Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1/14.1BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CGA
COMPARTICIPAÇÃO
RESTITUIÇÃO
Sumário:I- Nos termos do artigo 2°/1 do Decreto-lei n° 301/79, de 18 de Agosto, os trabalhadores das carreiras hospitalares que até à entrada em vigor deste diploma estavam inscritos na Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência, por força do artigo 58°/1 do Estatuto Hospitalar promulgado pelo Decreto-lei n° 48.357, de 27 de Abril de 1968, pôde optar entre a manutenção dessa inscrição e a sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações;
II- Aqueles que tendo optado pela nova inscrição, ficaram abrangidos pelos estatutos de aposentação, de pensão de sobrevivência e de proteção na doença em vigor na função pública, sendo-lhes contado, para todos os efeitos, todo o tempo de serviço prestado nos hospitais - cfr. artigo 2°/2 do referido DL 301/79.
III- As pensões de aposentação relativas ao pessoal que optou pela nova inscrição passaram a ser abonadas aos pensionistas pela CGA ao abrigo do artigo 3°/1 do DL 301/79.
IV- Em qualquer caso, a obrigação de comparticipação extinguiu-se em 1 de janeiro de 2011, com a entrada em vigor da Lei n° 55-A/2010 (Lei do Orçamento de Estado para 2011), em face do que a obrigação de entrega pelo Centro Hospitalar à CGA de montantes pecuniários, a título de comparticipação nos custos que a CGA passou a suportar com o pagamento das pensões aos ex-funcionários deixou de operar a partir de 2011.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
O Centro Hospitalar de Leiria, EPE, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa Comum, intentada contra a Caixa Geral de Aposentações, peticionou:
”(…) A) Ser declarado o direito do Autor a receber, a título de restituição por indevidos, (…) os valores que entregou à Ré a partir de 1 de Janeiro de 2011 com a intenção de satisfazer a sua comparticipação nos encargos com o pagamento das pensões de aposentação e de sobrevivência aos beneficiários desta (…), que estiveram colocados ao seu serviço e optaram pela inscrição na Ré, no quadro do regime emergente do Decreto-lei n° 301/79, de 18 de Agosto.
B) Ser a Ré, em consequência, condenada a pagar ao Autor a identificada (…) quantia de 436.746,81€, a título de restituição, designadamente nos termos do disposto no artigo 476°/1 ou do artigo 477°/1 do Cód. Civil, das quantias que pagou à primeira durante o ano de 2011 e que a esta não eram devidas.
C) Ser a Ré condenada, (…) a pagar, também, ao Autor os juros moratórios vencidos e vincendos, calculados sobre a importância indicada na alínea anterior, desde as datas em que recebeu a mesma até efetivo pagamento ou restituição dessa quantia, os quais, até 30-Dez.-2013 se computam em 43.310,28€.”
A Caixa Geral de Aposentações, inconformada com a Sentença proferida em 18 de março de 2020, que decidiu julgar a Ação procedente, veio Recorrer para esta instância em 16 de julho de 2020, concluindo:
“A- Com a Lei n.° 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 (cfr. artigo 159.°), cessou a aplicação do regime previsto no n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 301/79, de 18 de agosto, regulamentado pela Portaria n.° 513/80, de 12 de agosto.
B- Assim, as responsabilidades com o pagamento de pensões relativas aos aposentados que passaram a subscritores nos termos do Decreto-Lei n.° 301/79, de 18 de agosto, deixaram de ser imputados aos diversos serviços e organismos do Ministério da Saúde, passando para a responsabilidade da Secretaria Geral do mesmo ministério, que reembolsaria a CGA com as verbas resultantes da alienação dos imóveis do estado afetos ao Ministério da Saúde e das entidades integradas no SNS.
C- Em 30 de dezembro de 2011, por força da Lei n.° 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2012, (cfr. artigo 191.°), a transferência de responsabilidades foi alargada a outras situações, designadamente a pessoal inscrito na CGA ao abrigo de outros diplomas.
D- Pelo que, a partir de janeiro de 2012, a CGA passou a imputar todos os encargos com pensões de aposentação e sobrevivência à Secretaria Geral do Ministério da Saúde.
E- Com a entrada em vigor a 1 de agosto de 2012 da Lei n.° 20/2012, de 14 de maio de 2012, que aprovou a primeira alteração ao Orçamento de Estado de 2012, passaram a ser suportados pela CGA todos os encargos com pensões.
F- Pelo que, a devolução pela CGA das verbas recebidas em 2011, ao Hospital de Santo André, implicaria a devolução de igual importância à CGA, pela Secretaria Geral do Ministério da Saúde.
G- A CGA ainda não foi ressarcida de quaisquer verbas por parte da Secretaria Geral do Ministério da Saúde.
H- Consequentemente, a restituição de quaisquer montantes teria sempre um impacto negativo no equilíbrio financeiro da CGA, já que não se encontram orçamentadas quaisquer importâncias para esse efeito.
I- O recebimento pela CGA das comparticipações entregues pelo Hospital de Santo André em 2011, não constituíram para a CGA um benefício, uma vez que, as mesmas se destinaram a suportar o pagamento das pensões de aposentação de pessoal que esteve ao serviço daquela entidade.
J- Não se verificam assim os pressupostos ínsitos no artigo 473.° do CC e quanto ao enriquecimento sem causa, recorde-se apenas que, se destinaram a suportar o pagamento das pensões, não fazendo sentido invocar-se, nestas situações, o instituto do enriquecimento sem causa, sendo que aquela importância não se encontra orçamentada para esse efeito e a ser restituída pela CGA terá de ser suportada pelos contribuintes através do Orçamento do Estado.
K- Dada esta realidade jurídica deveria ter sido a CGA absolvida do pedido.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas deve a Sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências.”


