: J. A aplicação do critério mencionado em D. era efetuada considerando-se no numerador da fração os contratos de locação financeira mobiliária e imobiliária com renúncia à isenção existentes no final do exercício e, no seu denominador, todos os contratos com e sem direito à dedução, em vigor no mesmo momento. ¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea b): “A escolha do apuramento do pro rata com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Recorrente e, por conseguinte, por ser este o critério mais adequado e objetivo na medida em que não provoca distorções na dedução do IVA”. No tocante ao aditamento proposto, a formulação contém, na sua segunda parte, um cariz conclusivo. Logo, ainda que se considere que, da prova testemunhal produzida, identificada pela Recorrente, e que foi clara, congruente e convincente, com conhecimento direto dos factos, é de deferir o requerido, tal será efetuado em termos distintos dos propostos, por forma a expurgar dessa proposta os juízos conclusivos. Assim sendo, são de aditar os seguintes factos: K. A escolha do apuramento do IVA dedutível com base no critério dos contratos em carteira ficou a dever-se ao facto de ser nestes contratos que assenta a atividade da Recorrente e por ter sido este o critério que a Recorrente considerou o mais adequado e objetivo em termos de distorções na dedução do IVA. L. A Recorrente afastou o critério do volume de negócios, por ter feito uma análise que lhe fez concluir que o maior ou menor impacto que um contrato tem no seu volume de negócios não se reflete necessariamente no maior ou menor trabalho decorrente da sua gestão.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Da nulidade da sentença, por não especificação dos fundamentos de facto Entende, igualmente, a Recorrente que a sentença padece de nulidade, por falta de apreciação crítica da prova, dado não ter apreciado os factos alegados à luz da prova produzida, designadamente quanto à circunstância de o critério dos contratos em carteira se afigurar objetivo, ao contrário do critério alternativo imposto pela administração tributária (AT). Vejamos. Quanto ao julgamento da matéria de facto, é de ter em consideração o disposto no art.º 123.º do CPPT, nos termos do qual “[o] juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”, em termos similares ao que resulta do n.º 3 do art.º 607.º do CPC. É no âmbito deste discurso fundamentador que se insere a análise crítica das provas. A este propósito, chama-se à colação o disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC, nos termos do qual “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”. Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC]. A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito (3). A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação. Nas palavras de Alberto dos Reis (4), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”. Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” (5). Ora, in casu, não se pode afirmar que a sentença padeça de nulidade. Com efeito, do ponto de vista dos fundamentos de facto, foram elencados os factos provados e explanada a motivação subjacente a esse julgamento de facto, como, aliás, foi transcrito. O que a Recorrente aqui configura como nulidade é, na verdade, um erro de julgamento (que, aliás, existiu, conforme resulta do decidido supra em II.C.). A Recorrente, no fundo, entende que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, ao não considerar o critério dos contratos em carteira mais adequado do que o critério adotado pela AT. Tal, reiteramos, não configura nulidade, mas eventual erro de julgamento, o que será oportunamente apreciado. Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.
Prossigamos. III.B. Do erro de julgamento, quanto à falta de fundamentação e à violação dos princípios do direito à dedução e da neutralidade Entende a Recorrente que a instância errou no seu julgamento, dado as correções não se encontrarem devidamente fundamentadas, uma vez que a AT se sustentou em afirmações genéricas e meramente conclusivas. Considera, ademais, que a aplicação do critério previsto no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, para a determinação do pro rata do IVA a deduzir das despesas comuns, sem ponderação e justificação da exclusão do critério aplicado pelo Recorrente, in casu o mais adequado para efeitos de apuramento daquela percentagem de dedução, viola os princípios do direito à dedução e da neutralidade. Consideramos que o alegado apresenta conexão, pelo que se apreciarão ambas as questões em simultâneo. O dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. “A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” (6), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa. Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. Do ponto de vista estritamente formal, a falta de fundamentação configura-se como um vício de forma e não de substância. No entanto, a par do dever de fundamentação formal, pode ainda falar-se em dever de fundamentação substancial, tendo este a ver com a questão da verificação dos pressupostos de facto e/ou de direito. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.02.2019 (Processo: 0775/02.2BTVIS): “[U]ma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.). Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)”. Portanto, quando se fala em fundamentação do ato, há que atentar na dicotomia existente entre a sua vertente formal e a sua vertente substancial. Como referido por Vieira de Andrade (7), “[a] diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. Ora, in casu, desde já se adiante que, não obstante a Recorrente, quer na petição inicial, quer na presente sede, ter configurado o que alega como falta de fundamentação enquanto vício formal, o Tribunal não está sujeito a tal configuração (cfr. art.º 5.º, n.º 3, do CPC), considerando-se que, mais do que a dimensão formal, está aqui em causa a sua dimensão substancial. Aliás, é o que se acaba por extrair da leitura conjunta das conclusões 14 e 27. Prosseguindo. O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. O direito à dedução do IVA é um direito que assiste aos sujeitos passivos de IVA, desde que os bens e os serviços, a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis. O IVA funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs. Trata-se de um reflexo do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, que, no que toca ao direito à dedução em específico, se reflete na necessidade de o IVA não condicionar os produtores a alterar o seu processo produtivo. Nos termos do art.º 19.º do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA. Por seu turno, o art.º 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas. No caso de sujeitos passivos mistos, ou seja, que pratiquem operações sujeitas e operações isentas de IVA, a dedução de IVA pode ser determinada por recurso a dois métodos (em alternativa ou em simultâneo): o da afetação real e o do pro rata (global ou parcial). Como se refere no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 16.09.2021, Balgarska natsionalna televizia, C-21/20, EU:C:2021:743, n.ºs 48 a 52: “48. A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos de deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, esse direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.os 26 e 37 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 32]. 49. O regime de dedução instituído pela Diretiva IVA visa, com efeito, desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA [Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Baštová, C-432/15, EU:C:2016:855, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 18 de março de 2021, A. (Exercício do direito a dedução), C-895/19, EU:C:2021:216, n.o 33]. 50 A esse título, em primeiro lugar, resulta do artigo 168.o da Diretiva IVA que, para poder beneficiar do direito a dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar esse direito sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (Acórdãos de 5 de julho de 2018, Marle Participations, C-320/17, EU:C:2018:537, n.o 26 e jurisprudência referida, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 23). 51 Em contrapartida, quando bens ou serviços adquiridos por um sujeito passivo estão relacionados com operações isentas ou que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA, não pode haver cobrança do imposto a jusante nem dedução deste a montante (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2017, Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16, EU:C:2017:683, n.o 30, e de 3 de julho de 2019, The Chancellor, Masters and Scholars of the University of Cambridge, C-316/18, EU:C:2019:559, n.o 24). 52 Decorre desta jurisprudência que é a utilização dos bens e dos serviços adquiridos a montante para fins de operações tributáveis que justifica a dedução do IVA pago a montante…”. Acrescente-se, ainda, como se refere, v.g., no Acórdão do TJUE de 12.11.2020, Sonaecom, C-42/19, EU:C:2020:913, n.ºs 55 a 59: “55. Quanto ao contexto em que o artigo 17.°, n.° 2, alínea a), da Sexta Diretiva se insere, há que salientar que, em matéria de dedutibilidade do imposto pago a montante sobre bens de utilização mista, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alíneas a) a d), desta diretiva enumera diferentes correções que os Estados-Membros podem adotar para, nomeadamente, aplicar regras de cálculo do pro rata de dedução mais precisas do que a prevista no artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, da referida diretiva, tendo em conta as características específicas próprias das atividades do sujeito passivo em causa. 56 Neste contexto (…), os Estados-Membros podem prever métodos de cálculo diferentes do critério de repartição baseado no volume de negócios previsto na Sexta Diretiva, quando o método escolhido garanta um resultado mais preciso (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.os 23 a 26, e de 9 de junho de 2016, Wolfgang und Dr. Wilfried Rey Grundstücksgemeinschaft, C-332/14, EU:C:2016:417, n.° 33). 