Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:276/10.5BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:05/06/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ORÇAMENTO DO ESTADO
REGIÕES AUTÓNOMAS
LEI DAS FINANÇAS LOCAIS
Sumário:I. A Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (Lei das Finanças Locais), enquanto prevê a participação dos municípios em IRS, não retira às Regiões Autónomas receitas que lhes estão constitucionalmente destinadas.
II. Por força do disposto no artigo 63.º, n.º 3, da LFL, as Regiões Autónomas só verão escapar essas receitas se essa for a vontade expressa dos competentes órgãos regionais, plasmada em decreto legislativo regional.
III. O artigo 42.º da Lei do Orçamento do Estado para 2009, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, não derrogou a Lei das Finanças Locais.
IV. Aquele artigo justifica as transferências quantificadas no Mapa XIX com a pretensão de cumprimento da LFL, mas não estabelece qualquer nova norma, não adita ou altera qualquer norma à LFL, nem sequer a interpreta.
V. A omissão na lei do orçamento de transferências ou de dotações que nela devem estar inscritas, em resultado de vinculação legal, permitirá concluir pela sua ilegalidade.
VI. Já se fica prevista uma dotação ou transferência na convicção da sua exigência legal, mas se conclui que, afinal, tal exigência não existe, aquela dotação ou transferência não perde o seu carácter de mera previsão, não decorrendo dela, diretamente, o dever de transferência.
(sumário correspondente ao do acórdão do STA de 28/06/2012, proc. n.º 0272/12)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
O Município de Ponta Delgada instaurou ação administrativa contra o Estado Português, peticionando a condenação do réu no pagamento de indemnização no total de € 2.051.556,87, acrescida de juros de mora, atenta a ausência de inscrição e discriminação na Lei do Orçamento de Estado para 2009 das despesas de transferência relativas à participação variável de 5% no IRS.
Citado, o réu apresentou contestação, invocando as exceções dilatórias de incompetência em razão da matéria e de ilegitimidade passiva, no mais pugnando pela improcedência da ação.
Por sentença de 27/10/2017, o TAF de Ponta Delgada julgou a ação improcedente, por não provada, e absolveu o réu do pedido.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1.ª. Como decorre da Sentença recorrida, a presente ação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito foi julgada improcedente com base no pressuposto de que que «o IRS das pessoas singulares com domicílio fiscal na Região Autónoma dos Açores era receita desta Região e não do Estado», cabendo, por isso, à mesma, através do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.°, n.° 3, da LFL, «determinar a afetação da sua receita de IRS aos municípios da mesma Região, como o aqui Autor».
2ª. Noutros termos, o Tribunal a quo partiu da premissa — fixada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 488/08, datado de 14 de outubro de 2008, e, despois, replicada, sucessivamente, na jurisprudência citada na Sentença recorrida, em concreto nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de junho de 2012 e de 20 de junho de 2013, proferidos, respetivamente, no processo n.° 0272/12 e no processo n.° 0798/12, e bem assim nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de junho de 2014 e de 16 de março de 2017, proferidos, respetivamente, no processo n.° 08125/11 e no processo n.° 8907/12 — de que a participação variável de 5% no IRS dos municípios insulares constitui o resultado de uma transferência da titularidade de parte da receita do IRS das Regiões Autónomas para esses municípios...
3ª....e que, nessa medida, a transferência da referida participação variável de 5% no IRS, do Estado para os municípios, estava dependente da existência do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.°, n.° 3, da LFL.
4ª Sucede, porém, que, contrariamente ao que vem pressuposto na Sentença recorrida — e, portanto, na citada jurisprudência —, a participação variável de 5% no IRS deve ser reconduzida à categoria de receita municipal consistente no produto da participação municipal nas receitas fiscais do Estado constituindo a mesma, simplesmente, um novo critério de mensuração das transferências financeiras que devem ser efetuadas pelo Estado em cumprimento do direito de participação dos municípios nas receitas provenientes dos impostos diretos.
5ª Efetivamente, como demonstrado detidamente no âmbito da presente ação, a participação variável de 5% no IRS tem subjacente, não uma receita tributária própria do município, mas antes um direito de crédito dos municípios (designadamente, dos municípios das regiões autónomas) sobre o Estado.
6ª Significa o anterior, por conseguinte, que a participação variável de 5% no IRS corresponde a uma receita municipal insuscetível de afetar as receitas das Regiões Autónomas, não se encontrando a sua transferência — do Estado para os municípios — subordinada à aprovação do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.°, n.° 3, da LFL (o referido decreto legislativo regional tem outro propósito: visa tão somente regular a eventual renúncia dos municípios insulares a parte ou à totalidade Az participação variável de 5% no IRS, na medida em que a mesma — renúncia — produzirá um efeito correspondente a uma dedução à coleta dos sujeitos passivos domiciliados na correspondente circunscrição territorial do município renunciante, e, por conseguinte, um efeito, indireto, redutivo das receitas fiscais das Regiões Autónomas).
7ª Do que antecede resulta, igualmente, evidente que o Estado estava obrigado a inscrever, em cada período orçamental, os respetivos montantes como despesas de transferência nos Mapas de Base da Lei do Orçamento do Estado.