O Centro Hospitalar, aqui Recorrido, veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 1 de outubro de 2020, aí concluindo:
“1ª - Por manifesto lapso de escrita que se evidenciou no requerimento que antecede as presentes contra-alegações, consta nos pontos 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21, 23 e 25 da Matéria de Facto, por referencia aos documentos 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21 e 23 juntos com a p.i.. como emissor destes o A., quando se evidencia que os mesmos são emitidos pela R., lapso que, a não ser declarado pela Meritíssima Juiz autora da D. Sentença recorrida por impedimento processual, se Reque o seja por Vossas Excelências, no quadro dos poderes de cognição desse Tribunal Superior.
2ª - O objeto do Recurso está delimitado pelas alegações e especialmente pelas respetivas conclusões.
3ª - Reconduz-se, assim, e face ao exposto, a questão a decidir à verificação ou não de enriquecimento da Ré por força das entregas que lhe foram feitas pelo A. Ora,
4ª - Durante o ano de 2011 transitaram diretamente do património do A. para o da Ré, acrescendo aos ativos desta, € 436.746,81 em dinheiro, por transferências da conta do A. no IGCP para a conta bancária da Ré, através das referências de “pagamento de Serviços” por esta emitidas.
5ª - Estas verbas foram entregues erradamente à Ré pelo A., na convicção de que lhe devia esses valores, quando tal não era verdade, visto que o regime em que essa obrigação se suportava, já fora entretanto revogado a partir de 1 de Janeiro de 2011, pelo n° 2 do artigo 159° da Lei n° 55-A/2010, de 31 de dezembro.
6ª - Estas importâncias acresceram ao património da R.
7ª - O facto alegado pela Ré de que pagou as pensões não apaga o seu enriquecimento à custa do A., porque o enriquecimento à custa do A. mede-se pelo que recebeu a mais do que lhe seria devido por força da lei ou de uma liberalidade nesse sentido expressa; não, pela medida da relação despesas receitas, a não ser que as despesas fossem da responsabilidade do A., o que não é o caso.
8ª - É, pois, manifesto, que não existe uma relação ou um facto que, de acordo com o Direito, justifique a deslocação patrimonial operada e atrás exposta.
9ª - A Douta Sentença recorrida fez exemplar interpretação dos factos e aplicação do Direito, não merecendo, por isso, qualquer crítica.
Termos em que, deve esse Superior Tribunal negar provimento ao recurso, mantendo a Douta Sentença recorrida, com o que fará JUSTIÇA!”
Já neste TCAS, o Ministério Público, notificado em 26 de outubro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Se é certo que a Recorrente “CGA não coloca em causa a matéria de facto julgada assente pelo Tribunal a quo”, considera, no entanto, “que o direito não foi corretamente aplicado”, o que importa verificar, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
1. Em setembro de 1979 exerciam funções para o A. os funcionários (...);
2. Em data concretamente não determinada, mas a partir de setembro de 1979, os funcionários do A. identificados em 1. optaram pela inscrição na Caixa Geral de Aposentações, Montepio dos Servidores do Estado e Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (acordo);
3. Em 12.01.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° …………, referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de janeiro de 2011, no valor total de €43.551,24, e com data limite de pagamento em 17.01.2011;
4. Em 13.01.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 3.
5. Em 11.02.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° ……….., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de fevereiro de 2011, no valor total de €24.837,23, e com data limite de pagamento em 15.02.2011;
6. Em 14.02.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 5.
7. Em 11.03.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° …………., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de março de 2011, no valor total de €34.193,76, e com data limite de pagamento em 15.03.2011
8. Em 14.03.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 7.
9. Em 08.04.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° ………., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de abril de 2011, no valor total de €34.193,76, e com data limite de pagamento em 15.04.2011
10. Em 15.04.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 9.
11. Em 09.05.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° ………, referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de maio de 2011, no valor total de €34.193,76, e com data limite de pagamento em 16.05.2011
12. Em 31.05.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 11.
13. Em 13.06.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° ……….., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de junho de 2011, no valor total de €33.369,68, e com data limite de pagamento em 15.06.2011
14. Em 14.06.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 13.
15. Em 08.07.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° …………….., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de julho de 2011, no valor total de €67.014,05, e com data limite de pagamento em 15.07.2011
16. Em 14.07.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 15.
17. Em 12.08.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° ……., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de agosto de 2011, no valor total de €21.844,11, e com data limite de pagamento em 16.08.2011
18. Em 12.08.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 17.
19. Em 12.09.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° ……….., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de setembro de 2011, no valor total de €33.106,03, e com data limite de pagamento em 15.09.2011
20. Em 14.09.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 19.
21. Em 07.10.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° …………, referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de outubro de 2011, no valor total de €33.106,03, e com data limite de pagamento em 17.10.2011
22. Em 14.10.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 21.
23. Em 09.11.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° …………., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de novembro de 2011, no valor total de €66.922,23, e com data limite de pagamento em 15.11.2011
24. Em 14.11.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 23.
25. Em 14.12.2011 o A. emitiu o documento para pagamento à CGA n.° …………., referente a pensões de sobrevivência e pensões de aposentação de dezembro de 2011, no valor total de €33.589,73, e com data limite de pagamento em 15.12.2011
26. Em 15.12.2011 o A. procedeu ao pagamento do documento referido em 24.
27. Dos pagamentos referidos nos pontos 3. a 26., €23.174,80 não correspondem a encargos com os funcionários referidos no ponto n.° 1. (acordo);
28. Em 07.08.2011 a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde emitiu oficio com a referência …………… e com o assunto “Pagamento de pensões decorrentes do Decreto-Lei n.° 301/79 do Ministério da Saúde - aplicação do artigo 159° da LOE 2011”, dirigido ao Presidente do Conselho Diretivo da Ré, com o seguinte teor:
“Na sequência das guias de pagamento enviadas pelo organismo a que V. Exa. preside a esta Secretaria-Geral (...), cumpre informar que no presente ano não foi ainda alienado qualquer imóvel do Estado afeto a este Ministério ou das entidades supra referidas, pelo que não foi obtida qualquer receita que permita proceder aos pagamentos das guias enviadas. (...)”
29. Em 02.04.2015 o Subdiretor Geral do Tesouro e Finanças emitiu declaração de que “no decorrer do ano de 2011, não foi alienado, através destes Serviços, qualquer imóvel do Estado Português que estivesse afeto a organismos do Ministério da Saúde e de entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde”


