Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 515/24.5BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/24/2024 |
| Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
| Descritores: | NOTIFICAÇÃO DA PENHORA FALTA DE FUNDAMENTOS ARTIGO 753.º N.º 4 DO CPC |
| Sumário: | A notificação do ato de penhora fora do prazo a que se refere o n.º 4 do artigo 753.º do CPC (cinco dias) constitui, a nossa ver, uma mera irregularidade sem qualquer influência na causa, nomeadamente no que respeita à defesa do executado, que em nada se mostra prejudicada, já que, como se vê, deduziu, em tempo a presente oposição, defendendo-se desse mesmo ato, ou dito por outra palavras deduziu oposição dentro do prazo que teve como marco temporal inicial, a notificação que lhe deu a conhecer a constituição da penhora e consequentemente tornou eficaz, o ato de penhora. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO L... , com os demais sinais nos autos que aqui damos por reproduzidos, veio no âmbito do processo executivo n.º 1001200800082210 e Apensos, deduzir reclamação contra a penhora do imóvel registado na Conservatória do Registo Predial (CRP) n.º 9.../2007226, da freguesia da Caranguejeira, nos termos do disposto no artigo 276° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por considerar que a mesma é ilegal. O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, por decisão de 04 de junho último, julgou improcedente a reclamação. Inconformado, o reclamante, L... , vem recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «vi) O executado por reversão não foi notificado dos fundamentos da penhora; vii) O executado por reversão não foi notificado do auto de penhora; viii) O executado não foi notificado da revogação da hipoteca legal: ix) A penhora não cumpriu o prazo de 5 dias a que se refere o n° 4 do art.° 753° do CPC; x) A penhora caducou, por falta de notificação: Do pedido: Requer: i) A revogação da sentença recorrida; ii) E, consequentemente, o levantamento das penhoras, por ilegais, não só pelo valor, mas também, pelas que possam vir a ser feitas.» »« A recorrida (FP), devidamente notificada da interposição do recurso, nada disse. »« A Exma. Sra. Procuradora-geral Adjunta junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso por considerar que a sentença recorrida não merece quaisquer reparos, acrescentando que a mesma se mostra bem fundamentada de facto e de direito. »« Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção de Execução Fiscal e recursos contraordenacionais do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, para decisão.
II – QUESTÕES A APRECIAR Importa, nesta sede referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho). Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido. Termos em que, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa aqui decidir, consiste em aferir se a sentença recorrida errou de facto e de direito na análise que faz quanto aos invocados vícios imputados à sentença, são eles: (vi) falta notificação dos fundamentos da penhora; (vii) falta de notificação do auto de penhora; (viii) falta de notificação da revogação da hipoteca legal: (x) a penhora não cumpriu o prazo de 5 dias a que se refere o n° 4 do art.° 753° do CPC; (x) a penhora caducou, por falta de notificação.
II - FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «A) Nas datas, pelos valores e tipo de dívidas descritas no quadro infra, a SPE de Leiria do IGFSS, IP instaurou em nome da Afridomus - Construtora Lda., nas datas, pelos valores e proveniências seguintes, os PEF elencados na tabela que segue:
B) Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 31/10/2009, os PEF identificados na tabela anterior foram apensados ao PEF n.° 1001200800082210 - cfr. tramitação dos autos, conforme PEF apenso e ofício de fls. 32, primeiro documento onde é feita referência aos apensos; C) Em data não concretamente apurada, mas seguramente posterior a 28/11/2009, as execuções fiscais identificadas em A) foram revertidas contra o Reclamante - cfr. ofício de citação de fls. 37 do PEF apenso; D) Em 28/06/2023 o Coordenador da SPE de Leiria proferiu um despacho de constituição de hipoteca legal sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria, sob o n.° 9... da freguesia da Caranguejeira, para garantia da quantia exequenda de € 55.133,55 - cfr. despacho de fls. 188 e sentença de fls. não numeradas do PEF apenso; E) Por sentença proferida em 07/11/2023 no âmbito do processo de Reclamação Judicial n.° 959/23.0BELRA, foi determinada a anulação do despacho de constituição de hipoteca legal sobre o imóvel descrito sob o n.° 9... da freguesia da Caranguejeira, por preterição de formalidades legais - cfr. sentença de fls. não numeradas do PEF apenso; F) Em 15/11/2023 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS, IP proferiu um despacho no âmbito do PEF n.° 1001200800082210 e apensos, no qual determina a penhora do imóvel descrito na respetiva matriz sob o n.° 9..., do concelho de Leiria e freguesia de Caranguejeira, bem como a notificação da penhora ao Executado, aqui Reclamante, após a efetivação daquela - cfr. ofício n.° IGFSS/353390/2023 e anexos, de fls. não numeradas do PEF apenso; G) Por ofício n.° S-IGFSS/353403/2023, de 16/11/2023, com o assunto "Hipoteca de Imóvel_Peãião de Cancelamento de Registo de Hipoteca Legal", a SPE de Leiria do IGFSS, IP requereu à Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere, "o cancelamento do registo de Hipoteca Legal sobre o prédio descrito sob o n.º 9... da freguesia de Caranguejeira, concelho de Leiria acompanhada da declaração de distrate" - cfr. ofício n.° S-IGFSS/353403/2023, de fls. não numeradas do PEF apenso; H) Por ofício n.° S-IGFSS/353390/2023, de 16/11/2023, com o assunto "Penhora de imóvel - Apresentação de Registo" e dirigido ao PEF n.° 1001200800082210 e apensos, a SPE de Leiria do IGFSS, IP requereu à Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere o registo da penhora do imóvel descrito na respetiva matriz sob o n.° 9..., do concelho de Leiria e freguesia de Caranguejeira, bem como a emissão da certidão comprovativa do mesmo - cfr. ofício n.° S- IGFSS/353390/2023 e respetivos anexos, de fls. não numeradas do PEF apenso; I) Por ofício n.° S-IGFSS/55647/2024, de 03/03/2024, com o assunto "Penhora de Imóvel_Nomeação de fiel depositário" e elaborado no âmbito do PEF n.° 1001200800082210 e apensos, a SPE de Leiria do IGFSS, IP comunicou ao Reclamante o seguinte: (texto integral no original; imagem) (...)" - cfr. ofício n.° S-IGFSS/55647/2024, de fls. não numeradas do PEF apenso; J) O ofício identificado na alínea anterior foi remetido ao Reclamante por carta postal registada com aviso de receção (A/R), com a referência alfanumérica RF 8264 1245 6 PT - cfr. registo postal aposto no ofício S-IGFSS/55647/2024, de fls. não numeradas do PEF apenso; K) O A/R identificado na alínea anterior foi assinado em 14/03/2024 - cfr. A/R de fls. não numeradas dos autos e p.i.; L) A petição inicial dos presentes autos foi remetida ao SPE de Leiria do IGFSS, IP em 25/03/2024 - cfr. email junto com a petição inicial. * Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de importar para a decisão de mérito, face às várias e plausíveis soluções de direito. * A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do PEF apenso, que não foram impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório (cfr. artigo 607.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT).» »« De Direito Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou improcedente a reclamação por considerar não provados os fundamentos em que se estriba o pedido formulado na presente reclamação. Para assim o entender a sentença impugnada alicerçou o entendimento que a seguir parcialmente se transcreve: “(…) a) Da ilegalidade da notificação da penhora O Reclamante começa por sufragar que a notificação da penhora em crise nos autos é ilegal, por preterição de formalismos legais consagrados no n.° 1, do artigo 77.° da LGT e no n.° 2, do artigo 753.° do CPC. Com o devido respeito, o argumentário esgrimido pelo Reclamante, neste conspecto, não pode proceder. Vejamos por que motivo. O ato de penhora assume-se indiscutivelmente como um ato processual de natureza não jurisdicional, praticado pelo Órgão da Execução Fiscal no âmbito de um processo de natureza judicial (a execução fiscal - cfr. artigo 103.°, n.