Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1874/23.2BELRS-S1 |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/30/2025 |
| Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
| Descritores: | ILEGITIMIDADE ACTIVA RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA |
| Sumário: | Os repercutidos, ou seja, os adquirentes finais de combustíveis a quem a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi repercutida, têm legitimidade processual para impugnar os actos de liquidação da CSR e exigir reembolso, caso consigam demonstrar que suportaram efectivamente esse encargo. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul * A FP, notificada da decisão sumária, proferida por este Tribunal nos autos acima identificados, a qual julgou procedente o recurso interposto por T........ S.A., considerando-a parte com legitimidade activa, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 652.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, apresentar RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, com o seguinte teor: “1. A recorrente foi notificada da decisão sumária proferida em 31-07-2025, nos termos da qual foi decidido:“Face ao exposto, decide-se CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência revogar o despacho recorrido, quanto ao segmento relativo à ilegitimidade activa da Recorrente." 2. Em causa nos presentes autos está a discussão da legitimidade da Impugnante, que, não se conformando com o montante que alega ter suportado a título de contribuição de serviço rodoviário (CSR) referentes ao período compreendido entre 01/04/2019 a 31/12/2021, na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado, deduziu impugnação judicial em 14/13/2023, com os fundamentos constantes da petição que aqui se dão por integralmente reproduzidos.3. Em 21/12/2023, o Tribunal Tributário de Lisboa proferiu um despacho, em que se decidiu pela ilegitimidade ativa da Impugnante, nos seguintes termos:“Assim, a sua legitimidade no caso restringe-se àquela em que assenta o seu atuar com base no direito a reembolsos [rectius: a reembolsos maiores que os que já lhe foram reconhecidos e entregues - tendo embora em conta o já efetivamente restituído], quanto ao mais procedendo imediatamente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Impugnante, nos termos das normas citadas, em conjugação com o preceituado no art.89°n.os1, 2 e 4 corpo e alínea e) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aqui supletivamente aplicável ex vi do art.2° corpo e alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” 4. A Impugnante recorreu deste despacho para o Tribunal Central Administrativo Sul, que proferiu a decisão sumária que aqui se reclama em 31/07/2025.5. Vem a decisão sumária elaborada nos termos do artigo 656.° do CPC, por considerar que se trata de uma questão simples, já jurisdicionalmente apreciada de modo uniforme e reiterado pela jurisprudência.6. Com o devido respeito, entende a reclamante que a decisão sumária padece de erro de julgamento, por errada interpretação dos normativos legais aplicáveis e inexistência de fundamento para decisão sumária, nos termos que se expõem infra.7. Desde logo, o recurso interposto suscita questões jurídicas relevantes que carecem de apreciação colegial, e não existe jurisprudência uniforme ou reiterada dos tribunais superiores sobre a matéria em apreço que permita considerar a existência de um entendimento pacífico, o que afasta o requisito a que alude o artigo 656.° do CPC.8. Com efeito, a jurisprudência do CAAD indicada na decisão sumária ainda não transitou em julgado, encontrando-se pendente de recurso no Tribunal Central Administrativo.9. De referir ainda que, relativamente ao processo n.° 145/2024-T, de 09-08-2024, mencionado na decisão sumária, ficou decidido que:“(…) e. Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida a reembolsar a Requerente da CSR paga; f. Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.” 10. O entendimento de que os repercutidos, neste caso a Impugnante, são parte legitima nas ações de reembolso de CSR que não entregaram ao Estado, poderá levar a AT a ser sucessivamente condenada a pagar montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os diferentes operadores económicos intervenientes na cadeia comercial de combustíveis, com manifesto prejuízo para o Estado.11. Ora, é entendimento da Fazenda Pública que a questão em causa nos presentes autos reveste-se de extrema importância e complexidade, pela sua relevância jurídica e social e, como iremos demonstrar, o CAAD e os Tribunais Tributários têm decidido no sentido defendido pela administração tributária, isto é, pela ilegitimidade dos repercutidos nas ações de pedidos de reembolso de montantes que alegam ter suportado a título de contribuição de serviço rodoviário.12. Assim, a questão em causa está longe de ser simples e consolidada na jurisprudência, motivo pelo qual vem a Fazenda Pública reclamar para a conferência da decisão sumária proferida, nos termos do n.° 3 do artigo 652.° do CPC e n.° 2 do artigo 27.° e n.° 1 do artigo 29.° do CPTA.II. Breve enquadramento 13. A contribuição de serviço rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.° 55/2007, de 31 de agosto, tendo entrado em vigor em 01-01-2008. De acordo com o disposto no artigo 1.° e no n.° 1 do artigo 3.° da Lei n.° 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da I........, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.14. Conforme dispõe o n.° 1 do artigo 5.° da Lei n.° 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.° do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).15. Por sua vez, o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), na redação aplicável ao caso em concreto, define sujeito passivo no artigo 4.° e no artigo 15.° estabelece a regras para o reembolso.16. Ou seja, na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de CSR.17. O facto gerador do ISP é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto, cf. artigos 7.° e 9.° do CIEC, sendo este também o momento em que o mesmo se torna exigível, conforme decorre do artigo 8.° do CIEC.18. Esta operação é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), cf. artigo 10.° do CIEC.19. A DIC contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente.20. Efetivamente, conforme se encontra determinado pelo artigo 91.° do CIEC, os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação.21. Assim, no caso da gasolina e gasóleo, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15° C.22. Ou seja, aquando da declaração para introdução no consumo são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15° C.23. As introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática, cf. artigo 10.°-A do CIEC.24. Neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação, cf. artigos 11.° e 12.