III – Do Direito
Inconformada com a decisão proferida no TAF de Leiria veio a CGA Recorrer para esta instância.


No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão Recorrida:
“Conforme resulta do probatório, os trabalhadores indicados no ponto n.° 1. pertenciam aos quadros do A. em 1979, ano em que entrou em vigor o DL n.° 301/79, de 18 de agosto. De acordo com o n.° 1 do artigo 2.° deste diploma legal, o pessoal que estivesse inscrito na Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência poderia optar entre, por um lado, a manutenção dessa inscrição ou, por outro lado, a inscrição na Caixa Geral de Aposentações, sendo certo que, optando pela inscrição na Caixa, passariam a ficar abrangidos pelos seus estatutos de aposentação, sendo as pensões abonadas pela Caixa Geral de Aposentações - cf. o n.° 2 do artigo 2.° e o n.° 1 do artigo 3.°, ambos do DL n.° 301/79.
Dispunha por seu turno o n.° 2 do artigo 3.° deste diploma legal que “a repartição dos encargos com o pagamento das pensões previstas no n.° 1 deste artigo (...) será regulada por portaria”.
Dúvidas não restam, portanto, em como os trabalhadores acima melhor identificados estavam ao serviço do A. nesta data, tendo optado pela inscrição na Caixa Geral de Aposentações que, a partir desse momento, passou a ser responsável pelo pagamento das suas pensões de aposentação e de sobrevivência.
Ora, a Portaria n.° 513/80, de 12 de agosto, veio regulamentar o DL n.° 301/79, o que fez nos termos definidos nos artigos 3.°, 6.° e 9.° do DL n.° 141/79, de 22 de maio, de acordo com os quais cabe aos serviços e organismos responsáveis pelo pagamento das prestações complementares a quota-parte da pensão que seja da sua responsabilidade.
Significa isto que, apesar de a Caixa Geral de Aposentações ter a obrigação do pagamento das pensões aos trabalhadores que exerceram a opção prevista no n.° 1 do artigo 2.° do DL n.° 301/79, continuou o A. a ser responsável pelo pagamento de uma quota-parte dessas pensões, encargo que devia pagar à Caixa Geral de Aposentações nos termos definidos na Portaria acima referida.
E foi justamente o que o A. fez durante o ano de 2011, em que procedeu ao pagamento de encargos com pensões dos funcionários acima referidos junto da Caixa Geral de Aposentações, como documentalmente se encontra comprovado sem que as contrapartes tenham apresentado oposição.
Sucede porém que a Lei n.° 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2011, contém, no seu artigo 159.°, um regime que altera o quadro que vinha sendo explicitado, dispondo tal normativo o seguinte, sob a epígrafe “Pagamentos de pensões no âmbito do Ministério da Saúde”:
“1 - As responsabilidades com o pagamento de pensões relativas aos aposentados que tenham passado a subscritores nos termos do Decreto-Lei n.° 301/79, de 18 de agosto, são suportadas pelas verbas da alienação dos imóveis do Estado afetos ao Ministério da Saúde e das entidades integradas no SNS.
2 - Para efeitos do número anterior, cessa a aplicação do regime previsto no n.° 2 do Artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 301/79, de 18 de agosto, regulamentado pela Portaria n.° 513/80, de 12 de Agosto.
3 - Para efeitos dos números anteriores, cabe à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde proceder aos pagamentos à CGA, I. P, que forem devidos na medida das receitas obtidas nos termos do n.° 1”
Significa isto que, com a entrada em vigor da Lei n.° 55-A/2010, cessou a aplicação do regime do n.° 2 do artigo 3.° do DL n.° 301/79, que estabelecia a repartição dos encargos com o pagamento das pensões dos trabalhadores contemplados no n.° 1 do seu artigo 2.° entre a Caixa Geral de Aposentações e os serviços, como é o caso do A., passando a responsabilidade pelo pagamento das pensões de aposentação e sobrevivência a ser suportadas pelo Ministério da Saúde, “na medida das receitas obtidas nos termos do n.° 1”, que como vimos estabelece que as receitas alocadas a estes pagamentos serão aquelas que provenham da alienação de imóveis do Estado afetos ao Ministério da Saúde.
Bem assim, pode também ler-se no artigo 191.° da Lei n.° 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2012, sob a epígrafe “Encargos específicos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde”, o seguinte:
“1 - As responsabilidades com o pagamento de pensões complementares previstas no Decreto-Lei n.° 141/79, de 22 de maio, relativas a aposentados que tenham passado a ser subscritores da Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), nos termos do Decreto-Lei n.° 301/79, de 18 de agosto, do Decreto-Lei n.° 124/79, de 10 de maio, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 210/79, de 12 de julho, e 121/2008, de 11 de julho, e do Decreto-Lei n.° 295/90, de 21 de setembro, passam a ser suportadas pela CGA, I. P.
2 - Para efeitos do número anterior, cessa, com efeitos a 1 de janeiro de 2011, a aplicação do regime previsto no n.° 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 301/79, de 18 de agosto, regulamentado pela Portaria n.° 513/80, de 12 agosto. (…)”
As disposições acima transcritas só vêm, pois, reforçar a extinção do regime previsto no n.° 2 do artigo 3.° do DL n.° 301/79, de comparticipação das pensões pelos serviços, passando as pensões de aposentação e sobrevivência dos trabalhadores contemplados no n.° 1 do artigo 2.° daquele diploma a ser suportadas, integralmente, pela Caixa Geral de Aposentações - sem comparticipação dos serviços ou do Ministério da Saúde.
Ora, do regime legal que vimos expondo resulta, sem margem para dúvidas, que a partir de 1 de janeiro de 2011, por força da norma do artigo 159.° da Lei n.° 55-A/2010, se extinguiu a obrigação de comparticipação das pensões de sobrevivência e aposentação dos trabalhadores contemplados no n.° 1 do artigo 2.° do DL n.° 301/79 por parte do A., passando essa comparticipação a ser efetuada pelo Ministério da Saúde nos termos definidos no n.° 1 do já referido artigo 159.°.
Significa isto que, conforme bem refere o A., os pagamentos efetuados a título de comparticipação com encargos de pensões foram-no indevidamente, nos termos do regime legal que vimos ser aplicável.
Dispõe o seguinte o artigo 473.° do Código Civil, acerca do princípio geral do enriquecimento sem causa:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. ”
A propósito dos requisitos necessários à verificação de uma situação de enriquecimento sem causa escreveu já o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão prolatado em 24.03.2017, o que de seguida parcialmente transcrevemos (cf. Proc. n.° 1769/12.5TBCTX.E1.S1):
"A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia, pressupõe, como resulta do artigo 473°, n° 1, do Cód. Civil, a verificação simultânea de três requisitos: a existência de um enriquecimento; obtenção deste à custa de outrem; e falta de causa justificativa dessa valorização patrimonial.
O enriquecimento representa uma vantagem ou benefício, de carácter patrimonial e suscetível de avaliação pecuniária, produzido na esfera jurídica da pessoa obrigada à restituição e traduz-se numa melhoria da sua situação patrimonial, «encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objetivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efetiva (real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)».
A vantagem patrimonial obtida por alguém tem como contrapartida, em regra, uma perda ou empobrecimento efetivo de outrem, ou seja, ao enriquecimento de um corresponde o empobrecimento de outro, existindo entre esses dois efeitos uma «correlação, no sentido de que o facto ou factos que geram um geram também o outro. Numa palavra, enquanto o património de um valoriza, aumenta ou deixa de diminuir, com o outro dá-se o inverso: desvaloriza, diminui ou deixa de aumentar».
Essa deslocação patrimonial, quando realizada, sem causa justificativa, obriga à restituição que tem por objeto o que for, indevidamente, recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (artigo 473°, n.° 2, do Cód. Civil). Prevêem-se aí, numa enumeração exemplificativa destinada a dar uma linha de rumo interpretativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto).
