Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:134/23.3BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:RCO
CONCLUSÕES
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO.
Sumário:I - Não tendo a Arguida formulado conclusões na petição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, impõe-se o convite para suprir essa omissão.
II – Tendo a Arguida, na sequência do convite para suprir a omissão, vindo juntar as conclusões omissas, sem, no entanto, enviar, novamente, o corpo das alegações que já tinham sido remetidas ao Tribunal, tal circunstância não justifica, por excessiva, a rejeição liminar do recurso de contraordenação.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

.... Unipessoal LD.ª, melhor identificada nos autos, deduziu recurso de contra-ordenação contra a decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 2780.2022/060000005489, instaurado pelo Serviço de Finanças de Velas, no âmbito do qual lhe foi aplicada uma coima no montante de € 34.472,87, por infracção ao disposto nos artigos 17.º e 120.º nº 10 do CIRC e punida pelo artigo 119.º, n.º 1 e 26.º, n.º 4 do RGIT.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, por decisão de 9 de Dezembro de 2014, rejeitou liminarmente o recurso, nos termos do disposto no nº3 do artigo 59.ºdo RGCO, ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT.

Não concordando com a decisão, .... , Ld.ª, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

1. “Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 09 de Dezembro de 2024, pelo Tribunal “a quo” que: tendo a recorrente apresentado petição aperfeiçoada que contém apenas conclusões, temos que concluir que a mesma não respeita as exigências de forma legalmente exigidas. Termos em que rejeito o presente recurso de impugnação judicial, não tomando conhecimento do objecto do mesmo.

2. Ora, não se pode acompanhar tal decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto a mesma efectuou uma incorrecta interpretação dos preceitos legais aplicáveis;

Da questão prejudicial:

3. No caso vertente, em 29 de Maio de 2023, a Arguira, aqui Recorrente, foi notificada da decisão proferida pela AT, sobre a reclamação graciosa apresentada;

4. Da mesma apresentou reclamação do acto de penhora, no âmbito do Processo nº 2780.2023.01.00.0446. no qual, entre outras questões, se suscita a validade do acto que serviu de base à decisão em causa nos presentes autos (cfr. documentos nº. 1 e 2);

5. Por razões que se desconhecem e estritamente imputáveis à AT, até esta data (2025.01.27), esta ainda não remeteu, como é sua obrigação, ao Tribunal “a quo”a referida reclamação do acto de penhora, ainda que a mesma constitua uma questão prejudicial para os presentes autos até ser proferida decisão judicial!


6. Assim, existindo entre os dois processos (ainda que uma delas – a principal – esteja ilegalmente retida pela AT) esse nexo de prejudicialidade, deverá ser suspensa a instância na causa dependente, a dos presentes autos, até à decisão da causa prejudicial ser decidida no Processo nº 2780.2023.01.00.0446, pelo Tribunal “a quo”;

7. O que desde já se requer, como forma de evitar a incompatibilidade de julgados, porquanto, os fundamentos invocados para a pretensão deduzida nos presentes autos – são os mesmos que já haviam sido invocados na referida reclamação da penhora, para obstar à procedência da pretensão, aí, deduzida, e não existia qualquer obstáculo legal à dedução dessa pretensão, nos presentes autos;

Acresce,

Dos fundamentos do recurso:

8. O Tribunal “a quo” reconhece e confessa: “a recorrente” apresentou “petição inicial, que “não continha a formulação de conclusões, tal como exigido pelo artigo 59º, nº3 do RGCO, aplicável por remissão da alínea b) do artigo 3º do RGIT”, e bem assim que: a recorrente: “limitou-se a remeter aos autos articulado que contém, apenas e só, as conclusões de recurso, sem a respectiva motivação.”;

9. Sucede que, a junção das conclusões de per si por parte da Arguida, aqui Recorrente, quando já tinha sido remetida a impugnação da decisão administrativa (denominada como motivação) e aceite pelo Tribunal “ a quo ”, configura:
i. o cumprimento do principio da economia processual, entendido este como a proibição da prática de actos inúteis, conforme estabelece o artigo 132.° do C.P.C., aplicável ao processo contra ordenacional por força do disposto no artigo 41.° do R.G.C.O., conjugado com o artigo 4.° do R.G.C.O.,



ii. a observância do principio da cooperação, resultante do artigo 6.° do C.P.C., entre todos os sujeitos do processo para que se obtenha, em tempo razoável, ii. decisão de mérito justa e efectiva", aplicável ao processo contra ordenacional por força do disposto no artigo 41° do R.G.C.O., conjugado com o artigo 4° do C.P.P., porquanto esse princípio se adequa sem mácula ao processo contra ordenacional;

iii. a obediência ao principio da lealdade, entendido este como a emanação do principio da segurança jurídica e da confiança entre todos os sujeitos processuais para que se obtenha, uma decisão equitativa e de justa em tempo, conforme estabelece o n.° 8 do artigo 32.° da C.R.P. e o artigo 128° do C.P.P., por o princípio constituir a matriz do processo contra ordenacional;

10. A verdade é que: as próprias conclusões não estabelecem um limite do âmbito objectivo dos poderes cognitivos do tribunal (ver em termos concordantes a fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.° 3/2019, bem como LEONES DANTAS, 1994: 71, FREDERICO COSTA PINTO, 1999: 298, e 2017: 255, MARIA JOSÉ COSTEIRA, 2018: 23, AUGUSTO SILVA DIAS, 2018: 247, considerando a atuação do tribunal "moldada e funcionalizada aos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação", e HELENA BOLINA, 2019: 66;

11. Com efeito, as alegações e conclusões, do recorrente têm apenas o efeito prático de chamar a atenção do juiz para as questões que o arguido considera pertinentes para a boa decisão da causa;

12. As conclusões não configuram a contra ordenação, nem a impugnação, são meramente acessórias, não são o processo!


13. Ora, a Arguida, aqui Recorrente, assegurou sem prática de actos inúteis, em 1. cooperação e lealdade com o Tribunal “a quo”, quer a impugnação (em momento anterior, é certo) quer as conclusões nos autos (em momento posterior);

14. Destarte, não resulta dos presentes autos que a Arguida, ora Recorrente, não tenha cumprido com as exigências do n.° 3 do artigo 59° do R.G.C.O.;

15. Pelo que, o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito que é muito, na sua sentença, interpretou de forma incorrecta e violou o disposto no n.°3 do artigo 59.° do R.G.C.O. e, em consequência, deve a mesma ser integralmente revogada e substituída por outra que determine a admissão do recurso de impugnação judicial apresentado pela Arguida, ora Recorrente.

Para além disso,

16. Se a determinação do Tribunal “a quo”, pode não ter sido satisfeita em absoluto pela a Arguida, aqui Recorrente, o que se aceita por corresponder à realidade;

