Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:392/07.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC DE 1998
MÉTODOS INDIRETOS
PRESSUPOSTOS
ARTIGOS 58.º, 59.º, 74.º E 87.º DA LGT
ART. 17.º DO CIRC
Sumário:A Autoridade Tributária (AT) age ilegalmente ao calcular o lucro tributável do contribuinte com base em métodos indiretos, sem estarem reunidas as condições legais para tal e sem afastar a presunção de veracidade da contabilidade apresentada.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2016-04-27 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial interposta pela Sociedade de E…………, S.A. tendo por objeto o indeferimento tácito do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento parcial da reclamação graciosa respeitante à autoliquidação de IRC do exercício de 1998, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:


— CONCLUSÕES —

A) In casu, com o devido respeito, que é muito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 58.º, 59.º, 74.º e 87 e ss., todos da LGT; art. 17.º do CIRC; devidamente condimentados com o princípio da legalidade,

B) assim como o teor da Informação oficial (Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa) fls. 419 a 439 do PAT junto aos autos; o teor da Informação de fls. 269 a 282 dos autos de Reclamação Graciosa; o teor da Informação oficial (Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa) datada de 27.11. 2008 para que,

C) se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela improcedência de uma qualquer ilegalidade dos actos mediata e imediatamente impugnados, mormente constatando que a decisão de Reclamação Graciosa em apreço não pedece de qualquer ilegalidade.

D) Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os elementos constantes dos autos, mormente do acervo probatório documental (entre outra, as informações oficiais supra aduzidas) que foi apurado e sindicado (todavia erradamente valorizado),

E) não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao caso vertente.

F) Outrossim, o sobredito “erro de julgamento” (consubstanciado na errada valoração da prova (documental) produzida e da factualidade considerada assente, assim como, da consequente errada subsunção jurídica que foi realizada pelo respeitoso areópago à matéria dada como assente, foi como que causa adequada para que fosse preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.

Termina pedindo:

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais. CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada justiça.


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui pedindo que nos termos do n.º 1 do art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, se rejeitem as alegações da Recorrente no que ao recurso da matéria de facto respeita; que nos termos do n.º 3, in fine, do art 639.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, o Tribunal se abstenha de conhecer o recurso da Recorrente, por este não identificar, nem nas Conclusões, nem nas próprias Alegações, o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; e, caso assim não se entenda, se negue provimento ao recurso.

***

A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT, salvo se em causa estiver matéria de conhecimento oficioso por este Tribunal.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por ter feito uma incorreta aplicação do disposto nos artigos 58.º, 59.º, 74.º e 87 e ss., todos da LGT e no art. 17.º do CIRC à factualidade provada.


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

III. FUNDAMENTAÇÃO

DOS FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A impugnante tem por objeto a execução de trabalhos de construção civil e obras públicas.

2) A impugnante executa trabalhos, na Base Aérea das Lajes, na ilha Terceira, nos Açores, para o estado norte-americano há algumas décadas.

3) A impugnante dispunha, designadamente em 1998, de escritório e estaleiro junto da Base das Lajes, na ilha Terceira, nos Açores.

4) No exercício da atividade descrita em 1), a impugnante celebrou com o governo dos EUA diversos contratos de empreitada, para execução de trabalhos de construção nas instalações militares concedidas pelo Estado Português na Base das Lajes, nos Açores (cfr. documentos juntos a fls. 66 a 115 e respetiva tradução, constante de fls. 1082 a 1100, 1142 a 1202 e 1232 a 1267).

5) De entre os contratos referidos em 4) foram celebrados contratos relativos às seguintes obras a realizar na Base das Lajes, nos Açores:

a) Obra 192 (“Recolation of Base Laundry Facility”);

b) Obra 197 (“Repair Storage Tanks at the Air Combat Command”);

c) Obra 203 (“POL Tank Corrosion Control”);

d) Obra 215 (“T-122 Sprinklers”);

e) Obra 229 (“Water Treatment Plant”) (cfr. documentos juntos a fls. 66 a 115 e respetiva tradução, constante de fls. 1082 a 1100, 1142 a 1202 e 1232 a 1267).

6) Os contratos mencionados em 5) foram negociados em dólares (cfr. documentos juntos a fls. 66 a 115 e respetiva tradução, constante de fls. 1082 a 1100, 1142 a 1202 e 1232 a 1267).

7) No âmbito dos trabalhos mencionados em 5) e 6), houve necessidade de alguns colaboradores da impugnante se deslocarem à Base das Lajes, nomeadamente ao nível da direção de projetos e do departamento de segurança e ambiente (cfr. fls. 454 a 456).

8) Foi elaborado mapa de situação de obras, por referência a 31.12.1998, no qual foram registadas as seguintes percentagens de acabamento, relativamente às obras mencionadas em 5):

a) Obra 192 (“Recolation of Base Laundry Facility”): 100%;

b) Obra 197 (“Repair Storage Tanks at the Air Combat Command”) 100%;

c) Obra 203 (“POL Tank Corrosion Control”): 71,9%;

d) Obra 215 (“T-122 Sprinklers”): 100%;

e) Obra 229 (“Water Treatment Plant”): 17,3% (cfr. mapa junto a fls. 236).

9) No ano de 1998 houve variações cambiais (dólares/escudos portugueses) que se traduziram em ganhos para a impugnante (cfr. documentos juntos de fls. 237 a 308, 354 a 360 e 1290 a 1298).