8ª. Ora, sucede, porém que o legislador orçamental não procedeu, contrariamente ao que estava legalmente vinculado, à inscrição das despesas de transferência impostas pelo regime participação de 5% no IRS, nos Mapas de Base das despesas (Mapas II e III) da Lei do Orçamento do Estado para 2009.
9ª. Assim, em resultado da falta de inscrição, nos Mapas de Base das Leis do Orçamento do Estado para 2009 e 2010, das despesas de transferência impostas pelo regime da participação de 5% no IRS, o Governo ficou impedido, por falta de cabimentação orçamental e sob pena de manifesta ilegalidade, de proceder à realização dos correspondentes atos de transferência financeira para o RECORRENTE, tendo este sofrido na sua esfera, em consequência, os correspondentes danos financeiros.
10ª. Em suma, o Estado elaborou a Lei do Orçamento para 2009 em desconformidade com artigo 105.°, n.° 2, da CRP e com o artigo 16.°, n.° 1, alínea a), Lei de Enquadramento Orçamental, preenchendo, desse modo, todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, tornando-se o mesmo, por esse motivo, responsável, perante o RECORRENTE, pelos danos causados, nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro.
11ª. Em face do exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida enferma de erro de direito, devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que condene o RECORRIDO a ressarcir todos os danos causados ao RECORRENTE em virtude da sua atuação ilícita.”
O réu, representado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, nas quais conclui pela inexistência de qualquer facto ilícito que sustente a pretensão do autor, pugnando pela improcedência do recurso.
O Juiz Relator, por decisão sumária de 30/10/2020, negou provimento ao recurso e assim manteve a decisão recorrida.
Notificado desta decisão, veio o recorrente interpor recurso de revista para o STA e, caso não se confirme a natureza coletiva da decisão notificada, se reconheça a sua nulidade por violação do disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CPC.
Por despacho de 07/04/2021, decidiu-se convolar o recurso de revista apresentado pelo Município de Ponta Delgada em reclamação para a conferência.
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Sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se a decisão sumária reclamada incorreu em:
- nulidade por violação do disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CPC;
- erro de julgamento, ao manter a sentença proferida pelo TAF de Ponta Delgada, que julgou a ação improcedente, por não provada, e absolveu o réu do pedido.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“A) Em 14.03.2008, a Presidência do Conselho de Ministros elaborou o ofício dirigido ao Presidente do Conselho de Administração da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores, com o seguinte teor:
“Assunto: Participação variável no IRS ao nível dos municípios das Regiões Autónomas
Aproveito a oportunidade para agradecer a presença de V. Ex.ª e dos demais membros da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores na reunião realizada no passado dia 29 de Janeiro, no âmbito da qual tive a oportunidade de, em conjunto com Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, clarificar a interpretação do disposto nos artigos 19.º e 20.º da Lei das Finanças Locais (LFL), no que respeita à participação dos municípios insulares nos impostos do Estado, em especial no que concerne ao Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS).
Face às conclusões expressas por V. Exa., e tal como pude realçar no âmbito da referida audiência, cabe a cada Região Autónoma o direito sobre a cobrança de IRS efectuada na respectiva circunscrição territorial, em integral respeito pela Constituição da República Portuguesa, bem como pela Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Não obstante, no âmbito da LFL, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, é atribuído a cada município o direito de, em cada ano, poder dispor de uma participação ao nível do IRS (até 5%) dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial. Com efeito, trata-se aqui de uma participação proveniente do Orçamento do Estado, constante da repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, nos termos definidos no artigo 19.º da LFL.
Para o efeito, e tal como se encontra expresso no artigo 20.º da LFL, cada município deverá deliberar sobre qual a percentagem pretendida pelo mesmo (até 5%), e informar a Direcção-Geral dos Impostos, sendo que, não ocorrendo a referida comunicação, o município manterá a participação inicialmente atribuída pela Lei de 5%.