° 1, da LGT), pelo que não lhe são aplicáveis as regras previstas para o procedimento administrativo tributário, designadamente as que se reportam à notificação e à fundamentação dos atos administrativos tributários (previstas nos artigos 77.° da LGT, 152.°, n.° 1 e 153.°, n.°s 1 e 2, ambos do CPA e 36.° do CPPT, e constitucionalmente garantidas pelo artigo 268.°, n.°s 3 e 4 da CRP). O ato que ordena a penhora é o mandado de penhora, que se assume, não como um ato tributário, mas sim como um ato processual mediante o qual é ordenada a execução do ato processual de penhora (cfr. artigo 172.°, n.° 2, do CPC, ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT). Tanto a penhora, quanto o mandado que a ordena, têm como pressuposto a circunstância de não ter sido efetuado o pagamento da dívida exequenda ou não ter sido constituída garantia (cfr. artigo 169.°, 195.° e 199.° do CPPT), o que o Executado, validamente citado para a Execução (o que, no caso, não é colocado em crise), não pode desconhecer que possa vir a ocorrer, porquanto a realização da penhora consubstancia uma obrigação legal a cargo do Órgão da Execução Fiscal (artigo 215.°, n.° 1, do CPPT). Efetivamente, verificado tal circunstancialismo (falta de pagamento ou de prestação de garantia pelo Executado), é emitido o mandado de penhora, o qual representa uma mera ordem dirigida pelo Órgão da Execução Fiscal a quem tem competência para realizar a penhora propriamente dita, e não dirigida ao Executado, motivo pela qual não carece de ser-lhe notificado antes da penhora. O que lhe deve ser notificado é a penhora realizada, e só esta, não os trâmites processuais que a antecedem, como vem esgrimido nos autos (o Reclamante considera que não foi notificado dos fundamentos da penhora, nem do auto de penhora). Ou seja, o que deve ser obrigatoriamente notificado ao Executado é a realização da penhora, a posteriori da sua ocorrência (cfr. n.° 4, do artigo 753.° do CPC), tal como aconteceu no caso concreto. Os fundamentos e os pressupostos em que assenta a penhora, as disposições legais aplicáveis, bem como o destino da mesma, já o Executado conhece (ou deve conhecer), porquanto legalmente decorrentes da lei e que, em princípio, lhe foram comunicadas aquando da sua citação para os PEF (cfr. artigos 163.°, 190.° e 215.°, n.° 1 do CPPT), pelo que nada obrigada a que lhe sejam comunicados aquando da notificação da penhora. Efetivamente, aquele contra o qual pende uma execução fiscal (o Executado) não pode desconhecer que, à míngua do pagamento da dívida exequenda ou da prestação de garantia idónea à liquidação daquela, encontra-se sujeito a tal ato de execução, ou seja, à penhora dos bens necessários à boa cobrança da dívida - o n.° 1, do artigo 215.° do CPPT é, aliás, lacónico a este propósito: "Findo o prazo posterior à citação sem ter sido efetuado o pagamento, procede-se à penhora" -, possibilidade real (de penhora) que, em princípio, é comunicada ao Executado no ato de citação para os PEF (cfr. artigos 163.° e 190.° do CPPT). Ademais, o Legislador, ciente da necessidade de assegurar a defesa do Executado face à penhora realizada no âmbito da Execução Fiscal, consagra mecanismos aptos a proteger os direitos e interesses deste, tanto a montante da penhora (designadamente, concede-lhe a possibilidade de proceder ao pagamento da quantia exequenda ou de prestar garantia, entre outras possibilidades - cfr. artigos 169.°, 195.° e 199.° e ss.), quanto a jusante da mesma, permitindo-lhe, designadamente, reagir judicialmente contra a penhora realizada no processo através de um mecanismo jurisdicional, particularmente célere e urgente, justamente com vista a salvaguardar tal direito de defesa e previsto no artigo 276.° do CPPT (prerrogativa que o Reclamante exerceu). Outrossim, conforme decorre do acórdão do STA de 11/11/2015, proferido no âmbito do processo n.