57 Além disso, resulta do artigo 20.°, n.° 6, da Sexta Diretiva, relativo ao ajustamento da dedução do imposto pago a montante, que esta dedução deve ser (…) adaptada com a maior exatidão possível à utilização efetiva, a fim de se evitarem «vantagens ou [...] prejuízos injustificados» para o sujeito passivo. 58 Assim, resulta não apenas do artigo 17.°, n.° 2, alínea a), mas também de outras disposições da Sexta Diretiva que esta se baseia na lógica de que a dedução do imposto pago a montante pelo sujeito passivo deve corresponder com a maior exatidão possível à utilização efetiva dos bens e dos serviços adquiridos por aquele. 59 Por conseguinte, uma utilização efetiva dos bens e dos serviços prevalece sobre a intenção inicial”. O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas e às atividades isentas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado, no primeiro caso, e não se deduzindo no segundo. Já o método do pro rata implica o cálculo da percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão direito à dedução, sendo que é apenas deduzido o IVA dos inputs na percentagem que seja determinada, sendo, para o efeito, fundamental demarcar que operações são consideradas no numerador e no denominador da fração de cálculo do pro rata de dedução. Considerando o disposto no art.º 23.º do CIVA (redação à época em vigor): “1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução. 2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação. 3 - A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior: a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas; b) Quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza a distorções significativas na tributação. 4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento. 5 - No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo…”. O pro rata de dedução, considerando o critério consagrado no n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, seria calculado nos seguintes termos: Feito este introito, resulta, desde logo, que são de sublinhar dois aspetos: a) Em primeiro lugar, para que se aplique o método do pro rata de dedução é necessário que estejamos perante sujeitos passivos mistos, ou seja, sujeitos passivos que pratiquem operações tributadas e operações isentas; b) Em segundo lugar, ainda que sejam sujeitos passivos mistos, o método a utilizar deverá ser o que assegure a maior neutralidade do imposto. Como referido por Xavier de Basto e Odete Oliveira («Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de imposto sobre o valor acrescentado: as recentes alterações do artigo 23.º do Código do IVA», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, n.º 1, Almedina, 2008, pp. 58 e 59): “Os sujeitos mistos (…) devem (…) ter direito à dedução integral quanto ao imposto contido em bens e serviços que são só utilizados em operações tributadas (e isentas com direito à dedução) e não devem ter qualquer direito a deduzir quanto ao imposto contido em bens e serviços que são só utilizados em operações que não conferem direito à dedução. A disciplina do artigo 23.º, interpretado de acordo com a sua fonte comunitária que é o n.º 5 da 6ª directiva, não se impõe, sem mais considerações, aos sujeitos passivos mistos, mas apenas aos bens e serviços utilizados pelos sujeitos passivos em que não seja possível separar a utilização respectiva em operações que conferem e operações que não conferem direito à dedução”. É igualmente pertinente atentar no decidido no Acórdão do TJUE, de 16.02.2012, Varzim Sol, C-25/11, EU:C:2012:94, n.ºs 36 a 42: “36 Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o direito a dedução, previsto nos artigos 17.° e seguintes da Sexta Diretiva, faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante. Qualquer limitação do direito a dedução do IVA tem incidência no nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Sexta Diretiva (v., nomeadamente, acórdão Comissão/França, já referido, n.° 28). 37 A este respeito, o artigo 17.°, n.° 1, da referida diretiva prevê que o direito a dedução se constitui no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, e o n.° 2 do mesmo artigo autoriza o sujeito passivo, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributáveis, a deduzir do IVA de que é devedor o imposto devido ou pago em relação a bens que lhe são ou serão fornecidos e a serviços que lhe são ou serão prestados por outro sujeito passivo (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 29). 38 Quanto aos sujeitos passivos mistos, resulta do artigo 17.°, n.° 5, primeiro e segundo parágrafos, da Sexta Diretiva que o direito a dedução é calculado segundo um pro rata determinado em conformidade com o artigo 19.° desta diretiva. O referido artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, autoriza, no entanto, os Estados-Membros a prever um dos outros métodos de determinação do direito a dedução enumerados nesse parágrafo, isto é, nomeadamente, o estabelecimento de um pro rata distinto para cada setor de atividade ou a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 30). 