° do CIEC.25. Estes produtos introduzidos no consumo e já declarados nas respetivas DIC, são, por sua vez, destinados a uma multiplicidade de destinos/clientes.26. Ou seja, após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições, podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até à chegada do produto ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento).27. E, nas vendas subsequentes desses produtos, já não é possível calcular a CSR devidamente paga, na medida em que, em virtude do efeito físico da dilatação dos líquidos em função da temperatura, as quantidades efetivamente adquiridas (no caso sub judice pela Impugnante) irão ser, em regra, superiores, tendo em conta a temperatura média nacional.28. Por outras palavras, é um facto que os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Impugnante alega ter suportado serão sempre superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados ao sujeito passivo, considerando a temperatura de referência a 15° C, pelo que, o valor efetivamente cobrado pela AT poderá ser inferior ao montante que a Impugnante pretende ver devolvido.29. Vem a Impugnante requerer a apreciação da legalidade e consequente anulação das liquidações (que não identifica) respeitantes a CSR, referentes ao período compreendido entre 01/04/2019 a 31/12/2021, com o fundamento de terem “suportado” na íntegra a CSR, na qualidade de consumidor de combustível, apurando o (alegado) valor de reembolso com base em faturas.30. São, assim, chamados à colação dois tipos de documentos distintos: (a) a liquidação de CSR, que é apurada através do Documento de Introdução ao Consumo (DIC), que contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Impugnante pretende a sua anulação, e (b) a fatura, um documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.° ou 40.° do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais (Cf. alínea c) do artigo 2.° “Definições” do Decreto-Lei n.° 28/2019 de 15 de fevereiro);31. Da DIC resulta um ato tributário stricto sensu - a liquidação de CSR da competência da AT e impugnável nos termos do artigo 51.°, “Atos impugnáveis” do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - (CPTA).32. Já da fatura não resulta qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Está em causa um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a aquisição de um bem, como o são os produtos petrolíferos como o gasóleo e a gasolina, ou serviço, respetivamente, sujeito a IVA.33. Na DIC está em causa uma contribuição, devida pela introdução no consumo de produtos petrolíferos, e na fatura um imposto aplicado às vendas ou prestações de serviços, o IVA, não existindo qualquer coincidência ou sequência temporal na emissão de ambos, nem sequer são emitidas obrigatoriamente pelo mesmo sujeito passivo.34. Ou seja, dois tipos de tributos com regimes diferenciados e por conseguinte dois tipos de documentos igualmente diferentes e sem uma qualquer relação jurídica.35. Esta delimitação reveste fulcral importância, uma vez que a confusão entre eles tem vindo a conduzir à errada utilização das garantias dos contribuintes e dos seus mais variados meios de defesa.36. Com efeito, vejam-se as considerações elaboradas no processo 811/2023-T, de 25-09-2024 [Fernando Araújo (Árbitro-presidente), Sofia Ricardo Borges (Árbitro-vogal relatora) e David Nunes Fernandes (Árbitro-vogal)], sobre os conceitos de repercussão, faturas e ato tributário, que se transcrevem: «Comecemos então pelos conceitos.Repercussão. Depois, Facturas. E por fim, revertendo ao início, Acto tributário. Repercussão. O legislador em CSR não tratou de repercussão, desde logo aquando da criação do tributo, cfr. máxime art.° 7.° da Lei 55/2007. Se atentarmos no disposto no CIEC, por sua vez, e atento o também disposto naquela mesma Lei (art.° 5.°, e segmento do CIECs para que aí se remete) veremos que, muito embora em sede de IECs esteja presente um princípio do benefício, legitimador, o legislador não determinou uma obrigação de repercussão dos mesmos. Diferentemente do que sucede em IVA, não há qualquer obrigação seja de liquidação ao longo da cadeia, do tributo, seja de repercussão do mesmo. Como acima já aflorado, mesmo a premissa que passou mais recentemente a constar do art.° 2.° do CIEC não é mais que a exteriorização de uma regra geral própria da realidade económica, já antes necessariamente presente. De que se trata, afinal? De os agentes da cadeia económica - máxime o sujeito passivo (que é apenas um, recorde-se, estamos em sede de impostos monofásicos, e, portanto, também o único no conhecimento exacto do que foi pago a título de CSR) - poderem fazer recair/reflectir, no valor do preço que cobram aos seus clientes, despesas em que antes incorreram. Assim sendo uma possibilidade fazerem-no ponderando também o custo em que aí incorreram a montante inclusive com referência à CSR. Tratar-se-à, assim, em todo o caso, de fazer incluir no valor do preço dos bens esse custo, antes incorrido. Que não um adicionar à factura do montante que se liquidasse, aí, de imposto (como em IVA). Sem surpresa, não figura CSR nas facturas que a Requerente junta. A repercussão a ocorrer será, pois, em casos como o dos autos - art.° 7.°, n.° 1 do CIEC -, a transmissão, na cadeia económica, do encargo económico do tributo, incorporado-o, esse encargo, como custo da actividade económica que também é, nos preços. Em alguma medida. Pois que não há aqui, como visto, uma imposição legal de proceder à repercussão. Os agentes económicos fá-lo-ão, a ser o caso, - essa incorporação do encargo nos preços - que não por uma concreta imposição determinada legalmente. Vimos. Repercussão económica, afinal. Que não repercussão legal cfr. art.° 18.°, n.° 4, al. a). Aquele, por sua vez, a quem esta possível transmissão do encargo/custo antes incorrido com o imposto afectará, o agente económico seguinte na cadeia, pagará um determinado preço que reflectirá também esse custo. Mas não porque quem o antecede esteja, nisso, a dar cumprimento a uma imposição legal de (liquidação e) repercussão. Não há, neste contexto, repercutido legal, a Requerente não o é. Poderá ser repercutida - no sentido de sofrer nestes termos um encargo próprio dos efeitos económicos do imposto. Mas não por via de uma imposição legal de repercussão do imposto liquidado, CSR. Não lhe é exigido o pagamento de CSR. Não é, pois, sujeito de qualquer dívida tributária em CSR. Facturas. As facturas titulam/documentam o negócio jurídico a elas subjacente. E nem nelas figura qualquer verba a título de CSR. Não se alcança, assim, como possa ver-se as facturas como documentando actos tributários de repercussão da CSR, como retratando actos tributários de liquidação. A possível transmissão-repercussão de custos económicos, incorporando-os nos preços dos bens, não será senão levada a cabo pelos próprios agentes económicos, inexistindo imposição por parte do legislador tributário de que assim o façam. Nem há aí qualquer liquidação, sequer pelo sujeito passivo/pelos agentes económicos (como em IVA sucede). E a ocorrer essa transmissão-repercussão económica, inexiste qualquer intervenção (seja então, seja em posterior assentimento/aceitação/ confirmação ou não) da Administração Tributária. Não há, pois, um acto tributário ou liquidação, seja em sentido estrito, seja em sentido amplo. Não há uma decisão administrativa sobre uma situação individual e concreta respeitante ao contribuinte em aplicação da lei tributária material. Sequer se alcança como possa ver-se essa transmissão do custo como um acto. Menos ainda como um acto administrativo - acto tributário. A querer-se qualificá-lo como um acto, estamos perante um acto do agente económico (seja ele o sujeito passivo, seja agente económico posterior na cadeia). Sem maiores desenvolvimentos, recorremos às palavras (a ler com as necessárias adaptações e actualizações) de Alberto Xavier[52]: “É certo que, ao menos em certos impostos - como no imposto de transacções e nos direitos aduaneiros - a liquidação não é uma simples operação mental, por se dever corporizar num documento (factura ou fórmula de despacho), cuja elaboração é rigorosamente disciplinada por lei (...). A elaboração dos referidos documentos, de harmonia com a lei fiscal, bem como a indicação neles do imposto correspondente ao valor da transacção, constitui, porém, não a forma de um acto jurídico de aplicação da norma tributária material, anterior ao pagamento, mas a simples realização de um dever tributário acessório, imposto por lei (...). Ora, foi a inegável autonomia destas operações de registo e escrita em relação ao pagamento que levou o próprio legislador a assimilá-las à actividade da Administração fiscal, usando os mesmos conceitos para as designar (...) sem se preocupar em distinguir aí onde se verifica a prática de um acto de aplicação da norma material pela Administração dali onde um simples particular, cumprindo um dever instrumental, regista em documentos adequados os factos sujeitos a imposto e o tributo que lhes corresponde.” Pois bem, no caso da CSR, como visto, tão pouco chega a haver liquidação do tributo entre agentes económicos e/ou ao consumidor final/utilizador. Repercussão legal. Não há, aqui, o cumprir de uma obrigação acessória/de um dever instrumental. Aqui não estamos perante repercussão legal. Por maioria de razão não há acto tributário. Adicionado que seja, pelo agente económico, um custo no preço em reflexo do custo em que incorreu ao pagar a CSR, tal é alheio a qualquer intervenção da Administração Tributária. Faculdade dos agentes económicos, ainda que admitida/querida pelo legislador, havíamos visto. Operação dos agentes económicos, a ocorrer. Própria do mundo económico. Acto tributário. Aproximámos acima (máxime na p. 36) o conceito de acto tributário. Remetemos para o disposto no art.° 148.° do CPA, e no art.° 60.° do CPPT. O acto tributário é, além do mais, e do já dito, organicamente administrativo.[53] Não cabe, pois, visto o percorrido, falar num tal de acto tributário de repercussão de CSR (e que as facturas documentariam) como pretende a Requerente. Pois bem. Acto tributário em CSR será o constante do art.° 11.° do CIEC (v. também aí art.° 10.°-A) - a liquidação de CSR, que é efectuada com base nas DIC apresentadas/submetidas pelos agentes económicos sujeitos passivos de CSR. Liquidação lato sensu. Acto tributário stricto sensu e, assim, o acto impugnável nos termos do art.° 2.°, n.° 1, al. a) do RJAT.» (sublinhados nossos) 37. Ora, esta questão reveste uma especial importância, pois sem a possibilidade de identificar os atos de liquidação subjacentes às posteriores transações, no limite, a AT poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia de comercialização de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, etc., até ao consumidor final, tenham ou não aqueles suportado os valores em causa.38. O que não configuraria uma real situação de reembolso, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.°, n.° 2, do CIEC, mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico- constitucional.39. E como consta no voto de vencida da Professora Doutora Carla Castelo Trindade, aquando da decisão proferida no âmbito do Processo n.° 491/2023-T:«Por fim, considero pertinente registar que a tese que fez vencimento poderá levar a que, por absurdo, se verifiquem sucessivos e múltiplos reembolsos do mesmo quantum de CSR a todos os intervenientes no circuito económico de comercialização de combustíveis rodoviários, que se veriam indevidamente enriquecidos em claro prejuízo do erário público. Neste sentido, sublinhou o Tribunal Arbitral no acórdão de 15.1.2024, proc. n.° 375/2023-To seguinte: “compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade."» (Destaques nossos). 40. Quanto à repercussão da CSR, em caso de repercussão, diga-se, o encargo do imposto é transferido para outros intervenientes (apesar de não serem sujeito da relação jurídica do imposto) e, ao repercutir o imposto, o sujeito passivo irá exigir ao repercutido uma quantia que lhe é devida a ele, em nome e no interesse próprios.41. Configurando uma situação em que existem duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica de imposto, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a obrigação de Direito Civil, pela qual um credor (que é o sujeito passivo do imposto) tem o direito de exigir uma certa quantia (do mesmo montante da quantia devida a título de imposto, mas não a mesma quantia) de um terceiro. Nesta segunda relação não intervém o Estado (cf. Diogo Leite de Campos em Compensação de créditos fiscais).42. Cabendo aos sujeitos passivos no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) proceder, ou não, à transferência da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.43. O que não pode é vir pedir à AT o reembolso de um imposto que nunca entregou ao Estado.44. E, como já referido, a admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Impugnante alegadamente suportou, a título de CSR, poderia conduzir-se ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada no reembolso, aos sujeitos passivos do ISP/CSR, de elevados montantes cobrados a título de CSR, bem como dos correspondentes juros, no mesmo período.45. Feito o devido enquadramento factual e legal, cumpre dizer que a questão jurídica relacionada com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.° 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.° 2 do artigo 1.° da Diretiva n.° 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07-02-2022, no Processo n.° C-460/21, tem vindo a ser suscitada também junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) por diversos sujeitos passivos de ISP/CSR, bem como por não sujeitos passivos daquele imposto ou daquela contribuição.III. Da fundamentação - Da ilegitimidade processual da Impugnante 46. Nos termos do n.° 1 e 4 do artigo 9.° do CPPT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da Administração Tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.47. Por sua vez, na alínea a) do n.° 4 do artigo 18.° da LGT, é reconhecido o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.48. Ora, desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.49. E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo, como já referido supra.50. Pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.° e 16.° do CIEC).51. Estas disposições legais fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.52. Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.53. A lei é clara em afirmar que só a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, legitima o pressuposto processual positivo do interesse em agir, que se transfere do repercutente para o repercutido.54. A CSR não é, no entanto, um imposto de repercussão legal, já que a sua incorporação, pela fornecedora, no preço do combustível vendido não resulta de qualquer imposição ou faculdade que seja concedida àquele pelo legislador, mas de uma relação jurídica de direito privado, não estando, assim, abrangida pela parte final da alínea b) do n.° 4 do artigo 18.° da LGT.55. A repercussão meramente económica ou de facto da CSR, depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) procederem, ou não, à transferência, parcial ou total, da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.56. Assim, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, titulando, apenas, operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido no preço pago pelo adquirente dos combustíveis.57. Na realidade, os adquirentes de combustíveis, enquanto operadores económicos que desenvolvem uma atividade comercial e que utilizam os combustíveis como fatores de produção no circuito económico (de uma cadeia de comercialização de bens ou prestação de serviços), procuram, também eles, repassar nos preços praticados todos gastos em que incorrem, por forma a concretizarem o objetivo lucrativo da sua atividade económica.58. Ou seja, tendo presente que o preço de venda ao público incorpora o custo dos impostos indiretos líquidos, todo e qualquer consumidor/comprador se transformaria em contribuinte, fazendo perigar outros princípios basilares do Direito Tributário, designadamente o da segurança jurídica e da proteção da confiança.59. Porque a repercussão fiscal não é em si mesma uma questão linear, pois será legal ou económica, progressiva ou regressiva, entende-se, portanto, que não foi o legislador despiciendo ao mencionar expressamente no artigo 18.°, sob a epígrafe “Sujeitos”, n.° 4 alínea a) da LGT, apenas os repercutidos legais.60. Considerando-se, assim, a repercussão económica ou de facto, a não prevista na lei e contabilisticamente calculada no PVP, não atribui legitimidade procedimental e processual a quem venha eventualmente a suportar o encargo do imposto (Neste sentido vide Ana Paula Dourado in Direito Fiscal - Lições, Almedina 2016, pág. 71.).61. Dado que nos termos conjugados das normas do n.° 1, do artigo 11.°, da LGT, com o artigo 9.° do Código Civil (CC), onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei.62. É doutrinária e jurisprudencialmente pacífico que o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta.63. Discutir a legitimidade da Impugnante nada mais é do que um Requiem à figura do contribuinte de facto, dado que já em 1974 Alberto Xavier ensinava: “É também frequente na doutrina a distinção entre contribuinte de direito e contribuinte de facto, mas esta destrinça transcende o domínio do jurídico para ter um puro significado económico. Na verdade, o contribuinte de facto é aquele que, não sendo contemplado pela norma tributária (e por isso não é contribuinte), suporta efetivamente na sua riqueza o encargo do imposto, em virtude do fenómeno da repercussão (In Manual de Direito Fiscal, Manuais da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa 1974, pág. 355).64. Não obstante, e de um ponto de vista mais contemporâneo, mais se refere Ana Paula Dourado que afirma: “Só o fenómeno da repercussão tributária implica um conceito diferente, o conceito de contribuinte de facto, o qual é um conceito não jurídico, porque extrapola a relação jurídica tributária e não atribui direitos nem deveres.” (In op. cit. pág. 71). 65. Por tudo e sem prejuízo do supra alegado, não se pode deixar de reiterar aqui o entendimento doutrinário de Jorge Lopes de Sousa, Benjamim Silva Rodrigues e Diogo Leite de Campos, que afirmam “que a repercussão é estranha à relação jurídica tributária com base na ideia de que se trata de uma relação de direito privado, disciplinado por normas de direito civil.” (Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada, pág. 190.). Continuando,66. O artigo 5.° da Lei n.° 55/2007 - que criou a CSR - institui que: “1 - A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”67. Por sua vez, o artigo 4.° do CIEC define que são os sujeitos passivos do imposto os responsáveis pelo cumprimento das obrigações de declaração e consequente pagamento do imposto correspondente.68. Atendendo às especificidades apresentadas, mostra-se claro que a Impugnante não se enquadra como sujeito passivo de tal tributo, mas é, na verdade, uma consumidora que adquiriu o combustível.69. E mais, o n.° 2, do artigo 15.° do CIEC, aplicável por força do artigo 5.° da Lei n.° 55/2007, estabelece que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.° 1 e na alínea a) do n.° 2 do artigo 4.°.70. Efetivamente, o CIEC prevê normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez (ao contrário dos impostos plurifásicos, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante).71. À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do imposto, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos).72. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.° e 16.° do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.73. Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).74. Assim, tendo em consideração o regime especial previsto no CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação - artigo 15.°, n.°s 2 e 3 do CIEC.75. Ora, não sendo a Impugnante sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.° do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, a presente impugnação judicial.76. Para que a Impugnante disponha de legitimidade ativa não lhe basta um interesse indireto, reflexo ou derivado na procedência da ação.77. A legitimidade é um pressuposto processual, uma condição para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, permitindo aferir a posição que devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que, no caso em concreto, o juiz possa pronunciar-se sobre o pedido em causa, decidindo como procedente ou improcedente.78. Quanto a este ponto, o CAAD, por Acórdão de 8 de janeiro de 2024, decidiu no sentido de considerar que a Requerente do processo n.° 408/2023-T não faz parte da relação tributária, uma vez que não estamos perante um repercutido legal, mas somente um cliente comercial dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR, cuja fundamentação, por merecer a nossa inteira concordância, damos aqui por reproduzida:“Na situação em análise, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a ação arbitral. Importa começar por notar que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.°, n.° 3 da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.°, n.°s 1 e 4 do CPPT). (…) Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.° do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, e começando por esta última parte, a Requerente é uma sociedade que se dedica ao transporte, nacional e internacional, de mercadorias. Desta forma, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico (de uma cadeia de comercialização de bens), um gasto da atividade de prestação de serviços de transporte realizada pela Requerente, não configurando um consumo final. Nestes termos, se a CSR, conforme alega a Requerente, se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida esta não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos. Acresce que, nos termos da lei que prevê a CSR [Lei n.° 55/2007, de 31 de agosto], não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação da Requerente de que é sobre si que “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo [da CSR]”. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.°, n.° 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”4 Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. Ou seja, o referido art. 5.°, n.° 1, não remete para o art. 2.° do CIEC (que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo), mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo. (...) Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende. Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indique onde está prevista essa repercussão que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza, a qual, porém, não existe. O paralelismo que a Requerente estabelece entre a CSR e o IVA não tem qualquer suporte jurídico, pois a repercussão neste último imposto tem previsão legal no artigo 37.°do Código do IVA, permitindo o seu controlo e prova, dado que o imposto e respetivo montante são mencionados na fatura emitida pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços. (...) Rigorosamente, a Requerente é tão-só um cliente comercial dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não é o sujeito passivo dos atos tributários - de liquidação de CSR - impugnados. Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. Também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas: - Que a CSR foi repercutida à Requerente, qual o montante e em que períodos; - Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR e em que medida, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto. A Requerente limitou-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade. Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.° da Constituição). De assinalar adicionalmente que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.° 0956/03). À face do exposto deve julgar-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.° do CPPT, 65.° da LGT, 55.°, n.° 1, alínea a) e 89.°, n.°s 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.°, n.° 1 do RJAT." 79. Com relevância para os autos, veja-se ainda a decisão proferida no processo 364/2023-T, de 30 de março de 2024, cujos árbitros foram Fernando Araújo, Jesuíno Alcântara Martins e Rui Miguel Sousa Simões Fernandes Marrana, em que foi aprofundada a questão da ilegitimidade dos repercutidos, tendo sido decidido que:«V.B. Considerações prévias: 2- a inexistência de repercussão legal. (…) A conjugação do art. 9°, 1 e 4 do CPPT com o art. 18°, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável. Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.°, 1, a), do CIEC, não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.°, 1, e 5.°, 1, da Lei n.° 55/2007- não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9°, 1 do CPTA). Por outro lado, uma vez que a competência dos Tribunais arbitrais se circunscreve, no que é aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis - restando, como únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR, os referentes às relações estabelecidas com os verdadeiros sujeitos passivos que intervieram nesses actos. (...) Não se tratando, no caso presente, de sujeito passivo originário, mas de mero “repercutido económico”, coloca-se, em relação à Requerente, a questão de saber se se constituiu uma relação jurídico-tributária com o credor tributário Estado; podendo, quando muito, fazer-se apelo à noção de “interesse legalmente protegido” para conferir à Requerente uma legitimidade, via arts. 9°, 1 e 4 do CPPT e 18°, 3 da LGT. No entanto, afigura-se claro que a CSR não constituía, à data dos factos, um caso de repercussão legal: a Lei n.° 55/2007, que instituiu a CSR, não contemplava qualquer mecanismo de repercussão legal, e nem sequer de repercussão meramente económica - ainda que se saiba que, dado o seu escopo lucrativo, as empresas tendem a repassar para os adquirentes, através dos preços, uma parte dos gastos em que incorrem, incluindo entre eles, mas não exclusivamente, os gastos tributários. (...) Seja como for, insistamos: mesmo que tivesse ocorrido repercussão plena da CSR, mesmo que se tivesse provado essa repercussão plena, mesmo que se excluíssem efeitos da CSR sobre o volume de vendas da Requerente independentemente da repercussão, a ponto de ficar estabelecido que o encargo do tributo foi completa e rigorosamente transferido da Requerente para as suas contrapartes, ainda assim a legitimidade procedimental e processual destas últimas dependeria, em primeiro lugar, da demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos e para os efeitos do art. 9° do CPPT; e dependeria ainda, consequentemente, da demonstração de que estas foram os consumidores finais de combustíveis sobre os quais recai, ou deve recair, o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo - ou seja, da demonstração de que estas últimas, por sua vez, não constituíram um simples elo intermédio do circuito económico, ou seja, não repercutiram economicamente a jusante, elas próprias, a CSR “embutida" no preço, repassando o encargo económico do tributo para a sua própria clientela. Ou seja, mesmo a ter havido repercussão, devidamente comprovada, isto não retiraria parcialmente aos sujeitos passivos “repercutentes" legitimidade processual, nem a atribuiria aos “repercutidos", a menos que estes demonstrassem, para adquirirem legitimidade concorrente e residual: • a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera - não bastando a invocação e comprovação, pelos repercutidos, da existência de uma repercussão, fosse ela legal, fosse ela meramente económica; • a ausência de repercussão a jusante no circuito económico, pelos próprios repercutidos, através do preço de bens e serviços entregues ou prestados à sua clientela. Mas nunca retiraria completamente aos sujeitos passivos a sua legitimidade processual, visto que - insista-se - não ocorria na CSR, à data dos factos, repercussão legal [1]. (…) Mas compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura dessa legitimidade suscitaria: • quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão económica e a determinação do seu quantum; • quer no potencial de multiplicação de devoluções de imposto indevido - simultaneamente ao sujeito passivo e aos múltiplos repercutidos económicos dentro da cadeia de valor - de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade. Sobre esta segunda consequência, não podemos deixar de referir advertências formuladas recentemente: “o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação. [§] Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos!” A ter havido um qualquer grau de repercussão económica, nada impede os repercutidos, não obstante a sua ilegitimidade activa no presente Processo, de buscarem o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra a Requerente, seja nos termos gerais do Direito nacional, seja, a nível europeu, nos termos declarados pelo TJUE em Acórdão de 20 de Outubro de 2011 (Proc. C-94/10, Danfoss A/S (§§ 24 a 29) - preservando-se, por qualquer das vias, o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (art. 20° da CRP). Não esqueçamos que, a ter havido verdadeira repercussão, mesmo repercussão plena, entre o terceiro repercutido e o Estado credor (o sujeito activo), não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do imposto, não nascendo a sua obrigação da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga a faculdade de repercutir, que cabe ao sujeito passivo, e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo, quando este exerça aquela faculdade. (...) A legitimidade no processo decorre do conceito central de “relação material”, que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário, cujo sujeito passivo é delimitado nos termos do art. 18°, 3 da LGT. Deste preceito resulta que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade do repercutido só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido.» (destaques nossos) 80. Ainda quanto a este ponto, considerou o CAAD, no já identificado processo 811/2023-T, que a Impugnantenão dispõe de legitimidade processual: «(E o mesmo quanto à invocada/implicitamente assumida legitimidade procedimental. Referimos já que à Req.te não assiste, ao não ser sujeito passivo, legitimidade para o mecanismo dos pedidos de reembolso - cfr. CIEC, v. supra. Nem, ademais, assim o vemos, lhe assistia legitimidade em sede de pedido de revisão oficiosa. Por tudo o percorrido, a Requerente nos autos não qualifica como contribuinte de CSR, nem como sujeito passivo da mesma. Sendo que “a revisão dos actos tributários prevista e regulada no art.° 78.° da LGT pode ser desencadeada tanto pela administração tributária como pelos contribuintes ou outros sujeitos passivos das relações jurídicas tributárias” [48]. Ou seja, e voltando onde mais atrás o aproximáramos, o pedido de revisão oficiosa submetido pela Req.te não é de presumir-se, tacitamente, indeferido. Ao não existir, no contexto exposto, dever de decisão - v. art.° 56.° da LGT - por não preenchido o pressuposto procedimental subjectivo da legitimidade activa.)» 81. E ainda com relevância para os autos, veja-se a decisão do CAAD proferida no processo n.° 736/2023-T, de 2024-06-05, em que se decidiu:“92 Tal repercussão - a ter acontecido - ocorreu, assim, dada a inexistência de qualquer dever ou faculdade jurídica de repercussão de, em geral, os fornecedores terem de refletir os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro (nesse sentido, ainda a Decisão Arbitral n.° 375/2023-T). 93. No mesmo sentido de que a repercussão nos impostos especiais de consumo é um fenómeno exterior à relação tributária, mas uma mera condição de legitimação, em virtude de a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das suas escolhas, Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira, Coimbra, 2016 “Os impostos especiais de consumo”, pgs. 104 e sgs.). 94. Também, sendo a repercussão voluntária, a AT carece de legitimidade processual passiva. 95. Segundo a jurisprudência consolidada do STA (Acórdão do Pleno de 4/2/2023, proc. 0506/17.2 BEALM, a propósito de outro caso de repercussão voluntária, não legal, a da taxa de ocupação do sub-solo) na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado, no caso o repercutente, não relevando tal entidade ser de direito público ou privado.” 82. A Impugnante não integra nem é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, o que, não só impossibilita a identificação, quer das liquidações concretas na origem das imposições objeto da alegada repercussão, quer da alfândega que efetuou essa liquidação, com competência para a apreciação do pedido de revisão ou anulação da liquidação, se viesse a ser o caso.83. Pelo que, carece a Impugnante de legitimidade ativa que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, cf. artigos 278.°, n.° 1, alínea d), 576.°, n.°s 1 e 3 e 579.° todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.°, al. e), do CPPT.A terminar, 84. Posto o que antecede, relembre-se que o CAAD deu já razão à AT em vários processos, transitados em julgado, entre os quais os processos n.°s 296/2023-T, 297/2023-T, 332/2023-T, 364/2023-T, 365/2023-T, 375/2023-T, 376/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 536/2023-T, 537/2023-T, 604/2023-T, 633/2023-T, 688/2023-T, 710/2023-T, 736/2023-T, 844/2023-T, 847/2023-T, 848/2023-T, 861/2023-T, 33/2024-T, 40/2024-T, 50/2024-T, 62/2024-T, 105/2024-T, 116/2024-T, 219/2024-T, 224/2024-T, 792/2024-T e 806/2024-T.85. Também vários Tribunais Administrativos e Fiscais julgaram a exceção dilatória da ilegitimidade procedente e, consequentemente, absolveram a Fazenda Pública da instância em diversos processos, nomeadamente, nos seguintes: Tribunal Tributário de Lisboa, processos n.°s 1796/23.7BELRS, em 2012-2023; 879/24.0BELRS, em 04-07-2024; 952/24.5BELRS, em 05-07-2024; Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto processos n.° 2244/23.8BEPRT, em 30-01-2025; 459/24.0BEPRT, em 31-12-2024; 2587/23.0BEPRT, em 31-12-2024; 2686/23.9BEPRT, em 31-12-2024; 2687/23.7BEPRT, em 30-01-2025, 2359/23.2BEPRT, em 31-12-2024, 2475/23.0BEPRT, em 31/12/2024, 2467/23.0BEPRT, em 30-01-2025, 894/24BEPRT, em 31/12/2024, 2334/24.0BEPRT, em 30/06/2025; Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, processos n.°s 1334/23.1BELRA, em 18-03-2025 e 405/24.1BELRA, em 31-07-2025.IV. Do pedido Assim, verificando-se que o despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa não viola jurisprudência consolidada, nem a questão a decidir é simples, a decisão sumária ora reclamada não deveria ter sido proferida, porquanto não se verificam os pressupostos legais para a sua emissão, nos termos do artigo 652.° n.° 1 alínea c) do CPC, nem na alínea i) do n.° 1 do artigo 27.° do CPTA. Nestes termos, requer-se a V. Exas., em conferência, se dignem revogar a decisão sumária proferida pelo relator, substituindo-a por acórdão que conheça do mérito do recurso nos termos que oportunamente foram alegados. Pede deferimento.” * Notificada a parte contrária, veio pronunciar-se nos termos seguintes: “1. Salvo devido respeito por opinião contrária, não poderá deixar de se considerar acertada e avisada a decisão sumária proferida nos presentes autos e, nos termos da qual, foi concedido provimento ao recurso apresentado pela impugnante. Reiterando: 2. Nos termos do artigo 9°/1 do CPPT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. 3. Desenvolvendo esta norma, reconhece o legislador, na parte final da alínea a) do n.° 4 do artigo 18° da LGT, o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário. 4. Ora, de acordo com o entendimento propugnado pela Autoridade Tributária, a Recorrente não dispõe de legitimidade activa para impugnar os actos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário, concedida por via da aplicação do disposto no artigo 18°, n.° 4 da LGT, porquanto apenas será repercutida económica daquele tributo e não já repercutida legal. 5. Sucede, porém, que a Contribuição de Serviço Rodoviário configura um caso de repercussão legal, em que a transferência do encargo do imposto para terceiro, alheio à relação tributária, resulta de imposição legal e não já de uma mera actuação voluntária por parte do sujeito passivo. 6. Para tanto aponta, desde logo, a consagração da repercussão dos Impostos Especiais de Consumo introduzida pela Lei n.° 24-E/2022, de 30 de dezembro, passando o artigo 2° do Código dos Impostos Especiais de Consumo (Código dos IEC) a ter a seguinte redação: “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (sublinhado nosso). 7. Sendo certo que, por força do disposto no artigo 6° da Lei n.° 24-E/2022, o legislador atribuiu natureza interpretativa (e, nessa medida, retroativa) à nova redação dada ao citado artigo 2° do Código dos IEC. 8. Acrescentando-se na exposição de motivos da correspondente proposta de lei o seguinte: “(...) respeitando os princípios que nortearam a criação da contribuição de serviço rodoviário, designadamente o desígnio de repercutir nos utilizadores da rede viária os custos inerentes à gestão da rede viária nacional tendo em atenção o percurso que este realizam consumindo uma unidade de medida de combustível, sanciona-se expressamente a internalização desta como parte do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (...)”, sublinhado nosso. 9. Ora, até à sua integração no ISP, a Contribuição do Serviço Rodoviário, enquanto imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos a IEC harmonizados, deveria respeitar a estrutura essencial dos IEC e ter como fundamento um “motivo específico", conforme determinado pela Diretiva n.° 2008/118, de 16 de dezembro de 2008. 10. O que equivale a dizer-se que a Contribuição do Serviço Rodoviário aderiu, desde a sua criação, ao regime dos IEC, relativamente aos quais, por via da norma interpretativa introduzida pela Lei n.° 24-E/2022, de 30/12, se clarificou que a sua repercussão nos utilizadores da rede rodoviária nacional é um efeito legal, isto é, inerente à tributação especial do consumo. 11. Como também, aliás, aponta a douta decisão sumária reclamada, ali se lendo que “(. ) sendo que a CSR segue em parte o regime dos IEC, e que esta contribuição pretende onerar os utilizadores da rede rodoviária e na medida do seu consumo de combustíveis”. 12. Por outro lado, também a consagração do dever de facturação detalhada das parcelas que compõem o preço, entre elas os elementos tributários como a Contribuição do Serviço Rodoviário, introduzido pela Lei n.° 5/2019, de 11 de janeiro, permite concluir no sentido da referida Contribuição consubstanciar um caso de repercussão legal. 13. Ou seja, embora o sujeito passivo da Contribuição do Serviço Rodoviário seja aquele que se encontra definido no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo D.L. n.° 73/2010 relativamente ao Imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (adiante ISP), a verdade é que o referido tributo foi efectivamente suportado pelo consumidor do combustível (in casu, a ora Impugnante), por via de repercussão legal. Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser julgada improcedente a reclamação apresentada pela Autoridade Tributária, mantendo-se a decisão sumária já proferida nos autos e, nos termos da qual, foi concedido provimento ao recurso apresentado.” * Com efeito, tal como decidido na douta decisão sumária reclamada, também os repercutidos / clientes finais têm legitimidade para contestar os valores que suportaram de CSR ou pedir a declaração de ilegalidade da liquidação de CSR ou a condenação da AT à restituição das prestações indevidamente pagas, tal como vem sendo decidido pela CAAD, pelo que aderimos ao teor das alegações de recurso da Recorrente e defendemos que o recurso merece provimento. Por todo o exposto, emitimos parecer no sentido da admissibilidade da reclamação para a conferência e da prolação de acórdão que, quanto ao mérito, mantenha o sentido da douta decisão sumária, revogando-se a douta sentença recorrida no segmento em litígio nos autos, e determinando-se que a Recorrente T........, S.A. é parte legítima na ação.” * Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência. * Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência. O que se visa com a reclamação é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão. A reclamação é também admissível de despacho proferido no exercício de poder discricionário, o qual tem a ver com matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (cfr. artigo 152º, nº 4, do CPC). No âmbito do processo judicial tributário, a jurisprudência e a doutrina defendem a possibilidade de utilização do instituto da reclamação para a conferência da decisão do relator que considere findo ou deserto um recurso. Ora, no caso concreto, e acompanhando o MP, entende o Tribunal ser de admitir a presente reclamação para a conferência, tendo em conta que, de facto, há jurisprudência, judicial e arbitral, muito díspar sobre a questão em apreciação. * A decisão reclamada, proferida pela ora Relatora, que julgou procedente o recurso, para melhor entendimento da questão a decidir, expôs as seguintes ocorrências processuais, as quais não foram questionadas na presente reclamação: “1. A Recorrente apresentou impugnação judicial contra o acto de indeferimento tácito do requerimento de revisão, apresentado em 23/05/2023 (objecto imediato), nos termos do qual peticionou a anulação dos actos de liquidação relativos à Contribuição de Serviço Rodoviário, repercutidos no preço final que lhe foi cobrado pelo sujeito passivo do referido tributo (in casu, a sociedade P........ S.A) tendo, consequentemente, solicitado o reembolso do valor de €244.723,22, efectivamente suportado pela Impugnante, entre o período de 01/04/2019 e 31/12/2021 (cfr. cabeçalho da p.i.); 2. Defende, juntando para tal documentos, que, no período temporal decorrido entre 01/04/2019 e 31/12/2019, com a aquisição de um total de 1.129.813 litros combustíveis rodoviários, suportou (efectivamente) um encargo de €87.538,76, a título de CSR, que, no período temporal decorrido entre 01/01/2020 e 31/12/2020, com a aquisição de um total de 1.075.032 litros combustíveis rodoviários, suportou (efectivamente) um encargo de €76.829,46, a título de CSR e que, no período temporal decorrido entre 01/01/2021 e 31/12/2021, com a aquisição de um total de 1.117.975,00 litros combustíveis rodoviários, suportou (efectivamente) um encargo de €80.355, a título de CSR, num total de €244.723,22; 3. Defende, quanto à sua legitimidade, que “Embora o sujeito passivo da Contribuição do Serviço Rodoviário seja aquele que se encontra definido no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo D.L. n.º 73/2010 relativamente ao Imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (adiante ISP), a verdade é que o referido tributo foi efectivamente suportado pelo consumidor do combustível (in casu, a ora Impugnante) e não já o sujeito passivo do ISP (in casu, a P........ S.A.).”, “Ou seja, estamos perante uma situação em que, por via da repercussão efectuada pelo sujeito passivo da Contribuição do Serviço Rodoviário no consumidor (in casu, a ora impugnante), é este, em última linha, o contribuinte de facto de tal tributo.”; que “Não poderá deixar de se entender que essa repercussão para o consumidor resulta de imposição legal, tal como aliás tem sido entendimento uniforme na doutrina e jurisprudência.”, “O que se encontra, ademais, demonstrado por via da aplicação do mecanismo de reembolso parcial de impostos sobre combustíveis para as empresas de transportes de mercadorias, previsto no artigo 93º-A do Código dos Impostos Especiais de Consumo.”; que “nos termos do disposto no artigo 18º/4 da LGT, pese embora se considere não ser sujeito passivo do tributo quem o suporte por via da repercussão, não se deixa de se lhe reconhecer “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias”.; “Donde, não poderá deixar de se reconhecer legitimidade activa à ora Impugnante, no âmbito da presente acção, possuindo inequivocamente um interesse legítimo na anulação (ainda que parcial) dos actos de liquidação da Contribuição do Serviço Rodoviário, cujo valor foi (parcialmente) repercutido pelo respectivo sujeito activo (P........ S.A.) à ora impugnante, aquando da emissão e pagamento das facturas melhor identificadas nos artigos antecedentes e juntas como documentos n.º s 1 a 66.”, “Tanto mais que, conforme alegado supra, a sociedade P........ S.A. já esclareceu publicamente que “(…) não é titular de qualquer interesse em litigar com vista à recuperação da CSR, na medida em que a mesma foi – e é – diariamente – repercutida sobre os seus clientes, tal como consta de todas as facturas emitidas”. 4. Pede, a final “a anulação dos actos de liquidação relativos à CSR, repercutidos no preço final cobrado à Impugnante, por via das facturas relativas à aquisição de gasóleo rodoviário, entre 01/04/2019 e 31/12/2021, com fundamento na violação do direito comunitário, nomeadamente o n.º 2 do artigo 1º da Directiva 2008/118/CE, e, em consequência, ordenar a restituição da quantia de € 244.723,22 à Impugnante, em obediência aos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade” 5. O despacho recorrido tem, designadamente, o seguinte teor: “(…) Sob a competência absoluta e relativa do Tribunal, personalidade e capacidade judiciária da Impugnante e a sua devida representação e patrocínio, temos que se ergue uma causa de não admissão, parcial, da impugnação, bem como a necessidade de aperfeiçoamento, quanto ao mais. Com efeito, a Contribuição de Serviço Rodoviário, cuja revisão oficiosa/reembolso terá sido pedida pela Impugnante, é tributo criado pela Lei 55/2007 de 31 de agosto, que tem como sujeito passivo, seu art.5°n°1, o introdutor no mercado dos produtos petrolíferos, bem como as demais pessoas elencadas no art.4°n.os1 e 2 do Código dos Impostos Especiais de Consumo. Ora, a nenhuma das categorias de sujeitos passivos se subsume a posição da Impugnante que, como sociedade de transportes, se limita a adquirir, a entidade que os comercializa, os combustíveis que consome na sua atividade. Assim, se é verdade que ela efetivamente suporta, a final, do estrito ponto de vista económico financeiro, a Contribuição, por via da sua repercussão económica (como um qualquer consumidor final, dir-se-ia), essa circunstância não lhe confere, todavia, legitimidade ativa para impugnar atos de liquidação da Contribuição. É certo que ela não se arroga a qualidade de sujeito passivo da relação jurídica tributária controvertida, implicada pela Contribuição emergente das operações que foram a causa da emissão das faturas pela venda do combustível que pagou, nos termos do art.18°n°3 da Lei Geral Tributária, qualidade essa que aliás indica caber à mencionada sociedade, emitente das faturas. Mas o facto de ser repercutida económica não lhe confere, por outra parte, o interesse direto e próprio de que então careceria para pedir a anulação das liquidações da Contribuição. E, isto, porque o alargamento da legitimidade ativa para tomar a iniciativa de atuar como autor, procedimentalmente ou em Juízo, consagrado nos arts.18°n°4 corpo e alínea a) in fine e 54°n°2 da Lei Geral Tributária, por referência ao disposto no art.9°n°4, ex vi do n°1, in fine, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em conjugação com aquela ressalva - estabelecida precisamente para efeitos de conferir legitimidade procedimental ou processual a quem não é sujeito das relações tributárias, mas é onerado com repercussão legal de tributos, na manifestação da tributação em causa - contempla apenas e só o repercutido legal, não também o repercutido económico, como a Impugnante. Assim, a sua legitimidade no caso restringe-se àquela em que assenta o seu atuar com base no direito a reembolsos [rectius: a reembolsos maiores que os que já lhe foram reconhecidos e entregues - tendo embora em conta o já efetivamente restituído], quanto ao mais procedendo imediatamente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Impugnante, nos termos das normas citadas, em conjugação com o preceituado no art.89°n.os1, 2 e 4 corpo e alínea e) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aqui supletivamente aplicável ex vi do art.2° corpo e alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. (...)”. * Com este pano de fundo o Tribunal proferiu a seguinte decisão sumária:“Como se viu, no caso concreto, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no segmento decisório em que a considerou parte ilegítima na acção interposta. Assim, cumpre aferir se tal despacho padece de erro de julgamento. Dispõe o n.º 1 do art. 9.º do CPPT, quanto à legitimidade, que “1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” Por seu turno, o n.º 1 do art. 96.º do CPPT dispõe que “O processo judicial tributário tem por função a tutela plena, efectiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária” Também o art. 9.º n.º 1 e 2 da LGT determina que “É garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.” e “Todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei.” O CPC, no seu art. 30.º preceitua que “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar” e que “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção” (n.º 2), sendo que “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. Coisa diferente da legitimidade processual, é o conceito de sujeito passivo da relação jurídica tributária. Este, nos termos do disposto no art. 18.º n.º 3 da LGT, é “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculada ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”, sendo que, nos termos do n.º 4, “Não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias;” Ou seja, o sujeito passivo do Imposto é a pessoa legalmente obrigada ao cumprimento da obrigação tributária, aquela que a lei designa como responsável pelo pagamento do imposto à administração fiscal, estando identificada na lei como devedora do imposto. É contra ela que a administração fiscal emite a liquidação ou cobra o tributo. Tem legitimidade plena para apresentar reclamações, impugnações ou recursos tributários. Quem suporta o encargo por repercussão legal, é a pessoa que, embora não sendo o sujeito passivo, suporta economicamente o imposto, por força de disposição legal. Não tem a obrigação legal de pagar o imposto ao Estado, contudo, pode ser afectado economicamente pelo tributo, pois o sujeito passivo repercute-lhe (transfere) esse encargo. Pode ter legitimidade para impugnar, nos termos da lei, como acima se viu (art. 18.º n.º 4 da LGT), se o consumidor final for titular de um interesse legalmente protegido, tendo o direito — em nome do princípio da efectividade — de reclamar directamente à Autoridade Tributária o reembolso de CSR indevidamente suportada. E tem sido pacífico na doutrina e na jurisprudência que os IEC’s são casos de repercussão legal, já que os impostos especiais de consumo procuram onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública e que, por essa razão, deverá ser o verdadeiro titular da capacidade contributiva a ser onerado com o encargo do imposto, sendo que a CSR segue em parte o regime dos IEC, e que esta contribuição pretende onerar os utilizadores da rede rodoviária e na medida do seu consumo de combustíveis. Por outro lado, o Tribunal de Justiça da União Europeia, já sublinhou que, quando há violação de disposições do direito da União, há o direito, por parte do sujeito passivo, de obter o reembolso dos impostos, o que significa que o repercutido, consumidor final, que é quem na prática suportou o imposto – tem legitimidade para contestar as liquidações de CSR, com o objectivo de obter a sua anulação e, consequentemente, o seu reembolso. Desta forma, os consumidores finais – os repercutidos – terão legitimidade processual activa para contestar as liquidações da CRS, de forma a obter a sua anulação e respectivo reembolso. De resto, a jurisprudência do CAAD (Tribunal Arbitral Tributário – cfr. proc. n.º 145/2024-T, de 09-08-2024, proc. n.º 792/2023-T, de 24-06-2024 e proc. n.º 491/2023, de 05-03-2024) e o TJUE têm reconhecido que os repercutidos, ou seja, os adquirentes finais de combustíveis a quem a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi repercutida, têm legitimidade processual para impugnar os actos de liquidação da CSR e exigir reembolso, caso consigam demonstrar que suportaram efectivamente esse encargo. Assim sendo, e sem necessidade de mais amplas considerações, o recurso tem, necessariamente, que proceder, não podendo o despacho recorrido manter-se, já que a Recorrente, atendendo à causa de pedir e ao pedido efectuado, é parte legítima na acção.”
* Decidindo,
Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência, confirmando-se a decisão sumária reclamada.
Condena-se a Reclamante pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça devida em uma (1) UC.
Lisboa, 30 de Outubro de 2025. __________________________ (Teresa Costa Alemão) _________________________ (Cristina Coelho da Silva) _________________________ (Rui Ferreira) |