10) Durante o exercício de 1998, a impugnante realizou obras não localizadas na Base Aérea das Lajes.

11) De entre as obras mencionadas em 10), foram apurados, em 1998, na contabilidade da impugnante, designadamente os seguintes proveitos:

a) Doca dos Olivais - Lisboa (centro de custos 168): 74.053.415$80;

b) Pontes Pedonais (centro de custos 216): 219.825.108$00;

c) Acqua Matrix (centro de custos 217): 273.410.541$70;

d) Anfiteatro Expo 98 (centro de custos 220): 47.211.880$00 (cfr. Balancete constante de fls. 309 a fls. 315).

12) Durante o exercício de 1998 a impugnante realizou trabalhos de manutenção, relativos a obras terminadas em anos anteriores.

13) Na sequência do mencionado em 12), foram imputados custos e proveitos em centros de custos autónomos, identificados sob os n.ºs 400 a 489 (cfr. listagem dos centros de custo constante de fls. 1287 a 1289, bem como o balancete constante de fls. 1296 e 1305).

14) Durante o exercício de 1998, a impugnante teve custos administrativos, custos relativos à manutenção de máquinas e equipamentos e custos respeitantes ao funcionamento das oficinas (cfr. balancete constante de fls. 1306 a 1323).

15) A impugnante, por referência ao exercício de 1998, dispunha de contabilidade analítica, registando, por centro de custo, as operações efetuadas (cfr. listagem dos centros de custo constante de fls. 1287 a 1289, bem como os balancetes dos centros de custo de algumas obras, constantes de fls. 220 a 233, e os relatórios de movimentos dos centros de custos, constantes de fls. 237 a 308).

16) De entre os centros de custo mencionados em 15) existiam centros de custo relativos às obras em curso (centros de custo 100 a 399), às obras já terminadas (centros de custo 400 a 490), aos departamentos gerais da sociedade (centros de custo 800 a 890), às oficinas e estaleiro (centros de custo 630/ 640 e 670) e aos equipamentos (centros de custo 700 a 790) (cfr. listagem dos centros de custo constante de fls. 1287 a 1289).

17) No ano de 1998, eram imputados pela impugnante aos centros de custos das obras os custos relativos a seguros segundo o critério do volume de negócios de cada uma (cfr. os balancetes dos centros de custo de algumas obras, constantes de fls. 220 a 233, e os relatórios de movimentos dos centros de custos, constantes de fls. 237 a 308).

18) No ano de 1998, eram imputados pela impugnante aos centros de custos das obras parte dos custos gerais de estrutura (administração, departamento jurídico), através de um quociente determinado pelos proveitos daquelas imputado aos resultados das obras, na medida proporcional em que os proveitos destas obras contribuíram para os proveitos globais da sociedade.

19) No ano de 1998, eram imputados pela impugnante, aos centros de custos das obras, custos relativos à manutenção de máquinas e equipamentos e trabalhos das oficinas mecânica e de carpintaria (cfr. documentos juntos de fls. 220 a 233, 237 a 308 e 316 a 344).

20) Os custos mencionados em 19) foram imputados de acordo com dois critérios:

a) Estimativa anual do valor dos custos a suportar com os seus equipamentos (centros de custo 700 a 799) e seu fracionamento por 365 dias, multiplicado pelo número de dias de efetiva utilização na obra em causa;

b) Quociente determinado pelo volume de negócios, para os custos com os equipamentos e oficinas não diretamente imputados às obras através do primeiro critério e todos os demais custos gerais de estrutura da sociedade.

21) O valor anual estimado dos custos a suportar com cada equipamento foi determinado pelo departamento técnico da impugnante, atendendo à sua experiência profissional, e tem sido fixado em 3% ou 4% do valor de compra de equipamento equivalente, em estado novo, consoante se trate, respetivamente, de material de baixo ou alto desgaste.

22) Ao contrário do que sucedia com o programa de contabilidade, o programa informático utilizado para a gestão da utilização do equipamento assumia a existência de trinta dias em todos os meses do ano.

23) O custo mencionado em 16) relativo às oficinas, para efeitos de imputação, foi calculado considerando o custo da mão-de-obra necessária à produção e/ou custos de materiais incorporados, acrescido do montante correspondente a 15% do valor dos materiais e 60% do valor da mão-de-obra (cfr. fls. 316 a 344).

24) Os valores relativos a imputações internas eram contabilizados como receita no respetivo centro de custo (cfr. fls. 316 a 344).

25) A impugnante elaborou relatórios de movimentos de centro de custo relativos ao exercício de 1998, dos quais constam os equipamentos e os códigos dos respetivos lançamentos contabilísticos (cfr. relatórios de movimentos dos centros de custos, constantes de fls. 237 a 308).

26) A impugnante apurou, como valor total dos proveitos obtidos em 1998, o de 3.663.585.001$60 (cfr. balancete junto de fls. 1290 a 1298).

27) A impugnante apurou, como saldo da conta 71 em 1998, o de 3.570.636.916$20 (cfr. balancete junto de fls. 1299 a 1304).

28) A impugnante apurou, como valor total dos proveitos das obras obtidos em 1998, o de 3.576.170.584$70 (cfr. balancete junto de fls. 309 a 315).

29) A impugnante apurou como valor total dos custos gerais suportados imputados às obras em 1998 o de 295.181.189$90 (cfr. fls. 234 e 1306 a 1323).

30) Através de ofício datado de 12.06.1997, dirigido aos serviços da AT, a impugnante solicitou esclarecimentos sobre a sujeição a IRC do lucro resultante da execução de empreitadas de construção civil na Base das Lajes, nos Açores (cfr. fls. 116).

31) Na sequência do mencionado em 30), foi remetido pelos serviços da AT ofício, dirigido à impugnante, datado de 05.02.1998, do qual consta informação sobre o tratamento dos lucros derivados de obras e trabalhos das infraestruturas comuns NATO a realizar em território português (cfr. fls. 117 e 118).

32) A impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, a 17.05.1999, declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 1998, na qual declarou vendas de mercadorias no valor de 3.570.636.916$00, total de proveitos no valor de 3.667.272.704$00 e custos no valor de 3.584.983.877$00 (cfr. fls. 119 a 130, dos autos, e fls. 105 a 116, do processo administrativo – reclamação graciosa).

33) A impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, declaração modelo 22 de substituição relativa ao exercício de 1998, acompanhada de reclamação graciosa e 17 outros documentos anexos, que deu entrada nos serviços da AT a 25.05.2001 (cfr. fls. 131 a 143, dos autos, e fls. 2 a 121, do processo administrativo – reclamação graciosa).

34) Na reclamação mencionada em 33), a impugnante calculou como resultado final, equivalente ao lucro tributável isento, da obra 192 (“Recolation of Base Laundry Facility”) 13.309.813$00, resultante da imputação de custos gerais no valor de 8.318.261$00 ao resultado bruto da obra de 21.628.074$00 (cfr. fls. 85 a 87 e 99, do processo administrativo – reclamação graciosa).

35) Na reclamação mencionada em 33), a impugnante calculou como resultado final, equivalente ao lucro tributável isento, da obra 197 (“Repair Storage Tanks at the Air Combat Command”) 20.841.768$00, resultante da imputação de custos gerais no valor de 11.968.980$00 ao resultado bruto da obra de 32.810.748$00 (cfr. fls. 88 a 90 e 99, do processo administrativo – reclamação graciosa).

36) Na reclamação mencionada em 33), a impugnante calculou como resultado final, equivalente ao lucro tributável isento, da obra 203 (“POL Tank Corrosion Control”) 14.238.859$00, resultante da imputação de custos gerais no valor de 22.234.793$00 ao resultado bruto da obra de 36.473.652$00 (cfr. fls. 91 a 93 e 99, do processo administrativo – reclamação graciosa).

37) Na reclamação mencionada em 33), a impugnante calculou como resultado final, equivalente ao lucro tributável isento, da obra 215 (“T-122 Sprinklers”) 14.906.096$00, resultante da imputação de custos gerais no valor de 4.309.718$00 ao resultado bruto da obra de 19.215.814$00 (cfr. fls. 94, 95 e 99, do processo administrativo – reclamação graciosa).

38) Na reclamação mencionada em 33), a impugnante calculou como resultado final, equivalente ao lucro tributável isento, da obra 229 (“Water Treatment Plant”) 1.300.435$00, resultante da imputação de custos gerais no valor de 2.876.647$00 ao resultado bruto da obra de 4.177.082$00 (cfr. fls. 96 a 99, do processo administrativo – reclamação graciosa)

39) Na sequência do referido em 33), foi autuado o procedimento de RG n.º 3158-01/400071.4 (cfr. fls. 1, do processo administrativo – reclamação graciosa).

40) No âmbito do procedimento mencionado em 39), foi elaborada informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, datada de 20.11.2003, da qual consta designadamente o seguinte:

“… 6. A fim de dar continuidade à reclamação graciosa, somos de parecer que deve ser enviada cópia do expediente constante dos presentes autos, aos Serviços de Inspecção Tributária desta Direcção de Finanças, para que os mesmos informem sobre a veracidade do lucro apurado pela reclamante relativamente aos trabalhos desenvolvidos na Base das Lajes no âmbito do Acordo, no exercício de 1998” (cfr. fls. 127 e 128, do processo administrativo – reclamação graciosa).

41) Na sequência da informação mencionada em 40) foi proferido, pelo chefe de equipa, parecer de concordância com a mesma, do qual consta designadamente o seguinte:

“Atento o teor da petição da reclamante e a informação anexa, sou de parecer que, em face da especificidade da matéria em causa, deverá ser solicitada a colaboração dos serviços de Inspecção desta Direcção de Finanças no sentido de ser desenvolvida uma acção de inspecção específica e de âmbito limitado, de modo a ser apurado o lucro da reclamante relativamente às obras e serviços desenvolvidos nas instalações concedidas na Base Aérea nº 4 (Lajes)…” (cfr. fls. 126 verso, do processo administrativo – reclamação graciosa).

42) No âmbito do procedimento de RG mencionado em 39) e dos procedimentos de RG relativos aos exercícios de 1997 e 1999, foram entregues, a 13.02.2006, junto da DF de Lisboa, 21 pastas com documentos contabilísticos da impugnante (cfr. fls. 144 e 145, dos autos, e fls. 290 e 291, do processo administrativo – reclamação graciosa, bem como os documentos constantes de fls. 501 a 969, dos autos, e das 7 pastas anexas aos presentes autos, correspondentes aos elementos apresentados).

43) No âmbito do procedimento de RG mencionado em 39) e dos procedimentos de RG relativos aos exercícios de 1997 e 1999, foram entregues, a 25.02.2006, junto da DF de Lisboa, 28 pastas com documentos contabilísticos da impugnante (cfr. fls. 292, do processo administrativo – reclamação graciosa).