39 O artigo 11.°, A, n.° 1, alínea a), da Sexta Diretiva prevê que as subvenções diretamente relacionadas com o preço de um bem ou de um serviço são tributáveis nos mesmos termos que aquele. Quanto às subvenções que não estão diretamente relacionadas com o preço, o artigo 19.°, n.° 1, desta diretiva prevê que os Estados-Membros podem incluí-las no denominador do cálculo do pro rata aplicável, quando um sujeito passivo efetua simultaneamente operações que conferem direito a dedução e operações isentas (v. acórdão Comissão/França, já referido, n.° 31). 40 É facto assente que, quanto ao litígio no processo principal, a Varzim Sol foi autorizada a efetuar a dedução segundo um método diferente do método pro rata determinado nos termos do artigo 19.° da Sexta Diretiva, isto é, com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e serviços a uma atividade precisa, método este referido no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, desta diretiva. 41 Ora, uma vez que as atividades que a Varzim Sol exerce nos setores da restauração e da animação estão sujeitas a IVA, o direito a dedução segundo o método da afetação real incide sobre a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante. 42 Com efeito, visto o sujeito passivo ter sido autorizado a efetuar a dedução segundo o método da afetação real, as disposições do artigo 19.° da Sexta Diretiva não são aplicáveis e não podem, assim, limitar o direito a dedução nos referidos setores, conforme esse direito resulta desta diretiva” (sublinhados nossos). É ainda de sublinhar que são inúmeros os litígios em que particulares e AT se defrontam, em casos de cálculo do IVA dedutível, quando sejam levadas a cabo, pelos sujeitos passivos, atividades isentas e atividades de locação financeira sujeitas a IVA. Foram litígios neste contexto que estiveram na origem da prolação do Acórdão do TJUE, de 10.07.2014, Banco Mais, C-183/13, EU:C:2014:2056, do qual se extrai: “Litígio no processo principal e questão prejudicial (…) 7 (…) [O] Banco Mais efetua operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito. Para esse efeito, o Banco Mais utiliza bens e serviços afetos exclusivamente a uma ou a outra dessas categorias de operações, assim como bens e serviços de utilização mista, para cuja aquisição deve pagar IVA. (…) 9 No que respeita aos bens e serviços de utilização mista, o Banco Mais calculou o seu pro rata de dedução com base numa fração que comporta, no numerador, as remunerações recebidas relativamente às operações financeiras que conferiam direito à dedução, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado pelas operações de locação financeira que conferiam direito à dedução, e, no denominador, as remunerações recebidas relativamente a todas as operações financeiras, às quais foi acrescentado o volume de negócios gerado por todas as operações de locação financeira. Na prática, este método levou o Banco Mais a considerar que 39% do IVA devido ou pago sobre esses bens e serviços era dedutível. 10 Na sequência de uma inspeção tributária, realizada em 2007, que teve por objeto o exercício fiscal de 2004, o Banco Mais ficou sujeito, por decisão da Fazenda Pública de 7 de fevereiro de 2008, ao pagamento de um adicional de IVA, acrescido de juros compensatórios, com o fundamento de que o método utilizado por essa sociedade para determinar o seu direito à dedução tinha levado a uma distorção significativa na determinação do montante de imposto devido. 11 Nessa decisão, a Fazenda Pública (…) considerou, no que respeita às operações de locação financeira, que o facto de ter utilizado como critério a parte do volume de negócios gerada pelas operações que conferiam direito à dedução, sem excluir desse volume de negócios a parte das rendas recebidas que compensavam o custo de aquisição dos veículos, tinha tido por efeito falsear o cálculo do pro rata de dedução. (…) 15 Foi nestas circunstâncias que o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?» Quanto à questão prejudicial 16 Decorre dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o litígio no processo principal tem por objeto a legalidade da decisão da Fazenda Pública que recalcula o direito à dedução do Banco Mais no que respeita aos bens e serviços de utilização mista, por aplicação do regime de dedução previsto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA. 17 Ora, segundo esta disposição, conjugada com o artigo 23.°, n.º 3, do CIVA, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, um sujeito passivo pode ser obrigado a efetuar a dedução do IVA em função da afetação real da totalidade ou de parte dos bens e serviços utilizados. 18 Assim, a referida disposição reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva [a que corresponde o art.º 173.º, da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro], que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, e 19.°, n.° 1, dessa diretiva. 19 Consequentemente, importa considerar (…) que o artigo 23.°, n.