Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 03312/07 |
| Secção: | Contencioso Administrativo - 2º Juízo |
| Data do Acordão: | 06/19/2008 |
| Relator: | António Paulo de Vasconcelos |
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA ARTIGO 37º, Nº 3 DO CPTA INSTRUMENTALIDADE DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR |
| Sumário: | I – A acção de que depende o processo cautelar em causa, identificada pelo requerente no seu requerimento inicial como acção administrativa comum prevista no artigo 37º, nº 3 do CPTA, visando a condenação de uma concessionária de serviço público à adopção e/ou abstenção de um determinado comportamento depende, na sua essência, de três requisitos cumulativos, a saber: a) A violação ou fundado receio de violação, por um particular, de deveres jurídico administrativos que resultem de acto administrativo, norma ou contrato; b) Inexistência de um acto administrativo impugnável que tenha dado cobertura às actuações tidas como ilícitas; e c) Prévia interpelação das autoridades administrativas, por parte do requerente, para adopção das medidas adequadas. II – A prévia interpelação da autoridade administrativa (no caso o concedente Município de Cascais) para a adopção das medidas adequadas para acabar com a ilegalidade detectada, constitui, assim, pressuposto processual da acção ou condição de procedência da mesma. III – Não se destinando a providência cautelar requerida nos autos, a assegurar a utilidade da sentença a proferir nos autos de acção administrativa comum prevista no nº 3 do artigo 37º do CPTA, e que o ora requerente se propõe intentar, falece um dos requisitos da tutela cautelar requerida, a instrumentalidade, logo, o pedido do requerente não pode proceder. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO, 2º JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: x Georges ..., com sinais nos autos, inconformado com a sentença do TAF de Sintra, de 4 de Outubro de 2007, que julgou improcedente a providência cautelar de intimação para a adopção e abstenção de conduta por violação de norma, contrato ou acto administrativo, contra “ÁGUAS ..., SA", dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões (sintetizadas): "1ª O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 4.10.2007 pelo douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente o pedido de intimação da recorrida “no sentido de adoptar as condutas necessárias ao restabelecimento do fornecimento público de água, bem como ser decretada a consequente abstenção das condutas que importem a suspensão desse mesmo serviço, devendo para tal ser fixada uma sanção pecuniária compulsória”; 2ª O Tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão na falta de instrumentalidade da tutela cautelar requerida face à acção principal a interpor e prevista no artigo 37º, nº 3 do CPTA; na inexistência de uma pronúncia prévia da entidade pública concedente sobre a violação do contrato de concessão que celebrou com a ora recorrida; e, dado que a tutela requerida consubstancia uma tutela antecipatória, na inexistência de “fumus boni iuris” por a acção principal não poder ser procedente por falta de preenchimento de uma condição de procedência, isto é, por a entidade administrativa concedente não se ter pronunciado previamente à intervenção jurisdicional; 3ª O recorrente demonstrou a efectiva probabilidade de, em sede de tutela jurisdicional principal e definitiva, a ora recorrida ser forçada a cumprir com o legal e contratualmente estabelecido; 4ª Tal implica que o restabelecimento do fornecimento público de água assim como abstenção de tornar interromper o referido fornecimento, ao menos com o mesmo fundamento; 5ª A elevada e efectiva probabilidade de procedência da acção principal resulta da celebração entre as partes do “Contrato de Fornecimento de Águas e Drenagem de Águas Residuais, contrato nº 26184102, sendo o “Local de Consumo” o nº 18, da Rua da Índia, no Estoril”; 6ª O Contrato de Fornecimento de Água e Drenagem de Águas Residuais não se encontra sujeito a qualquer termo ou condição; 7ª O Contrato de Fornecimento de Água e Drenagem de Águas Residuais foi incumprido pela ora recorrida, impedindo que a habitação do ora recorrente seja objecto de fornecimento público de água e drenagem de águas residuais (V. als f) i), j) e m)) do probatório da decisão recorrida, fls 294 e 295 dos autos); 8ª A decisão recorrida assenta em pressupostos meramente processuais, não apreciando nem, por conseguinte, julgando o direito substantivo que se invocava como violado pela actuação da ora recorrida; 9ª O Tribunal “a quo” realizou uma interpretação formal sobre as normas processuais que invoca na sua decisão e que, no seu entender, obstam à procedência da acção cautelar, não cuidando de as interpretar materialmente ou de as confrontar com os princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, nomeadamente o direito fundamental objectivo de acesso ao Direito e aos Tribunais e com a garantia institucional do Direito Processual constituir um instrumento da justiça material, a qual se efectiva através daquele; 10ª O Tribunal “a quo” não realizou qualquer juízo de probabilidade sobre a eventual procedência da acção principal, pelo que não conheceu da existência do “fumus boni iuris” na presente providência (V. decisão recorrida, fls 299 dos autos, in fine); 11ª A decisão do Tribunal “a quo” aprecia a existência de condições de procedibilidade ou pressupostos processuais da acção principal como se tratasse de apreciar o “fumus boni iuris”, quando na realidade este refere-se ao julgamento sumário do direito substantivo invocado na acção principal e que suportará o peticionado na acção principal; 12ª Ainda que o preenchimento de um requisito processual exigido tão- somente para a acção principal pudesse revelar em sede de apreciação sumária do bom direito invocado, a decisão do Tribunal “a quo” não demonstra nem fundamenta que o preenchimento desse requisito da acção principal tenha de se encontrar preenchido aquando da tutela principal, nos termos da lei processual (v. artigos 37º nº 3 e 120º, nº 1 al a) e c) do CPTA); 14ª A decisão recorrida não invoca nem fundamenta qualquer juízo de prognose sobre a impossibilidade ou probabilidade do ora recorrente preencher os requisitos da acção principal, no momento em que esse preenchimento deve existir e ser apreciado, isto é, aquando da interposição da acção principal; 15ª A decisão recorrida exige o preenchimento dos requisitos processuais da acção principal num momento prévio (a interposição da acção cautelar), o que não encontra fundamento legal; 16ª Independentemente do entendimento preconizado pelo Tribunal “a quo” sobre o âmbito do “fumus boni iuris”, resulta manifesto dos autos que o recorrente invocou e demonstrou, sem que tal houvesse sido contestado, a existência do direito material que sustenta o peticionado; 17ª Contrariamente ao que é decidido pelo Tribunal “a quo”, ainda que o direito tenha de reunir outros requisitos processuais/formais, essa exigência apenas se verifica aquando da acção principal; 18ª O preenchimento desse requisito formal/processual não pode ser objecto de um juízo de prognose fundamentado, porque o mesmo pode ser preenchido pelo requerente enquanto não interpuser a acção principal; 19ª A instrumentalidade da providência cautelar requerida no sentido de antecipação provisória do resultado, em nada obsta ao seu decretamento; 20ª A instrumentalidade das providências cautelares face aos processos principais antecipam, não legitima a extensão dos requisitos dessa acção principal, (i) quer por não se encontrarem legalmente previstos em sede cautelar, não sendo por isso legalmente exigíveis, (ii) quer por existir um lapso temporal entre o decretamento definitivo dessa providência e o momento da propositura da acção principal, interregno esse que permite que o recorrente preencha as condições de procedibilidade da acção principal; 21ª Aquando da consagração legal da presente providência cautelar (artigo 112º, nº 2 al f) do CPTA) não foi determinado que a mesma tivesse como requisito a prévia interpelação da entidade concedente e a sua inacção, ao contrário do que se encontra previsto para a acção principal (v. artigo 37º, nº 3, 3ª parte do CPTA), pelo que a decisão recorrida nunca poderia ter exigido o preenchimento do mesmo e ao fazê-lo incorre na intromissão do poder legislativo, com a consequente nulidade da decisão por violação do princípio da separação de poderes (artigo 111º da Constituição); 22ª A instrumentalidade das providências cautelares refere-se exclusivamente à apreciação da providência requerida que se encontra na dependência de um positivo juízo de prognose sobre o provimento da acção principal (face à situação factual e ao direito invocado) v. artigos 113º e 123º nº 1 al f) e g) do CPTA; cfr. artigo 124º do mesmo diploma legal; 23ª O entendimento da decisão recorrida sobre a instrumentalidade que deve mediar a tutela cautelar e a tutela definitiva suporta-se em pressupostos que não tem fundamento jurídico (v. artigo 9º do Cód. Civil) e inverte a “ratio legis” presente no artigo 112º do CPTA, por contrariar a urgência na salvaguarda antecipada de uma situação jurídicofactual protegida pelo Direito, não permitindo que o Direito se realize de acordo com a ponderação interna do sistema em que se manifesta, nomeadamente pelo posicionamento hierárquico que a celeridade assume na tutela cautelar; 24ª De todo o modo, a exigência de uma pronúncia/actuação prévia administrativa pela Decisão recorrida constitui uma restrição desproporcional do direito de acesso aos tribunais, na medida em que limita, desproporcionadamente e sem fundamento constitucional para tanto, a tutela judicial efectiva, urgente e provisória, constitucionalmente consagrada (v. artigo 20º da Constituição; cfr. artigo 18º do texto fundamental) (...)” x A recorrida “ÁGUAS ..., SA", contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido. x O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida. x Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento. x A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 713º, nº 6 do Cód. Proc. Civil. x Tudo visto, cumpre decidir: Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente o pedido da intimação da recorrida “no sentido de adoptar as condutas necessárias ao restabelecimento do fornecimento público de água, bem como ser decretada a consequente abstenção das condutas que importem a suspensão desse mesmo serviço, devendo para tal ser fixada uma sanção pecuniária compulsória”. Em síntese, o Tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão na falta de instrumentalidade da tutela cautelar requerida face à acção principal a interpôr e prevista no artigo 37º, nº 3 do