° 01221/15, "[n]os termos do artigo 215 do CPPT o mandado de penhora e a penhora não estão dependentes de despacho prévio e fundamentado a ordená-los. (...) Tal inexigibilidade assenta no princípio de celeridade processual e no facto de o acto da penhora ser um acto instrumental e consequente da execução fiscal fundamentada em título executivo.". Portanto, no caso dos autos, o que deveria ser notificado ao Reclamante era apenas realização da penhora, o que se comprova ter ocorrido já que consta da notificação da penhora, designadamente, a identificação dos PEF e o imóvel sobre o qual incide a mesma (cfr. alínea I) dos factos provados), tudo elementos que o Reclamante, na petição inicial, demonstra conhecer cabalmente (identifica perfeitamente a penhora em crise nos autos, circunscrevendo-a quanto à data em que foi emitido o ato de penhora, o mandado de penhora e o imóvel sobre o qual incidiu). O Tribunal não ignora que, no caso sub judice, da notificação da penhora não consta a indicação dos meios de defesa ao dispor do Reclamante para reagir contra aquela. Todavia, esse circunstancialismo, decorrente de um ato processual (o ato de notificação da penhora) - pois realizado no seio de um processo de execução fiscal que assume natureza judicial (cfr. artigo 103.°, n.° 1, da LGT) - consubstancia uma nulidade processual secundária, a arguir nos termos previstos nos artigos 149.°, n.° 1 e/ ou 199.°, ambos do CPC (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/01/2018, processo n.° 80/12.6TBMAI-C.P1, que preconizou tal entendimento em relação à falta de notificação do ato de penhora ao executado e que, por conseguinte, é aqui aplicável com base num argumento a fortiori, já que no caso vertente não se vislumbra falta de notificação, mas sim, quanto muito, deficiência da notificação realizada) - em linha com o raciocínio expendido, pode ler-se em Lebre de Freitas, José, Ribeiro Mendes, Armindo e Alexandre, Isabel, em CPC Anotado, Vol. 3.°, 3.a edição, Almedina, Coimbra, 2023, p. 570, na anotação ao artigo 753.° do CPC, o seguinte: "A falta desta notificação consubstancia uma nulidade processual secundária, relevante por comprometer o conhecimento da realização do ato e a possibilidade de o impugnar, a qual só pode ser arguida no prazo geral do art. 149-1 (ac. Do TRP de 8.1.18, Miguel Baldaia de Morais, proc. 80/12).”. Acresce que tal irregularidade encontra-se atualmente sanada pela circunstância de ter sido deduzida a presente Reclamação Judicial, ou seja, de o Reclamante, pese embora a ausência de referência expressa, na notificação da penhora, aos mecanismos de que dispunha para se defender contra a aludida penhora, acabou por exercer tal direito de forma ampla e esclarecida, através da dedução da presente Reclamação Judicial, na qual se revela perfeito conhecedor do objeto e termos da penhora. (…) Finalmente, a falta de menção, na notificação da penhora (que consubstancia um ato processual), dos prazos e meios de reação ao dispor do Executado consubstancia uma nulidade processual de cariz secundário (pois não se enquadra nas nulidades principais taxativamente previstas nos artigos 186.° a 194.° e 196.° a 198.° do CPC, logo cai na alçada da previsão geral patenteada no artigo 195.° do CPC), a arguir junto do órgão da execução fiscal nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 149.° e/ou 199.° do CPC, sendo certo que tal irregularidade, atentos os contornos do caso vertente, encontra-se sanada tanto pelo decurso do tempo, quanto pela dedução da presente Reclamação Judicial através da qual o Reclamante se defende amplamente contra a penhora, evidenciando conhecer perfeitamente o imóvel sobre o qual incidiu, bem como o âmbito em que foi ordenada. A Reclamação improcede, pois, nesta parte. b) Da falta de notificação da revogação da hipoteca sobre o imóvel O Reclamante considera que a penhora é ilegal uma vez que não foi notificado da revogação da hipoteca legal sobre o imóvel, ordenada pelo TAF de Leiria. Também aqui, com o devido de respeito, carece de razão. Desde logo, porque inexiste qualquer revogação (administrativa) carente de notificação ao Reclamante. Com efeito, propugnando-se aqui que a hipoteca legal consubstancia, não um simples ato de tramite, mas antes um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, a cessação dos seus efeitos, no caso concreto, foi determinada por anulação judicialmente determinada (dada a invalidade do ato, jurisdicionalmente atestada - cfr. alínea E) dos factos provados) e não por revogação administrativa (cfr. artigo 165.°, n.