A noção de falta de causa do enriquecimento é, contudo, muito controvertida e difícil de definir, inexistindo uma fórmula unitária que sirva de critério para a determinação exaustiva das hipóteses em que o enriquecimento deve considerar-se privado de justa causa. Perante tais dificuldades, há que saber, em cada caso concreto, «se o ordenamento jurídico considera ou não justificado o enriquecimento e se portanto acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve» ou, então, se «o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, ou se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”.
Pode, assim, dizer-se que «o enriquecimento carece de causa, quando o Direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a realizada deslocação patrimonial», hipótese em que a lei «obriga a restabelecer o equilíbrio patrimonial por ele rompido, por não desejar que essa vantagem perdure, constituindo o accipiens no dever de restituir o recebido».
Deste modo, operando-se deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, e se esse fim falta, a obrigação daí resultante fica sem causa. ”
Revertendo ao caso concreto, é inegável que houve, da parte da Ré, um enriquecimento, enquanto vantagem de caráter patrimonial, uma vez que recebeu do A. as quantias acima indicadas, conforme documentalmente se encontra comprovado. Bem assim, verificou-se também o enriquecimento da Ré à custa do A., que assim se viu privado das quantias que indevidamente pagou à Ré, verificando-se a necessária correlação a que se refere a jurisprudência acima transcrita - “enquanto o património de um valoriza, aumenta ou deixa de diminuir, com o outro dá-se o inverso: desvaloriza, diminui ou deixa de aumentar”.
No que à falta de causa do enriquecimento diz respeito, afigura-se que, neste caso, ela resulta diretamente da lei, uma vez que, de acordo com o regime legal que acima melhor se encontra explicitado, o A. deixou de ter qualquer obrigação de pagamento de comparticipações com encargos de pensões a partir de 1 de janeiro de 2011, tendo a Ré continuado a receber tais prestações, assim enriquecendo à custa do A. sem que existisse qualquer base legal que o permitisse.
Deste modo, verificando-se os requisitos constantes do artigo 473.° do Código Civil, igualmente se verifica a situação de enriquecimento sem causa que é identificada pelo A., havendo que julgar a presente ação totalmente procedente, com a consequente condenação da Ré à restituição do que indevidamente recebeu, no valor total de €436.746,81, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a data da citação até efetiva e integral restituição.
Com efeito, sem prejuízo de o A. requerer o cálculo dos juros desde a data em que as prestações foram recebidas, a verdade é que não alega que tenha extrajudicialmente interpelado a Ré para cumprir, nem a situação concreta se enquadra nas alíneas do n.° 2 do artigo 805.° do Código Civil, pelo que haverá que contabilizar os juros moratórios devidos apenas desde a data da citação, nos termos do disposto no n.° 1 deste mesmo preceito legal.
No que às relações entre a Ré e o Interveniente concerne, verifica-se que apenas se opõem à pretensão do A. por afirmarem que, no ano de 2011, não foi alienado qualquer imóvel do Estado afeto a Ministério da Saúde, não se vislumbrando como pode, deste facto, concluir-se que o A. tem a obrigação de continuar a comparticipar pensões nos termos de um regime que o legislador expressamente extinguiu.
Efetivamente, a norma do n.° 1 do artigo 159.° da Lei n.° 55-A/2010 não afirma, em momento algum, que as receitas provenientes das vendas destes imóveis tenham de ter sido obtidas no ano de 2011, podendo ter sido geradas em momento anterior ou posterior, pelo que não se compreende como esta alegação possa obstar à restituição, por parte da Caixa Geral de Aposentações, daquilo que indevidamente recebeu - ou, bem assim, ao pagamento por parte do Ministério da Saúde ao que seja devido à Ré nos termos definidos pelo já referido artigo 159.°.
De facto, o que dispõe o n.° 3 do artigo 159.° da Lei n.° 55-A/2010, relativamente à comparticipação “na medida” das receitas da alienação de imóveis do Estado, nada tem que ver com as relações entre A. e Ré, nem impede a extinção do regime de comparticipação que resultava do DL n.° 301/79, pelo que não desobriga a Ré de devolver o que indevidamente recebeu.”


Vejamos:
Nos termos do artigo 2°/1 do Decreto-lei n° 301/79, de 18 de Agosto, os trabalhadores das carreiras hospitalares que até à entrada em vigor deste diploma estavam inscritos na Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência, por força do artigo 58°/1 do Estatuto Hospitalar promulgado pelo Decreto-lei n° 48.357, de 27 de Abril de 1968, pôde optar entre a manutenção dessa inscrição e a sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações, Montepio dos Servidores do Estado e Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado.


Aqueles que optaram pela nova inscrição, ficaram abrangidos pelos estatutos de aposentação, de pensão de sobrevivência e de proteção na doença em vigor na função pública, sendo-lhes contado, para todos os efeitos, todo o tempo de serviço prestado nos hospitais - cfr. artigo 2°/2 do referido DL 301/79.


Correspondentemente, as pensões de aposentação e de sobrevivência relativas ao pessoal que optou pela nova inscrição passaram, assim, a ser calculadas e abonadas integralmente aos pensionistas pela Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado - cfr. artigo 3°/1 do mesmo DL 301/79.
Efetivamente, desde a entrada em vigor do Decreto-lei n° 301/79, de 18 de agosto, e respetiva regulamentação, o Ministério da Saúde assegurava os custos que a CGA suportava, nomeadamente, com pensões dos ex-funcionários.


Como se refere na Sentença Recorrida, a obrigação de comparticipação extinguiu-se em 1 de janeiro de 2011, com a entrada em vigor da Lei n° 55-A/2010 (Lei do Orçamento de Estado para 2011).