Contudo, no que respeita aos Municípios das Regiões Autónomas, a possibilidade de deliberação com efeitos ao ano fiscal de 2009 depende de aprovação de respectivo decreto legislativo regional, em conformidade com o exigido pelo n.º 3 do artigo 63.º da LFL, entendendo-se que, enquanto não se verificar a respectiva adaptação por parte das Regiões Autónomas, os municípios mantêm a sua participação nos 5% do IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial. Não obstante, tais municípios encontram-se impossibilitados de deliberar no sentido de beneficiar os sujeitos passivos ali residentes por via de dedução à colecta em sede de IRS.” (dado como provado com base em documento junto à Réplica, fls. 158 e 159 dos autos físicos);
B) No que respeita aos municípios da Região Autónoma dos Açores, os serviços do Estado Português apenas efectuaram as transferências relativas à “participação variável de 5% no IRS” nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2009 (dado como provado por acordo das Partes, artigo 29.º da PI e artigo 29.º da Contestação);
C) Do valor de €2.335.362,00 constante do Mapa Derivado XIX da Lei n.º 64-A/2009, de 31.12, relativo à transferência de IRS para o aqui Autor, foi transferido para o Autor, em 2009, o valor de €389.227,00 (dado como provado por acordo das Partes, artigo 30.º, 35.º e 36.º da PI e artigo 29.º da Contestação e diploma legal disponível www.dgsi.pt);
D) Em 15.02.2010, a Direcção-Geral dos Impostos emitiu Certidão dos montantes que durante o ano de 2009 foram transferidos para a Região Autónoma dos Açores (dado como provado com base em documento junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, fls. 85 dos autos físicos);
E) Em 06.07.2010, a então Direcção-Geral das Finanças remeteu ao Tribunal de Contas, um ofício com o assunto “Relatório e Parecer sobre a Conta de Região Autónoma dos Açores de 2009.”, o qual tem em anexos “os mapas comparativos dos montantes transferidos para a Região Autónoma dos Açores, no decurso de 2009” (dado como provado com base em documento junto com a Contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, fls. 83 e 84 dos autos físicos);
F) Em 09.12.2010 foi apresentada a PI da presente acção, em Tribunal (dado como provado com base em fls. 2 dos autos físicos).”
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se ocorre:
- nulidade da decisão sumária por violação do disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CPC;
- erro de julgamento, ao manter a sentença proferida pelo TAF de Ponta Delgada, que julgou a ação improcedente, por não provada, e absolveu o réu do pedido.

i)
No que concerne à apontada nulidade, é patente que a mesma não se verifica.
Dispõe o artigo 131.º, n.º 3, do CPC, que “[o]s atos processuais que hajam de reduzir-se a escrito devem ser compostos de modo a não deixar dúvidas acerca da sua autenticidade formal e redigidos de maneira a tornar claro o seu conteúdo, possuindo as abreviaturas usadas significado inequívoco.”
Conforme se reconheceu no despacho de 15/03/2021, a fls. 1, parte inicial, da decisão sumária (fls. 445 SITAF) encontrava-se inserido por manifesto erro de escrita um parágrafo, que não respeita aos presentes autos, com o texto:
‘Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul.’
O manifesto erro de escrita decorre, à evidência, dos elementos constantes do SITAF: o processo não foi inscrito em tabela, a decisão foi registada como decisão sumária e as respetivas notificações às partes foram identificadas como notificações de decisão sumária.
Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 614.º, n.º 1, do CPC, foi retificada a decisão sumária, dando-se por não escrito o referido parágrafo.
Inexiste, pois, qualquer suporte legal que dê amparo ao pretendido reconhecimento de nulidade da decisão sumária.
Pelo que se impõe o seu indeferimento.

ii)
Na sentença objeto de recurso concluiu-se que a Lei de Orçamento de Estado para 2009 não violou o artigo 105.º da CRP, nem as normas da Lei de Enquadramento Orçamental, dado que não existia a obrigação de inscrever, nos respetivos mapas, a verba relativa à participação variável até 5% no IRS, a favor do município recorrente, pelo que não se encontrava verificado o requisito facto ilícito da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Ao que contrapõe o recorrente, em síntese:
- a participação variável de 5% no IRS deve ser reconduzida à categoria de receita municipal consistente no produto da participação municipal nas receitas fiscais do Estado, pois que se trata de um direito de crédito dos municípios sobre o Estado;
- assim, não se encontra subordinada à aprovação do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.º, n.º 3, da LFL, estando o Estado obrigado a inscrever, em cada período orçamental, os respetivos montantes como despesas de transferência nos Mapas de Base da Lei do Orçamento do Estado;
- não o tendo feito, elaborou a Lei do Orçamento para 2009 em desconformidade com artigo 105.º, n.º 2, da CRP e com o artigo 16.º, n.º 1, al. a), da Lei de Enquadramento Orçamental, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

Adiante-se já que não merece censura a decisão sob recurso, que portanto será de manter.
Todas as questões aqui invocadas foram objeto de apreciação pelo STA em caso no qual são idênticas as questões de direito controvertidas, no acórdão tirado no processo n.º 0272/12, datado de 28/06/2012.
Por se sufragar na íntegra tal entendimento, adota-se aqui a fundamentação aí vertida e que se passa a reproduzir:
2.2. Está aqui em causa saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou bem ao decidir, como lhe havia sido pedido pelo Município do Funchal, que o Estado, através do Ministério das Finanças e da Administração Pública, tinha o dever de transferir para aquele município, a título de participação nas receitas do IRS, a verba constante do mapa XIX do Orçamento do Estado para 2009, aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
Em rigor, o pedido e a decisão ativeram-se ao dever de transferência respeitante aos meses de Março a Dezembro de 2009, já que houve transferência no que respeita aos meses de Janeiro e Fevereiro.
Vejamos da Lei 64-A/2008, de 31.12, os preceitos essenciais para a compreensão do problema.
«Artigo 1.º
Aprovação
1 - É aprovado pela presente lei o Orçamento do Estado para o ano de 2009, constante dos mapas seguintes:
[…]
g) Mapa XVIII, com as transferências para as regiões autónomas;
h) Mapa XIX, com as transferências para os municípios;
i) Mapa XX, com as transferências para as freguesias;
[…]»
«Artigo 12.º
Retenção de montantes nas transferências
1 - As transferências correntes e de capital do Orçamento do Estado para os organismos autónomos da administração central, para as regiões autónomas e para as autarquias locais podem ser retidas para satisfazer débitos, vencidos e exigíveis, constituídos a favor da CGA, I. P., da Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE), do SNS, da segurança social e da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, e ainda em matéria de contribuições e impostos, bem como dos resultantes da não utilização ou utilização indevida de fundos comunitários.
2 - A retenção a que se refere o número anterior, no que respeita a débitos das regiões autónomas, não pode ultrapassar 5 % do montante de transferência anual.
3 - As transferências referidas no n.º 1, no que respeita a débitos das autarquias locais, salvaguardando o regime especial previsto no Código das Expropriações, só podem ser retidas nos termos previstos na Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, alterada pelas Leis n.os 22-A/2007, de 29 de Junho, e 67-A/2007, de 31 de Dezembro.
4 - Quando não seja tempestivamente prestada ao Ministério das Finanças e da Administração Pública, pelos órgãos competentes e por motivo que lhes seja imputável, a informação tipificada na lei de enquadramento orçamental, bem como a que venha a ser anualmente definida no decreto-lei de execução orçamental ou outra disposição legal aplicável, podem ser retidas as transferências e recusadas as antecipações de duodécimos, nos termos a fixar no decreto-lei de execução orçamental e até que a situação seja devidamente sanada».
«CAPÍTULO IV
Finanças locais
Artigo 42.º
Montantes da participação das autarquias locais nos impostos do Estado
1 - Em 2009, o montante global da participação dos municípios nos impostos do Estado é fixado em (euro) 2 521 351 422, sendo o montante a atribuir a cada município o que consta do mapa XIX em anexo.
2 - A participação prevista no número anterior é distribuída nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, da seguinte forma:
a) Uma subvenção geral fixada em (euro) 1 955 308 873 para o Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF);
b) Uma subvenção específica fixada em (euro) 166 633 738 para o Fundo Social Municipal (FSM);
c) Uma participação de 5 % no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, calculada em (euro) 399 408 811, para efeitos de repartição de recursos públicos entre o Estado e os municípios, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro.
3 - A participação variável no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, incluída na coluna (7) do mapa XIX em anexo, resulta da aplicação da percentagem deliberada pelo município aos rendimentos de 2007, nos termos previstos no n.os 2 e 3 do artigo 20.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, correspondendo a diferença, face ao valor da coluna (5) do mesmo mapa, à dedução à colecta em sede de IRS, nos termos do n.º 4 do artigo 20.º do mesmo diploma.
4 - A repartição final entre municípios assegura o cumprimento do previsto no artigo 29.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Fevereiro.
5 - Em 2009, o montante do FSM indicado na alínea b) do n.º 2 destina-se exclusivamente ao financiamento de competências exercidas pelos municípios no domínio da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, a distribuir de acordo com os indicadores identificados na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro.
6 - No ano de 2009, o montante global do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF) é fixado em (euro) 208 128 907, sendo o montante a atribuir a cada freguesia o que consta do mapa XX em anexo.
7 - O montante global do FFF referido no número anterior integra, nos termos do n.º 5 do artigo 32.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, as verbas necessárias para o pagamento das despesas relativas à compensação por encargos dos membros do órgão executivo da freguesia, bem como as senhas de presença dos membros do órgão deliberativo para a realização do número de reuniões obrigatórias, nos termos da lei.
8 - O montante referido no número anterior engloba o pagamento de todos os montantes devidos aos membros dos órgãos das juntas de freguesia pelo exercício das suas funções, designadamente os devidos a título de remuneração.
9 - Nas situações em que os encargos referidos no número anterior, respeitadas as condições previstas no artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 268/2003, de 28 de Outubro, e pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, ultrapassem as receitas totais da freguesia, pode esta requerer, junto da Direcção-Geral das Autarquias Locais, o financiamento do montante em excesso.
10 - É retida do FFF, de forma proporcional à dotação prevista no mapa XX, a verba necessária para fazer face à despesa referida no número anterior.
11 - Para efeitos do disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 29.º, 4 do artigo 32.º, 2 do artigo 57.º e 2 do artigo 60.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, o apuramento da capitação nestes referida é feito tendo em conta a soma do imposto municipal sobre imóveis (IMI), do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), do imposto municipal sobre veículos (IMV), da parcela do produto de imposto único de circulação (IUC) que constitui receita dos municípios e da participação municipal no IRS indicada na coluna (5) do mapa XIX em anexo».
No «MAPA XIX – TRANSFERÊNCIAS PARA OS MUNICÍPIOS PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS NOS IMPOSTOS DO ESTADO – 2009» consta
« […

...]»
2.2.2. O IRS a transferir para o município do Funchal era assim de 5484640 euros.
Esse montante correspondia a uma quantia mensal de 457053,33 euros. E havia sido transferida a quantia dos meses de Janeiro e Fevereiro, por isso que o Autor formulou o pedido de condenação no pagamento de 4570533,33 euros.
Observada a Lei do Orçamento, verifica-se que aprova as transferências para os municípios e fixa logo o seu montante.
Como decorre do texto do artigo 42.º, as transferências quantificadas no mapa XIX têm a sua justificação na pretensão de cumprimento do disposto na Lei de Finanças Locais sobre a repartição de recursos públicos entre o Estado e as Autarquias locais.
Na circunstância, o Ministério das Finanças e da Administração Pública deixou, a partir de Março de 2009, de executar a transferência, porque a partir dessa altura considerou que aquela transferência, afinal, não lhe era imposta pela Lei n.º 2/2007, e não lhe era imposta directamente pela lei do orçamento.
Entende o MFAP que «o Estado não poderá substituir-se às Regiões Autónomas num acto que a LFL expressamente enuncia como sendo da sua competência (arts. 19°, nº 1, aI. c), 20° e 63° da LFL). / XXXVII. Assim, dado que desde o ano de 2009 se procedeu à aplicação plena do art. 20° da LFL, e uma vez que a RA da Madeira, durante esse mesmo ano, recebeu a totalidade do IRS a que tinha direito nos termos legais, caber-lhe-ia fazer a devida afectação aos municípios da Região, designadamente ao Município do Funchal da parcela variável a que têm direito, através do decreto-Iegislativo regional previsto no art. 63° da LFL.
2.2.3. Recordem-se, agora também da Lei n.º 2/2007, outros preceitos importantes para a compreensão do problema.
«TÍTULO III
Repartição de recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais
Artigo 19.º
Repartição de recursos públicos entre o Estado e os municípios
1 - A repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, tendo em vista atingir os objectivos de equilíbrio financeiro horizontal e vertical, é obtida através das seguintes formas de participação:
a) Uma subvenção geral determinada a partir do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) cujo valor é igual a 25,3% da média aritmética simples da receita proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), IRC e sobre o valor acrescentado (IVA);
b) Uma subvenção específica determinada a partir do Fundo Social Municipal (FSM) cujo valor corresponde às despesas relativas às atribuições e competências transferidas da administração central para os municípios;
c) Uma participação variável de 5% no IRS, determinada nos termos do artigo 20.º, dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, calculada sobre a respectiva colecta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS.
2 - A receita dos impostos a que se refere a alínea a) do número anterior é a que corresponde à receita líquida destes impostos no penúltimo ano relativamente àquele a que o Orçamento do Estado se refere, excluindo:
a) A participação referida na alínea c) do número anterior;
b) No que respeita ao IVA, a receita consignada, de carácter excepcional ou temporário, a outros subsectores das administrações públicas.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por receita líquida o valor inscrito no mapa de execução orçamental, segundo a classificação económica, respeitante aos serviços integrados.
4 - Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1, considera-se como domicílio fiscal o do sujeito passivo identificado em primeiro lugar na respectiva declaração de rendimentos».
«Artigo 20.º
Participação variável no IRS
1 - Os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável até 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, relativa aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respectiva colecta líquida das deduções previstas no n.º 1 do artigo 78.º do Código do IRS.
2 - A participação referida no número anterior depende de deliberação sobre a percentagem de IRS pretendida pelo município, a qual deve ser comunicada por via electrónica pela respectiva câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos, até 31 de Dezembro do ano anterior àquele a que respeitam os rendimentos.
3 - A ausência da comunicação a que se refere o número anterior ou a recepção da comunicação para além do prazo aí estabelecido equivale à falta de deliberação.
4 - Caso a percentagem deliberada pelo município seja inferior à taxa máxima definida no n.º 1, o produto da diferença de taxas e a colecta líquida é considerado como dedução à colecta do IRS, a favor do sujeito passivo, relativo aos rendimentos do ano imediatamente anterior àquele a que respeita a participação variável referida no n.º 1, desde que a respectiva liquidação tenha sido feita com base em declaração apresentada dentro do prazo legal e com os elementos nela constantes.
5 - A inexistência da dedução à colecta a que se refere o número anterior não determina, em caso algum, um acréscimo ao montante da participação variável apurada com base na percentagem deliberada pelo município.
6 - Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se como domicílio fiscal o do sujeito passivo identificado em primeiro lugar na respectiva declaração de rendimentos.
7 - O produto da participação variável no IRS é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos».
«Artigo 29.º
Variações máximas
1 - A participação de cada município nos impostos do Estado, incluindo os montantes do FEF, FSM e da participação no IRS referida na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º, não pode sofrer uma diminuição superior a 5% da participação nas transferências financeiras do ano anterior para os municípios com capitação de impostos locais superior a 1,25 da média nacional, nem uma diminuição superior a 2,5% da referida participação, para os municípios com capitação inferior a 1,25 vezes aquela média.
2 - A participação de cada município nos impostos do Estado, incluindo os montantes do FEF, FSM e da participação no IRS referida na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º, não pode sofrer um acréscimo superior a 5% da participação relativa às transferências financeiras do ano anterior.
3 - A compensação necessária para assegurar os montantes mínimos previstos no n.º 1 efectua-se pelos excedentes que advenham da aplicação do número anterior, bem como, se necessário, mediante dedução proporcional à diferença entre as transferências previstas e os montantes mínimos garantidos para os municípios que tenham transferências superiores aos montantes mínimos a que teriam direito.
4 - O excedente resultante do disposto nos n.os 2 e 3 é distribuído de forma proporcional pelos municípios com uma capitação de impostos locais inferior a 1,25 vezes a capitação média nacional daqueles impostos».
«Artigo 63.º
Adaptação às Regiões Autónomas
1 - A presente lei é directamente aplicável aos municípios e freguesias das Regiões Autónomas, com as adaptações previstas nos números seguintes.
2 - A transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efectuam-se nos termos a prever em decreto legislativo da respectiva assembleia legislativa.
3 - A aplicação às Regiões Autónomas do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º e no artigo 20.º da presente lei efectua-se mediante decreto legislativo regional.
4 - Tendo em conta as especificidades das Regiões Autónomas, as assembleias legislativas das Regiões Autónomas podem definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as suas autarquias locais».
Na tese do recorrente, em contrário da sentença e do recorrido, os municípios das regiões autónomas não têm direito à repartição dos recursos entre o Estado e os municípios, no que respeita à participação no IRS. Têm é direito a uma repartição de recursos, em IRS, entre as regiões autónomas e eles, municípios. E tudo porque nos termos do artigo 63.º, 3, da LFL, «A aplicação às Regiões Autónomas do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º e no artigo 20.º da presente lei efectua-se mediante decreto legislativo regional».
Vejamos.
2.2.4. O Tribunal Constitucional teve oportunidade de discutir a constitucionalidade e legalidade do disposto nos artigos 19.º, n.º 1, c), 20.º e 59.º da Lei n.º 2/2007, na sua aplicação aos municípios da Região Autónoma da Madeira, no processo n.º 717/07, pelo acórdão n.º 499/08, de 14.10.2008, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol 73.º, pág. 33 e seguintes, também disponível na base de dados deste Tribunal (www.tribunalconstitucional.pt).
Como decorre do acórdão, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira formulara pedido de fiscalização abstracta sucessiva porque, nomeadamente, entendia que aqueles preceitos subtraíam à Região Autómoma uma parcela da totalidade do IRS a que têm direito.
Ora, o Tribunal Constitucional veio a decidir:
«b) não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 19º, nº 1, al. c), 20º e 59º da Lei nº 2/2007, na sua aplicação aos Municípios da Região Autónoma da Madeira».
Da sua fundamentação interessa recordar, principalmente, o seguinte segmento:
«8.3. Assim delimitado o exacto alcance da reserva regional das receitas geradas e cobradas nas Regiões Autónomas, acolhendo-se a interpretação segundo a qual as receitas aí geradas e cobradas são, na sua íntegra, receitas dos orçamentos regionais, nem por isso se pode concluir que os artigos 19.º, n.º 1, al. c), 20.º e 59.º da actual Lei das Finanças Locais, que consagram a nova fórmula de cálculo das transferências do Estado para os municípios (que, como se viu, prevê uma participação variável dos mesmos no IRS, ou seja, que permite uma ‘municipalização’ de uma pequena parcela das transferências estaduais relativas ao IRS, podendo os municípios abdicar de uma parte dessa transferência ou tão só modular ou diferenciar localmente o IRS, as respectivas prestações), vieram chocar com a ‘localização’ dos impostos nas Regiões Autónomas. Isto porque aqueles preceitos, per se, são inoperantes em relação às Regiões Autónomas. Com efeito, a aplicação do regime neles contido efectuar-se-á, nos termos do n.º 3 do artigo 63.º daquele diploma legal, através de um decreto legislativo regional. Esta última disposição introduziu um mecanismo que não permite acolher o raciocínio do Requerente quanto à inconstitucionalidade dos preceitos que constituem o objecto do seu pedido de fiscalização. Pela simples razão de que o mesmo apenas questiona a aplicação do regime neles previsto (e não o regime em si) às Regiões Autónomas, e esta não decorre dos artigos 19.º, n.º 1, al. c), 20.º e 59.º da Lei n.º 2/2007, mas de um decreto legislativo regional que venha a ser criado pelas competentes assembleias legislativas regionais com vista a torná-lo operativo nas respectivas regiões. Isto decorre de forma clara do n.º 3 do artigo 63.º, o qual abre uma excepção, quanto a este específico aspecto, à aplicabilidade directa do diploma das finanças locais às Regiões Autónomas prevista no nº 1 da mesma disposição.