44) No âmbito do procedimento de RG mencionado em 39), foi elaborada informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, datada de 28.04.2006, da qual consta designadamente o seguinte:


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

…” (cfr. fls. 180 a 188, do processo administrativo – reclamação graciosa).

45) Após o mencionado em 44), foram proferidos pareceres de concordância e despacho para efeitos de audição prévia da impugnante (cfr. fls. 180 e 180 verso, do processo administrativo – reclamação graciosa).

46) Na sequência do referido em 45), a impugnante apresentou documento, em sede de audiência prévia, que deu entrada nos serviços da AT a 20.10.2006, ao qual juntou 5 documentos (designadamente balancetes e listagens de equipamentos) e protestou juntar documentos de suporte dos lançamentos nos centros de custos gerais, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“…


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

…” (cfr. fls. 148 a 180, dos autos, e fls. 193 a 255, do processo administrativo – reclamação graciosa).

47) No seguimento do referido em 46), foi remetido, a 10.11.2006, ofício da impugnante, dirigido ao diretor de finanças de Lisboa, no âmbito da RG mencionada em 39), via correio postal registado com aviso de receção, do qual consta designadamente o seguinte:

“…


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

48) No aviso de receção mencionado em 47), no campo para preenchimento no destino, foi aposta assinatura e a data 13.11.2006 (cfr. fls. 423 verso).

49) No âmbito do procedimento mencionado em 39), foi elaborada informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, datada de 13.11.2006, da qual consta designadamente o seguinte:

“…


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)


50) Após o mencionado em 49), foram elaborados pareceres de concordância, na sequência dos quais foi proferido despacho, a 07.12.2006, pelo diretor de finanças adjunto da DF de Lisboa, de deferimento parcial da RG mencionada em 33), com o seguinte teor:

“Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e, com os fundamentos constantes daquele bem como da presente informação e respectivos pareceres, defiro parcialmente o pedido da reclamante nos termos em que está proposto…” (cfr. fls. 182, dos autos, e fls. 269, do processo administrativo – reclamação graciosa).

51) Na sequência do requerimento mencionado em 47), foi elaborada informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, datada de 30.11.2006, no sentido do indeferimento do requerido, constando da mesma designadamente o seguinte:

“…

52) Na sequência do referido em 51) e após pareceres de concordância, foi proferido, a 19.02.2007, pelo diretor de finanças adjunto da DF de Lisboa, despacho de concordância e de notificação da impugnante para efeitos de exercício do direito de audição (cfr. fls. 431 a 434).

53) No seguimento do referido em 52) e após o exercício do direito de audição pela impugnante, foi elaborada informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, datada de 11.04.2007, sobre a qual foram emitidos pareceres de concordância e na sequência dos quais foi proferido, a 04.06.2007, pelo diretor de finanças adjunto da DF de Lisboa, despacho de indeferimento do requerido (cfr. fls. 436 a 439).

54) No âmbito do procedimento de RG mencionado em 39) e dos procedimentos de RG relativos aos exercícios de 1997 e 1999, foram devolvidas à impugnante, a 14.12.2006, pela DF de Lisboa, 49 pastas com documentos contabilísticos da impugnante, 7 das quais relativas a 1998 (cfr. fls. 422, dos autos, e fls. 293, do processo administrativo – reclamação graciosa).

55) Na sequência do referido em 49) e 50), a impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças, remetido via correio postal registado a 22.01.2007, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“…

…” (cfr. fls. 196 a 219, dos autos, e fls. 3 a 40, do processo administrativo – recurso hierárquico).

56) O recurso hierárquico mencionado em 55) não foi objeto de decisão expressa (dos autos nada consta).

57) Foi elaborada informação, pela divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, datada de 27.09.2006, no âmbito da RG n.º 3158-01/400133.8, relativa à impugnante e ao exercício de 1999, da qual consta designadamente o seguinte:

“…


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

58) Sobre a informação mencionada em 57) e após pareceres de concordância, foi proferido, a 21.12.2006, pelo diretor de finanças adjunto da DF de Lisboa despacho de deferimento da RG (cfr. fls. 346 a 353).

*

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.


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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

Quanto ao facto 1), trata-se de facto não controvertido (cfr. art.º 11.º, da informação da divisão de justiça contenciosa, da DF de Lisboa, para que remete a contestação).

No tocante aos factos 2) e 3), a convicção do Tribunal fundou-se nos depoimentos coerentes e convincentes, revelando conhecimento direto dos factos, da testemunha A……….., diretora financeira na impugnante, que iniciou funções junto da mesma em 2000, como controller financeira, intervindo na RG em causa nos presentes autos, e que confirmou que a impugnante desenvolve trabalho nas Lajes há décadas, tendo know how e uma posição de mercado mais favorável que os concorrentes (v.g. como têm estrutura, têm custos menores), e da testemunha M…………, técnico de construção civil da impugnante, desde dezembro de 1981, tendo como função a revisão de contratos ou projetos e controlo financeiro dos contratos com os diretores financeiros, sendo o elo de ligação entre a parte técnica e a financeira, e que elencou como particularidades da impugnante, nas obras nas Lajes, o know how e as habilitações concretas da impugnante, entre outros.

No tocante ao facto 7), a convicção do Tribunal fundou-se ainda nos depoimentos das testemunhas A……….. e M………, com a razão de ciência já mencionada, que explicaram de forma clara e convincente a necessidade de deslocação de colaboradores às obras em causa, designadamente para contactos com os trabalhadores e subempreiteiros (nomeadamente P…, M….e A….).