17. Também não é menos verdade que o mesmo órgão de soberania olvidou de forma ostensiva o princípio da tutela jurisdicional efectiva, que resulta quer do artigo 96° do C.P.P.T. quer do artigo 2°do C.P.C.
18. Assim, o Tribunal “a quo” ao apregoar o alegado não acolhimento da determinação do tribunal por parte da Arguida, aqui Recorrente e, olvidar de forma expressa o princípio da promoção do processo, segundo o qual as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncia sobre o mérito das pretensões, violou o imperativo da justiça material sobre os conceitos formalistas;
19. Que desnecessariamente impedem a reposição da legalidade nas situações concretas;
20. Para além disso, no caso em concreto, o Tribunal “a quo” tinha e tem seu poder quer a motivação de recurso quer as conclusões da Arguida, aqui Recorrente, que podem não ser as mais adequadas, é certo, mas nem sequer estava ou está vinculado às mesmas (cfr. supra página 6), ou seja, estava e está em condições de: querendo, apreciar, analisar e proferir decisão;
21. Mas, não o fez!
22. Ora, ao não fazê-lo, é manifesta a falta de proporção, de adequação, de necessidade e de equilíbrio, entre o alegado incumprimento de regras formais por parte da Arguida, aqui Recorrente, que não corresponde à realidade material e adjectiva e, as consequências da não admissão da impugnação da decisão por parte do Tribunal “a quo”, configura uma violação do princípio da proporcionalidade, decorrente da própria ideia de Justiça e corolário do princípio do Estado de Direito que decorre do artigo 2° da C.R.P., por se revelar em concreto desproporcional, desadequada, desnecessária e excessiva;
23. E, para além disso, o Tribunal “a quo”, na sua sentença, interpretou de forma incorrecta e violou o disposto no artigo 96°do C.P.P.T. e no artigo 2°do C.P.C., ao omitir de forma expressa e ostensiva a necessidade de fazer cumprir a tutela jurisdicional efectiva, bem como principio da promoção do processo, segundo o qual as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncia sobre o mérito das pretensões e, em consequência, deve a mesma ser integralmente revogada e substituída por outra que determine a admissão do recurso de impugnação judicial apresentado pela Arguida, ora Recorrente.
Nestes termos, e nos demais de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por interpretação incorrecta dos preceitos legais aplicáveis, revogando a decisão em conformidade e em consequência ser revogada a decisão recorrida, determinando-se a substituição da mesma por outra que determine a admissão do recurso de impugnação judicial apresentado pela Arguida, ora Recorrente, como é de Justiça!

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A DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido considerou o seguinte:

«(…) A petição inicial apresentada pela recorrente, não continha a formulação de conclusões, tal como exigido pelo artigo 59. °, nº 3 do RGCO, aplicável por remissão da alínea b) do artigo 3º do RGIT.

Em consequência foi proferido despacho [Despacho (004281731) de 22/01/2024 22:09:16] no qual foi determinada a notificação da recorrente para apresentar nova petição da qual constassem as conclusões da motivação do recurso, sob pena de o mesmo ser rejeitado nos termos do artigo 63º, nº 1 do RGCO.

Compulsado o expediente remetido aos autos pela recorrente [Requerimento (55433) Requerimento (004282514) de 08/02/2024 19:55:40], constata-se que esta não deu cumprimento ao que havia sido determinado, não tendo apresentado petição de recurso aperfeiçoada contendo, para além das alegações, as respectivas conclusões, como determina expressamente o n.º 3 do artigo 59.º do RGCO.

Ao invés limitou-se a remeter aos autos articulado que contém, apenas e só, as conclusões do recurso, sem a respectiva motivação.

Acresce que as conclusões ora apresentadas são uma quase integral repetição das alegações constantes da primeira petição apresentada, com algumas aglutinações de artigos e sem os separadores dos vários fundamentos alinhados.

Sucede que, quando é determinado o aperfeiçoamento dos articulados, no âmbito dos poderes de gestão inicial do processo conferidos ao juiz [artigo 590.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do artigo 2.º do CPPT], o novo articulado aperfeiçoado a apresentar pela parte a tal instada, destina-se a substituir o anteriormente apresentado e não a completá-lo.

E o que sucede é que a recorrente não acolheu a determinação do tribunal, apresentando um articulado com o que denominou de conclusões, que não verdade nem o são, e que, supõe-se, se destina a completar o anteriormente apresentado e não a substitui-lo.

Não há dúvida que a lei exige que o recurso seja composto por alegações e conclusões, como decorre expressamente do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO.

Tendo a recorrente apresentado petição aperfeiçoada que contém apenas conclusões, temos que concluir que a mesma não respeita as exigências de forma legalmente exigidas.

Pelo que o presente recurso será rejeitado, o que se decidirá no dispositivo.


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III— Decisão

Termos em que rejeito o presente recurso de impugnação judicial, não tomando conhecimento do objecto do mesmo.