° 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva. 20 Nestas condições, há que considerar que a questão submetida visa, em substância, saber se o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros. 21 Segundo jurisprudência assente, na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respetivos termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n.° 34). 22 No caso em apreço, o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. 23 Tendo em conta a redação dessa disposição, um Estado-Membro pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afetação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. 24 Na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Diretiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v., neste sentido, acórdãos Royal Bank of Scotland, C-488/07, EU:C:2008:750, n.° 25, e Crédit Lyonnais, C-388/11, EU:C:2013:541, n.° 31). 25 Com efeito, por um lado, como decorre claramente da redação dos artigos 17.°, n.° 5, e 19.°, n.° 1, da Sexta Diretiva, esta última disposição remete unicamente para o pro rata de dedução previsto no artigo 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, desta diretiva e, assim, apenas fixa uma regra de cálculo específica para o caso visado neste artigo 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo (v., neste sentido, acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.° 22). 26 Por outro lado, embora o segundo parágrafo do artigo 17.°, n.° 5, da Sexta Diretiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.°, n.° 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.° 23). 27 Contudo, no exercício da faculdade concedida no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, de derrogar a regra de cálculo prevista nessa diretiva, todos os Estados-Membros estão obrigados a ter em conta a finalidade e a sistemática da referida diretiva e os princípios em que assenta o sistema comum do IVA (acórdãos BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.° 22, e Crédit Lyonnais, EU:C:2013:541, n.° 52). 28 A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA deve garantir, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os seus fins ou resultados, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.° 15). 29 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva se destina a permitir que os Estados-Membros tenham em conta as características específicas próprias a determinadas atividades dos sujeitos passivos, a fim de obterem resultados mais precisos na determinação do alcance do direito à dedução (v., neste sentido, acórdãos Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.° 24, e BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.os 23 e 24). 30 Resulta do que antecede que, no que respeita, primeiro, à redação do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, segundo, ao contexto em se insere esta disposição, terceiro, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade e, quarto, à finalidade do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, dessa diretiva, qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade prevista no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.° 23). 31 Com efeito, o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução (v., neste sentido, acórdão Securenta, C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 37). 32 Para este efeito, a Sexta Diretiva não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.° 24). 33 A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. (…) 34 Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel. (…) Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara: O artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos…” (sublinhados nossos). Ora, como sublinhado pela Recorrente, in casu, ao contrário do que sucedeu na situação inerente ao Acórdão Banco Mais, a mesma não calculou o IVA dedutível relativo aos custos comuns com base no critério do volume de negócios. Foi, no caso Banco Mais, essa aplicação e a consideração pela AT que tal critério provocava distorções significativas na tributação que sustentaram o entendimento de que era possível a administração impor um cálculo distinto, que desconsiderasse o valor atinente à amortização financeira. O cerne da questão prendeu-se com saber se era admissível que a administração impusesse que não fosse considerada a parte atinente à amortização de capital, mas tão-só a parte atinente aos juros. Daí que, no presente caso, afastemos o nosso entendimento da posição defendida pelo Tribunal a quo, ao afirmar que a situação dos autos é em tudo idêntica à apreciada no Acórdão Banco Mais. No presente caso, a Recorrente não usou o método do pro rata de dedução baseado no volume de negócios, mas adotou como critério o dos contratos em carteira em vigor em cada um dos períodos pertinentes. Esta possibilidade, de lançar mão de um critério distinto do do volume de negócios, em abstrato não é de afastar (nem foi, aliás, afastada no RIT), per se, como o próprio Acórdão Banco Mais refere. O TJUE afirma que, designadamente, o princípio da neutralidade, princípio este estruturante para efeitos de IVA, admite que a modalidade de cálculo do direito à dedução em casos de sujeitos passivos mistos seja aquela que permita a maior precisão possível – e, reiteramos, a AT nunca pôs em causa, in casu, essa possibilidade de o coeficiente de dedução ser calculado com base em critério distinto do volume de negócios. Ou seja, não há qualquer prevalência, sem mais, inerente ao pro rata calculado com base no volume de negócios. Como referem Xavier de Basto e Odete Oliveira («Desfazendo mal-entendidos …», cit., pp. 50 a 63): “… O ideal seria então que a dedução fosse efectuada com base na “afectação real” do bem e serviço (ou “utilização” dos bens ou serviços, para usar a expressão da alínea c) do n.° 3 do artigo 17.“), a qual não pode deixar de ser entendida como imputação do uso real e efectivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente. Exemplos de critérios que reflictam este uso podem ser outros que não os assentes nas operações a jusante realizadas, o que, como vimos, constitui a base da regra do prorata. É o caso dos critérios que operam com o número de transacções realizadas ou de contratos celebrados, com o tempo ou dimensão quantitativa da equipe de pessoas que laboram nas operações em causa, com a área do local onde a actividade se exerce, com número de horas/máquina, etc., etc.. Para os efeitos contidos na alínea c) do n.° 5 do artigo 17.° da directiva, “efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços” não poderá nunca ter outro significado se não o que acima definimos, ou seja, o significado de medir a intensidade efectiva e real da utilização dos bens e serviços em cada um dos tipos de operações em causa (tributadas e isentas com direito a dedução, por um lado, e isentas sem direito à dedução, por outro). Não pode significar, como frequentemente se supõe entre nós, separar os bens e serviços usados totalmente em operações que dão direito a dedução (apurando em consequência uma integral dedução do imposto suportado) e os bens usados totalmente em operações que não conferem direito a dedução (não apurando em consequência qualquer valor de imposto dedutível). Essa separação faz-se em momento anterior, e é imposta e regulada pelo n.° 3 do artigo 17.° da directiva e não pelo seu número 5. (…) O que está em causa agora é apenas o apuramento da parcela de imposto dedutível nos bens de uso “promíscuo”. Quando não for esse o caso, e se afigure possível estabelecer uma relação directa e imediata dum “input" com um “output” e só com esse, o imposto é deduzido ou não consoante a regra do n.° 3, ou seja conforme os bens sejam utilizados em operações tributáveis ou em operações isentas sem direito à dedução, respectivamente. É para a dedução do IVA contido em bens e serviços de utilização promíscua que a directiva apresenta as soluções das sucessivas alíneas do n.° 5 do artigo 17.°. O critério mais rigoroso é efectuar a dedução conforme a intensidade do uso, real e efectivo dos bens e serviços. Não é todavia o critério único, pois que a directiva admite a adopção de um critério menos “fino”, em última análise, o prorata geral, determinado em função da proporção entre “outputs” tributados (os que efectivamente o são, mais os isentos com direito a dedução) e outputs totais (nestes incluindo, obviamente, os isentos sem direito a dedução). E deixa aos Estados membros a possibilidade de aceitar ou mesmo impor os procedimentos mais rigorosos, reservando o prorata como sistema residual e supletivo. Admite ainda procedimento intermédio, como seja o previsto na alínea b) como seja o de obrigar o sujeito passivo “a determinar um prorata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um dos sectores”, efectuando assim, para efeitos do imposto, uma sectorização da actividade. (…) Ora, este [art.º 23.º do CIVA], tal como os demais artigos que, no CIVA, determinam o montante do IVA dedutível, devem sempre interpretar-se à luz do artigo 17.° da directiva. E indiscutível que, em geral, um Estado membro não é autorizado a tomar mais difícil e restrito (na forma e no quantitativo) a determinação do IVA dedutível em relação ao que é estabelecido pela directiva. Uma interpretação conforme à directiva impõe-se e é, mesmo com esta redacção do artigo 23.°, perfeitamente possível e a única legítima. (…) Quanto à regra geral ou residual do prorata e ao regime da afectação real de todos ou de parte dos bens - entendido este último como significando dedução em função da real e efectiva utilização ou uso de cada input promíscuo em cada tipo de operação - não pode haver dúvidas de que estão consagrados no artigo 23.°, respectivamente no n.° 1 e no n.° 2. E quanto à sectorização, prevista nas alíneas a) e b) do artigo 17.°, n.