Assim, a obrigação de entrega pelo Centro Hospitalar à CGA de montantes pecuniários, a título de comparticipação nos custos que a CGA passou a suportar com o pagamento das pensões aos ex-funcionários identificados na matéria dada como provada, deixou de operar a partir de 2011, em função da inexistência de tal obrigação do ponto de vista legal e Orçamental.


Como decidido em 1ª Instância, estão, assim, reunidos os pressupostos para que opere a obrigação da CGA em restituir os montantes reclamados, o que esta, em bom rigor não contesta, embora alegue que não está em condições orçamentais de satisfazer tal obrigação, o que aqui irreleva


Com efeito, é incontornável que a CGA recebeu a título de comparticipação, valores relativos ao pagamento de pensões aos identificados ex-funcionários cujo valor se mostra quantificado em €436.746,81, o qual foi transferido do património do Centro Hospitalar para a CGA.


Inexiste pois qualquer relação ou obrigação legal que justifique a controvertida transferência pecuniária.


É, aliás, significativa a circunstância da CGA não questionar a factualidade dada como provada, antes se limitando surpreendentemente a afirmar que “...a devolução pela CGA das verbas recebidas em 2011, ao Hospital de Santo André, implicaria a devolução de igual importância à CGA, pela Secretaria Geral do Ministério da Saúde.”; e que a “restituição de quaisquer montantes teria sempre um impacto negativo no equilíbrio financeiro da CGA, já que não se encontram orçamentadas quaisquer importâncias para esse efeito” concluindo que se “afigura portanto que a resolução da situação referente aos encargos com pensões referentes a 2011 deverá ser resolvida no âmbito do Ministério da Saúde”.


O que é incontornável é que o artigo 159° n°s 1 e 2 da Lei n° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, revogou a obrigação de comparticipação do Centro Hospitalar nos custos que a CGA suportava com o pagamento das indicadas pensões.
Importa, em qualquer caso, evidenciar colateralmente que o Autor em 2011 tinha ainda a designação de Hospital de Santo André, EPE, sendo pois uma pessoa coletiva de direito público, com personalidade jurídica própria, não sendo, assim, um órgão da Administração, nem integrando a estrutura do Ministério da Saúde.


Finalmente, e quanto ao objeto do recurso, entende a CGA não se verificarem os pressupostos ínsitos no artigo 473° do Código Civil, em função do seguinte:
a. A devolução pela CGA ao CH das verbas deste recebidas, implicaria que a Secretaria Geral do Ministério da Saúde devolvesse àquele iguais importâncias.
b. A Secretaria Geral, ainda não entregou tais importâncias.
c. Sem tal compensação, a restituição ao CH teria sempre um impacto financeiro negativo na CGA, que não tem importâncias orçamentadas para o efeito.
d. O recebimento, pela CGA dos valores que lhe foram entregues em 2011 pelo CH destinou-os a suportar o pagamento de pensões de aposentação de pessoal que esteve ao serviço deste, não consubstanciando um benefício daquela.


O conjunto de afirmações feita pela CGA mostra-se falaciosa e fantasiosa


Efetivamente, as afirmações feitas em a) e b) em nada contribuem para a resolução da controvertida questão, pois que a pretensão do Centro Hospitalar, não pode ser condicionado por razões orçamentais que lhe são alheias.


Já a questão identificada em c) é igualmente alheia ao Centro Hospitalar, e não poderá condicionar nem o desfecho nem o sentido da decisão adotada ou a aqui adotar.


Finalmente a questão enunciada em d) não poderá igualmente condicionar o desfecho da presente Ação, pois que se é certo que a CGA gastou o dinheiro com o pagamento de pensões a ex-funcionários do Centro Hospitalar, o que é facto é que a origem dos montantes em causa não eram legalmente da responsabilidade do CH, em face do que não lhe cabia suportar os mesmos.


Efetivamente, a obrigação do pagamento das pensões, era da CGA, sendo que no período aqui em causa o Centro Hospitalar não tinha qualquer obrigação de comparticipação nos correspondentes custos, o que se mostra incontornável.


Assim, não merece censura a decisão recorrida, a qual fez uma correta aplicação do Direito aos factos dados como provados.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo, do presente Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.


Custas pela Recorrente/CGA


Lisboa, 9 de maio de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Maria Julieta França

Teresa Caiado