Quanto ao facto 9), a convicção do Tribunal fundou-se ainda nos depoimentos das testemunhas A…. e M…., com a razão de ciência já mencionada, que confirmaram o facto de ter havido variações cambiais com reflexos na rentabilidade das obras das Lajes.

No que respeita ao facto 10), trata-se de facto não controvertido, como resulta, aliás, do teor do próprio ato impugnado, na medida em que o que está subjacente em parte é precisamente a imputação de custos a atividade abrangida pelo regime especial de isenção e atividade não abrangida pelo mesmo.

No tocante aos factos 12) e 13), a convicção do Tribunal fundou-se ainda nos depoimentos das testemunhas A…. e M…., com a razão de ciência já mencionada, que explicaram a que respeitavam os centros de custos em causa, designadamente a sua associação ao serviço pós-venda.

No que respeita ao facto 15), foi ainda considerado o depoimento da testemunha J…., revisor oficial de contas (ROC), que desde 1996 audita a impugnante, sendo seu fiscal único desde 2002, e que explicou de forma clara a convincente as exigências em termos de contabilidade analítica, designadamente para fazer face às imposições de relato à casa-mãe da impugnante, na Dinamarca. No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha A…., com a razão de ciência já referida, que, de forma clara e coerente, confirmou a metodologia seguida em termos de contabilidade por centros de custos e que confirmou a sua importância para efeitos de reporte à casa-mãe.

Quanto ao facto 17), a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A… e M…, com a razão de ciência já mencionada, que explicaram de forma clara e convincente a forma como o seguro era centralmente negociado e depois imputado às várias obras.

Quanto aos factos 18) a 24) a convicção do Tribunal fundou-se ainda no depoimento da testemunha J…, com a razão de ciência já mencionada, que precisamente explanou, de forma clara e convincente, o mecanismo de imputação interna destes custos, no depoimento da testemunha A…., com a razão de ciência já referida, que explicou, também de forma clara e convincente, a metodologia de imputação dos vários custos, designadamente dos gerais não diretos, bem como os problemas relativos ao software do equipamento, e no depoimento da testemunha M…., com a razão de ciência já mencionada, que se mostrou igualmente convincente, dando vários exemplos ilustrativos. Especificamente quanto ao facto 23), refira-se que as testemunhas A… e M…, com a razão de ciência já mencionada, explicaram a forma como eram calculadas as margens, referindo que a margem para a oficina era de 15%, para pagar à pessoa que está no estaleiro e no armazém. Quanto ao coeficiente de 60%, o mesmo era definido por forma a imputar custos administrativos, encargos sociais com os trabalhadores, de armazenamento e de aprovisionamento suportados para permitir o funcionamento das oficinas. Refira-se ainda que os critérios de imputação foram explicitados pela impugnante na sua reclamação graciosa, cuja forma de cálculo não foi posta em causa pela AT.


*

II.2. Fundamentação de Direito

Antes de mais, há que apreciar as questões prévias suscitadas pela Recorrida, nas respetivas contra-alegações, desde já se adianta, que para as afastar.

Assim, e no que se refere à invocada rejeição do recurso em apreço nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, a mesma não tem lugar porque a Recorrente não invoca no seu recurso qualquer erro de julgamento de facto, mas antes erro de julgamento de direito na sua modalidade de erro de estatuição, que ocorre quando a norma jurídica correta é incorretamente aplicada aos factos (PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 27), ou seja, o que pretende a Recorrente não é que a sentença errou na respetiva fundamentação de facto, mas antes na aplicação do direito aos factos provados, pretendendo, em concreto, que houve uma incorreta apreciação da bondade da fundamentação do ato impugnado.

Não há, por isso, lugar à aplicação ao caso do disposto no art. 640.º, n.º 1 do CPC, que tem o seu campo de aplicação restrito à invocação do erro de julgamento de facto.

A Recorrida também não tem razão na invocação que faz da violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 639.º do CPC, pois é patente que a Recorrente não deixou de invocar nas conclusões das suas alegações de recurso que entende que as normas violadas foram corretamente aplicadas pela Administração tributária, motivo pelo qual a sentença não faz, na sua tese, uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

Já se o faz de forma menos proficiente ou até mesmo deficiente, não é razão que conduza à rejeição do recurso, mas antes à sua improcedência.

Pelo que também quanto a esta questão não cabe razão à Recorrida.

Prosseguindo.

Alega a Recorrente, e em síntese, que a sentença sob recurso deveria ter feito uma melhor interpretação e aplicação ao caso do disposto nos artigos 58.º, 59.º, 74.º e 87 e ss., todos da LGT e no art. 17.º do CIRC, todos “devidamente condimentados com o princípio da legalidade”, e que, se bem se compreende a sua alegação, não valorizou suficientemente ou adequadamente a fundamentação do ato impugnado.

A sentença sob recurso assentou a decisão de julgar procedente a impugnação judicial em causa na seguinte fundamentação, que se passa a citar no extrato pertinente:

(…)

A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se os atos impugnados padecem de ilegalidade, por violação do dever de colaboração e por a AT ter usado de métodos indiretos de apuramento do lucro tributável, não existindo circunstâncias que legitimassem tal adoção de método presuntivo e verificando-se circunstâncias para apuramento direto desse mesmo lucro tributável.

Vejamos.

I. In casu, a situação controvertida prende-se com a circunstância de, num primeiro momento, a impugnante ter apresentado a declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 1998, não tendo sido considerada a isenção resultante da Resolução n.º 38/95, da Assembleia da República, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 72/95 (cuja aplicação in casu não é controvertida).

Nesse seguimento, foi apresentada reclamação graciosa, por forma a ser substituída a declaração apresentada, com as necessárias consequências em termos de devolução do imposto pago nos termos inicialmente calculados, face à autoliquidação primitivamente apresentada.

Este procedimento terminou, a final, com uma decisão de deferimento parcial da pretensão da ora impugnante, na qual foram efetuadas algumas observações pelos serviços da AT quanto a questões que lhe tinham suscitado dúvidas em termos de tratamento (v.g. seguros, viaturas, deslocações e estadas), considerando, designadamente, que os mesmos deveriam ser considerados custos gerais, que se verificava falta de junção de alguns documentos de suporte e discrepâncias nos rácios de rentabilidade das atividades isenta e não isenta, face, nomeadamente, aos dados constantes do sistema da AT.

Feitas estas observações e concluindo pela “impossibilidade de conferência dos resultados apresentados pela Reclamante”, a AT optou por proceder à repartição do resultado fiscal declarado pelos dois setores da atividade, em função das vendas e prestações de serviços, concluindo por uma matéria coletável de 28.679.277$00 (143.051,63 Eur.). Em sede de direito de audição, a impugnante explanou a sua justificação às questões colocadas pela AT (à semelhança, aliás, do que foi feito na presente sede), não tendo sido acolhidos os seus argumentos.

É desde já de salientar um aspeto de importância fulcral nos presentes autos e que teve a sua génese precisamente em sede de direito de audição.

Como decorre do teor desde documento, e face ao teor do projeto de indeferimento, a impugnante anexou alguns documentos e protestou juntar os elementos contabilísticos necessários ao apuramento.

Sucede porém que a AT proferiu a decisão final precisamente no dia em que foi enviado pela impugnante um ofício solicitando informação sobre de que forma deveria apresentar cerca de 100 pastas de documentação contabilística.

Como resulta da factualidade assente, essa comunicação não foi considerada pela AT, por ter considerado que quaisquer elementos novos não fariam mudar a posição, nada sendo referido quanto ao facto de a impugnante ter protestado juntar documentação e de a fundamentação da AT se centrar precisamente e em grande parte na falta de junção de todos os documentos. Trata-se, pois, de prática que atenta quer com o princípio do inquisitório quer contra o princípio da colaboração (cfr. art.ºs 58.º e 59.º, da LGT), não podendo pois deixar de se reconhecer que a impugnante disponibilizou o acesso a documentação, tal como protestara fazer, e que a AT não considerou.

Sendo certo que o ónus da prova recai sobre quem invoque os factos, nos termos consignados no art.º 74.º, da LGT, a verdade é que, in casu, a AT sistematicamente invoca a insuficiência de elementos, sem que os especifique, ao arrepio do que lhe seria exigível, considerando a dimensão da contabilidade da impugnante, que a própria AT reconhece e atento o dever de colaboração que sobre si impende (cfr. informação mencionada em 51), do probatório).

Aliás, sublinhe-se que, tal como refere a impugnante, em 2003 a AT pronunciou-se sobre a necessidade de ser realizada uma ação inspetiva externa, para efeitos de análise da contabilidade da impugnante, no seguimento da RG apresentada, o que, atentos os elementos constantes do processo administrativo, não teve seguimento nem constando da decisão de 2006 qualquer referência a esse entendimento anterior.

Logo, tal como considerado pela impugnante, não pode deixar de se considerar imputável à AT a sua inércia pela falta de análise dos documentos contabilísticos (quer os protestados juntar, quer através de ação inspetiva).

Por outro lado, e quanto aos aspetos concretamente abordados da decisão da reclamação graciosa, desde já se adiante que se acompanha o entendimento da impugnante, no sentido de os mesmos não serem suficientemente ponderosos quer para afastar a presunção de veracidade da contabilidade de impugnante quer para justificar a aplicação de um método de cálculo do lucro tributável.

Assim, e quanto aos aspetos concretamente referidos na decisão proferida em sede de reclamação graciosa e relativos aos elementos apresentados pela impugnante, foram eles:

I. Não foi indicada a localização de todas as obras;

II. Impossibilidade de conferência dos resultados apresentados pela impugnante, designadamente quanto ao valor dos contratos;

III. No apuramento do resultado bruto de cada obra:

a. Desconhece-se o critério de imputação de alguns custos, parecendo que se trata de custos gerais, não tendo sido apresentados documentos justificativos dos lançamentos;

b. Afetaram-se seguros, cujos ramos se desconhece, bem como o critério de afetação direta a diversas obras;

c. Quanto à aquisição de combustíveis para viaturas/máquinas, não foi apresentado qualquer elemento que indique a localização da frota;

d. Determinados custos com deslocações e estadas não têm indicação do vínculo dos beneficiários com a empresa e a razão de o custo ser afetado a essas obras;

e. Na obra 229, foram contabilizadas aquisições efetuadas em dezembro de diversos materiais, que não seria de afetar na sua totalidade à obra, dado a mesma ter sido encerrada nesse mês;

f. Não foram apresentados elementos que estiveram na base do cálculo do coeficiente de imputação dos “custos gerais”;

g. Há centros de custos aos quais foram imputados custos e que não se encontram discriminados na relação apresentada pela impugnante em sede de reclamação;

h. Os documentos apresentados pela impugnante com vista à validação dos valores contabilizados não são a totalidade dos que estiveram na base dos movimentos contabilísticos;

i. Na apreciação pormenorizada dos documentos, na generalidade, não há qualquer indicação do destino dos materiais e/ou os serviços;

j. O valor dos proveitos apresentados no documento junto com a RG sob o n.º 12 diverge dos proveitos declarados no campo 201 da declaração modelo 22;

k. Os rácios da rentabilidade líquida das vendas e da rentabilidade fiscal são muito diferentes entre o setor isento e o tributado, situação indicativa de que os valores imputados a cada um dos setores não traduzem a realidade dos mesmos; para o CAE da atividade desenvolvida, a atividade sujeita tem um valor inferior ao valor da média e a isenta um valor superior.

Em sede de exercício do direito de audição, na reclamação graciosa, a impugnante respondeu às observações feitas pela AT.

Em primeiro lugar, refira-se que, salvo a observação relativa à rentabilidade fiscal, as demais observações são todas elas passíveis de explicitação imediata por análise aos elementos contabilísticos e, em caso de dúvida, aos respetivos elementos de suporte. Nesse seguimento, aliás, e como já referido, a impugnante protestou juntar elementos em sede de direito de audição, tendo a AT decidido sem se pronunciar sobre essa questão e vindo posteriormente a considerar irrelevante qualquer apresentação posterior dos elementos. Portanto, o argumento da falta de apresentação de elementos padece das fragilidades que já foram apontadas.

Em segundo lugar, quanto aos concretos argumentos e para além do da falta de apresentação de todos os elementos já abordado, a impugnante analisou-os e procurou esclarecer as dúvidas elencadas. Especificando:

a. No tocante à localização das obras que não as da Base das Lajes, é irrelevante, por não serem obras que beneficiassem de qualquer regime de isenção;

b. Quanto às alegadas discrepâncias no tocante aos valores dos contratos, há que atentar que tais contratos eram determinados em dólares americanos, havendo ganhos cambiais a considerar;

c. Tudo o que respeite à alegada falta de apresentação de documentos, para além de há 5 anos a ora impugnante aguardar inspeção, foram entregues documentos e só não foram entregues mais por questões logísticas conhecidas pela AT; protestou juntar elementos;

d. No apuramento do resultado bruto de cada obra:

– Quanto aos critérios de imputação de alguns custos, a impugnante explicou tais critérios e a sua forma de cálculo, dependendo do tipo de custo, por forma a permitir a sua imputação às obras respetivas, tendo apresentado alguns documentos a título exemplificativo;

– No tocante aos seguros, a impugnante refere discordar do entendimento da AT, por os custos com o prémio do contrato de seguro não serem um custo geral, mas sim específico das obras;

– Quanto à aquisição de combustíveis para viaturas/máquinas e ao facto de não ter sido apresentado qualquer elemento que indique a localização da frota, contrapõe a impugnante a apresentação de listagens de equipamentos com a indicação de datas e horas de utilização efetiva na obra, sem prejuízo de um ou outro caso excecional num universo de milhares de documentos, dos quais a AT apenas indicou um exemplo;

– Quanto aos custos com deslocações e estadas, não foi afastada a presunção de veracidade dos mesmos;

– Na obra 229, a AT considerou que a mesma foi encerrada nesse mês, quando a mesma continuou, como resulta da sua percentagem de acabamento;

– Não há falta de discriminação dos centros de custos aos quais foram imputados custos, existindo o centro 490, relativo a obras encerradas, que teve custos;

– Quanto à divergência entre o valor dos proveitos referido no mapa de situação das obras e o declarado na declaração modelo 22, referiu a impugnante que o valor declarado na modelo 22 respeita apenas a parte dos proveitos operacionais (ao saldo da conta 71 - apurado pelo método da percentagem de acabamento), enquanto nos proveitos globais das obras estarão incluídos todos os que a estas forem imputáveis, independentemente da sua natureza, pelo que estes serão sempre de valor superior; a este respeito a impugnante, em sede de RH, bem como na presente sede, reconhece a existência de um lapso de cálculo nos proveitos globais das obras, concretamente respeitante aos valores inscritos em quatro obras situadas fora da Base das Lajes, tendo proveitos de 3.576.170.584$70, e não de 3.533.821.760$60, como decorre dos balancetes das mencionadas obras;

– As observações quanto aos rácios da rentabilidade líquida das vendas e da rentabilidade fiscal não tiveram em consideração especificidades a atividade da impugnante, designadamente as particularidades das obras na Base das Lajes, o know-how que a impugnante já tem, fruto de executar obras para a Base há várias décadas, o facto de ter instalações no local, as flutuações cambiais.

Os argumentos apresentados em sede de direito de audição foram desconsiderados, entendendo a AT haver impossibilidade de efetuar correspondência entre as listagem de equipamentos e os centros de custos, discrepâncias entre os valores parciais dos equipamentos e os totais, falta de apresentação de documentos de suporte, falta de apresentação da base de cálculo e sua fundamentação quanto ao valor diário relativo aos equipamentos, os documentos apresentados como justificadores de lançamentos de custos na classe 9 não corresponderem aos que serviram de suporte ao registo, os proveitos financeiros deverem ser declarados no campo 211 e caber à impugnante apresentar todos os documentos suscetíveis de sustentar a sua posição.

Esclareça-se que a este respeito a impugnante demonstrou designadamente que:

· O nome dos equipamentos, constante da listagem entregue em sede de reclamação graciosa, pode surgir abreviado nalguns centros de custo, como resulta da sua confrontação;

· O programa do equipamento tem limitação quanto ao número de dias considerado em cada ano (360), que não ocorre na contabilidade;

· Os documentos relativos a custos de oficinas, os relativos a mão-de- -obra e materiais foram acrescidos, respetivamente, de 60% e 15%, atendendo à prática de imputação de custos na sociedade

Por outro lado, quanto à forma como a AT calculou o lucro isento, a mesma partiu de um cálculo que a administração entendeu como “razoável”, “mais justo”, nas palavras da informação para que remete a contestação, calculando um quociente obtido pela relação das vendas e prestações de serviços globais e o resultado fiscal global e fazendo, pois, o cálculo do lucro isento considerando uma proporção direta com as vendas e prestações de serviços na Base das Lajes [isto não obstante para o exercício de 1999 ter aceitado os coeficientes utilizados pela impugnante – cfr. factos 57) e 58)]. Atentando na decisão relativa ao exercício de 1999, parece que o apurado pela AT, relativamente aos rácios da rentabilidade líquida das vendas e da rentabilidade fiscal, constituiu o fundamento decisivo da RG ora em análise.

Ora, como refere a impugnante, do que se trata neste caso é de uma aplicação de métodos indiretos, ainda que de forma não explicitamente assumida.

Com efeito, o que a AT fez foi afastar o cálculo apresentado pela impugnante e aplicar o mencionado critério, sem que partisse da contabilidade da impugnante globalmente considerada, mas apenas de parte, sem afastar a sua presunção de veracidade e sem seguir o procedimento legalmente previsto para aplicação dos métodos indiretos (cfr. art.ºs 87.º e ss., da LGT). O facto de a impugnante ter utilizado coeficientes de imputação em relação aos custos gerais não legitima a atuação da AT no sentido de aplicar um rácio por si calculado: a aplicação de rácios, de métodos indiretos por parte da AT obedece a um regime legalmente previsto, com requisitos próprios, que não se compadecem com uma aplicação de um quociente nos termos ocorridos. Se a AT entendia que o cálculo efetuado pela impugnante padecia de irregularidades e se entendia que se verificavam as condições para recurso a métodos indiretos, deveria ter levado a cabo a competente ação inspetiva (como, aliás, em 2003 assume ser necessária). O facto de em sede de reclamação graciosa a impugnante ter indicado um valor total de proveitos das obras padecendo de lapso que a própria impugnante reconheceu perante a AT não desvirtua a conclusão, porquanto tal lapso ocorreu num documento de suporte feito pela impugnante, estando os dados corretos na contabilidade.

Em suma: os fundamentos invocados pela AT na decisão proferida em sede de procedimento de reclamação graciosa são fundamentos que não põem em causa a presunção de veracidade da contabilidade da impugnante nem demonstram a impossibilidade de recorrer a métodos diretos e que, ainda que todos se verificassem, não legitimariam a tributação nos termos em que a foi feita, porquanto se trata de uma efetiva tributação por métodos indiretos, com base em critérios calculados pela AT e à margem do regime especificamente previsto nos art.ºs 87.º e ss., da LGT.

Como tal, a decisão da reclamação graciosa padece de ilegalidade, por, sem ter posto em causa a veracidade da contabilidade da impugnante, fazer um cálculo do lucro isento à margem de todos os elementos da contabilidade e com base em critérios de razoabilidade, não demonstrando existir fundamentos para tal nem seguindo o específico procedimento previsto na lei.

Assim, assiste razão à impugnante, padecendo o ato impugnado em crise dos vícios que lhe são assacados, motivo pelo qual procede a pretensão da impugnante.

(…)

Ora, compulsada a fundamentação da sentença acabada de transcrever, não se vislumbra que a mesma tenha feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto nos artigos 58.º, 59.º, 74.º e 87 e ss., todos da LGT e no art. 17.º do CIRC, todos “devidamente condimentados com o princípio da legalidade”, ou que padeça de insuficiente “acuidade” na apreciação efetuada, como propõe a Recorrente.

Com efeito, nada há a censurar à interpretação feita, sendo correta a asserção de a Autoridade Tributária (AT) agiu ilegalmente ao calcular o lucro tributável da impugnante com base em métodos indiretos, sem estarem reunidas as condições legais para tal e sem afastar a presunção de veracidade da contabilidade apresentada, ignorando a documentação relevante que a impugnante se propôs entregar e baseando a sua decisão em critérios de razoabilidade e não na análise da contabilidade completa, assim violando os deveres que sobre si impendiam, de colaboração e inquisitório.

Donde não resta senão concluir que é correta a consequência retirada, no sentido de que a fundamentação do ato impugnado, plasmada nos documentos referenciados pela Recorrente, padece dos erros de julgamento de direito nos pressupostos que lhe são apontados na sentença, que bem andou ao concluir pela procedência da impugnação judicial que teve o mesmo por objeto.

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente.


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Atento o decaimento do Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

A Autoridade Tributária (AT) age ilegalmente ao calcular o lucro tributável do contribuinte com base em métodos indiretos, sem estarem reunidas as condições legais para tal e sem afastar a presunção de veracidade da contabilidade apresentada.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18 de setembro de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Patrícia Manuel Pires – Maria da Luz Cardoso.