° 5, da directiva, como opção concedida aos Estados membros? Será que o legislador português usou essa opção? Será possível ao sujeito passivo proceder à sectorização e trabalhar com prorata diferenciados para os diferentes sectores? (…) [N]a nossa legislação, (…) admite[-se] a sectorização da actividade, para efeitos de apuramento da parcela de imposto dedutível contida em inputs promíscuos, sempre que as operações do sujeito passivo sejam diferenciadas quanto ao seu regime fiscal. A conclusão é portanto que as regras que atrás apresentámos como regendo o direito à dedução, retiradas das directivas que disciplinam o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, estão, de forma explicita ou implícita, vertidas no CIVA, que, para mais, deve ver os seus preceitos sempre interpretados em conformidade com a normativa comunitária” (sublinhados nossos). Aliás, sublinhe-se que a administração tem aceitado a utilização de critérios que não o volume de negócios. Veja-se, a este propósito: a) A informação vinculativa proferida no âmbito do processo A090 2002005, sancionada por despacho de 19.05.2005, onde se refere: “O ofício-circulado n.º 79713, de 18/07/89, refere no seu ponto 8 que “Relativamente aos restantes bens e aos serviços cuja afectação for totalmente impossível de concretizar, deverá a dedução do imposto ser efectuada em proporção aos indicadores que se mostrarem mais justos e racionais: volume de negócios, espaço ocupado, número de horas das máquinas, etc.” (sublinhado nosso); b) A informação vinculativa proferida no âmbito do processo 14.991, sancionada por despacho de 21.05.2019, onde se refere: “10. A aplicação do artigo 23.º do CIVA foi objeto de esclarecimento por parte da AT através do Ofício Circulado n.º 30103 de 23-04-2018, da Área de gestão tributária - IVA. (…) 12. Assim, sendo a Requerente um sujeito passivo misto que utiliza o método da afetação real para todos os bens, está obrigada a efetuar a separação da atividade isenta da não isenta na contabilidade, sem prejuízo, quanto aos custos comuns, de usar uma chave de repartição na dedução do imposto, que poderá ser feita de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respetivo destino. 13. Essa percentagem será sempre apurada segundo critérios de utilização objetivos, que poderão ser, como é referido no ponto V.2 do ofício circulado n.º 30103/2008, de 23 de abril, a título exemplificativo, "a área ocupada, o número de elementos do pessoal afeto, a massa salarial, as horas máquina, as horas-homem". Contudo, essa percentagem, não é a referida no n.º 4, do artigo 23.º do CIVA e que habitualmente se designa por "pro rata", até porque, e conforme já referido, este não pode ser aplicado às operações imobiliárias. 14. No caso de não se mostrar viável um índice objetivo específico, poderá, recorrer-se para o efeito a uma percentagem ou coeficiente, desde que ela faça apelo, nos seus dois membros - numerador e denominador - a variáveis que se mostrem coerentes entre si, homogeneizadas para o efeito, e com a mesma natureza, ressalvadas as devidas adaptações. Teríamos assim o uso de uma percentagem (tal como a percentagem genérica de dedução ou pro rata geral), mas aqui não geral mas sim específica à realidade a que vai ser aplicada. E não entendida como método de apuramento de direito a dedução mas sim e apenas como coeficiente de imputação dentro do método de afetação real. 15. De referir que nos termos do n.º 2, do art.º 23.º do CIVA, em relação à utilização do método de afetação real, é concedida à AT, a prerrogativa de impor condições ou fazer cessar o procedimento no caso de se verificar que provocam ou podem provocar distorções significativas na tributação. (…) III - CONCLUSÃO 17. Tendo em conta que a Requerente utiliza o método da afetação real para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto, está obrigada a efetuar a separação entre a atividade isenta e a não isenta na contabilidade. Existindo despesas comuns, isto é, despesas que se destinam aos dois setores, o imposto suportado relativamente a tais despesas pode ser deduzido, nos termos previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 23,º do CIVA, segundo a aplicação de uma percentagem, correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução. 18. A referida percentagem é específica à realidade a que vai ser aplicada, um coeficiente de imputação dentro do método da afetação real. 19. Pelo exposto, encontra-se efetuado o enquadramento normativo da questão suscitada pela Requerente. Salvo melhor opinião, a definição dos critérios objetivos que melhor se coadunam com o exercício do direito à dedução do IVA, associada à globalidade das faturas da construção do imóvel em análise, são da sua competência e responsabilidade, sem prejuízo de verificação da sua aplicação pelos serviços competentes de inspeção, tal como se encontra previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA, e através do ponto IV.4 do Ofício Circulado n.º 30103 de 23 Tributária IVA.” (sublinhados nossos). No entanto, reiteramos, a admissibilidade de utilização de um critério distinto do do volume de negócios não foi afastada pela AT no RIT, não consubstanciando, pois, fundamentação da correção em causa. Prosseguindo. In casu, ficou provado que a adoção desse critério teve por base o entendimento da Recorrente de que o facto de um determinado contrato ter um maior impacto no volume de negócios não comporta inelutavelmente uma diferença em termos do menor ou maior trabalho na gestão desse mesmo contrato. Aliás, a testemunha inquirida dá um exemplo, no seu depoimento, que nos parece particularmente claro quanto a leasing de equipamentos, cujos contratos comportam as mesmas exigências, ainda que possa estar subjacente um equipamento de ponta muito dispendioso ou um equipamento pouco dispendioso. No entanto, e reside aqui o cerne da questão, a AT aplicou, em sede inspetiva, o pro rata de dedução previsto no art.º 23.º, n.º 4, do CIVA, sem que tenha sustentado de forma adequada a sua atuação. Como se refere, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.11.2017 (Processo: 0485/17): “É sabido que, de acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT). Assim, dado, ainda o princípio da legalidade administrativa, impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)».” Assim, para que o ónus da prova passe a caber ao sujeito passivo, em casos como o dos autos, é fundamental que a AT tenha de forma sustentada demonstrado a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação. O que, no presente caso, não ocorreu. Com efeito, compulsado o RIT, verifica-se que a AT se limita a fazer uma descrição dos vários contratos celebrados pela Recorrente, por tipologia de contrato, afirmando: “As operações descritas têm, como é óbvio, exigências próprias requerendo formalidades legais e administrativas bastante diversificadas, o mesmo acontecendo com o nível dos serviços associados a prestar aos clientes e com o acompanhamento a efectuar”. Ora, esta conclusão não está, de todo, sustentada. Não é explicado pela AT por que motivo, concretamente, excluiu a aplicação do método determinado com base na carteira de clientes. Não é mensurado o número de contratos celebrados, por tipologia, não é evidenciado que alegadas diferenças tão significativas na gestão de cada um dos contratos existem, não é demonstrada a conclusão extraída. Não é minimamente sustentado que o critério adotado conduza a distorções significativas na tributação. A AT limita-se a aplicar o disposto no n.º 4 do art.º 23.º, sem que demonstre por que motivo o método adotado pela Recorrente é de afastar. Esta circunstância inquina na sua essência as liquidações na parte recorrida. Ou seja, esta circunstância implica que haja uma falta de fundamentação substancial do ato, por falta de demonstração da motivação inerente à exclusão do critério adotado (que não pode sustentar-se em meras conclusões, desprovidas de suporte factual), e um erro nos pressupostos, por não estar cabalmente demonstrada a aplicação do disposto no art.º 23.º, n.º 4, do CIVA – e, logo, não estar demonstrado porque motivo o critério adotado pela Impugnante não é o que assegura, de forma mais aproximada, o princípio da neutralidade, basilar para efeitos de direito à dedução. Daí que, sob ambos os prismas, consideremos que assiste razão à Recorrente, resultando, por essa via, prejudicada a apreciação do erro de julgamento quanto à violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança.
Face ao decidido, cumpre, então, passar ao conhecimento, em substituição, do direito a juros indemnizatórios, dado que se trata de questão cujo conhecimento resultou prejudicado, em função da decisão foi proferida. Há que atender ao disposto no art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Assim, para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário que, considerando o disposto no art.º 43.º da LGT, se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado” (8). No caso dos autos, atentos os fundamentos referidos supra, está-se perante uma situação de erro imputável aos serviços, dado estarmos perante vícios que afetam substancialmente as liquidações, implicando o consequente direito a juros indemnizatórios.
Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado [art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP)].
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença, na parte recorrida, e, nesse segmento, julgar a impugnação procedente, anulando-se as liquidações na parte correspetiva, com a consequente devolução do imposto indevidamente pago, condenando-se, em substituição, a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito; b) Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias; c) Registe e notifique. Lisboa, 10 de outubro de 2024 (Tânia Meireles da Cunha) (Jorge Cortês) (Patrícia Manuel Pires) (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169. (2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada. (3) V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14). (4) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139. (5) Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140. (6) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676. (7) O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, Coimbra, 2003, p. 231. (8) J. Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 539 |