Assim sendo, não é possível sustentar a violação, pelos artigos 19.º, n.º 1, 20.º e 59.º da Lei nº 2/2007, de uma norma constitucional, mais concretamente do artigo 227.º, n.º 1, al. j), pois os orçamentos das Regiões Autónomas apenas verão escapar receitas que lhes estavam originariamente – de acordo com o texto constitucional – destinadas, se essa for a vontade expressa dos competentes órgãos regionais, plasmada num decreto legislativo regional. Como bem refere o recente Acórdão n.º 551/2007, que, por sua vez, cita o Acórdão n.º 403/89, no qual se afirma o seguinte: “(…) o exercício pelos órgãos regionais da faculdade de impugnação da constitucionalidade de normas dimanadas de órgãos de soberania pressupõe uma legitimidade qualificada pela violação de direitos das regiões. É precisamente a circunstância de ser accionado, por esta via, um poder de garantia dos poderes das regiões, que fornece o critério de determinação do âmbito do pedido. Só têm (devem) ser consideradas as normas que (…) violem direitos constitucionalmente conferidos às regiões e na medida em que essas normas se destinem a nelas ser aplicadas (…)”.
Não decorrendo uma tal violação, nos termos referidos, dos artigos cuja constitucionalidade vem impugnada, há assim que negar procedência ao pedido do Requerente.
8.4. Aqui chegados, importa notar que não faz sentido tratar autonomamente a alegada ilegalidade por violação do artigo 112º do EPA-RAM.
Com efeito, do confronto entre o artigo 227.º, n.º 1, al. j), da CRP e o artigo 112º do EPA-RAM não resulta qualquer discrepância significativa de sentido normativo, sendo que a norma constitucional já assegura expressamente que as Regiões Autónomas gozam do direito de dispor das receitas fiscais cobradas nos respectivos territórios arquipelágicos, pelo que se decide não conhecer do pedido de ilegalidade que se funda na violação do artigo 112º, nº 1, do EPA-RAM».
No quadro da interpretação do Tribunal Constitucional, portanto, os municípios das regiões autónomas não obtêm directamente dos preceitos da Lei de Finanças Locais o reconhecimento do direito a montantes de IRS. Apenas através de decreto-legislativo regional obterão esse reconhecimento.
No quadro daquela mesma interpretação, que aqui se acompanha, não pode obter acolhimento a tese da sentença recorrida de que o artigo 63.º, n.º 3, da LFL é uma norma inútil e de que entendida como a recorrente entende seria inconstitucional. E também não obtém acolhimento a tese do município quanto à interpretação da mesma norma. É que é o próprio Tribunal Constitucional que contraria essa tese.
Deste modo, não cabia ao Estado proceder directamente a transferência para os municípios das regiões autónomas a título de participação em IRS cobrado nessas regiões.
2.2.5. Mas será que se pode afirmar, em qualquer caso, que uma coisa será não decorrer da Lei das Finanças Locais o direito a montantes de IRS, outra coisa será decorrer esse direito directamente da Lei do Orçamento ou, pelo menos, decorrer da Lei do Orçamento uma vinculação de transferência.
Esta é ainda, de algum modo, a tese da sentença, e é a tese do município recorrido, «porque a verdade é que a LOE para 2009 consignou, de forma expressa e clara, a favor do Município do Funchal a verba em causa e a LOE (da competência exclusiva da Assembleia da República) é uma lei, que, por ser posterior, prevalece sobre a LFL, que é também uma lei (da competência relativa da Assembleia da República)./ K. Assim, mesmo se se entendesse que tal preceito exigia realmente um decreto legislativo regional para efeitos da transferência das verbas ou, mais ainda, que seria intenção sua fazer recair sobre as RA a responsabilidade de procederem, à custa do seu património, às transferências a que os municípios regionais têm direito a título de participação no IRS, essa exigência ou solução teria sido revogada ou derrogada pela LOE para 2009.»
Afigura-se, em primeiro lugar, que deve afastar-se a ideia de que a LOE revogou ou derrogou a LFL.
É que o que apenas resulta da LOE é que pretende cumprir a LFL.
E na verdade, se no domínio económico o Orçamento é uma previsão (plano) e no domínio político é uma autorização política (vd. António L de Sousa Franco – Finanças Públicas e Direito Financeiro Vol. I e II, 4ª edição, 14ª reimpressão, Almedina 2012, pp 338, 339), não se contesta que ele tem que ter «em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato», inscrevendo obrigatoriamente as dotações necessárias para o seu cumprimento (artigo 105.º, n.º 2, da CRP, artigo 16.º, n.º 1, a), da lei de enquadramento orçamental, Lei n.º 91/2001, de 20.8, com sucessivas alterações).
Ora, o artigo 42.º da Lei n.º 64-A/2008 justifica a transferência quantificada no Mapa XIX com aquela pretensão de cumprimento, mas não estabelece qualquer nova norma, não adita ou altera qualquer norma à LFL, nem sequer a interpreta (este problema pode vir a suscitar-se, com exigência de outra discussão, perante as leis do orçamento do Estado para 2011 e para 2012, com as normas interpretativas que aí ficaram a constar).
Por isso, não se trata de enquanto lei posterior prevalecer sobre lei anterior, pois que as duas se situam em planos diferentes.
A lei de 2008 pretende, simplesmente, cumprir a LFL, funda-se nela e é ela que lhe dá o suporte.
2.2.6. Em geral, a omissão na lei do orçamento de transferências ou de dotações que nela devem estar inscritas, em resultado de vinculação legal, permitirá concluir pela ilegalidade da lei do orçamento, situação em que, por isso, se «exigirá, como é óbvio que se abandone a reiterada ideia de que a lei do orçamento é um simples cálculo ou previsão» (José Joaquim Gomes Canotilho, “A Lei do Orçamento na Teoria da Lei”, em Universidade de Coimbra, Boletim da Faculdade de Direito Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, II, pág. 581.
Diversamente, se fica prevista uma dotação ou transferência na convicção da sua exigência legal, quando se concluir que, afinal, tal exigência não existe.
Nesse caso, aquela dotação ou transferência não perderá o seu carácter de mera previsão, não decorrendo dela directamente o dever de transferência (outra coisa, ainda, será hipotética consequência a nível de responsabilidade, perante as autarquias que não vêm ser-lhes entregues as quantias constantes dos respectivos mapas).
Poder-se-ia contrapor, como de certa maneira fazem a sentença e o recorrido, que o Governo se deve limitar a executar o Orçamento. E sem dúvida que lei do orçamento «tem eficácia vinculante em primeiro lugar em relação ao Governo, obrigando-o a executar o orçamento» (em nota IX art. 106, JJ Gomes Canotilho Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada” Vol I, Coimbra Editora 2007).
Mas deve ponderar-se essa incumbência.
Que é competência do Governo fazer executar o Orçamento do Estado, é cristalino, por textualizado no artigo 199.º, b), da Constituição.
Mas precisamente porque lhe cumpre executar, é que deve executar bem. Não se trata de uma actividade mecânica.
Com efeito, há um conjunto vasto de determinações do Orçamento respeitante, por exemplo, a cativações, a retenções, a acertos, sistema de pagamento duodecimal, que têm de ser respeitadas. E se têm de ser respeitadas também o deverão ser, afinal, as disposições em que se fundam as transferências.
Não teria sentido que o Governo procedesse a transferências que implicassem desrespeito da lei que se intentava cumprir ao contemplar-se no Orçamento.
E na verdade, «seria confundir as coisas dizer que as obrigações de gastar são determinadas pela inscrição orçamental de rubricas de despesa, ainda que assinaladas por uma designação que evidencie o fim a que se destinam: só uma lei – incluída ou não no Orçamento – será susceptível de originar a obrigatoriedade de gastar certas quantias» (António Lobo Xavier, “O Orçamento Como Lei”, em Separata do Boletim de Ciências Económicas, Coimbra 2000, pag. 170. Embora o Autor defenda, depois, a necessidade de um acto normativo para a anulação ou redução dos créditos orçamentais).
Note-se que se estaria votada ao fracasso acção baseada em omissão na lei do orçamento de alegada dotação obrigatória, que, afinal, se concluía não ser obrigatória, também tem de estar votada ao fracasso acção tendente a obter efectiva transferência de quantia inscrita na suposição de que era obrigatória a transferência, quando igualmente se conclui que nem era obrigatória nem era devida.
Sublinhe-se que não se trata, aqui, de se permitir que o Governo suspenda restrinja ou cancele dotações orçamentais ou transferências que correspondam à execução financeira de obrigações legais (ainda António L de Sousa Franco, ob. cit., págs. 407, 408).
Do que se trata é de se verificar, no quadro da execução da autorização de transferência que ela, afinal, não tem justificação legal para ser feita.
E logo se vê, tal como defende o recorrente, que não pode ter cobertura a transferência a título de participação em imposto do Estado de mais do que o próprio imposto.
Não se pode transferir o que não há.
Com efeito, se pertencem às regiões autónomas as receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, incluindo o respectivo IRS, conforme considerou o Tribunal Constitucional, o Estado não pode transferir o que não tem.
Por isso se entende a linguagem do recorrente no sentido de que a transferência para os municípios das regiões autónomas equivaleria, afinal, a transferir 105%, isto é, a ficar na região autónoma mais do que o próprio imposto - 100% para as regiões autónomas, mais 5% para as autarquias dessas regiões.
Então, não seria, já, transferência a título de participação em impostos do Estado, poderia ser, quando muito, uma subvenção ou subsídio. Mas não é de subvenção ou subsídio que se trata na transferência aqui em discussão.
Tal entendimento veio desde então a ser seguido no acórdão do STA de 20/06/2013, proc. n.º 0798/12, e nos acórdãos deste TCAS de 19/06/2014, proc. n.º 08125/11, de 29/10/2015, proc. n.º 8908/2012, e de 07/01/2021, proc. n.º 433/11.7BEPDL.
Fazendo nossa a fundamentação do referido aresto, impõe-se concluir que bem andou o Tribunal a quo, ao julgar não verificado o pressuposto facto ilícito da invocada responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.

Em suma, será de indeferir a reclamação para a conferência da decisão sumária, que negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
*

IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação para a conferência, nos seguintes termos:
-indeferir a arguição de nulidade da decisão sumária;
- manter a decisão de negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do reclamante.

Lisboa, 6 de maio de 2021

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Lameira e Catarina Vasconcelos têm voto de conformidade com o presente acórdão.
(Pedro Nuno Figueiredo)