Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:423/11.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:01/23/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS
REPOSIÇÃO
PRESCRIÇÃO.
Sumário:I – Aos créditos resultantes de apoios financeiros atribuídos pelo IFAP, porque não têm a natureza de créditos tributários, não é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 48.º da LGT mas, antes, o prazo de prescrição previsto no art. 309.º do Cód. Civil.
II - A citação interrompe esse prazo, com a consequente inutilização de todo o tempo decorrido, e não se inicia o novo prazo de prescrição enquanto a execução fiscal instaurada para cobrança daquelas dívidas estiver pendente (cfr. arts. 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do CC).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

N..., LDª, nos autos melhor identificada, deduziu oposição à execução fiscal contra si instaurada pela Fazenda Pública (Serviço de Finanças de Vila Viçosa), por dívida respeitante a reembolso de subsídio concedido pelo IFAP no montante de 211.154,21 €.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por decisão de 02 de março de 2018, julgou totalmente improcedente a oposição.

Não concordando com a decisão, a Recorrente, interpôs recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«a) A Recorrente considera que, atenta a prova documental produzida (que seria complementada pela prova testemunhal requerida mas indeferida pelo tribunal a quo) ficou demonstrado e provado que não existiu qualquer incumprimento do Contrato, nem qualquer afetação de tais bens adquiridos a outros fins que não os do projeto submetido no âmbito do Contrato com o IFAP, tendo existido um investimento total e integral das ajudas no prosseguimento do Contrato;

b) Para mais, estes factos foram provados pela Recorrente na PI e ainda em sede de alegações, sucedendo porém que o Tribunal a quo sobre eles não se pronunciou.

c) Nestes termos, verifica-se a omissão de pronúncia determinante de nulidade da sentença nos termos do art. 615º nº 1 d) CPC ex vi art. 2º CPPT o que deve ser declarado com todas as consequências legais.

d) Uma vez que a Recorrente só foi notificada da liquidação com a citação para oposição, a 3 de novembro de 2011, e que decisão de rescisão unilateral não só não continha a certidão de dívida como não continha qualquer indicação dos meios de reação ao dispor do afetado, a oposição à execução com fundamento na ilegalidade da dívida tem de ser considerada admissível ao abrigo da alínea i) do art. 204º CPPT.

e) A restituição do subsídio atribuído pelo IFAP, feito através de um contrato celebrado com a Recorrente, não constitui um tributo nem uma coima ou sanção pelo que não se enquadra no âmbito da norma contida no artigo 148º n.º 1 do CPPT.

f) Também não constitui uma dívida ao Estado ou a outras pessoas coletivas de direito público que deva ser paga por força de ato administrativo uma vez que não existe nenhum ato administrativo que determine a restituição do subsídio pela Recorrente.

g) Na verdade, a possibilidade de o IFAP determinar a restituição do subsídio resulta de o artigo 7º do DL n.º 150/94 prever que, em caso de incumprimento pelos beneficiários, o instituto possa rescindir unilateralmente os contratos e nesse caso o artigo 10º prevê que constituem títulos executivos as certidões de dívida emitidas pelo IFAP ou pela entidade que contrate em nome do Estado, ou seja, resulta da lei e não de qualquer ato administrativo.

h) Na verdade, o ato de rescisão não comporta qualquer estatuição autoritária mas, pelo contrário, traduz um direito potestativo de génese legal (vide artigos 7º e 10º do DL n.º 150/94), pelo que tem de classificar-se o contrato entre o IFAP e a Recorrente como sendo um contrato de direito privado, cuja execução se rege pelas regras gerais, o que implica que a respetiva execução se faça junto dos tribunais comuns e não em sede de execução fiscal.

i) Em suma, as dívidas ao IFAP decorrentes do alegado incumprimento do contrato de atribuição de subsídios não podem ser cobradas coercivamente em sede de execução fiscal por extravasarem o âmbito de aplicação objetivo previsto no artigo 148º do CPPT.

j) Acresce que o Tribunal a quo se limita a invocar que a conclusão a que chega (da aparente natureza pública da relação contratual em causa) é “por demais evidente”, sem apresentar qualquer fundamento que a sustente.

k) A sentença recorrida viola, por isso, de forma manifesta e crassa o disposto no artigo 205º n.º 1 da CRP, que determina que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, pelo que deve ser declarada nula nos termos do artigo 615º n.º 1, al. b) do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.

l) Ora, se se considerar o contrato em causa como de direito público, não podem deixar de se considerar os objetivos inerentes ao contrato celebrado como objetivos de interesse público.

m) Com efeito, a não oposição, de boa fé, por parte da Recorrente, à transmissão, também ela de boa fé, do imóvel em causa nos autos pela P... (recorde-se que o imóvel não era sequer propriedade da Recorrente), em nada atentou aos interesses públicos que deram causa à celebração do contrato com o IFAP, estando a restituição requerida por este em clara violação dos valores constitucionais vertidos no princípio da proporcionalidade.

n) Note-se que o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 14 de abril de 2016 (Processo 01492/15), veio já reconhecer a aplicação do princípio da proporcionalidade às situações de reposição de ajudas comunitárias.

o) A pessoa responsável pela idealização, delineamento e execução do projeto objeto do contrato, assim como a condução da exploração agrícola, era o Senhor Eng.º D... , marido da atual responsável pela sociedade Recorrente que faleceu num trágico acidente de viação em 2005, tendo este acontecimento afetado significativamente a viabilidade da exploração agrícola por parte da Recorrente, tendo sido substituído pela sua mulher, a Dra. L... tinha pouca experiência na gestão agrícola, não possuía os conhecimentos necessários que a condução do negócio exigia, nem estava por dentro de toda a atividade da sociedade Recorrente e desconhecia a eventual necessidade de obter a prévia autorização, formal, do IFAP para a alienação de um imóvel que nem sequer era propriedade da Recorrente (cfr. Documento n.º 2 da PI).

p) Assim, considerando que (i) a totalidade do investimento continuou afeta aos fins do contrato e que (ii) a Recorrente nunca atuou de má fé no decorrer da relação contratual, será manifestamente desproporcionada a exigência da devolução daquelas verbas.

q) Pelo exposto, a exigência da devolução das verbas controvertidas é manifestamente ilegal, inconstitucional e contrária ao Direito da União Europeia, por violação dos princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, devendo o presente processo de execução fiscal ser anulado com todas as consequências legais (cfr. artigos 2.º e 266.º, n.º 1 da CRP e artigos 4.º e 5.º, n.º 2 do CPA).

r) Mesmo que não se entenda pela impropriedade do meio de execução utilizado sempre terá de se ter por verificada a prescrição da alegada dívida em causa nos autos.

s) Assim, e tal como reconhece o Tribunal a quo, o prazo de prescrição da alegada dívida aqui em cobrança coerciva é de 4 anos nos termos conjugados do artigo 3º do Regulamento n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro de 1995 e da jurisprudência do TJUE proferida no processo C-201/10 e C-202/10.

t) Ainda que se considerasse ter havido uma “irregularidade” nos termos do Regulamento, não tendo havido interrupção do prazo de prescrição previsto no artigo 3º, esta teve lugar no dia 8 de junho de 2011.

u) A missiva endereçada à Recorrente a 09.10.2010 não tinha “em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade.” constituindo mera declaração contratual dando notícia da decisão de rescisão do contrato pelo IFAP.

v) Deste modo, não ocorreu qualquer interrupção do prazo de prescrição, tendo esta ocorrido no dia 8 de junho de 2011.

w) De facto, a Recorrente só foi citada em 3 de novembro de 2011 pelo que não se verificou nenhuma causa de interrupção ou de suspensão prévia ao completar do prazo de prescrição de 4 anos.