° 1, do CPA). Nessa medida, e como é de elementar conhecimento, não competia ao Órgão da Execução Fiscal notificar ao Reclamante a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 07/11/2023 no âmbito do processo n.° 959/23.0BELRA. O que lhe competia era, isso sim, dar cumprimento ao julgado anulatório em causa junto da Conservatória de Registo Predial competente e nos prazos legalmente previstos (cfr. artigos 173.°, n.° 1, 174.° e 175.°, todos do CPTA), requerendo o cancelamento da inscrição hipotecária incidente sobre o prédio n.° 9..., o que viria a fazer em 16/11/2023, a coberto do ofício n.° S-IGFSS/353403 - cfr. alínea G) dos factos provados. Por conseguinte, improcede a alegada falta de notificação da revogação da hipoteca legal, por manifesta falta de fundamento. * c) Da falta de notificação da penhora no prazo legalmente previsto e da caducidade do direito de penhorar O Reclamante sufraga, por fim, que a penhora é ilegal uma vez que não foi cumprido o prazo a que se refere o n.° 4, do artigo 753.° do CPC, que é de cinco dias posteriores à penhora. Destarte, considera que a penhora é ineficaz em relação a si, o que comporta a caducidade do direito de penhorar. Sempre com o devido respeito, a reclamação claudica, também neste segmento do alegatório. Com efeito e na senda do que se deixou sobredito, uma vez que a notificação da penhora consubstancia um puro ato processual ou de trâmite, praticado no seio de um processo de execução fiscal que assume natureza judicial (cfr. artigo 103.°, n.° 1, da LGT), qualquer preterição ao regime legalmente estabelecido e a si inerente - mormente, a disciplina jurídica vertida no artigo 753.° do CPC - culmina numa nulidade processual secundária que deve ser primariamente arguida junto do órgão da execução fiscal, no prazo de 10 (dez) dias - cfr. artigos 149.°, 195.° e 199.°, todos do CPC - sob pena de se considerar sanada a irregularidade. De resto, a ultrapassagem do prazo previsto no n.° 4 do artigo 753.° do CPC não é suscetível de afetar a validade intrínseca do ato notificado, muito menos foi suscetível, no caso concreto, de postergar ou coatar o direito de defesa do Reclamante contra a penhora em crise nos autos (já que, sublinhamos, este revela cristalinamente, ao longo da petição inicial, que conhece os termos da penhora, designadamente quanto ao bem sobre o qual incide e a execução fiscal em que foi determinada, o que lhe permite saber qual a quantia exequenda cujo pagamento aquela visa garantir) - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/10/2022, processo n.° 3594/18.0T8ALM-B.L1-2. Por fim, o n.° 6 do artigo 77.° da LGT não tem aplicação num caso, como o dos autos, em que está em causa a penhora de um bem imóvel ordenada no âmbito do um processo de execução fiscal, que assume a natureza de um puro ato de trâmite, de tramitação da execução fiscal, e não de um ato administrativo (ou seja, não é uma "decisão de um procedimento" administrativo), pelo que, entre outros motivos (desde logo, a indisponibilidade dos créditos tributários - cfr. artigo 30.°, n.° 2, da LGT), carece de sentido a alegada caducidade do direito de penhora do imóvel.” – fim de citação Encetamos por dizer que o assim decidido não nos merece qualquer censura, mas vejamos no que subjaz a argumentação de apelação. Dissente o recorrente vem, tal como deixamos elencado na delimitação do objeto do recurso, objetar à sentença erro “de facto e de direito”, “na pluralidade das questões que lhe foram suscitadas”. Importa, neste ponto notar que as conclusões que retirou das alegações de recurso, são, em tudo semelhantes às que foram enunciadas na petição inicial e apreciadas na sentença recorrida e que se consubstanciam, como dissemos, em: - O executado não foi notificado dos fundamentos e do auto de penhora - concl. vi e vii) Esta conclusão vem, segundo entendemos, alicerçada na discordância com a sentença recorrida na parte em que ali se diz que “o que deve ser obrigatoriamente notificado ao Executado é a realização da penhora, a posteriori da sua ocorrência (cfr. N°4 art.° 753°do CPC) tal como aconteceu no caso concreto”. Considera que o que diz a norma é que: “[S]se o executado não estiver presente no ato da penhora, a sua notificação tem lugar nos cinco dias posteriores à realização da penhora”. Não entende porque o tribunal chegou àquela conclusão e conclui dizendo que “[N]não se compreenderia que sendo a penhora um ato lesivo dos direitos do executado, está sujeito à notificação de conformidade com o disposto no n° 3 do art.° 268° e n° 1 do art.° 20°, ambos da CRP”. Lidas as alegações de recurso e tendo presente a matéria de facto apurada e não contestada nos autos, parece-nos puder concluir que o desconforto do recorrente se prende com a circunstância de a notificação do ato de penhora não lhe ter sido efetuada nos cinco (5) dias seguintes à sua realização, como legalmente preceituado, não obstante não retire da arguição qualquer consequência legal. Dito isto e regressando à sentença recorrida, constatamos que esta não olvidou tal situação e dizemo-lo face ao acolhimento que ali se fez do acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 08/01/2018, proferido no processo n.° 80/12.6TBMAI-C.P1 e do entendimento de Lebre de Freitas, José, Ribeiro Mendes, Armindo e Alexandre, Isabel (1) In CPC Anotado, Vol. 3.°, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, p. 570, na anotação ao artigo 753.° do CPC, ali expresso, de que "[A] falta desta notificação consubstancia uma nulidade processual secundária, relevante por comprometer o conhecimento da realização do ato e a possibilidade de o impugnar, a qual só pode ser arguida no prazo geral do art. 149-1 (ac. Do TRP de 8.1.18, Miguel Baldaia de Morais, proc. 80/12).”. – o sublinhado é nosso Acompanhamos, como dissemos, o decidido e acrescentamos que na situação em apreço, não estamos perante a falta de notificação do ato de penhora, mas sim, da falta dessa notificação dentro do prazo a que se reporta o n.º 4 do artigo 753.º do CPC já que, conforme transcorre do probatório, a penhora foi realizada em 15/11/2023 e foi levada ao conhecimento do executado em 14/03/2024 (pontos F) e I) a K) do probatório), por conseguinte, muito para além dos cinco dias a que se refere a norma citada, contudo se a falta de notificação constitui uma nulidade secundária, não vemos como é que a notificação ocorrida fora do prazo legal o não seja, ou possa ter consequência jurídica mais gravosa do que aquela. Com efeito as nulidades processuais, consubstanciam desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de atos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.79). – cfr. ressalta do acórdão do STA proferido em 16/09/2020 no processo n.º 01762/13.0BEBRG Ora, estatui o nº1, artigo 195º do CPC, quanto às regras gerais sobre a nulidade dos atos, que “[F]fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Isto posto e assumindo que claramente se retira dos autos que a notificação do ato de penhora apenas foi realizada na pessoa do executado fora do prazo legalmente previsto no artigo 753.º n. 4 do CPC aqui aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, importa enquadrar a natureza do vício em apreço. No seguimento do que temos vindo a referir e mantendo a nossa aderência ao teor do acórdão do TRP citado na sentença recorrida e que aqui também acolhemos dir-se-á que “a lei adjetiva qualifica como nulidade processual qualquer desvio do formalismo prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais, sendo que, em consonância com o art. 195º, esse desvio pode consistir na prática de um ato proibido, na omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido. Ainda de acordo com a regulamentação legal, as nulidades podem ser principais (encontrando-se, taxativamente, previstas nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º) ou secundárias (incluídas na previsão geral do art. 195º), sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos. Na situação sub judicio, a omissão de notificação do ato de penhora não constitui uma nulidade principal (pois não consta do elenco das nulidades previstas nos citados arts. 186º a 194º e 196º a 198º), assumindo antes natureza de nulidade de cariz secundário, caindo na previsão do art. 195º. No entanto, nem sempre a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve infração é relevante, nem sempre produz nulidade, já que esta só surge se se verificar uma das seguintes hipóteses: quando a lei expressamente a decreta (o que não é o caso) ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Quanto a este último aspeto a lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”. No sentido de densificar o conceito, ALBERTO DOS REIS[2] tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos atos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela”.- fim de citação In casu, a notificação visa dar a conhecer a realização da penhora e a possibilidade para o executado de, querendo, contra ela reagir. A notificação do ato de penhora fora do prazo legal, constitui, a nossa ver, uma mera irregularidade sem qualquer influência na causa, nomeadamente no que respeita à defesa do executado, que em nada se mostra prejudicada, já que, como se vê, deduziu, em tempo a presente oposição (pontos K) e L) do probatório), defendendo-se desse mesmo ato, ou dito por outra palavras deduziu oposição dentro do prazo que teve como marco temporal inicial, a notificação que lhe deu a conhecer a constituição da penhora e consequentemente tornou eficaz, o ato de penhora. Assim e apesar de se entender que a realização da notificação do ato de penhora fora do prazo legal constitui uma nulidade de cariz secundário, a conclusão a retirar não poderia ser diferente daquela a que chegou a sentença recorrida, ou seja, de que a mesma (nulidade) se encontra sanada pela circunstância de ter sido deduzida a presente reclamação judicial. Termos em que, sem mais, improcede este argumento. - Falta de notificação da revogação da hipoteca legal - concl. viii); Alega que enquanto não tiver sido revogada a hipoteca legal, carece de justificação a penhora que poderá ir para além dos bens suficientes, e logo tornar-se ilegal; E acrescenta que a revogação da hipoteca legal, apesar de resultar do cumprimento de sentença judicial, constitui um ato administrativo e como tal, carecia de ser notificado ao executado. Mas não tem razão desde logo, porque, como bem o diz o apelante e decorre do probatório a constituição de hipoteca foi anulada por sentença judicial [ponto E)], logo, a sua revogação resulta da execução de sentença e não qualquer ato de revogação levado a efeito por decisão administrativa. Na verdade, o recorrente refere-se à “decisão de constituir hipoteca”, mas o que aqui está em causa é a decisão que determinou a revogação da hipoteca e essa foi judicial e, como bem nos diz a sentença, a notificação dessa decisão é do foro judicial e deve ser levada a efeito no processo judicial. Quanto à circunstância a que o apelante vem assacar de ato ilegal, da penhora por esta ter sido efetuada em 15/11/23, e a hipoteca sobre o mesmo bem, ter sido revogada no dia seguinte (16/11/23) – pontos F) e G) do probatório -, importa referir que a apreciação da eventual ilicitude está proibida pelo principio da limitação dos atos, já que o segundo ato detém a força da diminuição da garantia em que se consubstancia a suficiência de bens e, como sabemos, os atos inúteis estão proibidos por lei (artigo 130.º do CPC). Com efeito, tendo o pedido de cancelamento do Registo de hipoteca legal sido dirigido Conservatória do Registo Predial de Alvaiázere no dia imediatamente a seguir àquele em que foi feita a penhora [pontos F) e G) do probatório], qualquer irregularidade que a penhora viesse a constituir já se mostra reposta. Improcede assim, também, o argumento apreciado Quanto à falta de notificação da penhora no prazo legalmente previsto e à caducidade do direito de penhorar – concl. ix) e x); Trata-se de questões que elenca sem delas retirar qualquer tipo de consequência e que, por conseguinte, se remete para o que supra se deixa referido quanto à falta de notificação dos autos de penhora e para o que se deixa o texto recorrido, por nada mais termos, nesta matéria, a acrescentar, com a consequente improcedência. Improcedem assim in totum as questões que, em sede do presente recurso nos vêm colocadas.
Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de Execução fiscal e Recursos Contraordenacionais do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso sendo de manter a sentença recorrida. Custas pela recorrente Registe e notifique Lisboa, 24 de outubro de 2024 Hélia Gameiro Silva – Relatora Luísa Soares – 1.ª Adjunta Susana Barreto – 2.º Adjunta, em substituição (com assinatura digital) |