Sem custas.(…)»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou ao rejeitar liminarmente o recurso interposto, por falta de cumprimento do preceituado no nº3 do artigo 59º do RGCO ex vi do art.º 3º al. b) do RGIT.

Vejamos.

A questão que cumpre decidir é a de saber se o Juiz do Tribunal a quo fez correcto julgamento ao rejeitar o recurso judicial por entender que não estava cumprido o formalismos exigido no nº3 do artigo 59º do RGCO, em virtude de a Recorrente, dando cumprimento à determinação de aperfeiçoamento da p.i., para que incluísse Conclusões, veio juntar, apenas, as ditas conclusões, sem juntar, de novo, o corpo da alegação.

Vejamos, então.

Nos termos do preceituado no artigo 59.º, nº 3, do D.L. nº 433/82, de 27/10 (RGCO), o recurso (a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa) « é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões».

Por seu turno, o artigo 63.º do mesmo diploma legal, no seu nº 1, indica duas causas para a não admissão liminar do recurso, a saber: a intempestividade e a inobservância das exigências de forma.

No caso vertente, na sequência da apresentação do requerimento de interposição do recurso de impugnação pela Recorrente, uma vez que não continha “conclusões” foi proferido despacho, determinando a apresentação de nova petição com conclusões, sob pena de rejeição do recurso – Cfr. despacho proferido em 22/01/2024.

Na sequência da notificação do despacho de aperfeiçoamento, veio a Recorrente juntar as conclusões em falta, sem mais, ou seja, sem incluir no articulado as alegações anteriormente apresentadas.

Como vimos, o despacho recorrido considerou que não tinha sido cumprido o nº3 do artigo 59º do RGCO, pelo que rejeitou o recurso.

Adiante-se que não concordamos com o assim decidido.

A decisão recorrida revela-se excessiva e deveras formalista, em violação grosseira do princípio da proporcionalidade.

Se é certo que o nº3 do artigo 59º exige que constem da petição inicial alegações e conclusões, a verdade é que foi dado cumprimento, pela Recorrente, ao despacho de aperfeiçoamento, com a junção das conclusões em falta.

Concordamos que seria mais adequado ter junto, no mesmo documento, alegações e conclusões, porém, não menos verdade é que as alegações já se encontravam nos autos, pelo que bastaria ao juiz a quo, se entendesse necessário, proferir despacho no sentido de ser regularizada a situação.

O que não se pode é afirmar que não foi cumprido o despacho de aperfeiçoamento, decisão que merece a censura que a Recorrente lhe convoca.

Como se escreveu no Acórdão deste TCAS, de 10/02/2022, proferido no âmbito do processo nº 424/20.7BEALM:

“(…) Como refere Abrantes Geraldes, ainda que a propósito dos recursos jurisdicionais mas transponível para o caso vertente “[s]e acaso o relator (…) verificar, numa análise mais profunda, que o efeito da rejeição total ou parcial do recurso se mostra excessivo, deve abster-se de o declarar”, devendo, nessa medida, a apreciação ser casuística e acautelar, na medida do possível, a proporcionalidade e a prevalência de decisões de mérito sobre as estritamente formais, em ordem à tutela jurisdicional efectiva.

Aduzindo, também, Alberto dos Reis relativamente a normativo com paralelo ao a tual 639.º, nº3 do CPC que “[a] fórmula do artigo – indicação resumida dos fundamentos – deve interpretar-se e aplicar-se em bons termos, cum grano salis. Importa ver nessa determinação legal mais um voto, uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando vigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações.”(…)”

Assim, face ao exposto, será de conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a prossecução dos autos, se a tal nada mais obstar.

No que diz respeito à invocada questão prejudicial, não tendo sido objecto de decisão pelo Tribunal a quo, não cabe a este Tribunal sobre a mesma se pronunciar.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a prossecução dos autos, com a admissão do recurso contra-ordenacional, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Novembro de 2025

(Isabel Vaz Fernandes)

(Luísa Soares)

(Filipe Carvalho das Neves)