x) Está, pois, verificada a prescrição da dívida em cobrança coerciva no presente processo de execução, o que deve ser declarado para todos os efeitos, nomeadamente a extinção do processo de execução fiscal contra a Recorrente.

y) Note-se, ademais, que embora da leitura da Sentença recorrida pareça o Tribunal a quo deduzir da afirmação de que “decorre do probatório que a decisão de reposição do apoio concedido foi notificada à sociedade Oponente, de forma válida e inequívoca, perante a assinatura de aviso de recepção da missiva endereçada por via postal registada, em 09/10/2010” a interrupção do prazo de prescrição de 4 anos, essa dedução não é expressa e muito menos fundamentada.

z) Por esse motivo padece a sentença recorrida de manifesta falta de fundamentação nos termos da lei e da Constituição e como tal é nula nos termos do artigo 615º n.º 1, al. b) do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, sendo extinta a execução, assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça!»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« De acordo o princípio da livre apreciação do julgador dá-se como assente a seguinte factualidade:

A) Foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Viçosa, contra a ora Oponente, o processo de execução fiscal nº 0990201101008692;

B) Tal processo tinha subjacente certidão de dívida remetida àquele SF, em 27/09/2011, pelo IFAP, IP, extraída do processo nº 05803/2009, consistente em decisão de devolução de ajudas indevidamente recebidas, com o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”

C) A sociedade Oponente tem a sua sede na Praça da República nº 4, em Vila Viçosa;

D) A Oponente candidatou-se com projecto de investimento ao Programa AGRO Med. 1 – nº 2004.63.001089.2 – Prevenção e Restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola;

E) Em 03/09/2004 foi celebrado contrato de atribuição de ajuda ao abrigo de tal programa;

F) Das condições gerais deste contrato consta o seguinte:

- Cláusula A – a forma como se processa o pagamento das ajudas bem como os documentos comprovativos da aplicação do fundo;

- Cláusula B – as obrigações do beneficiário;

- Cláusula C – informação e fiscalização.

G) No âmbito de uma acção de controlo físico, que teve lugar em 10/09/2008, foram detetadas irregularidades na execução do projecto;

H) Na sequência de tal controle foi elaborado Relatório de Acompanhamento com o nº 93/2008, onde foi consignado ter sido apurado que foi alienado o património fundiário subjacente à implantação do projecto e que se não verificava a manutenção dos compromissos decorrentes do contrato;

I) Perante a detecção da irregularidade a sociedade Oponente foi notificada, por ofício endereçado para a sua sede, da intenção do IFAP de determinar a devolução das ajudas indevidamente recebidas, então no montante de 432.646,73 €;

J) Em resposta a tal ofício apresentou a Oponente requerimento em 16/02/2009;

L) Em 20/05/2009 foi proferido despacho pelo Gestor do Programa Agro que concluiu que o projecto se encontrava em situação irregular, devendo a sociedade proceder à devolução do montante antes citado;

M) Em 10/03/2010 foi expedido ofício para a sede da sociedade Oponente comunicando a esta a rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajudas, em conformidade com o disposto nos arts. 11º e 12º do Decreto-Lei nº 163-A/2000, de 27/07, bem como a devida reposição voluntária da quantia em dívida, no montante de 185.253,26 €;

N) Esta decisão não foi impugnada graciosa ou contenciosamente;

O) Do mesmo modo a sociedade ora Oponente não procedeu à reposição da quantia mencionada;

P) Nessa sequência o IFAP notificou novamente a sociedade, através de ofício com a referência 026611/2010 quanto à decisão mencionada em M);

Q) Esta notificação foi endereçada para a sede da sociedade e foi recebida em 09/10/2010;

R) Em sequência foi emitida a certidão referida em B);

S) Uma vez citada para a execução veio a sociedade apresentar a presente Oposição.

5.1.

Os factos considerados decorrem dos documentos constantes dos autos os quais não foram impugnados pelas partes.»


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Mais se consignou na sentença recorrida:

Factos não provados

«Inexistem.»


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Ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, altera-se a redacção do facto constante da alínea S), que passará a ser a seguinte:

S) A Oponente foi citada em 3 de Novembro de 2011, no âmbito do PEF nº 0990.2011/01008692 – Cfr. documentos a fls. 82 e 83 do PEF, apenso, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos.

Do pretendido aditamento ao probatório

A Recorrente, no âmbito do recurso interposto da sentença recorrida, pretende ver aditados ao probatório os factos identificados no ponto II das alegações recursivas. Afirma que a respectiva prova decorre da documentação junta aos autos.

Decorre do preceituado no artigo 640º do CPC que incide sobre o recorrente o ónus de indicar os concretos meios probatórios (alínea b) do nº1), constantes dos autos, em que fundamenta a pretendida alteração ao probatório.

Ora, a verdade é que a alegação da Recorrente é genérica, não indicando, em concreto, quais os documentos que permitem tal asserção, o que invalida a procedência da sua pretensão.

Por outro lado, sempre se dirá que a factualidade pretendida aditar se prende com a execução do contrato em causa e que se traduz na apreciação da legalidade da dívida exequenda, a qual, salvo raras excepções, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do preceituado no artigo 204º do CPPT.

Isto significa que tal factualidade não se revelaria nenhum interesse para a economia dos autos, pelo que o seu aditamento, tivesse sido cumprido o ónus de alegação, resultaria em uma diligência inútil.

Improcede, por tais razões, o pretendido aditamento ao probatório.

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Cumpre, antes de mais, apreciar e decidir o recurso interposto para o STA do despacho interlocutório proferido em 28/06/2016, que indeferiu a produção de prova testemunhal, o qual foi admitido com subida a final.

Não obstante o referido recurso ter sido dirigido ao STA, tal circunstância não impede que conheçamos do mesmo, na linha do entendimento jurisprudencial no sentido de que o recurso do despacho interlocutório que indefere a inquirição de testemunhas constitui uma decisão sobre a realização de diligências de prova, sobre a pertinência e a utilidade daquela diligência de prova para a descoberta da verdade. Situa-se no âmbito da função jurisdicional destinada à fixação da matéria de facto, consubstanciando uma actividade que não tem a ver com a interpretação de qualquer norma legal, mas que exige apenas a aplicação de regras da experiência e poderes de cognição no domínio da matéria de facto – Vide Acórdão do TCAN de 11/10/2016, proferido no âmbito do processo nº 299/13, que cita o Acórdão do STA de 12/02/2015, proferido no âmbito do processo nº 1090/12, na mesma linha, e que conclui ser a competência para conhecer de tal recurso do TCA.

Assim sendo, prossigamos.

A Recorrente não se conforma com a decisão de indeferimento da produção de prova testemunhal, invocando, em síntese, que a discussão em causa nos presentes autos prende-se com a ilegalidade da dívida em execução que teve origem num alegado incumprimento do Contrato entre o IFAP e a N... (Contrato de atribuição de Ajuda, ao abrigo do Programa AGRO – Medida 1 – Prevenção e Restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola).

Alega que a produção de prova testemunhal desempenhará um papel fundamental no presente processo porque a solução jurídica dependerá da prova que for feita. Na verdade, existem questões a decidir nos presentes autos que são fácticas, isto é, saber se os fins do projecto foram efectivamente prosseguidos pela sociedade no âmbito do cumprimento das obrigações do Contrato entre o IFAP e a Nora Uvda, nomeadamente a conversão do sequeiro em regadio e condições do regadio (…). Importa ainda provar que, não obstante a alienação, os objectivos do contrato continuaram a ser prosseguidos pelos novos proprietários da exploração agrícola, e que o facto de ter existido um aumento da área de exploração agrícola, e que o facto de ter existido um aumento da área de exploração agrícola destinada ao olival, tal não invalida o cumprimento de tais objectivos.

Com a prova testemunhal a Recorrente pretende demonstrar que não existiu qualquer incumprimento do Contrato por parte da Oponente, nem qualquer afectação de tais bens adquiridos a outros fins que não os do projecto submetido no âmbito do Contrato com o IFAP, tendo existido um investimento total e integral das ajudas no prosseguimento do Contrato.

Conclui a Recorrente que a dispensa da prova testemunhal implica a violação do artigo 20º da CRP.

A Recorrida contra-alegou dizendo que não assiste razão à Recorrente, em virtude de os fundamentos de oposição à execução fiscal, taxativamente elencados no artigo 204º do CPPT, não incluírem a ilegalidade em concreto da dívida exequenda, pelo que entende que nenhuma censura merece o despacho recorrido.

Vejamos.

Atentemos no teor do despacho ora recorrido:

“(…) Melhor compulsados os autos , atento vertido nos articulados das partes, incluindo a matéria de excepção aduzida, e a conformação da matéria de facto com as soluções possíveis de direito, considera-se que o processo fornece os elementos necessários ao conhecimento do pedido, sendo de indeferir a produção de prova testemunhal.

Termos em que se indefere a produção de prova testemunhal requerida pela Oponente (artigos 13º e 114º do CPPT).

Notifique. (…)”

Adiante-se que não tem razão a Recorrente.

Os fundamentos de oposição à execução fiscal encontram-se taxativamente elencados no artigo 204º do CPPT, sendo que a legalidade da dívida exequenda só em circunstâncias excepcionais pode ser apreciada nesta sede.

Ora, como bem refere a Recorrida, e resulta da factualidade assente (alíneas M) e N)), o acto administrativo que determinou a reposição das quantias foi notificado à Recorrente e esta não reagiu contra o mesmo. Não o tendo feito, por opção sua, não pode, em sede de oposição, pretender colocar em causa a legalidade da dívida exequenda, por não ser a sede própria para o efeito.

Uma vez que a matéria de facto sobre a qual a Recorrente pretendia a inquirição das testemunhas arroladas se prende, como vimos, com a legalidade da dívida exequenda (concretamente, com a forma como terá sido executado o contrato celebrado entre esta e o IFAP) que, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, não se vislumbra qualquer utilidade na realização daquela diligência de prova.

O que nos leva a concluir que bem andou o despacho recorrido, razão para considerar improcedente a alegação recursiva e negar provimento ao recurso do despacho interlocutório.


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Do recurso da sentença

· Nulidade por omissão de pronúncia

A Recorrente entende que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, invocando, em abono da sua tese o seguinte:

A Recorrente considera que, atenta a prova documental produzida (que seria complementada pela prova testemunhal requerida mas indeferida pelo tribunal a quo) ficou demonstrado e provado que não existiu qualquer incumprimento do Contrato, nem qualquer afectação de tais bens adquiridos a outros fins que não os do projecto submetido no âmbito do Contrato com o IFAP, tendo existido um investimento total e integral das ajudas no prosseguimento do Contrato;

Para mais, estes factos foram provados pela Recorrente na PI e ainda em sede de alegações, sucedendo porém que o Tribunal a quo sobre eles não se pronunciou.

Nestes termos, verifica-se a omissão de pronúncia determinante de nulidade da sentença nos termos do art. 615º nº 1 d) CPC ex vi art. 2º CPPT o que deve ser declarado com todas as consequências legais.

Adiante-se que não tem razão a Recorrente.

A sentença recorrida não deixou de se pronunciar sobre as questões em causa, simplesmente, entendeu que, por se tratar de matéria relativa à legalidade da dívida exequenda, deveria ter a Recorrente lançado mão dos meios adequados à sua apreciação, o que não aconteceu, pelo que concluiu ter sido a inacção daquela que motivou a constituição de um acto definitivo e executório.

Ora, inexiste qualquer omissão de pronúncia. Pode a Recorrente não concordar com o decidido, mas tal será questão que poderá ser abordada como erro de julgamento, já não como nulidade por omissão de pronúncia, pelo que improcede a respectiva arguição.

· Nulidade por deficiente fundamentação

A ora Recorrente entende que a sentença é nula por deficiente fundamentação já que, no que diz respeito à questão da possibilidade de cobrança das dívidas ao IFAP por meio de execução fiscal, se limita a invocar a conclusão a que chega, sem apresentar fundamentos que a sustentem. O mesmo vício vem invocado no que se refere à parte da sentença respeitante à apreciação da questão da prescrição.

Comecemos por dizer que, nos termos do preceituado no nº1 do artigo 125º do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Acresce que, também resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT que é nula a sentença quando o juiz “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Ora, a nulidade contemplada nesse preceito ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisão de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento.

Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

Constitui jurisprudência pacifica e reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, sufragada, entre outros, nos acórdãos de 9.10.2019, Procº nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15.5.2019, Procº nº 835/15.0T8LRA.C3.S1 e 2.6.2016, Procº nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1, que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente” – cfr. Acórdão do STJ de 3.03.2021, proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1.


Nesta senda, o Juiz deve externar quais as razões que o levaram a decidir em determinado sentido e não noutro, verificando-se nulidade da decisão quando a sentença não encerra em si qualquer fundamentação, não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente.

Regressando ao caso dos autos, entendemos que a sentença recorrida não padece de deficiente fundamentação, na medida em que ali se explicaram as razões para se considerar ser a execução fiscal o meio adequado à cobrança das dívidas exequendas. Por outro lado, também no que se refere à prescrição a sentença referiu as razões pelas quais entendeu não se verificar aquela.

A circunstância de a sentença, eventualmente, não ser totalmente clara na exposição efectuada, face ao supra dito, não acarreta a sua nulidade, antes podendo consubstanciar um erro de julgamento.

Assim, concluímos que a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe vem assacada.

Prossigamos.

Da violação do âmbito da execução fiscal

A sentença recorrida entendeu não se verificar qualquer violação do âmbito da execução fiscal, questão que tinha sido invocada pela então Oponente.

Para tanto, considerou o seguinte:

“(…) Sustentou a sociedade Oponente a incompetência em razão da matéria, no entendimento de que a natureza da dívida exequenda não cabe na alçada dos Serviços de Finanças para efeitos de cobrança coerciva e a apreciação das questões dela emergentes relativas ao foro privado, alegando que em nenhum momento entre as partes foi pretendido outro foro que não esse.

A competência em razão da matéria para a execução fiscal decorre do plasmado no art. 162º do CPPT onde se referem os tipos de títulos executivos que podem estar valida e legalmente na origem de uma execução fiscal. Atente-se na alínea d) de tal preceito que menciona os títulos em que lei especial lhes atribui força executiva.

Ora, decorre dos então vigentes art. 28º do Decreto-Lei nº 78/98, de 27/03, aplicável por força do disposto no art. 5º do Decreto-Lei nº 250/02, de 21/11, que “Os créditos devidos ao INGA estão sujeitos a cobrança coerciva, da competência dos tribunais tributários”.

Analisando, pois, conjuntamente tais disposições conclui-se que o IFAP / INGA estava legitimado a remeter a certidão da documentação constitutiva de título executivo, porque traduz a existência de um crédito do Estado, ao Serviço de Finanças para efeitos de promoção da cobrança coerciva tal como ocorreu.

Por sua vez, o Serviço de Finanças estava legitimado à instauração do processo de execução fiscal tendo em conta a natureza da dívida pelo comando ínsito na alínea b) do nº 2 do art. 148º do CPPT.

Ademais do exposto somente seria competente para julgar qualquer incidente decorrente de tal processo de execução fiscal o Tribunal Tributário ou Fiscal que funciona conjuntamente com o Tribunal Administrativo.

Em consequência do exposto, improcede a excepção de incompetência pois a competência decorre directamente da lei, laborando em grosseiro lapso a Oponente quando se refere à natureza privada da questão em apreço pois que celebrando, como celebrou, com entidade público contrato de atribuição de ajudas públicas e comunitárias é por demais evidente a natureza pública conferida a tal relação jurídica. (…)”

Esta matéria foi já tratada no Acórdão deste TCAS de 14/03/2019, proferido no âmbito do processo nº 705/12.3BELLE, no qual foram apreciadas questões semelhantes às ora colocadas nos presentes autos, que vamos seguir de perto, e do qual se extrai o seguinte:

“(…) A questão aqui em reapreciação tem sido reiterada e uniformemente decidida pelo STA, em termos que aqui também se acolhem e dos quais o TAF de Loulé não se afastou.

Sendo inúmeros os acórdãos daquele Tribunal Superior, convocamos e transcrevemos o teor do acórdão proferido em 06/03/14, no processo nº 01804/13, cuja fundamentação é inteiramente aplicável ao caso sub judice. Em tal aresto se escreveu o seguinte:

“(…) A questão que se levanta nos presentes autos é a de saber se os Serviços de Finanças (no caso o Serviço de Finanças de Paredes), têm competência para cobrança coerciva de dívidas ao IFAP, resultantes de incumprimento de contratos de atribuição de ajudas financeiras, através de processo de execução fiscal, no âmbito do Decreto-Lei nº 163-A/2000, de 27 de Julho, ou se, nos termos do artº 16º deste diploma, a competência pertence ao foro cível da Comarca de Lisboa.

O TAF de Penafiel entendeu que a competência acima referida pertence ao Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, na consideração de que a dívida exequenda decorre do incumprimento dum contrato celebrado ao abrigo do Decreto-Lei nº 163-A/2000, e nos termos do seu artº 16º o foro competente é o Tribunal Cível de Lisboa, acrescenta ainda que a jurisprudência invocada pelo IFAP não deve ser tida em conta, pois esta não se referia a execuções fiscais instauradas no âmbito do Decreto-Lei nº 163-A/2000.

Por outro lado o ora recorrente IFAP, bem como o EMMP neste Supremo Tribunal entendem que no caso sub judice o órgão de execução fiscal é o Serviço de Finanças de Paredes e não o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, por considerarem que a norma contida no citado artº 16º está ferida de inconstitucionalidade.

Vejamos.

O Ora relator interveio como 1º adjunto no Ac. tirado no recurso nº 0279/13 em 22/05/2013 que espelha jurisprudência que se mantém actual e onde se escreveu:

«Conforme se salientou no Acórdão deste STA, de 20.06.2012 - Processo nº 0324/12, esta questão tem sido objeto de jurisprudência consolidada da secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo a qual se vem pronunciando, de forma constante no sentido de que os serviços de finanças têm competência para a cobrança coerciva de dívidas ao ex-IFADAP, resultantes de incumprimento de contratos de atribuição de ajudas financeiras, mediante processo de execução fiscal - vão neste sentido os acórdãos de 26/08/09, recurso 609/09, de 23/09/09, recurso 650/09, de 13/05/2009, recurso n.º 187/09, de 25/06/2009, recurso n.º 416/09, de 03.03.2010, recurso 21/10, de 04.05.2011, recurso 202/11 e de 11.05.2012, recurso 139/11.

Em defesa deste entendimento, escreveu-se no mesmo aresto o seguinte, reproduzindo, aliás, doutrina do anterior Acórdão de 04.05.2011 - Processo nº 202/11: «O IFADAP é um instituto de direito público, dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira e património próprio, que se rege pelo disposto no seu Estatuto e, subsidiariamente, pelas normas aplicáveis às empresas públicas, e que tem como atribuições a promoção do desenvolvimento da agricultura e das pescas, bem como do setor agroindustrial, em especial através de esquemas de financiamento, direto ou indireto, às referidas atividades, competindo-lhe assegurar o funcionamento dos sistemas de apoio e de ajudas comunitárias e nacionais aos setores da agricultura e das pescas (artigos 1.º, 3.º e 5.º do DL 414/93, de 23/12).

Sobre os contratos de atribuição de ajudas celebrados pelo IFADAP no âmbito das suas atribuições, se pronunciou já o Tribunal Constitucional, em acórdão de 23/3/2007, no recurso n.º 859/03, onde se afirma, designadamente, que “(...) seja qual for o critério que se adote para a qualificação dos contratos como administrativos, há que concluir, face ao regime legal aplicável e ao clausulado concretamente estabelecido, que reveste essa natureza o contrato celebrado entre o recorrente e o IFADAP. Trata-se de um acordo de vontades em que uma das partes é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1.º dos Estatutos do IFADAP, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 414/93, de 23 de dezembro), a quem são conferidos poderes de direito administrativo, entre os quais a competência para emitir atos administrativos e celebrar contratos administrativos como meio de prosseguir as suas atribuições, que consistem na promoção do desenvolvimento da agricultura e das pescas, bem como do setor agroindustrial, em especial através de esquemas de financiamento, direto ou indireto, às referidas atividades (artigo 5.º dos referidos Estatutos). Na situação específica em causa, trata-se de contrato celebrado no âmbito de gestão de fundos públicos, inserida na atividade mais ampla de fomento de determinados interesses públicos, designadamente através da atribuição de ajudas pelo IFADAP aos particulares (no caso, ao ora recorrente), para que estes invistam nessas mesmas estruturas.

Acresce que, no âmbito da regulamentação legal e convencional do contrato, são consagradas cláusulas exorbitantes, inadmissíveis num contrato de direito privado (isto é, de cláusulas apenas concebíveis numa relação jurídica em que pelo menos uma das partes é a Administração intervindo nessa qualidade), como a atribuição ao IFADAP de poderes de acompanhamento, fiscalização e controlo de programas e projetos apoiados por ajudas nacionais ou comunitárias (artigo 5.º, n.º 2, alínea e), dos Estatutos) ou do poder de unilateralmente rescindir ou modificar o contrato no caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações (...). (…) deparamos nesta hipótese com a determinação autoritária do pagamento de determinada quantia em consequência do exercício de um poder sancionatório. Na verdade, a atribuição de um poder com tal conteúdo à Administração constitui um fator determinante para a conclusão pela administratividade dos contratos em causa: trata-se manifestamente de um poder outorgado à entidade administrativa, exorbitante do direito privado e que releva da respetiva supremacia jurídico-pública. Na relação constituída, o contraente público detém o poder de praticar atos administrativos no âmbito da execução do contrato que celebrou com o particular, o que não sucederia se estivéssemos no horizonte de um contrato de direito privado.». O citado acórdão do TC julgou organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea q) da CRP [atual alínea p)], a norma constante do artigo 53.º, n.º 2 do DL 81/91, de 19/2, que determina a competência dos tribunais civis para as execuções instauradas pelo IFADAP em virtude do não cumprimento pelos particulares dos respetivos contratos de atribuição de ajudas.

Por outro lado, o ato de rescisão do contrato por incumprimento das obrigações assumidas tem a natureza de ato administrativo, na medida em que traduz uma estatuição autoritária do IFADAP fundada no regime jurídico aplicável (artigos 52.º do DL 81/91, de 19/2, e 120.º do CPA e acórdãos da SCA do STA de 2/5/2000 e de 24/6/2004, nos recursos 45774 e 1229/03, respetivamente).

Acresce que, «nos casos e termos expressamente previstos na lei», podem ser cobradas mediante processo de execução fiscal, as dívidas ao Estado e «a outras pessoas coletivas de direito público que devam ser pagas por força de ato administrativo», de acordo com o que se estabelece na alínea a) do n.º 2 do artigo 148.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Isso significa que a admissibilidade da utilização do processo de execução fiscal depende necessariamente de lei expressa que tal preveja.

E o que é certo é que, relativamente a dívidas que devam ser pagas por força de ato administrativo, como as do IFADAP, o n.º 1 do artigo 155.º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que “quando por força de um ato administrativo devam ser pagas a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código de Processo Tributário”.

Ora, esta norma de caráter geral satisfaz a referida exigência de lei expressa, e, dessa forma, legitima a cobrança dos créditos do IFADAP, de reposição considerada indevidamente recebida, mediante o processo de execução fiscal - cf., por todos, neste sentido, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/5/2009, de 20/5/2009 e de 25/6/2009, proferidos nos recursos n.ºs 187/09, 427/09 e 416/09, onde se cita Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 5.ª edição, a fls. 23, anotação 5.ª ao artigo 148.º.

Daí que os serviços de finanças tenham, pois, competência para instaurar os processos de execução fiscal que visam a restituição de ajudas previamente decidida pelo IFADAP (atual IFAP, IP)».

Assim, e com a fundamentação supra transcrita, a que se adere, não há como negar a competência do SF de Olhão para a instauração da execução fiscal nº 1104……., com vista à cobrança coerciva da dívida ao IFAP IP (anterior IFADAP), proveniente de ajudas indevidamente recebidas no âmbito do Programa Operacional POAGRO.(…)”

Regressando aos autos, concluímos, como o Acórdão transcrito, que as dívidas a que respeitam a execução fiscal em causa nos autos podem ser cobradas mediante execução fiscal.

Nessa medida, improcede a argumentação da Recorrente.

Da prescrição

A Recorrente dissente do decidido relativamente à prescrição, já que considera verificada a prescrição da dívida exequenda, na medida em que não se verificou nenhuma causa de interrupção ou suspensão da contagem do respectivo prazo.

Para tanto, refere que sempre terá de se ter por verificada a prescrição da alegada dívida em causa nos autos.

Assim, e tal como reconhece o Tribunal a quo, o prazo de prescrição da alegada dívida aqui em cobrança coerciva é de 4 anos nos termos conjugados do artigo 3º do Regulamento n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro de 1995 e da jurisprudência do TJUE proferida no processo C-201/10 e C-202/10.

Ainda que se considerasse ter havido uma “irregularidade” nos termos do Regulamento, não tendo havido interrupção do prazo de prescrição previsto no artigo 3º, esta teve lugar no dia 8 de junho de 2011.

A missiva endereçada à Recorrente a 09.10.2010 não tinha “em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade.” constituindo mera declaração contratual dando notícia da decisão de rescisão do contrato pelo IFAP.

Deste modo, não ocorreu qualquer interrupção do prazo de prescrição, tendo esta ocorrido no dia 8 de junho de 2011.

De facto, a Recorrente só foi citada em 3 de novembro de 2011 pelo que não se verificou nenhuma causa de interrupção ou de suspensão prévia ao completar do prazo de prescrição de 4 anos.

Está, pois, verificada a prescrição da dívida em cobrança coerciva no presente processo de execução, o que deve ser declarado para todos os efeitos, nomeadamente a extinção do processo de execução fiscal contra a Recorrente.

Note-se, ademais, que embora da leitura da Sentença recorrida pareça o Tribunal a quo deduzir da afirmação de que “decorre do probatório que a decisão de reposição do apoio concedido foi notificada à sociedade Oponente, de forma válida e inequívoca, perante a assinatura de aviso de recepção da missiva endereçada por via postal registada, em 09/10/2010” a interrupção do prazo de prescrição de 4 anos, essa dedução não é expressa e muito menos fundamentada.

Atentemos no que, na sentença, se disse quanto a esta questão:

“(…) à dívida emergente daquela decisão é aplicável o prazo de prescrição previsto no referido nº 1 do artigo 3º do Regulamento 2988/95, porquanto se trata de norma jurídica directamente aplicável na ordem jurídica interna (veja-se o art. 8º, nº 3 da Constituição) e porque não existe no ordenamento jurídico nacional norma especificamente aplicável. Daí que se refute a tese do IFAP de afectação ao caso do prazo ordinário de prescrição das dívidas civis, tese esta, aliás já aplicada pela jurisprudência do STA que tem considerado aplicável às restituições de incentivos financeiros nacionais sem natureza tributária o prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no Código Civil mas com a qual se discorda, perfilhando-se aquela que vem sendo a mais recente a aprofundada – a este propósito veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 06/07/2016, proferido no processo nº 0734/16, publicado in www.dgsi.pt.

Retomando, haverá, pois, que aplicar à prescrição da obrigação de restituição das quantias indevidamente recebidas o prazo de prescrição de 4 anos previsto naquele artigo 3º, nº 1 do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995.

Tal preceito legal refere que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, interrompendo-se por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente, tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, correndo de novo a contar de cada interrupção.

Prosseguindo do seguinte modo: O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção. Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º.

Nos termos do nº 2 do art. 1º do Regulamento em apreço “Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das comunidades ou orçamentos geridos pelas comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobrados diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida“.

Acresce que no art. 4º, nº 1 é explicitado pelo legislador comunitário que “qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida, através da obrigação de (…) reembolsar os montantes indevidamente recebidos.”

Todavia, por aplicação ao caso do princípio de segurança jurídica, o reembolso da quantia paga indevidamente, não pode, em qualquer caso, exigir-se a todo o tempo, mas apenas até ao limite do prazo prescricional previsto.

Com efeito, refere o Regulamento, no já enunciado art. 3º, nº 1 que: “O prazo de prescrição do procedimento é quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº1 do art.º 1º”.

Reitere-se que não existe outra legislação geral ou sectorial, nacional ou comunitária que, sobre esta matéria, preveja ou fixe outro prazo.

Aliás, este tem sido o entendimento do Tribunal da Justiça da União Europeia – para onde aliás remete outra parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, veja-se, entre outros, os Acórdãos do STA de 09/04/2014 e 29/01/2014 - que tem considerado que, estando em causa “a obrigação de reembolsar montantes indevidamente recebidos”, o decurso do prazo de prescrição de quatro anos previsto no Regulamento 2988/95, extingue de forma definitiva o direito à respectiva reposição, a este respeito veja-se o Ac. TJUE de 29 de Janeiro de 2009.

Voltando ao caso dos autos decorre do probatório que a decisão de reposição do apoio concedido foi notificada à sociedade Oponente, de forma válida e inequívoca, perante a assinatura de aviso de recepção da missiva endereçada por via postal registada, em 09/10/2010.

Não pode colher a tese da Oponente de acordo com a qual deverá ser atendido ao facto que terá gerado a irregularidade. Essa não é a previsão da lei. Ao contrário, a norma é clara ao referir-se à interrupção de tal prazo sempre que ocorra uma comunicação ao devedor de qualquer acto instrutor do processo de reconhecimento da irregularidade. Porém, a norma também é, inequívoca em nosso entender, ao estabelecer como limite máximo para contabilização do prazo de prescrição a aplicação de sanção à irregularidade.

Assim, mostrando-se a irregularidade sancionada e comunicada a sanção de necessária reposição da quantia de ajuda atribuída indevidamente em 09/10/2010 – não se aplicando aqui outros eventuais factores de suspensão ou interrupção, porque desconhecidos nos autos - o prazo máximo admitido pelo Regulamento no seu art. 3º, nº 1, último parágrafo, de 8 anos não foi ainda alcançado.

Mostra-se, pois, não prescrita a dívida.(…)”

A matéria relativa à prescrição nesta matéria não é isenta de dúvidas, as quais têm vindo a ser esclarecidas pelo TJUE, no âmbito de pedidos de reenvio prejudiciais efectuados pelos Tribunais Nacionais.

No caso que nos ocupa ressalta a falta de clareza na identificação das questões, já que se aborda, como se da mesma situação se tratasse, quer a prescrição do procedimento que visa a reposição, como a prescrição das dívidas em execução fiscal.

Ora, sendo situações distintas, merecem que sejam tratadas com autonomia, o que nos propomos fazer.

Constata-se, pela leitura da sentença recorrida, que se confundem os dois planos supra abordados, já que tanto se refere o procedimento, como a dívida exequenda.

Uma vez que as soluções adoptadas jurisprudencialmente são diferentes consoante se trate de prescrição do procedimento ou de prescrição da dívida, apreciaremos separadamente cada uma delas, iniciando a nossa análise pela prescrição do procedimento.

Seguiremos de perto o Acórdão do STA de 18/05/2022, proferido no âmbito do processo nº 2502/21.6BEPRT, o qual se debruçou, detalhadamente, sobre as matérias aqui em apreciação.

Da prescrição do procedimento

Em causa nos presentes autos estão dívidas referentes a Ajudas indevidamente recebidas no âmbito do Programa Operacional AGRO, cujo reembolso foi requerido pelo IFAP, IP na sequência de Acção de Controlo de 1º Nível, na qual se apuraram situações de incumprimento da legislação aplicável à Medida 1 do Programa Operacional – cfr. Certidão de Dívida a que se refere a alínea B) do probatório.

Da leitura da p.i. ressalta que a ora Recorrente, muito embora parecer pretender que seja dada como verificada a prescrição da dívida exequenda, convoca argumentação que se prende com o modo de cálculo da prescrição do procedimento, nomeadamente, quando refere dever o prazo de prescrição contar-se a partir da data da prática da alegada irregularidade, ou seja, a alienação do imóvel afecto à exploração.

Por outro lado, a sentença recorrida revela imprecisões na definição da matéria da prescrição que tratou, se do procedimento ou da dívida.

Cumpre, pois, aferir, antes de mais, da possibilidade de discutir a prescrição do procedimento a que se refere o artigo 3º do Regulamento nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros da União Europeia em sede de oposição à execução fiscal.

Adiante-se que a jurisprudência mais recente do STA, acolhendo a interpretação da norma efectuada pelo TJUE, entende que a prescrição do procedimento não pode ser conhecida em sede de oposição à execução fiscal.

Acolhemos o que se escreveu no Acórdão do STA de 18/05/2022, proferido no âmbito do Processo nº 53/16.0BEMDL, na sequência de reenvio prejudicial para o TJUE, e respectiva pronúncia:

“(…) Questão a decidir.

Saber se a oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para conhecer da prescrição dos procedimentos de devolução de ajudas financeiras indevidamente pagas e, em caso afirmativo, qual o prazo e as regas de contagem do mesmo que são aplicáveis.
Da possibilidade de invocar a prescrição do procedimento (prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.° 2988/95) no âmbito do processo de execução fiscal.
A questão foi suscitada perante o TJUE para apurar, no essencial, se o disposto no artigo 204.º n.º 1, al. h) do CPPT pode ser interpretado no sentido de que a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, fundamentada na prescrição do procedimento administrativo para a determinação da existência ou não de irregularidade na aplicação/uso dos subsídios atribuídos ao abrigo de programas financeiros da União, não constitui fundamento válido da oposição à execução, uma vez que tal fundamento mesmo apenas pode ser invocado perante a jurisdição administrativa, sendo a acção administrativa o meio judicial adequado, à luz do direito nacional, para reagir contra a (in)validade do acto de liquidação, in casu, do acto que determina a restituição das quantias pagas com fundamento em irregularidade.

No acórdão de 07.04.2022, o TJUE veio esclarecer claramente que o direito europeu não se opõe a esta interpretação do artigo 204.º n.º 1, al. h) do CPPT, pelas seguintes razões:
Primeiro, porque o Regulamento n.º 2988/95 “não determina as vias de recurso disponíveis para impugnar as decisões que impõem medidas e sanções administrativas, nem os órgãos jurisdicionais competentes para delas conhecer, e também não prevê prazo de caducidade ou de prescrição no termo do qual essas decisões, por não terem sido impugnadas perante o juiz competente, adquirem carácter definitivo” (§52 do acórdão C-447/20 e C-448/20), o que significa que, para efeitos de impugnação da legalidade do acto que exige a restituição das quantias pagas valem aqui as regras do artigo 58.º do CPTA, cabendo ao beneficiário da subvenção impugnar juntos dos tribunais administrativos, mediante acção administrativa, a eventual prescrição do procedimento que exige aquela restituição por irregularidade;
Segundo, porque esta solução – a de que a prescrição do procedimento tem de fazer-se valer junto da jurisdição administrativa e não pode ser invocada no processo de execução fiscal em sede de oposição à execução – cumpre as exigências do princípio da equivalência, ou seja, “não é uma solução menos favorável do que as soluções análogas do direito interno” (§52 do acórdão C-447/20 e C-448/20). Com efeito, constitui jurisprudência uniforme entre nós que a legalidade do acto tributário que serve de título executivo não pode ser questionada na fase de execução fiscal, a não ser nos casos em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra aquele acto de liquidação (v., por último acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Junho de 2021, proc. n.º 0254/12.0BELRA 0599/17). Existindo, como existe, a possibilidade de o executado atacar judicialmente o acto que exige a restituição da subvenção e que serve de título à dívida exigida no processo de execução fiscal, vale aqui o regime regra do processo executivo, segundo a qual não pode, nesta sede, conhecer-se de um fundamento de ilegalidade do referido acto que determina a reposição da subvenção.

Aliás, o acórdão do TJUE afirma expressamente a este respeito, no §54, o seguinte: “Nos casos em apreço, nenhum elemento contido nas decisões de reenvio permite considerar que o prazo de três meses, previsto no artigo 58.°, n.° 1, do CPTA, para impugnar uma decisão administrativa, como as decisões de cobrança impugnadas, a título incidental, nos processos principais, é contrário ao princípio da equivalência”.

Terceiro, porque a defesa dos direitos do beneficiário da subvenção não se revela impossível, nem sequer excessivamente difícil, em razão da aplicação do regime regra do 204.º n.º 1, al. h) do CPPT, ou seja, este ónus de impugnação em sede de acção administrativa dos fundamentos que ditam a ilegalidade do acto que determina a reposição das subvenções com fundamento na prescrição do procedimento não afecta o princípio da efectividade das garantias dos administrados.

Neste sentido concluiu também o TJUE no § 55 do acórdão que estamos a seguir ao afirmar o seguinte: “No que respeita ao princípio da efectividade, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que a fixação de prazos razoáveis de recurso, sob pena de caducidade, satisfaz, em princípio, a exigência de efectividade, na medida em que constitui uma aplicação do princípio fundamental da segurança jurídica. Com efeito, tais prazos não são susceptíveis de tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União, embora, por definição, o termo desses prazos acarrete a improcedência, total ou parcial, da acção intentada (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2008, Kempter, C-2/06, EU:C:2008:78, n.° 58, e de 14 de fevereiro de 2019, Nestrade, C-562/17, EU:C:2019:115, n.° 41).

E o aresto do Tribunal Europeu vai mais longe a este propósito e acrescenta ainda nos §§ 57 e 58 o seguinte: “A este respeito, disposições nacionais, como o artigo 58.º, n.º 1, e o artigo 59.º, n.º 2, do CPTA, que prevêem que o destinatário de uma decisão administrativa, como as decisões de cobrança impugnadas, a título incidental, nos processos principais, dispõe de um prazo de três meses a contar da notificação da referida decisão para a contestar, sob pena de caducidade, não parecem ser contrárias ao princípio da efectividade. Com efeito, esse prazo tem carácter razoável se permitir ao interessado avaliar se existem motivos para contestar a decisão que lhe diz respeito e, se for caso disso, preparar o recurso da mesma. Além disso, o seu início a partir da notificação do ato garante que o interessado não se encontra numa situação em que esse prazo tenha decorrido, mesmo que tenha tido conhecimento da sua adoção (v., por analogia, Acórdão de 11 de setembro de 2019, Cãlin, C-676/17, EU:C:2019:700, n.ºs 47 e 48).

Transpondo para o caso dos autos o que se acabou de consignar com arrimo na jurisprudência fixada pelo TJUE, cabe concluir que a sentença proferida pelo TAF de Mirandela, ao julgar procedente a oposição à execução com fundamento no decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95, não se pode manter. Assim, tem razão o Recorrente na parte em que considera que o Tribunal a quo não podia ter conhecido nesta sede – na oposição à execução – da questão suscitada pela Oponente a respeito da alegada ilegalidade da dívida exequenda.(…)”

Acolhendo o entendimento vertido no Acórdão citado, tratando-se o processo ora em apreciação de uma oposição à execução fiscal, não pode nele ser conhecida a questão da ilegalidade da dívida com fundamento na prescrição do procedimento, devendo esta ser conhecida no âmbito do processo de impugnação do acto que determinou a reposição das quantias recebidas a título de Ajudas.

Improcede, nessa medida, a arguição de prescrição do procedimento.

Da prescrição da dívida exequenda

Vejamos, agora, se bem decidiu a sentença recorrida ao considerar não verificada a prescrição da dívida exequenda.

O tribunal a quo entendeu ser aplicável o prazo de prescrição de 4 anos previsto no nº1 do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95 do Conselho, identificando a questão como a prescrição da obrigação de restituição das quantias indevidamente recebidas.

Infere-se da sentença recorrida, que não se revela um modelo de clareza, que ali se disse que a decisão de reposição do apoio concedido foi notificada à Recorrente, de forma válida e inequívoca, perante a assinatura de aviso de recepção da missiva endereçada por via postal registada, em 09/10/2010, e que, assim, mostrando-se a irregularidade sancionada e comunicada a sanção de necessária reposição da quantia de ajuda atribuída indevidamente em 09/10/2010 – não se aplicando aqui outros eventuais factores de suspensão ou interrupção, porque desconhecidos nos autos - o prazo máximo admitido pelo Regulamento no seu art. 3º, nº 1, último parágrafo, de 8 anos não foi ainda alcançado.

Mostra-se, pois, não prescrita a dívida.

Ora, não se vislumbra de que modo foi contado este prazo, já que não se sabe qual o dia considerado como o do início da contagem, nem qual o facto considerado pela sentença.

Cumpre, pois, aferir da prescrição da dívida exequenda, para o que seguiremos o entendimento preconizado no Acórdão do STA de 18/05/2022, proferido no âmbito do processo nº 2501/21.6BEPRT, onde se escreveu o seguinte:

“(…)Este recurso, em que se discute a questão da, eventual, prescrição da dívida exequenda (Concretamente, “dívidas relacionadas com reposição de subsídio atribuído pelo IFADAP, no âmbito do Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal, Medida 1 - Infraestruturas Agrícolas, Ação 4 – Eletrificação”.), coloca-nos na necessidade de, primeira e obrigatoriamente, versar o regime jurídico, respeitante à “protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias [da União]”, imposto («…, devido à sua própria natureza e à sua função no sistema das fontes do direito da União, as disposições de um regulamento produzem, regra geral, um efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação (Acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer, C-278/02, EU:C:2004:388, n.º 25, e de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C-367/09, EU:C:2010:648, n.º 32). ») pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, em vigor, no espaço da União Europeia, desde 26 de dezembro de 1995 (Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias N.º I. 312/4 de 23.12.95.).

Do conjunto normativo deste Regulamento, sobressai, com potencial relevância no tratamento da problemática acima identificada, o disposto no seu artigo (art.) 3.º, cujo conteúdo, desmembrado, nos permite encontrar e isolar as figuras jurídicas seguintes:

- a previsão do prazo “de prescrição do procedimento”, estabelecido, por regra, em quatro anos (e, nunca, inferior a três anos) – cf. art. 3.º n.º 1;

- a imposição do prazo de três anos, como o “de execução da decisão que aplica a sanção administrativa” – art. 3.º n.º 2.

Com proximidade, regista-se, ainda, a outorga da possibilidade de os Estados-membros aplicarem prazos mais longos – art. 3.º n.º 3.

Não obstante a, aparente, linearidade e objectividade dos aspectos pretendidos regulamentar, pelo legislador europeu, a interpretação do versado art. 3.º do Regulamento não pode prescindir das pronúncias produzidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), como é o caso, entre outras, da mais recente, vertida nos acórdãos de 7 de abril de 2022, proferidos nos processos C-447/20 e C-448/20 (No âmbito de pedidos de reenvio prejudicial, com origem nos processos, deste STA, n.ºs 53/16.0BEMDL e 3138/12.8BEPRT.).

Assim, a operância, na nossa ordem jurídica, do mesmo, sempre, terá de levar em linha de conta e conciliar-se com a declaração, pelo TJUE, de que: «

1) O artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros [da União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efectividade, não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos de impugnação de uma decisão de cobrança de montantes indevidamente pagos, adoptada após o decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto nessa disposição, o seu destinatário é obrigado a invocar a irregularidade dessa decisão num determinado prazo perante o tribunal administrativo competente, sob pena de caducidade, e já não se pode opor à execução da referida decisão ao invocar a mesma irregularidade no âmbito do processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si.

2) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que tem efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação. Daqui resulta que o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos deve, em qualquer caso, poder invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, desse regulamento ou, se for caso disso, de um prazo de execução prolongado em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do referido regulamento, a fim de se opor à cobrança coerciva desses montantes.

3) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso.

4) O artigo 3.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança.»

O conteúdo deste pronunciamento (complementado, necessariamente, com os pertinentes fundamentos), além de outras leituras que possa permitir, na nossa, é elucidativo e seguro de que:

- no n.º 1 do art. 3.º do Regulamento é concedido, aos operadores económicos, um prazo (de 4 ou 3 anos) em que podem invocar a prescrição dos procedimentos, administrativos, respeitantes a uma qualquer irregularidade (definida no art. 1.º n.º 2), a fim de se oporem à aplicação, contra si, de uma, qualquer, das medidas e/ou das sanções administrativas, previstas nos arts. 4.º e 5.º do mesmo Regulamento;

- a invocação desta prescrição (dos procedimentos administrativos), isto é, a alegação de que uma certa e determinada decisão (do órgão administrativo competente) de cobrança de montantes indevidamente pagos/recebidos foi adoptada após o decurso dos aplicáveis 4 (ou 3) anos, no ordenamento jurídico português, tem de ser feita, dentro do prazo processualmente previsto, perante o tribunal administrativo competente, não sendo, portanto, invocável no âmbito de um, possível, processo (judicial) de cobrança coerciva (dos montantes indevidamente pagos/recebidos), por norma, execução fiscal, contra o devedor, intentado;

- uma vez sedimentada decisão (nacional) que aplique uma medida administrativa, como, por exemplo, a cobrança de ajudas (da União) indevidamente recebidas [ou uma sanção administrativa (Apesar de o art. 3.º n.º 2 do Regulamento mencionar “sanção administrativa”, segundo o TJUE, o mesmo “visa simultaneamente as sanções administrativas, na acepção do artigo 5.º, n.º 1, deste regulamento, e as medidas administrativas, na acepção do artigo 4.º, n.º 1, do referido regulamento, que podem ser adoptadas com vista à protecção dos interesses financeiros da União”.)], o destinatário daquela, se decorrer o prazo de, no mínimo, 3 anos sem que o processo de cobrança coerciva (da dívida respectiva) seja instaurado, pode opor-se ao correspondente processo de execução (fiscal);

- acresce, segundo o TJUE, que “a eventual inexistência de fundamento de oposição previsto pelo direito de um Estado-Membro em tal caso não pode impedir o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos de invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95”;

- o prazo aplicável de execução da decisão (administrativa), em princípio, de 3 anos, começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa);

- a citação (nos moldes em que seja regulada pelas legislações nacionais) do executado, funciona, como causa interruptiva do prazo previsto no art. 3.º n.º 2 do Regulamento.

Outrossim, no âmbito do reenvio em apreço, o TJUE, após referenciar que o STA “pretende saber se o artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o termo do prazo nele previsto implica a prescrição da dívida objeto de uma decisão de cobrança”, expendeu, além do mais: «

(…).

79 Por outro lado, como foi recordado no n.º 50 do presente acórdão, o prazo previsto no n.º 1 desse artigo destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores económicos. Estes devem poder determinar, de entre as suas operações, quais são definitivas e quais continuam a poder ser objecto de um procedimento.

80 O n.º 2 do referido artigo prossegue o mesmo objectivo de segurança jurídica. Permite assim aos operadores económicos determinar se uma decisão adoptada no termo de procedimentos instaurados contra uma irregularidade ainda pode ser executada. (…).

81 Importa ainda salientar que o facto de considerar que os prazos mínimos referidos no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento n.º 2988/95, cuja duração é, em princípio, suficiente para permitir às autoridades nacionais a actuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União (…).

(…).

84 (…). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se o Tribunal de Justiça declarar que o termo do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95 implica a prescrição da dívida objecto dessas decisões, os recorridos nos processos principais dispõem, com base no direito português, de um fundamento de oposição à cobrança coerciva da dívida em questão. Além disso, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não deu conta de uma disposição segundo a qual, no direito português, seria possível aplicar um prazo de execução mais longo do que o fixado no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95, em conformidade com a faculdade que os Estados-Membros conservam ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, deste regulamento.

85 Feita esta precisão, importa recordar, como resulta da análise do âmbito de aplicação do artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, que este dispõe que o prazo de execução das decisões que impõem uma medida ou uma sanção administrativa é de três anos. Daqui resulta que, sem prejuízo da faculdade que os Estados-Membros conservam ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, deste regulamento, após o termo do prazo fixado no n.º 2, primeiro parágrafo, deste artigo, essas decisões já não podem ser executadas.

86 No que respeita especificamente a uma decisão que comporta uma medida administrativa que obriga o seu destinatário a reembolsar um montante indevidamente recebido, o termo do referido prazo tem como consequência que o montante em causa já não pode ser recuperado através da execução coerciva. Se for caso disso, o destinatário dessa decisão pode, portanto, opor-se aos processos de execução.

(…).

91 Esta conclusão não pode ser infirmada pelo artigo 3.º, n.º 3, do Regulamento n.º 2988/95. Com efeito, mesmo que os Estados-Membros façam uso da possibilidade de aplicar um prazo de execução mais longo do que o previsto no n.º 2 desse artigo 3.º, o termo do prazo assim prorrogado conduz igualmente à impossibilidade de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos.

92 Nestas circunstâncias, para responder de maneira útil ao órgão jurisdicional de reenvio sobre a questão de saber se os destinatários das decisões de cobrança dos montantes indevidamente recebidos se podem opor à sua execução coerciva após o termo do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, não é necessário determinar se o termo desse prazo implica igualmente a prescrição da dívida objecto dessas decisões. »

Posto isto, julgamos extraível, do conteúdo dos transcritos considerandos, a ideia de que, podendo o escalpelizado Regulamento não ter objetivado, de forma inequívoca, resolver aspetos relacionados com a prescrição (negativa), enquanto causa extintiva do cumprimento de uma prestação ou fundamento de oposição ao exercício de um direito prescrito, da dívida (exequenda), correspondente à expressão monetária (final) de uma irregularidade praticada, nos termos e para os seus efeitos, o TJUE interpreta o art. 3.º n.º 2, primeiro parágrafo, do mesmo, em sentido que nos permite concluir, sendo o prazo de três anos, aí inscrito, implicante da impossibilidade, total, intransponível, de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos, dever ser esse triénio, se necessário, valorado como o do prazo, regra, ordinário, de prescrição do tipo de dívidas, como a em cobrança no presente processo de execução fiscal, subsumível ao regime instituído pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995.

Assumida esta conclusão, imediatamente, temos de, em definitivo, abandonar a corrente jurisprudencial que, durante muito tempo, afirmou, pacificamente, a operância, em situações deste cariz, do prazo ordinário de prescrição, estabelecido no art. 309.º do Código Civil (CC), ou seja, 20 anos.

Outrossim, não havendo, contemporaneamente, razões capazes de nos levarem a infletir na inviabilidade (justificada no acórdão, do STA, de 8 de outubro de 2014, processo n.º 0398/12) da assunção do prazo de prescrição, de cinco anos, previsto no art. 40.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92 de 28 de junho (Para a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas/dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado.), bem como, no pressuposto indiscutível, de que o legislador nacional, até ao momento presente, nenhum estabeleceu, privativa ou remissivamente, julgamos, em função, sobretudo, dos propósitos/objectivos pretendidos alcançar pelos órgãos, executivo e judicial, da União, fixar, compativelmente, em 3 (três) anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de actos lesivos dos interesses financeiros da União (Sem olvidar, ainda, ter-se o rte limitado a sustentar a aplicação do prazo prescricional de 4 anos a que se refere o art. 3.º n.º 1 do Regulamento, que, como tal e já vimos, só podia ser invocado no/junto do competente processo e tribunal administrativo.).

Firmado este prazo, resta dizer que se tem de sujeitar o seu decurso, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como, indiscutivelmente, é o caso da citação – cf. art. 323.º n.º 1 do CC, do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, obviamente, com a eficácia estabelecida nos arts. 326.º e 327.º n.º 1 do CC.

Assim, o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efectivada a citação do executado (na execução fiscal).(…)”

Regressando ao caso dos autos, temos que a notificação da decisão administrativa ocorreu em 09/10/2010, e tendo sido dado como provado o facto de não ter sido impugnada esta decisão pela Recorrente, o início do prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que esta decisão deixou de ser impugnável, ou seja, após o decurso do prazo de 3 meses previsto no artigo 58º do CPTA.

Nos termos do artigo 58º, nº. 1, alínea b) do C.P.T.A, na versão anterior ao Decreto-Lei nº. 214-G/2015 de 02.10, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses.
A contagem de tal prazo obedece ao regime aplicável aos prazos para propositura de acções previsto no Código de Processo Civil, suspendendo-se, pois, durante as férias judicias e com a utilização de meios de impugnação administrativa do acto, retomando o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a referida impugnação ou com o decurso do respectivo prazo legal.

In casu, não tendo a Recorrente reagido contra o acto administrativo, o decurso do prazo de impugnação verificou-se em 20 de Janeiro de 2011, sendo a partir desta data que se inicia a contagem do prazo de prescrição da dívida exequenda (de 3 anos, como ressalta do Acórdão transcrito).

Ora, a citação da Recorrente teve lugar em 03/11/2011, como resulta do facto por nós aditado, e determina a interrupção da contagem do prazo de prescrição.

A citação interrompe esse prazo, com a consequente inutilização de todo o tempo decorrido, e não se inicia o novo prazo de prescrição enquanto a execução fiscal instaurada para cobrança daquelas dívidas estiver pendente (cfr. arts. 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do CC) – vide Acórdão do STA de 06/08/2022, proferido no âmbito do processo nº 782/21.6BEPNF.

Considerando que a execução fiscal ainda se encontra pendente, a conclusão a que se chega é a de que não se verifica a prescrição das dívidas exequendas.

Face ao que ficou dito, improcedem as alegações recursivas, sendo de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2025

(Isabel Fernandes)

(Lurdes Toscano)

(Susana Barreto)