CPTA; na inexistência de uma pronúncia prévia da entidade pública concedente sobre a violação do contrato de concessão que celebrou com a ora recorrida; e, uma vez que a tutela cautelar requerida consubstancia uma tutela antecipatória, na inexistência de “fumus boni iuris”, por a acção principal não poder ser procedente por falta de preenchimento de uma condição de procedência, ou seja, por a entidade administrativa concedente não se ter pronunciado préviamente à intervenção jurisdicional. O recorrente sustenta a motivação da sua alegação essencialmente em duas questões: o preenchimento do “fumus boni iuris” e a instrumentalidade da providência cautelar requerida. Acompanhando a argumentação expendida pela recorrida nas suas contra-alegações, entendemos que não assiste razão ao recorrente. Na verdade, no que concerne ao preenchimento do requisito do “fumus boni iuris” aliás, como bem salienta a sentença “a quo” cai-se no âmbito da aplicação das alíneas b) ou c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA. Tratando-se da adopção de uma providência cautelar antecipatória bastará que o juiz forme convicção na probabilidade da procedência da pretensão, além da verificação dos demais requisitos legais. Ou seja, o Tribunal deve avaliar unicamente, de forma sumária, o grau de probabilidade de procedência da pretensão a formular pelo requerente (ora recorrente) na acção principal. Ou seja, no caso em apreço, importa realizar uma “Summario cognitio” se a alegada ilegalidade da actuação da concessionária requerida é manifesta, por violação de vínculos jurídicoadministrativos emergentes do contrato de concessão celebrado com o Município de Cascais e das normas legais e regulamentares aplicáveis. Como se trata aqui da concessão antecipada de tutela jurídica a situações que dela se mostram carenciadas, há necessidade que as perspectivas de resolução final do litígio se revistam de sentido favorável à pretensão do requerente, ora recorrente, com um grau suficientemente forte que permita cobrir o risco da antecipação da realização de um direito ainda não reconhecido a quem o invoca. Ora, tal não sucede no caso vertente, atendendo à inexistência de relação de instrumentalidade entre a providência cautelar requerida e a acção principal que o ora recorrente se propunha intentar. Com efeito, em concreto, a acção de que depende o processo cautelar em apreço, identificada pelo requerente no seu requerimento inicial como acção administrativa comum prevista no artigo 37º, nº 3 do CPTA, visando a condenação de um particular no caso, a requerida e ora recorrida, concessionária de serviço público à adopção e/ou abstenção de um determinado comportamento, depende, na sua essência, de três requisitos cumulativos, a saber: a) A violação ou fundado receio de violação, por um particular, de deveres jurídico administrativos que resultem de acto administrativo, norma ou contrato; b) Inexistência de um acto administrativo impugnável que tenha dado cobertura às actuações tidas como ilícitos; e c) Prévia interpelação das autoridades administrativas, por parte do requerente, para adopção das medidas adequadas. Ora, o último requisito enunciado, pretende suprir a falta de intervenção dos poderes públicos, só podendo, por conseguinte, ser utilizados quando as autoridades administrativas competentes, tendo sido solicitadas para o efeito, não tenham intervindo. A prévia interpelação da autoridade administrativa para a adopção das medidas adequadas para acabar com a ilegalidade detectada, constitui, assim, pressuposto processual da acção ou condição de procedência da mesma. Sucede que o requerente só poderia demandar em juízo a requerida após ter recorrido, sem êxito, à autoridade legalmente competente para evitar a violação dos vínculos jurídicoadministrativos por parte da mesma requerida (concessionária). No caso concreto, tal não sucedeu, isto é o requerente não interpelou o concedente Município de Cascais para que pusesse termo à situação de corte no fornecimento de água ao imóvel dos autos, situação de alegada violação dos vínculos jurídico-administrativos decorrentes do contrato de concessão. Assim sendo, falta pressuposto processual ou condição para a procedência da acção à acção administrativa comum prevista no nº 3 do artigo 37º do CPTA, a instaurar pelo ora recorrente, o que significa que é previsível que não seria reconhecido ao mesmo recorrente na acção principal o direito pretendido. Tal significa que a providência cautelar requerida nos presentes autos não se destina a assegurar a utilidade da sentença a proferir nos autos de acção administrativa comum, prevista no nº 3 do artigo 37º do CPTA, que o ora recorrente se propõe intentar. E assim sendo, não está demonstrado um dos requisitos da tutela cautelar requerida, a instrumentalidade, o que se traduz na existência de causa de caducidade da providência cautelar ou de improcedência do pedido (cfr. artigo 123º, nº 1 al a) e nº 2 do CPTA). Face ao que ficou exposto, improcedem as conclusões da alegação do recorrente, sendo de confirmar na íntegra a decisão recorrida. x Acordam, pois, os juizes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.Custas pelo recorrente com taxa de justiça reduzida a metade. x Lisboa, 19 de Junho de 2008as.) António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos (Relator) Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo |