Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:276/20.7BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/24/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:NULIDADE DECISÓRIA;
ENCERRAMENTO DE LAR DE IDOSOS;
FALTA DE LICENÇA;
PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
FUMUS MALUS IURIS;
REQUISITOS CUMULATIVOS;
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO;
PRETERIÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA;
DILIGÊNCIAS REQUERIDAS PROCEDIMENTALMENTE;
AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS REQUERIDA EM SEDE DE AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS;
ÓNUS DA PROVA DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO;
DECRETO-LEI N.º 64/2007, DE 14/03.
Sumário:I – Só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão judicial;
II – O decretamento de qualquer providência cautelar exige a verificação cumulativa dos dois requisitos legais enunciados art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, a saber, o periculum in mora e o fumus boni iuris. Preenchidos tais requisitos haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA;
III – Verificando-se o decaimento da aparência do bom direito alegado (ou o requisito fumus boni iuris), claudica, de imediato, a providência cautelar que tenha sido requerida;
IV- Verificando-se nos autos que um dado estabelecimento de apoio a idosos não se encontra licenciado e não é detentor das autorizações e licenças devidas, assim como, que não é provável ou previsível que o dito estabelecimento possa vir a deter as licenças e autorizações necessárias ao seu funcionamento, haverá necessariamente de ser determinado o seu encerramento;
V- Nessa circunstância, não é errado o julgamento que considera suficiente a prova documental já junta aos autos e julga desnecessária a produção da prova testemunhal, por esta última prova visar a comprovação de factos que apenas relevavam para aferir do requisito periculum in mora;
VI - A fundamentação dos actos administrativos deve ser expressa através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, os quais ficarão a fazer, neste caso, parte integrante do respectivo acto;
VII - Concluída a instrução, os particulares interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final;
VIII - Compete (unicamente) ao órgão instrutor avaliar da necessidade ou da pertinência das diligências requeridas pelos particulares, não estando (legalmente) obrigado a realizá-las. Mas o órgão instrutor terá, necessariamente, que ponderar os pedidos e justificar sumariamente o seu indeferimento;
IX - Face à invocação de erro nos pressupostos de facto, caberá ao A., que invoca o referido erro, a prova da sua existência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


C......... interpôs recurso da sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Directivo (CD) do Instituto da Segurança Social, IP (ISS), de 13/02/2020, que ordenou o encerramento, no prazo de 30 dias, do lar de residência sénior “A C.........”.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 1 - Pela sentença aqui posta em crise decidiu-se julgar improcedente o processo cautelar e, em consequência, indeferir o decretamento da providencia cautelar de suspensão de eficácia do ato praticado pelo Recorrido, porquanto o Tribunal a quo não considera a verificação do periculum in mora. Conclui, por via disso, que a pretensão dos requerentes não tem fundamento válido para que a providência possa ser decretada.
2 - O recorrente não aceita nem pode aceitar o decidido uma vez que na sua modesta opinião, a sentença proferida incorre em nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam, assim como por omissão de pronuncia sobre questões que devia apreciar, nulidades essas previstas no artigo 615°, n° 1, alíneas b) e d) do CPC.
3 - Referimo-nos, em primeiro lugar à total falta de indicação dos factos que o Tribunal considera como não provados, e, em segundo lugar à total falta de fundamentação no que se refere à (des)necessidade de produção de prova.
4 - Assim, com o presente recurso, o recorrente visa atacar a douta decisão proferida, mediante a reapreciação da matéria de facto e as questões de direito que se lhe seguem.
5 - Assim sendo, a sentença recorrida nada consigna quanto aos factos que considera como “não provados”, o que leva o recorrente a concluir que a douta sentença padece da nulidade a que reporta a alínea b) do n° 1, do artigo 615° do CPC, a qual deve ser declarada.
6 - Por outro lado, na situação que nos ocupa, verifica-se uma total falta de fundamentação no que se refere à (des)necessidade de produção de prova, mormente da prova testemunhal indicada pelas partes nos seus articulados.
7 - Ora, a falta de fundamentação na não admissão do pedido de produção de prova testemunhal, que se reputa essencial para a cabal compreensão dos factos alegados no pedido, uma vez que algumas das testemunhas indicadas são conhecedores das alterações efectuadas, determina a nulidade da decisão por falta de pronúncia.
8 - Neste caso, a sentença proferida é completamente omissa quanto à desnecessidade de produção de tal meio de prova, o que impede os recorrentes de perceber o motivo pelo qual o mesmo não foi admitido, o que viola o artigo 205°, n° 1, da CRP, já que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
9 - A exigência de fundamentação das decisões judiciais não se limita a uma questão de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre a garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários, devendo tal fundamentação ser expressa, clara, coerente e suficiente. Cfr. artigo 154° do CPC.
10 - Diz-nos o n° 5 do artigo 118° do CPTA que “Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”
11 - No caso que nos ocupa, precisava, a nosso ver, o senhor juiz a quo, de dizer a razão pela qual optou por decidir sem recurso a outro meio de prova que não o documental. Para além disso, era preciso que a decisão fosse fundamentada.
12 - Assim sendo, somos de entendimento que o tribunal a quo tinha que esgotar o dever inquisitório quer relativamente á veracidade dos pressupostos em que assenta o ato impugnado quer no que se refere ao periculum in mora e ponderação de interesses.
13 - Entendemos, pois, que no caso em apreço ocorre uma total ausência de fundamentação da decisão recorrida, o que determina a sua nulidade, face ao preceituado na alínea b) do n° 1, do artigo 651° do CPC, a qual se pretende sindicar por via do presente recurso.
14 - Qualificando-se como vícios graves aqueles que se concretizam na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do ato, e de ser questionável se só relativamente a estes se reporta a manifesta procedência da ação a que alude no art. 120° do CPTA, não podemos esquecer que não faz parte do âmbito deste processo cautelar o conhecimento dos vícios da ação principal, sob pena de estar perder o objecto e de se estar a transformar um processo cautelar urgente num processo principal sem as garantias que só este pode assegurar.
15 - De facto, nesta sede, não se pode dizer que compete ao juiz uma pronúncia aprofundada sobre a questão para chegar à conclusão que ocorre no caso sub judice a referida evidência e que, a falta de pronúncia sobre todos os argumentos alegados constitua omissão de pronúncia.
16 - Contudo, podemos e devemos questionar a razão pela qual o tribunal a quo não atendeu à realidade o que não foi posto em causa pelo Recorrido.
17 - Por via disso, da decisão recorrida não constam os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal, mormente no que e refere à razão pela qual considera que o Ato impugnado se mostra fundamentado.
18 - Em conclusão, a decisão recorrida além de padecer do alegados vícios da nulidade, viola pelo menos os disposto no artigo 205°, n° 1 do CRP, 154° do CPC, n° 1 do artigo 118 do CPTA, supra identificados, sendo evidente, tendo em conta a manifesta nulidade do ato administrativo em causa, a procedência da pretensão formulada pelos recorrentes na ação principal.
19 - De resto, comprovado que o ato impugnado viola as mais elementares regras de direito, porque assenta em pressupostos errados e não se mostra fundamentado, existiria razão bastante para a paralisação da sua eficácia, de forma a não produzir mais danos aos sujeitos intervenientes.
20 - Ora, a falta de fundamentação no que concerne ao indeferimento da prova testemunhal e ainda o raciocínio insuficiente quanto à procedência da pretensão a formular na ação principal não cumpre com a função de defesa do particular nem com a exigência constitucional.
21 - Desta feita, para além de se apontar o vício de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação na sentença recorrida, consideramos que o entendimento perfilhado deve ser revisto e acompanhado de fundamentação, porquanto não teve em consideração os factos alegados pelo recorrente, nem os princípios gerais que tutelam a situação, nomeadamente o da segurança jurídica.
22 - Assim sendo, como nos parece que é, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida, estamos perante uma situação em que se mostra evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de um ato manifestamente ilegal, infundado, que assenta em pressupostos errados e não fundamentado, que viola o principio da audiência dos interessados, como ficou demonstrado e os princípios da boa-fé e da confiança jurídica.
23 - Por tudo isto, não nos é possível concordar com o entendimento defendido na decisão recorrida.
24 - Consequentemente, deve a decisão ser alterada, considerando-se verificada e preenchida os requisitos do periculum in mora e fumus boni juris em face dos factos provados e das disposições legais aplicáveis, decidindo-se pela suspensão da eficácia do ato impugnado.
25 - Violando-se o artigo 118 do CPTA, quanto à não realização da produção de prova.
26 - Violou-se o artigo 120 do CPA, no que concerne aos critérios de decisão, que deveria decretar a providência, porque a lesão do direito é eminente e de difícil reparação e no que concerne à aparência do direito, tal facto deve ser apreciado na acção principal, sendo que que deverá ser dado como provado estes requisitos.
27 - Por fim nos termos do artigo 122 n.° 2, a providência cautelar pode ficar condicionada a termo ou condição, critério não observado, pois do relatório muitos pontos foram já corrigidos e alterados, que o Tribunal a quo não cuidou de apurar”.

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A) Através do presente recurso vem o Recorrente sindicar a Sentença do Tribunal a quo, porquanto entende aquele não terem sido corretamente apreciadas as questões da violação do Princípio da Boa-Fé, do Princípio da Participação e da Preterição de Audiência Prévia de que padecia o ato impugnado;
B) Com efeito, entende o Recorrente que a Sentença recorrida 6 nula por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam c, por falta de fundamentação no que sc refere à (des)necessidade de produção de prova e, bem assim, incorre em erro de julgamento ao dar por não verificado o requisito do fumnus boni íuris. Sem que lhe assista qualquer razão;
C) Dispõe o n.° 1 do artigo 118° do CPTA, que “Juntas as oposições ou decorrido o respetivo praça, o processo é concluso ao juiz,. podendo haver lutar a produção de prova, quando este a considere necessária. ” e no n.°5 do mesmo artigo que “Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios. ” (sublinhado nosso);
D) Considerando o teor da sobredita norma jurídica, sempre se dirá que compete ao Juiz, c somente a ele, ordenar os meios de prova oferecidos ou requeridos pelas partes, bem assim como recusar tais meios, quando os mesmos lhe pareçam dispensáveis, por inúteis ou desnecessários;
E) E, neste contexto que se vem pronunciando a recente jurisprudência, que interpreta o preceito cm causa no sentido de “Te (r) em função das especificidades do caso concreto, traduzida na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o juiz a quo cautelar decidirá da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qua! assentará a solução de direito”-,
F) Nesse sentido, cita-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo n° 09262/12, proferido em 25 de outubro de 2012, que interpreta o artigo 118.° do CPTA de igual modo, clarificando que ‘V esclarecimento exigível corresponderá ao “estritamente necessário ”, para decidir o pedido de decretamento das providencias cautelares requeridas, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na ação principal de que depende”',
G) No caso dos autos, verifica-se que do teor do despacho do Mm. º juiz, proferido antes da Sentença, ainda que na mesma peça escrita, o seguinte: “Os fados necessários para a apreciação das questões jurídicas suscitadas nos presentes autos bastam-se com a prova documental e processo administrativo juntos.
A indagação da verificação do requisito do "periculum in mora” poderia depender da real fação da prova requerida pela Requerente. No entanto, sendo os requisitos de decretamento previstos no art.° 120.º do CPTA cumulativos, resulta manifesto que improcede o requisito da "aparência do bom direito”, por ser manifesta a legalidade da deliberação impugnada e a improcedência da ação a intentar, atentos os argumentos jurídicos apresentados no requerimento inicial.
Pelo que, por imperativos de economia processual e para evitar a prática de atos instrutórios que se afiguram inúteis, se prescinde da produção da referida prova.”-,
H) O despacho em causa tem, como se vê, fundamentação; e tem a fundamentação essencial e suficiente, indicando, inclusive a norma aplicável e a circunstâncias dos factos relevantes estarem comprovados por documentos. Por ilação natural, se retira que os factos considerados relevantes e que estão documentados são os que a seguir se alinham na sentença recorrida, remetendo, como meio de prova, para os documentos dos autos;
I) Poderá discordar-se deste entendimento. O que não se pode, de todo, é dizer que a rejeição de produção de prova testemunhal não está, no caso, devidamente fundamentada;
j) Efetivamente, afigura-se ao Recorrido que a Juiz do Tribunal a quo invocou o motivo por que entende não serem, necessários outros meios de prova, ao referir ser bastante a prova documental oferecida, considerando não ser necessária a produção de quaisquer outros meios de prova, designadamente, a prova testemunhal requerida;
L) Aliás, o processo administrativo junto aos autos pelo Recorrido é ilustrativo do manancial de irregularidades detetadas no estabelecimento de apoio social para pessoas idosas explorado pelo Recorrente;
M) Por outro, lado, no que respeita ao preenchimento dos pressupostos de que depende a concessão da providência cautelar a prova carreada para os autos pelas partes, são suficientes e ostensivas, tendo o Recorrido defendido desde logo que não se mostravam preenchidos os requisitos de que depende a concessão da providencia cautelar, pelo que nesse sentido não merece qualquer reparo o despacho proferido do Mm.° Juiz do tribunal a quo, que considerando a prova documental existente nos autos, entendeu ser desnecessário proceder a diligências acrescidas de prova;
N) Ademais, afigura-se ao Recorrido que apenas padeceria de nulidade - como pretende o Recorrente - a decisão judicial que carecesse, cm absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 613°, n.°3, e 615°, n.° l, alínea b), do Código de Processo Civil; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume Y, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.09.2007, recurso 059/07);
O) Por seu turno, face aos elementos trazidos a juízo e à natureza do meio processual empregue pelo Requerente, ora Recorrente, a questão que se colocou ao Tribunal a quo foi a de saber se, no caso concreto, se encontravam reunidos os requisitos legais de que depende o decretamento da providência cautelar peticionada, nos termos previstos no artigo 120.° do CPTA, os quais são o periculum in mora, o fumus boni iuris e o juízo de prognose de ponderação de interesses;
P) Em sede cautelar e agora no recurso de apelação, veio o Recorrente alegar, como já referido, a violação do princípio da boa-fé, entre outras vicissitudes, colocando em causa a apreciação realizada pelo Tribunal quanto ao critério do “fumus boni iuris’;
Q) Sucede, que os procedimentos cautelares são instrumentos processuais privilegiados para proteção eficaz de direitos subjetivos ou de outros interesses judicialmente relevantes, e a sua importância prática prende-se com a utilidade na antecipação de determinados efeitos das decisões judiciais, na prevenção da violação grave ou dificilmente reparável de direitos, na prevenção de prejuízos ou na preservação do statu quo, enquanto demorar a decisão definitiva do conflito de interesses. Donde, não assiste qualquer razão ao Recorrente quanto aos invocados vícios de violação do Princípio da Boa-Fé, Princípio da Participação e de Preterição de Audição Prévia;
R) Sabe perfeitamente o Recorrente o elenco de razões que ditaram a tomada de decisão, por parte do Recorrido, de encerramento do Lar “A.........”, entre as quais se destaca a inexistência da Licença camarária daquele estabelecimento, a inexistência de licença de funcionamento, a inexistência de auto de vistoria emitido por Autoridade de Saúde e a inexistência do parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil, etc;
S) E não é pelo facto de o Recorrente assumir uma atitude de negação para com as graves deficiências apontadas aos equipamentos que explora, que as mesmas se vão dissipar, passando aquele, a cumprir com as condições e requisitos previstos na Portaria n.° 67/2012, de 21 de março e do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, dc 4 de março;
T) E, apesar de o estabelecimento de apoio social do Recorrente já estar cm funcionamento há alguns anos, certo é que aquele não requereu ao Instituto da Segurança Social a atribuição da respetiva licença, nessa medida o estabelecimento não é detentor da licença de funcionamento exigida pelos artigos 11.° e 18° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14de março;
U) Alias, não tendo sido requerida a atribuição dessa licença, também não poderia o Recorrente beneficiar do regime de autorização provisória de funcionamento previsto no arrigo 19°, o qual depende da apresentação de requerimento c, bem assim, da constatação pela entidade competente de que, ainda que não se encontrem reunidas as condições exigidas para a concessão da licença, “seja previsível que as mesmas possam ser satisfeitas (...), salvo se as condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar os utentes e a qualidade dos serviços a prestai”;
V) Donde atento o sobredito, num primeiro olhar e numa análise perfuntória, se afigura como manifesta a improcedente da ação principal. De todo o modo, os requisitos de que depende o decretamento das providências cautelares são cumulativos, e ainda que se considere, o que diga-se desde já não se concebe, que se encontra verificado o fumus boni iuris, sempre seria necessário, que se verificassem os requisitos do periculum in mora c do juízo de prognose de ponderação de interesses;
X) Na presente situação, c manifesta a ausência de razão nas alegações do Recorrente, de factos concretos de onde se possa concluir pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos dc difícil reparação;
Z) Com efeito, os danos invocados pelo Recorrente não são suscetíveis de serem qualificados como irreparáveis, ou mesmo de difícil reparação, desde logo, porque assumem uma natureza estritamente económica e pecuniária, pelo que serão sempre reparáveis na eventualidade da ação principal ser julgada procedente;
AA) Acrescente-se, ainda, que todos os argumentos apresentados pelo Recorrente, não são suscetíveis de afastar os factos descritos no processo administrativo, relativamente à falta de licenciamento do estabelecimento de apoio social por si explorado e outras irregularidades, resultando manifesta também falta de fundamento da pretensão a formular na ação principal;
BB) Ao Tribunal a quo competia, apenas ao primeiro olhar c de uma análise perfuntória, aferir da possibilidade da procedência da ação principal e avaliar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação que advêm para o Recorrente pela não concessão da presente providência, o que fez, não merecendo a fundamentação e decisão daquele Tribunal qualquer reparo, devendo ser mantida integralmente

A DMMP não apresentou pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que se mantém:
A) O Requerente explora uma estrutura residencial para pessoas idosas e centro de dia denominada «A C.........,», sito na Rua………., Casa da Areia, …….Cascais. (Acordo)
B) O estabelecimento referido na alínea anterior tem o plano de contingência covid-19 referido nas fls. 89 a 98 dos autos.
C) Em 5-11-2019, o Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais, Setor 1, do Instituto da Segurança Social, IP elaborou projeto de relatório no Proava base n.°………, no qual propôs que seja promovido procedimento de encerramento administrativo e imediato do estabelecimento referido na al. A), nos termos do n.° 1 do art.° 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, de 4 de março, notificando-se o proprietário para efeito de audiência dos interessados. (Cfr. fls. 514 a 563 do Processo Administrativo -PA-, que se têm por integralmente reproduzidas)
D) Em 14-11-2019, o Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP deliberou concordar com o projeto de relatório referido na al. C). (Cfr. fls. 514 do PA)
E) Notificado da deliberação referida na alínea anterior, o Requerente apresentou pronúncia de audiência prévia, na qual arrolou oito testemunhas e peticionou o seguinte:
«IV - DO PEDIDO
Razões pelas quais se requer a V.Ex.a que altere a intenção de ordenar o encerramento administrativo do estabelecimento e:
a. Dê provimento às invocadas nulidades, expurgando-as da decisão a proferir; e
b. Conceda prazo razoável (não inferior a 4 meses, de acordo com declaração junta como Doc. 4) para que o respondente inicie o processo de licenciamento de atividade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11° e seguintes, do Decreto-Lei n. ° 64/2007 de 14 de Março; ou
c. Conceda prazo razoável (não inferior a 4 meses, de acordo com declaração junta como Doc. 4) para que o respondente requeira autorização provisória de funcionamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 19o, do Decreto-Lei n. ° 64/2007 de 14 de Março.»
(Cfr. fls. 651 a 671 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)
F) Em 31-01-2020, o Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais, Setor 1, do Instituto da Segurança Social, IP elaborou o seguinte relatório final no Proava base n.°…………..:
«A - INTRODUÇÃO
Na sequência e no cumprimento da deliberação do Conselho Diretivo do ISS, I.P., constante de fls. 514 e datada de 14/11/2019, diligenciou esta Unidade no sentido de se realizar as notificações do proprietário averiguado em assunto, tendo as mesmas sido efetuadas a coberto dos ofícios n°s SAI.SCC-98252/2019, de 20/11/2019 e SAI.SCC-98249/2019, também datado de 20/11/2019 (fls. 568 a 571) e para efeitos de exercício do direito de participação (audiência de interessados/prévia). Na verdade, através dos mesmos documentos, foi C........., com o NISS ……….. e o NIF………., proprietário do estabelecimento em assunto, regularmente notificado, nos termos do estatuído nos artigos 121° e 122°, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) (fls. 568 a 571), a fim de o mesmo se pronunciar sobre as questões que constituem objeto do presente processo, conforme melhor se encontra descrito no projeto de relatório que, por uma questão de economia processual, se dá aqui inteiramente por integrado e reproduzido, para todos os efeitos legais.
Das ações de fiscalização realizadas em 04/10/2019 e 08/10/2019, respetivamente ao estabelecimento que prossegue as respostas sociais de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (adiante designado abreviadamente por ERPI) e Centro de Dia, denominado “C.........”, sito na Rua de………., Casa da Areia, Areia, Cascais, concelho de Cascais, resultou o Projeto de Relatório vertido na Informação N° 257/NFES/2019, de 05/11/2019 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em sede do Projeto de Relatório e que mereceu Despacho Superior de Concordância, face às deficientes condições de instalação e funcionamento do estabelecimento, no que respeita às condições de segurança, de higiene, salubridade e falta de pessoal as quais põem em causa os direitos e a qualidade de vida dos idosos acolhidos, e sendo suscetíveis de pôr em risco a sua integridade física e formativa, entende-se estarem reunidos factos determinantes para propor o encerramento administrativo e imediato deste estabelecimento, nos termos do n.° 1 do artigo 35° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, e alterado pelo Decreto- Lei n.° 33/2014, de 4 de março.
Assim, foi o proprietário notificado para os efeitos dos artigos 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, da intenção de se proceder ao encerramento administrativo imediato e se assim entender pronunciar-se num prazo de dez dias úteis. Foi junta procuração forense aos presentes autos (fls. 635 e 636), bem como foi o presente processo consultado no dia 26 de novembro de 2019 (fis. 628), conforme auto de consulta do mesmo fls. 628).
O proprietário foi notificado, quer para o estabelecimento, quer para o seu domicílio, conforme registos dos Talões de Aceitação dos CTT em 22/11/2019 e 03/12/2019, respetivamente (fls. 637 a 646), terminando o prazo dos dez dias úteis, acrescido da dilação de três dias de correio, para se pronunciar em 09/12/2019 - cfr. ofícios n°s SAI.SCC-98252/2019, de 20/11/2019 e SAÍ.SCC-98249/2019, também datado de 20/11/2019 (fls. 568 a 571).
Convém referir que, após solicitação intentada pelo mandatário constituído, foi o prazo para resposta, no âmbito da audiência de interessados, prolongado até ao dia 21 de dezembro de 2019 (fls. 630 a 634), tendo a resposta dado entrada nestes Serviços no passado dia 20/12/2019 (fls. 651 a 736) e cujo registo de entrada é o 196486/2019, datado de 20-12-2019 (fls. 672 a 736), cumprindo, desta forma, o prazo estipulado.
A fase de audiência de interessados, prevista no artigo 121.° do CPA, embora sem assento constitucional direto, constitui, juntamente com os princípios da colaboração da Administração com os particulares e da participação, expressos, respetivamente, no artigo 11.°, n.° 1 e artigo 12.° do CPA, a materialização do princípio da participação previsto nos n°s 1 e 5 do artigo 267.° da Constituição da República Portuguesa, que impõe à Administração Pública a participação dos particulares na formação das decisões que lhes digam respeito.
A audiência prévia constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório, uma vez que, antes da decisão final, possibilita ao particular aduzir argumentos, de facto e de direito, que entenda como válidos para impedir a decisão que a Administração se propõe tomar, podendo, ainda, requerer diligências complementares e juntar documentos, como disposto no artigo 121.° do CPA.
Para este efeito legal, foi o proprietário regularmente notificado do sentido da decisão, da sua fundamentação e do prazo para exercer, querendo, o direito de audiência prévia, conforme docs. a fls. 568 a 571.
No exercício do seu direito de audiência prévia, exercido dentro do prazo fixado, veio o proprietário apresentar alegações, através do seu advogado mediante procuração (fls. 635 e 636), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, contestando a fundamentação do projeto de decisão de encerramento do estabelecimento supra referenciado - cfr. Mail e documento a fls. 647 a 736.
Nestes termos, o proprietário vem requerer e pedir, a final (fls 670) que “altere a intenção de ordenar o encerramento administrativo do estabelecimento e:
a. Dê provimento às invocadas nulidades, expurgando-as da decisão a proferir; e
b. Conceda prazo razoável (não inferior a 4 meses, de acordo com a declaração junta como Doc. n.° 4) para que o respondente inicie processo de licenciamento de atividade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 11° e segs. do Decreto-lei 64/2007, de 14 de março; ou
c. Conceda prazo razoável (não inferior a 4 meses, de acordo com a declaração junta como Doc. n.° 4) para que o respondente requeira autorização provisória de funcionamento, nos termos epara o disposto no art. 19°, do Decreto-lei 64/2007, de 14 de março”.
Tendo o proprietário exercido este direito, verifica-se que o alegado em nada altera, de facto e de direito, a situação apurada e objeto do projeto do relatório porquanto:
No que concerne aos arts. 1.° a 8.° fls. 672 a 674) o requerente apenas enumera genericamente o que pensa sobre a intenção de mandar encerrar o estabelecimento. Apenas se exceciona o facto de o requerente alegar que pela simples razão de se apresentar um projeto de relatório contendo o projeto de decisão/sentido provável da decisão, tal consubstanciaria uma nulidade. Todavia, não é esse o entendimento correto. O que se trata aqui é o facto essencial e principal de o órgão decisor- no caso vertente, o Conselho Diretivo do ISS, I. P. - ter acolhido os fundamentos que constam do projeto de relatório. Foi por isso o proprietário requerente regularmente notificado do projeto de decisão ou do sentido provável da decisão final, tendo em consideração o disposto no art. 153.°, do CPA vigente.
Nos arts. 9.° a 15.°, maxime, nos arts. 12.°, 13.° e 14.°, vem o requerente alegar que: “(...) o ISS, I. P. (...) tenta subverter as conclusões da primeira ação de fiscalização (...)”
Não assiste razão ao proprietário. Com efeito, esta é a segunda vez que o estabelecimento é intervencionado, não tendo o mesmo encetado quaisquer diligências junto do Centro Distrital de Lisboa, como aquele mesmo Serviço Desconcentrado informou no presente processo, conforme consta de fis. 510 a 513: ”Não temos registo de qualquer entrada de pedido de licenciamento para estas respostas, nem estão licenciadas.”
Nos arts. 17.° a 21.°, o proprietário afirma que o imóvel onde está situado o estabelecimento está a ser objeto de litígio em sede de ação judicial que corre termos no Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 4. Esta situação, como veremos adiante, condiciona a obtenção dos pareceres da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (antiga Autoridade Nacional de Proteção Civil ou ANPC), Autoridade de Saúde e Licença de Utilização a emitir pela Câmara Municipal de Cascais, não havendo previsibilidade para a resolução, em sede de sentença, deste litígio judicial.
No art. 22.°, o proprietário alega que irá proceder à eliminação de dois degraus que condicionam a acessibilidade ao imóvel. No entanto, esta situação foi constatada nas datas das ações efetuadas (04/10/2019 e 08/10/2019), continuando a não ser respeitada a acessibilidade a utentes com mobilidade condicionada, em violação não só da Portaria, como também do estatuído no Decreto-lei 163/2006, de 8 de agosto.
Nos arts. 25.° a 27.°, o proprietário alega que existe um quarto com 4 camas articuladas, situação que não é legalmente possível e que também se verificava relativamente aos quartos denominados: “Guincho; Birre; Marinha e Bicuda”; explanados nos arts. 34.° a 39.° da resposta e nos quais estavam instaladas entre 4 e 5 camas, situação que não é legalmente admissível.
Sobre o resto das instalações, designadamente, a cozinha (arts. 28.° e 29.°, da resposta), instalação sanitária (art. 31.da resposta), compartimentos situados no piso inferior (arts. 40.° e 41.°, da resposta), garagem (art. 42.°, da resposta), espaço exterior e respetivos anexos (art. 43.°) mantemos tudo o que foi sustentado no projeto de relatório.
De igual modo, a situação constatada nos veículos e que aparece descrita a fis. 25, do projeto de relatório e que mantemos, não colhe a justificação alegada no art. 44.° da resposta. Acresce que a Câmara Municipal de Cascais, vem, neste aspeto, alegar que (fls. 711 e 712): “não existem condições para colocação de um contentor junto à residência do Sr. Munícipe.”
”A deslocação à artéria em causa de uma viatura de recolha de resíduos de 26 toneladas põe em causa a segurança do equipamento e dos funcionários.”', não havendo condições para a recolha do lixo, situação suscetível de pôr em perigo os direitos dos utentes e a sua qualidade de vida, nomeadamente o direito a um ambiente limpo e higienizado (fls. 711 e 712).
Sobre o disposto nos arts. 48.° e seguintes, apurou-se que o estabelecimento não é detentor dos seguintes documentos que são necessários para a emissão da licença de funcionamento:
a) Certificado de conformidade emitido pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil;
b) Certificado higio sanitário emitido pela Autoridade de Saúde concelhia;
c) Licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Cascais para as respostas sociais de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas e de Centro de Dia. Acresce que o estabelecimento não está licenciado, nem detém autorização provisória de funcionamento, nem sequer se encontra a decorrer no competente CDist de Lisboa, processo de licenciamento, sempre se impunha e impõe o seu encerramento, uma vez que atividade só poderia ter-se iniciado após a concessão da respetiva licença de funcionamento, como impõe o já referido artigo 11.° do Decreto-Lei. Note-se que o estabelecimento em questão prossegue a atividade de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas desde 1 de maio de 2013 e também de Centro de Dia, e sem que o proprietário tivesse diligenciado pelo do seu licenciamento.
Perante todo este circunstancialismo factual, é irrelevante vir alegar que brevemente venha a promover quaisquer diligências para o licenciamento do estabelecimento.
Sobre a matéria de recursos humanos (arts. 57.° a 62.°), reiteramos o vertido no projeto de relatório. Especificamente no que toca à Animação Sócio Cultural, comprova-se que as atividades não são prestadas por entidade externa. Com efeito, o protocolo celebrado entre representantes do estabelecimento (aparecendo a Diretora Técnica do mesmo - D......... - a assinar o referido protocolo na qualidade de segunda outorgante) terminou já no dia 18/04/2017 (fls. 736). Resumindo, na matéria de recursos humanos, não foram apresentados factos novos suscetíveis de sustar o encerramento administrativo e imediato do estabelecimento, pelo que se mantêm todos os factos enunciados no projeto de relatório para ambas as respostas sociais.
Sobre os artigos respeitantes às conclusões (arts. 68.° a 81.°) reproduzimos as conclusões que ficaram exaradas no projeto de relatório.
Na mesma resposta, o proprietário do estabelecimento pede ainda o seguinte:
a. Dê provimento às invocadas nulidades, expurgando-as da decisão a proferir; e
b. Conceda prazo razoável (não inferior a 4 meses, de acordo com a declaração junta como Doc. n.° 4) para que o respondente inicie processo de licenciamento de atividade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 11° e segs, do Decreto-lei 64/2007, de 14 de março; ou
c. Conceda prazo razoável (não inferior a 4 meses, de acordo com a declaração junta como Doc. n.° 4) para que o respondente requeira autorização provisória de funcionamento, nos termos e para o disposto no art. 19.°, do Decreto-lei 64/2007, de 14 de março".
Ora, estes pedidos, não têm qualquer sustentação legal, uma vez que nem sequer deveria ter-se iniciado a prossecução da atividade sem previamente se ter obtido a licença de funcionamento junto dos Serviços Competentes da Segurança Social, tendo em consideração o estatuído no n.° 1, do art. 11°, do Decreto-lei 64/2007, de 14 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei 33/2014, de 4 de março. Assim, este prazo não tem sustentação legal em sede de audiência de interessados, uma vez que não se encontra a decorrer qualquer processo de licenciamento referente a este estabelecimento e não foram encetadas quaisquer diligências junto do Centro Distrital de Lisboa por parte do proprietário (fls. 510 a 513).
Finalmente, veio o proprietário solicitar a produção de prova testemunhal, indicando, para o efeito, 6 (seis) testemunhas.
Sobre este pedido, é de salientar que a realização de diligência instrutória requerida de inquirição de testemunhas é desprovida de fundamentos bastantes para abalar os motivos em que assenta o vertido no projeto de relatório, sendo certo que a decisão de proceder ou não à inquirição de testemunhas não é um poder discricionário, cabendo ao órgão administrativo ajuizar da utilidade ou conveniência da diligência, tendo em conta o seu contributo para a instrução do processo.
Entende-se que, em face do caso concreto e também tendo em conta o atrás mencionado, a inquirição de testemunhas não se afigura útil ou pertinente para a decisão, não se vislumbrando qual a matéria que o proprietário poderia querer ver provada através de prova testemunhal.
Os factos nos quais o requerente assenta a sua defesa baseiam-se, no essencial, que irá diligenciar pelo licenciamento do estabelecimento. Ora estamos perante factos notórios que foram presenciados diretamente pela equipa desta Unidade de Fiscalização e da Autoridade de Saúde Pública, encontrando-se os mesmos vertidos no Projeto de relatório e no relatório de Vistoria da Autoridade de Saúde, os quais - de forma inequívoca atestam que neste local estavam a ser prosseguidas as respostas de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (vulgo Lar de Idosos) e de Centro de Dia (resposta social integrada na ERPI existente), em estabelecimento que não se encontrava adaptado para a prossecução dessas mesmas respostas sociais, não se mostrando licenciado, facto que foi inclusivamente aceite e declarado pelo proprietário em sede de audiência de interessados.
Por fim, a restante matéria alegada não traz qualquer ressalva aos factos averiguados e dados como provados no âmbito dos PROAVES N°s ……. e …………….
Pelo exposto, entende-se estarem reunidos factos determinantes para prosseguir o processo de encerramento administrativo imediato do estabelecimento supra identificado, nos termos do artigo 35°, do Decreto-Lei N° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei N° 33/2014, de 4 de março, com proposta de aplicação de sanção acessória de interdição do exercício da atividade, simultaneamente com a coima pelo exercício ilegal das respostas sociais de ERPI e Centro de Dia, atento o comportamento reiterado e doloso que C........., na qualidade de proprietário do estabelecimento, tem manifestado ao longo destes anos prosseguindo de forma continuada em morada diversa e neste local, desde 1 de maio de 2013 e que revela falta de idoneidade para o exercício desta atividade, nos termos do disposto na alínea a), do n° 1, do art° 39°-H, do Decreto-Lei N° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei N° 33/2014, de 4 de março.
C- CONCLUSÕES
Em face da matéria apreciada no ponto anterior e tendo presente tudo quanto se apurou e fundamentou em sede de projeto de relatório é de considerar que a resposta apresentada, em sede de audiência de interessados, o proprietário não trouxe quaisquer factos que possam justificar a alteração do projeto de relatório. Assim, como se demonstrou pela factualidade descrita no supra referido projeto de relatório, resultou provado que no endereço denunciado se encontra instalado um equipamento de apoio social a idosos, que prossegue as respostas sociais de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (vulgo ERPI) e Centro de Dia, propriedade de C........., onde era prosseguida nas datas das ações - 04/10/2019 e 08/10/2019, as respostas sociais de ERPI e Centro de Dia, acolhendo 30 utentes em ERPI e 2 utentes em Centro de Dia, sem que tenha sido requerida e obtida a imprescindível licença ou autorização provisória de funcionamento, contrariando o disposto no n.° 1 do artigo 11° do Decreto-Lei 64/2007, de 14 de março, republicado pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, de 4 de março. Mais, a identificação das diversas irregularidades detetadas no funcionamento deste equipamento, como sejam a inexistência da Licença a emitir pela Câmara Municipal de Cascais, os Pareceres da Autoridade de Saúde e da Autoridade Nacional de Proteção Civil, bem como a manifesta inadequação das instalações, falta de segurança, bem como a falta de pessoal que permita apoiar os idosos acolhidos - consubstanciam por si só, um perigo potencial para os mesmos.
É neste seguimento que se entendem estar reunidos factos determinantes para prosseguir o processo de encerramento administrativo imediato do estabelecimento supra identificado, nos termos do artigo 35°, do Decreto-Lei N° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei N° 33/2014, de 4 de março, com proposta de aplicação de sanção acessória de interdição do exercício da atividade, simultaneamente com a coima pelo exercício ilegal da resposta social, atento o comportamento reiterado e doloso que C........., na qualidade de proprietário do estabelecimento, tem manifestado ao longo destes anos e que revela falta de idoneidade para o exercício desta atividade, nos termos do disposto na alínea a), do n° 1, do art° 39°-H, do Decreto-Lei N° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei N° 33/2014, de 4 de março. Assim, são julgadas convenientes as seguintes propostas:
D- PROPOSTAS
1. Promover e dirigir as ações necessárias à efetivação do encerramento administrativo imediato do estabelecimento de apoio social, providenciando a formalização do processo, nomeadamente através dos modelos anexos que fazem parte da Orientação Técnica n° 12/11 de 01/06/2011 do Conselho Diretivo do ISS, LP. tendo em consideração a existência de resposta na fase de audiência de interessados, designadamente: Deliberação Final do Conselho Diretivo, Notificação da Decisão do Conselho Diretivo e Afixação do Aviso;
2. Instaurar, através do SISS/CO, o processo de contra-ordenação relativamente às respostas sociais de ERPI e Centro de Dia, em consequência do levantamento dos respetivos autos de notícia, por violação do disposto no n° 1, do art° 11°, do e demais irregularidades detetadas, com proposta de aplicação de sanção acessória de interdição do exercício da atividade, nos termos do disposto na alínea a), do n° 1, do art° 39°-H, do Decreto-Lei N° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei N° 33/2014, de 4 de março;
3. Dar conhecimento do presente relatório, despachos e deliberações proferidas, via mail institucional, ao Departamento de Investigação e Ação Penal - 1a Secção de Cascais, por solicitação deste, por referência ao Processo: 4867/19.0T9CSC - Inquérito, para os devidos e legais efeitos;
4. Envio de ofício à Junta de Freguesia de Cascais e Estoril, com vista à promoção da divulgação de o edital do encerramento;
5. Comunicação à Câmara Municipal de Cascais da situação de atividade ilegal das respostas sociais de Estrutura Residencial para Pessoas idosas e Centro de Dia;
6. Dar conhecimento do presente relatório, via Sistema de Informação da Segurança Social / Sistema de Apoio à Fiscalização (SISS/SAF), ao Centro Distrital de Lisboa (CDist de Lisboa), (Ação Social) informando-o dos resultados da presente ação de fiscalização, assim como das correspondentes: deliberação, notificações e ofício destinado à afixação do aviso de encerramento na Junta de Freguesia de Cascais e Estoril.
À consideração superior,» (Cfr. fls. 737 a 748 do PA e fls. 18 a 23 dos autos)
G) Em 3-02-2020, o Diretor do Serviço de Fiscalização de LVT emitiu o seguinte parecer no relatório final referido na alínea anterior:
«A entidade proprietária apresentou resposta no âmbito da audiência de interessados o que em nada altera os factos que sustentaram a proposta de encerramento do equipamento.
Desta forma, considerando o exposto no presente relatório e nos pareceres anteriores, as respostas sociais de ERPI e CD apresentam deficientes condições de instalações, segurança, higiene e funcionamento, tal como sejam a falta de condições de segurança e a falta de licenciamento e o reduzido número de recursos humanos que apresenta face ao n. ° de utentes existentes. Acrescenta-se a conduta do proprietário que apesar de ter o conhecimento das normas para funcionamento destes equipamentos, manteve funcionamento ilegal sem efetuar nenhuma diligência pelo menos desde 2013. Desta forma, concordo com a proposta de encerramento administrativo e sanção acessória.
A Consideração Superior,»» (Cfr. fls. 737 a 748 do PA e fls. 18 a 23 dos autos)
H) Em 7-02-2020, a Diretora do Departamento de Fiscalização apôs a seguinte informação no relatório final referido na al. F):
«Visto.
Concordo com a apreciação, conclusões e propostas formuladas.
Assim sendo, com base nos fundamentos de facto e de direito vertidos no presente relatório e no projeto de relatório e decisão que o antecedeu, submete-se o processo à apreciação do Conselho Diretivo, para emissão de deliberação definitiva de encerramento, da ERPI e CD identificados, nos termos dos artigos 35.° e 36.° do Decreto-lei n.9 64/2007, de 14 de março.» (Cfr. fls. 737 do PA e fls. 18 dos autos)
I) Em 13-02-2020, o Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, IP deliberou concordar com o relatório final referido na al. F). (Cfr. fls. 737 do PA e fls. 18 dos autos)
J) O Autor foi notificado da deliberação referida na alínea anterior mediante ofício com o seguinte teor:




(Cfr. fls. 793 e 794 do PA)
K) Em 23-03-2020, o Requerente interpôs recurso hierárquico da deliberação referida na alínea anterior, dirigido ao Diretor da Segurança Social de Lisboa, no qual peticionou o seguinte:
«Nestes termos e no mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a decisão em crise:
1. Ser revogada e substituída por outra que declare o acto absolutamente e manifestamente inconveniente para o Recorrente uma vez atendendo a que se encontram asseguradas a saúde dos utentes, o seu bem estar, os cuidados de alimentação, cuidados médicos e outros, porque é uma decisão ilógica, tendo em conta os factos supervenientes agravado nos últimos tempos ou na própria nulidade do mesmo.
2. Se assim não de entender, deve a decisão ser revogada e substituída por outra segundo juízos de equidade, oportunidade e conveniência, dada a argumentação expendida.
3. Declarar as nulidades por omissão de pronuncia, por contradição entre a decisão, os fundamentos e a notificação e por omissão de diligencias essenciais que equivalem a que a audiência prévia não teve lugar.
4. Em todo o caso deve o presente recurso ter efeito suspensivo;
5. Caso não seja a entidade competente, deve V. Exa., nos termos e para os efeitos do artigo 196 n.e 2 do CPA, aplicável ex vi artigo 41 do CPA, remeter o presente recurso à entidade competente.» (Cfr. fls. 966 a 978 do PA, que se têm por integralmente reproduzidas)
L) Em 23-03-2020, o Requerente apresentou reclamação da deliberação referida na al. I), na qual peticionou o seguinte:
«Nestes termos e no mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a decisão em crise:
a) Ser revogada e substituída por outra que declare o acto absolutamente e manifestamente inconveniente para o Reclamante uma vez atendendo a que se encontram asseguradas a saúde dos utentes, o seu bem estar, os cuidados de alimentação, cuidados médicos e outros, porque é uma decisão ilógica, tendo em conta os factos supervenientes agravado nos últimos tempos ou na própria nulidade do mesmo.
b) Se assim não de entender, deve a decisão ser revogada e substituída por outra segundo juízos de equidade, oportunidade e conveniência, dada a argumentação expendida.
c) Declarar as nulidades por omissão de pronuncia, por contradição entre a decisão, os fundamentos e a notificação e por omissão de diligencias essenciais que equivalem a que a audiência prévia não teve lugar.» (Cfr. fls. 981 do PA e fls. 25 a 36 dos autos, que se têm por integralmente reproduzidas)
M) A presente providência cautelar foi apresentada em 24-03-2020. (Cfr. fls. 2 dos autos)
N) Na data referida na alínea anterior, o estabelecimento referido na al. A) albergava 27 utentes, com os nomes e idades que constam de fls. 43 e 44 dos autos. (Acordo)
O) Por despacho da Diretora do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais de 15-04-2020, «tendo presente a situação epidemiológica que o país atravessa», foi decidido «suspender o procedimento administrativo de encerramento, sem prejuízo da tomada de medidas legais logo que esta seja ultrapassada.» (Cfr. fls. 980 do PA)
ii) Factos indiciariamente não provados
Inexistem factos alegados indiciariamente não provados relevantes para a decisão a proferir.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir da nulidade decisória, por omissão de pronúncia, por o Tribunal recorrido não ter indicado os factos não provados e não ter fundamentado a decisão de desnecessidade de prova testemunhal;
- aferir do erro decisório, por estar verificado o requisito fumus boni iuris, porque o acto suspendendo é manifestamente nulo, pois padece de falta de fundamentação, assenta em pressupostos de facto errados, preteriu o direito de audiência prévia do ora Recorrente e violou os princípios da boa-fé e da confiança jurídica.

É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.º 608.º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Também nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, para ocorrer a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de se verificar uma situação grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de Direito que levavam à sua decisão.
Explicou o Tribunal, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio. O Tribunal apreciou os pedidos formulados na acção e fundamentou a decisão com um extenso elenco de factos, a partir dos quais apreciou o Direito.
Para justificar a decisão apenas com base na prova documental, o Tribunal recorrido invocou a desnecessidade de outra prova para apreciar o requisito fumus boni iuris. Depois, decidiu a providência considerando a não verificação de tal requisito. Nesta consonância, a decisão recorrida não padece de nulidade alguma.
Em suma, não ocorre aqui qualquer nulidade decisória.

Da mesma forma, a decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento.
Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Quando dos factos concretos alegados pelo Requerente se antever que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, ter-se-á por preenchido o requisito periculum in mora.
Ainda aqui, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Quanto ao fumus boni iuris que ora se exige, encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

O Tribunal recorrido entendeu não verificado o requisito fumus boni iuris. Porque os requisitos para o decretamento da providência são cumulativos, a conclusão pela não verificação do requisito fumus boni iuris bastava para fazer, desde logo, claudicar a providência.
Assim, também não errou o Tribunal quando não procedeu à produção da prova testemunhal e considerou suficiente a prova documental já junta aos autos.
Para suportar o fumus boni iuris, o A. invocava na PI a contradição na fundamentação do acto suspendendo, a violação dos princípios da legalidade, da transparência, da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança jurídica, por a Administração ter determinado o encerramento do estabelecimento da A. e não ter considerado os elementos juntos à resposta dada no âmbito da audiência prévia e a preterição desse direito, por não terem sido ouvidas pela Administração as testemunhas ali indicadas.
Ora, para a apreciação destas ilegalidades, tal como bem se decidiu na decisão recorrida, bastava a apreciação da prova documental.
Nessa mesma medida, está correcta a decisão quando avançou para o conhecimento do mérito da acção sem abrir uma fase de instrução com a produção da prova testemunhal oferecida na PI.

Igualmente, a indicada decisão está correcta quando considerou não haver outros factos não provados com relevo para a decisão a tomar.
Na verdade, os factos que o ora Recorrente invoca como alegados e não considerados na decisão recorrida, são os factos relativos ao requisito periculum in mora. Ora, a presente providência claudicou por não se mostrar preenchido o requisito fumus boni iuris. Logo, no caso, não havia que prosseguir com a apreciação do requisito periculum in mora, pois a não verificação do primeiro daqueles requisitos implicava, desde logo, a improcedência da acção. Assim, não haviam mais factos com relevo para a decisão, porquanto os factos atinentes aos prejuízos decorrentes do tempo do processo já não importavam para a decisão a tomar.

No que se refere a apreciação do requisito fumus boni iuris na decisão recorrida julgou-se o seguinte: “A atividade desenvolvida pelo Requerente encontra-se regulada pelo Decreto- Lei n.° 64/2007, de 14 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, que define o regime jurídico de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas, estabelecendo o respetivo regime contraordenacional.
De acordo com o art.° 11.° desse diploma, os estabelecimentos sujeitos a esse regime só podem iniciar a atividade após a concessão da respetiva licença de funcionamento, cuja atribuição é da competência do Instituto da Segurança Social, IP, aqui Requerido.
Ora, apesar de já estar em funcionamento, o Requerente não requereu ao Instituto da Segurança Social, IP a atribuição dessa licença, pelo que o estabelecimento não é detentor da licença de funcionamento exigida pelos artigos 11.° e 18.° do Decreto- Lei n.° 64/2007. Aliás, não tendo sido requerida a atribuição dessa licença, também não poderia o Requerente beneficiar do regime de autorização provisória de funcionamento previsto no art.° 19.°, o qual depende da apresentação daquele requerimento e da constatação pela entidade competente de que, ainda que não se encontrem reunidas as condições exigidas para a concessão da licença, «seja previsível que as mesmas possam ser satisfeitas (...), salvo se as condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar.»
Assim, o Requerente explora o estabelecimento referido na al. A) dos factos provados sem licença de funcionamento e sem autorização provisória de funcionamento, não tendo, aliás, requerido a atribuição daquela licença.
A Entidade Demandada invoca outras ilegalidades e insuficiências na exploração que vem sendo efetuada, designadamente ao nível da falta de obtenção de autorizações, comprovativos e pareceres favoráveis, as quais denotam a falta de comprovação das condições de conformidade com as exigências legais e de segurança por parte das entidades competentes para o efeito.
Ora, a ilegalidade (e até clandestinidade) da exploração efetuada vincula a Entidade Demandada a decidir o encerramento imediato do estabelecimento, ao abrigo do art.° 35.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, como fez. Aliás, esta disposição até regula diretamente uma ilegalidade menos patente do que aquela ora em análise, porque tem por base uma situação em que, apesar de detentor de licença ou autorização provisória de funcionamento, o estabelecimento apresenta «deficiências graves nas condições de instalação, segurança, funcionamento, salubridade, higiene e conforto, que ponham em causa os direitos dos utentes ou a sua qualidade de vida.»» No caso em apreço, a ilegalidade é bem mais grave, porquanto o Requerente explora o estabelecimento sem ter requerido o licenciamento da atividade. O que justifica que esse comportamento esteja elencado como a primeira infração muito grave prevista no art.° 39.°-B do diploma.
(…) Os vícios imputados à deliberação suspendenda afiguram-se, também eles, manifestamente improcedentes.
Ao longo do requerimento inicial, o Requerente apela a um juízo de conveniência e oportunidade na prática de decisão de encerramento. No entanto, como exposto, a Entidade Demandada atuou no cumprimento de deveres estritamente vinculados, os quais impõem que seja determinado o encerramento imediato de estrutura residencial para idosos numa situação em que a licença de funcionamento não foi, sequer, requerida, funcionando à margem de qualquer controlo e fiscalização das condições de funcionamento e segurança pelas entidades administrativa competentes. E, como é sabido, de qualquer forma, estaria excluído de controlo jurisdicional a fiscalização da conveniência e oportunidade das decisões administrativas.
A alegada violação de princípios gerais da atuação administrativa também se afigura improcedente, não só porque não se vislumbra tal violação, mas também porque tais princípios, em regra, têm o seu campo de atuação limitada à atividade discricionária da Administração. O que, como exposto, não é o caso em apreço.
Aliás, no caso dos autos dificilmente poderiam ser conferidos efeitos invalidantes a uma eventual irregularidade ou ilegalidade que fosse detetada no procedimento, por ser manifesta a obrigação de determinar o encerramento do estabelecimento.
(…) No ponto 39.° do requerimento inicial, o Requerente alega a existência de contradição insanável entre a notificação do ato e «o corpo do parecer e do relatório final. »
O que se verifica é um lapso no texto de notificação da deliberação impugnada, a qual menciona que não foi recebida qualquer pronúncia de audiência prévia (facto J)), o que não corresponde à realidade, porquanto tal pronúncia foi apresentada (facto E)), tendo o relatório final que fundamentou a decisão suspendenda apreciado a argumentação apresentada (facto F)).
No entanto, contrariamente ao alegado, a notificação não constitui fundamentação do ato. Além de que qualquer irregularidade de que a notificação possa padecer (e, no caso, trata-se de um lapso, facilmente detetável pela leitura da fundamentação do ato) não afeta a validade da decisão administrativa, sendo uma formalidade posterior e externa à decisão em causa.
Mais alega o Requerente o vício de omissão de audiência prévia por não terem sido inquiridas as testemunhas arroladas, tendo sido decidido que as mesmas nada teriam a acrescentar sem cumprir o dever de questionar a que matéria iriam responder.
Ora, já foi referido que no procedimento em apreço houve lugar a audiência prévia, a qual foi exercida, tendo a fundamentação da deliberação suspendenda apreciado os argumentos apresentados.
É certo que não foram inquiridas as testemunhas indicadas pelo Requerente, mas a não realização dessa diligência probatória foi justificada, constatando-se que a justificação é plausível.
De facto, tendo sido realizada uma inspeção presencial às instalações exploradas pelo Requerente e tendo-se constatado a falta de licença de funcionamento e de vários pareceres, certificados e autorizações necessários ao desenvolvimento da atividade, as testemunhas arroladas nada podiam testemunhar que pudesse obstar à prolação de decisão de encerramento. Sem que exista qualquer ónus de, nestas circunstâncias, a Entidade Demandada questionar a que factos visariam depor, sendo tal informação irrelevante.
O Requerente também alegou que a decisão administrativa padece do vício de falta de fundamentação, não tendo sido cumpridos os requisitos do art.° 125.° do CPA.
Ora, os requisitos do dever de fundamentação constam atualmente do art.° 153.° do CPTA e verifica-se que a decisão de encerramento encontra-se motivada de forma clara e desenvolvida no projeto de relatório e no relatório final de que o Requerente foi notificado.
Afigura-se, assim, que a decisão suspendenda não será invalidada por padecer desse vício formal.
Por fim, ao longo do requerimento inicial, o Requerente refere-se aos efeitos da pandemia causada pela covid-19, nomeadamente para realçar o perigo que, para os utentes e população em geral, resultaria da execução da decisão de encerramento imediato da estrutura residencial.
Ora, à data da prolação da deliberação impugnada, não existia, nem era previsível, a propagação da referida pandemia e, muito menos, os efeitos que a mesma viria a ter, e tem, na vida da população. Razão pela qual, a deliberação impugnada não pode ser censurada por ter desconsiderado esta questão.
Assim, a pandemia não põe em causa a legalidade da deliberação suspendenda, cujos fundamentos e pressupostos fácticos e jurídicos se mantêm válidos, mas obriga a que seja reponderada a sua execução imediata. Ou seja, a decisão de encerramento permanece válida, mas tem de ser reponderado o momento e eventualmente a forma da sua execução.
A determinação do momento e forma da execução dessa deliberação cabe à Entidade Demandada, por ser a entidade administrativa mais idónea e com competência funcional para acautelar os interesses dos utentes da estrutura residencial, em colaboração com as autoridades de saúde e no integral cumprimento das normas jurídicas que, entretanto, foram e serão emanadas sobre a matéria.
Aliás, resulta da factualidade provada (facto O)) que, por despacho da Diretora do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais de 15-04-2020, «tendo presente a situação epidemiológica que o país atravessa»», foi decidido «suspender o procedimento administrativo de encerramento, sem prejuízo da tomada de medidas legais logo que esta seja ultrapassada.»
Desta forma, a pandemia covid-19 não põe em causa a validade da deliberação suspendenda, sendo questão a ter em conta e a analisar pela Entidade Demandada no âmbito da sua execução.
Nestes termos, para efeitos do disposto no art.° 120.° do CPA, não se encontra preenchido o requisito da “aparência do bom direito”, o que determina a necessária improcedência dos pedidos cautelares deduzidos.
Atento o decidido, fica prejudicado o conhecimento do requisito da primeira parte do n.° 1 do art.° 120.° do CPTA, nos termos do disposto no n.° 2 do art.° 608.° do CPC, aplicável por via do art.° 1.° do CPTA.”
Esta decisão está correcta, quer na sua fundamentação, quer no seu sentido decisório. Razão pelo que a sufragamos na íntegra e a mantemos.
Como decorre dos factos provados em F) a J), o acto suspendendo está fundamentado tanto através do seu próprio texto, como por via das remissões que são feitas para os anteriores relatórios e pareceres.
Por imposição do n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos devem ser expressamente fundamentados. Concretizando a imposição constitucional, o art.º 152º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) determina que a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, os quais ficarão a fazer, neste caso, parte integrante do respectivo acto (cf. também o artigo 153.º do CPA).
A fundamentação do acto administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo acto, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado.
Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do acto, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada acto administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão.
O STA “vem, desde há muito, entendendo que a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue. Objectivos esses de habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, caso com a mesma não se conforme (objectivo endoprocessual) e de assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e reflexão decisórias (objectivos exa ou extra-processuais)” (In Ac. da 1º Secção do STA de 18/06/1996, Rec. 39.316, in Apêndice ao DR de 23.10.1998, vol. III – Junho).
Atendendo à factualidade indiciariamente provada, o acto suspendendo contém uma indicação completa dos factos e das razões jurídicas que motivaram a decisão tomada. Essa fundamentação resulta do texto do acto e da remissão que se faz para os anteriores relatórios, pareceres e propostas.
Em suma, na situação em apreço é manifestamente improcedente a alegação relativa à falta de fundamentação do acto suspendendo.

O mesmo ocorre relativamente à invocada falta de audiência dos interessados, que como deriva dos factos C) a E), foi cumprida.
O direito de audiência dos interessados é comummente identificado na doutrina e jurisprudência como um postulado da democracia representativa e um corolário dos princípios do contraditório, da colaboração da Administração com os particulares e da participação dos particulares no procedimento administrativo (cf. art.º 267.º, n.º 5, da CRP - e art.º s 11.º e 12.º do CPA).
Em decorrência dessas imposições, determinam os art.ºs. 121.º a 125.º do CPA, o direito de audiência dos interessados antes da decisão final.
Pelo exposto, conforme os art.ºs 121.º e ss. do CPA, concluída a instrução, o A. e Recorrente tinha o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado, nomeadamente sobre o sentido provável desta, sob pena de se preterir uma formalidade que implica a anulabilidade do acto final.
Nos termos do n.º 1 do art.º 121.º do CPA, se o órgão instrutor optasse pela audiência escrita, notificaria o interessado, ora Recorrente para, em prazo não inferior a 10 dias, dizer que se lhe oferecesse. Tal notificação deveria fornecer os elementos necessários para que o interessado ficasse a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderia ser consultado – cf. n.º 2 do art.º 121.º do CPA.
Só após a resposta do interessado poderia, depois, ser tomada a decisão final, que tinha obrigatoriamente de ponderar os argumentos aduzidos naquela resposta – cf. art.º s 94.º, 126.º e 127.º do CPA.
Igualmente, a jurisprudência e a doutrina são pacíficas ao defenderem que compete (unicamente) ao órgão instrutor avaliar da necessidade ou da pertinência das diligências requeridas pelos particulares, não estando (legalmente) obrigado a realizá-las. Mas o órgão instrutor terá, necessariamente, que ponderar os pedidos e justificar sumariamente o seu indeferimento (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do STA P. n.º 041291, de 12/11/2003 ou 0650/06, de 06/02/2007, do TCAN n.º 00634/09.8BEVIS, de 08/05/2015 e na doutrina, entre outros, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim - Código do Procedimento Administrativo, Comentado. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 459; José Santos Botelho, Américo Pires Esteves, José Cândido Pinho - Código do Procedimento Administrativo, Comentado, Anotado. 5.ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, p.451; MONCADA, Luiz S. Cabral De - Código do Procedimento Administrativo, Anotado. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2015, p. 440).
Como resulta do acima exposto, no caso dos autos, para além de ter ocorrido o exigido momento de participação procedimental, com o exercício do direito de audiência prévia por banda do A. e Recorrente, os respectivos argumentos foram, depois, ponderados na decisão final. O mesmo ocorreu com as requeridas diligências de prova.
Portanto, atendendo aos factos indiciariamente provados é muito provável não se verificar o invocado vício de falta de audiência dos interessados.

Da mesma forma, atendendo à matéria factual indiciariamente apurada, a ordem suspendenda alicerçou-se no facto de o estabelecimento do A. não estar licenciado, nem estar autorizado o seu funcionamento. Igualmente, face à matéria indiciariamente provada, resulta que o A. e Recorrente não apresentou junto do ISS um qualquer pedido de licenciamento que pudesse vir a originar uma autorização provisória ao prosseguimento da actividade.
Tal como decorre daquela prova, o indicado estabelecimento funciona ilegalmente, estando desprovido de licença.
Logo, não ocorre aqui qualquer erro nos pressupostos de facto.
Mais se indique, que é jurisprudência firme do STA que face à invocação de erro nos pressupostos de facto, caberá ao A., que invoca o referido erro, a prova da sua existência (cf. entre outros os Acs. do STA de 29/02/1996, Proc. n.º 32066 e de 18/04/1996, Proc. n.º 34403).
Ora, tal prova não vem feita nos autos.
Acresce, que relativamente a esta invocação o A. também não cumpre cabalmente o seu ónus de substanciação, não concretizando e especificando os factos e razões que as suportam esta concreta alegação.

O mesmo se diga da alegada violação dos princípios da boa-fé e da confiança jurídica ou dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.

O estabelecimento em apreço estava a funcionar sem prévia licença, pelo que nos termos dos art.ºs 7.º, 11.º, 12.º, 18.º, 32.º, 35.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14/03, haveria necessariamente de ser determinado o seu encerramento - cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TCAS n.º 2671/16.7BELSB, de 24/05/2018, n.º 12598/15, de 12/11/2015 ou n.º 11374/14, de 23/1/2014 ou do TCAN n.º 00457/17.0BECBR, de 12/04/2019.
Mais se refira, que face aos factos indiciariamente provados também não resulta provável ou previsível que o estabelecimento em questão possa vir a deter as licenças e autorizações necessárias ao seu funcionamento, podendo aqui invocar-se o preceituado no art.º 19.º daquele diploma legal.

Em suma, no caso dos autos ocorre uma situação de fumus malus iuris. Porque os requisitos indicados no art.º 120.º do CPTA são cumulativos, a indicada constatação basta para que se deva considerar improcedente a providência requerida e julgado prejudicado o conhecimento dos demais requisitos, a saber, o requisito periculum in mora e a exigência da ponderação de interesses a qua alude o n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

Em suma, a presente decisão está inteiramente correcta, havendo de manter-se nos seus precisos termos.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 24 de Setembro de 2020.


(Sofia David)
O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.