Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1904/10.8BELSB-S2 |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 04/13/2023 |
| Relator: | RUI PEREIRA |
| Descritores: | FALTA DE ENVIO DO PROCESSO INSTRUTOR CONDENAÇÃO EM MULTA |
| Sumário: | I – O disposto no nº 2 do artigo 417º do CPCivil apenas se aplica a quem não é parte na acção (terceiros), e já não a quem nela é parte, além de que o CPTA contém nos nºs 5 e 6 do seu artigo 84º um regime especial, no que tange às sanções pela falta de remessa do processo instrutor, que afasta a aplicação das regras gerais e subsidiárias do Processo Civil. II – De acordo com o nº 5 do artigo 84º do CPTA, a falta de envio do processo administrativo sem justificação aceitável (ou fotocópia autenticada do mesmo, devidamente ordenada, nos termos previstos no nº 4 do artigo 84º do CPTA) apenas confere ao juiz o poder de determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar. III – E, por outro lado, a falta desse envio, não constituindo fundamento que possa obstar ao prosseguimento da causa, tem uma consequência que favorece o autor, em detrimento da entidade onerada com o envio do processo administrativo, e que consiste em os factos alegados pelo autor se considerarem provados, se essa falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade (cfr. nº 6 do artigo 84º do CPTA). IV – É esse o regime que resulta dos normativos citados, que desta forma derroga o regime constante da segunda parte do nº 2 do artigo 417º do CPCivil, que não tem assim aplicação no âmbito do contencioso administrativo, razão pela qual o despacho recorrido, na parte em que aplicou o regime decorrente do nº 2 do artigo 417º do CPCivil à situação vertida nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito. V – Mas ainda que assim não se entendesse, quer o despacho recorrido, quer o que o antecedeu, datado de 3-10-2022 (cfr. ponto xi. do probatório supra), mostram-se viciados em erro sobre os respectivos pressupostos, já que em 24-1-2017 o Digno Magistrado do Ministério Público junto do TAC de Lisboa juntou efectivamente aos autos cópia de todo o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos relativo à Concessão SCUT do Interior Norte e ainda cópia certificada do original da proposta B. apresentada pelas autoras no concurso, conforme se pode constatar do teor de fls. 1659 a 3032 do SITAF referente ao processo nº 1904/10.8BELSB, a correr termos no TAC de Lisboa (cfr. ponto viii. do probatório supra). VI – Assim, tendo já sido oportunamente junto aos autos pela parte onerada com esse dever, quer a cópia de todo o Programa do Concurso e do Caderno de Encargos relativo à Concessão SCUT do Interior Norte, quer ainda a cópia certificada do original da proposta B. apresentada pelas autoras no aludido concurso, inexistia fundamento válido quer para a (nova) notificação da parte para proceder a tal junção, quer para considerar que a parte havia incumprido o teor dessa notificação, desrespeitando desse modo o dever de colaboração que sobre si impendia. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO 1. O Digno Magistrado do Ministério Público, em representação do réu Estado Português, inconformado com o despacho proferido em 2-10-2022, que determinou a sua condenação em 1 UC por incumprimento do dever de cooperação processual, nos termos do artigo 417º, nº 2 do CPCivil, “ex vi” do artigo 1º do CPTA e artigo 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, com fundamento na omissão da junção aos autos do “processo administrativo do Concurso Público Internacional para a Concessão SCUT Interior Norte”, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo para este TCA Sul, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: “1ª – Na presente acção, os autores, “G. S. C., SGPS, SA”, “T. D. – E. C., SA, “ACS – A. C. S., SA”, “O. – E., SA”, “A. R., SA" e “R. R. – C., S. C., SA”, vieram, através dos presentes autos de acção administrativa, peticionar a condenação do réu, Estado Português, representado pelo Ministério Público, no pagamento de uma indemnização no montante de € 2.294.832,00 (dois milhões duzentos e noventa e quatro mil, oitocentos e trinta e dois euros) a título de prejuízos directos sofridos em resultado da conduta do réu, sem prejuízo de outros valores que a esse título se encontram por liquidar. 2ª – Fundamentam o seu pedido por, enquanto sociedades integrantes do “Agrupamento S.” terem concorrido ao concurso público internacional para a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação dos lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados, abreviadamente designada por concessão SCUT INTERIOR NORTE (A24) e, por via disso, terem incorrido em custo directos de € 2.294.832,00 (dois milhões duzentos e noventa e quatro mil, oitocentos e trinta e dois euros), relativos à afectação de meios materiais e humanos e de recursos financeiros à elaboração da proposta e ao acompanhamento das negociações do concurso, a que acrescem outros custos indirectos. 3ª – O procedimento administrativo em causa nos autos correu termos através do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, sob a direcção da extinta J. A. E., tendo-lhe sucedido a empresa I. P., SA (cfr. artigo 2º da p.i.). 4ª – Compulsados os autos, verifica-se que o réu, Estado Português, representado pelo Ministério Público, juntou aos autos, em 24 de Janeiro de 2017, o «Programa de Concurso e Caderno de Encargos da Concessão SCUT do Interior Norte» e cópia certificada do original da proposta «B.» apresentada pelas autoras no concurso, constantes do processo administrativo, documentação que lhe foi enviada pelo Exmº Senhor Chefe do Gabinete do Secretário de Estado das Infraestruturas (cfr. fls. 1659 e segs. dos autos). 5ª – Porém, por despacho judicial de 27 de Outubro de 2022, ora posto em crise, foi o Ministério Público, actuando nos autos em representação do Estado Português, condenado no pagamento de uma multa, em 1 UC, por incumprimento do dever de cooperação processual, nos termos do artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Civil, «ex vi» do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, com fundamento na omissão da junção aos autos do «processo administrativo do Concurso Público Internacional para a “Concessão SCUT Interior Norte». 6ª – Ora, no caso não se mostra inobservado qualquer dever de cooperação, porquanto o processo administrativo já se encontra junto aos autos, devendo, em consequência, o despacho ora em crise, ser revogado por ausência da verificação dos pressupostos de facto e de direito, subjacentes à sua prolação. * Mesmo que assim se não entenda, sempre se dirá o seguinte:* 7ª – O dever de remeter os processos administrativos e demais documentos respeitantes à matéria do litígio ao Tribunal recai sobre as entidades administrativas, conforme o preceituado nº 3 do artigo 8º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no caso a empresa I. P., SA.8ª – Na verdade, o Ministério Público, intervém nos autos, mercê das suas atribuições constitucionais e estatutárias, previstas no nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do artigo 4º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto, não existindo, assim, uma relação que é típica entre o advogado mandatário e uma parte, que é de natureza «intuitu personae». 9ª – O Ministério Público dispõe, inclusive, no caso de recusa de colaboração por parte das entidades administrativas, da faculdade de solicitar ao tribunal competente para o julgamento da acção proposta ou a propor, a aplicação das sanções previstas na lei processual civil de recusa ilegítima de colaboração para a descoberta da verdade, conforme o preceituado no nº 5 do artigo 8º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 10ª – Solução legal que tem subjacente a circunstância de o Ministério Público não ter na sua disponibilidade processos de natureza administrativa, nomeadamente o subjacente aos presentes autos. 11ª – O Ministério Público está, assim, salvo o devido respeito, impossibilitado de cooperar com o Tribunal nos termos em que foi determinado, uma vez que, como é evidente, não pode, por si só, proceder à junção do processo administrativo em causa, uma vez que este está na disponibilidade da entidade administrativa competente, a empresa I. P., SA. 12ª – Devendo, assim, o despacho ora em crise, que determinou a aplicação de multa processual ser revogado, porque ilegal, uma vez que não impende, não poderia impedir sobre o Ministério Público qualquer obrigação processual a este respeito e, ainda, porque no caso, o processo administrativo já se encontra junto aos autos – cfr. nº 3 do artigo 8º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. * Acresce, ainda:* 13ª – No contencioso administrativo e quanto à falta de remessa do processo instrutor existem normas especiais que, como tal, afastam as regras gerais e subsidiárias do Processo Civil.14ª – São as que constam dos nºs 4 e 5 do artigo 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, as quais dispõem: – “Na falta de cumprimento do previsto no nº 1, sem justificação aceitável, pode o juiz ou relator determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar – nº 4. – “A falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade” – nº 5. 15ª – No artigo 417º, nº 1 do Código de Processo Civil formula-se o princípio de que todas as pessoas – partes ou terceiros – têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade e a boa administração da justiça. 16ª – “O dever de cooperar na administração da justiça ou o dever de prestar o serviço judiciário não tem carácter meramente moral; é um comando jurídico, garantido por uma sanção” – Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, pág. 323. 17ª – Aqui há, então, que distinguir entre as partes e as pessoas estranhas à causa (terceiros). 18ª – Quanto às partes, em processo civil, a sanção é esta: o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil. 19ª – Apenas quanto a terceiros, a sanção consiste na condenação em multa. 20ª – Assim, também por aqui, não poderia o Tribunal a quo ter condenado em multa o recorrente, por falhar o requisito “terceiros”, previsto no Código de Processo Civil, para quem e só para quem está prevista a condenação em multa, e porque não faz parte do elenco de sanções processuais previstas para a falta de remessa do processo instrutor – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 7 de Janeiro de 2016, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/2EA053E5D3BB03F880257FFF005F4C3D”. 2. Não foram apresentadas contra-alegações. 3. Remetidos os autos a este TCA, foram colhidos os vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, vindo agora os autos à conferência para julgamento. II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR 4. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso. 5. E, tendo em conta as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a apreciar no presente recurso são as seguintes: (a) se o despacho recorrido enferma de erro nos respectivos pressupostos, já que não foi inobservado qualquer dever de cooperação, porquanto o processo administrativo já se encontra junto aos autos desde o dia 24-1-2017, devendo, em consequência, o despacho ora em crise, ser revogado por ausência da verificação dos pressupostos de facto e de direito, subjacentes à sua prolação; (b) se o Ministério Público está impossibilitado de cooperar com o tribunal nos termos em que foi determinado, uma vez que, como é evidente, não pode, por si só, proceder à junção do processo administrativo em causa, uma vez que este está na disponibilidade da entidade administrativa competente, a empresa I. P., SA; e, finalmente, se (c) no tocante à falta de colaboração das partes, a sanção a aplicar consiste em o tribunal apreciar livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil, e não a aplicação de multa. III. FUNDAMENTAÇÃO A – DE FACTO 6. Com interesse para a apreciação do mérito do recurso, consideram-se assentes os seguintes factos: i. Em 13-9-2010 deu entrada no TAC de Lisboa uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, proposta por “G. S. C., SGPS, SA”, “T. D. – E. C., SA”, “ACS – A. C. S., SA”, “O. – E., SA”, “A. R., SA" e “R. R. – C., S. C., SA”, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização no montante de € 2.294.832,00 (dois milhões duzentos e noventa e quatro mil, oitocentos e trinta e dois euros), a título de prejuízos directos sofridos em resultado da conduta do réu, sem prejuízo de outros valores que a esse título se encontram por liquidar – cfr. petição inicial da acção nº 1904/10.8BELSB, a correr termos no TAC de Lisboa; ii. O Estado Português, representado em juízo pelo Ministério Público, contestou a acção em 30-11-2010 – cfr. consulta ao SITAF na aludida acção; iii. Por despacho prolatado em 31-1-2012, foi a instância em causa suspensa, suspensão essa que foi mantida por despacho de 31-10-2014 – idem; iv. Em 8-6-2016 foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes todas as excepções suscitadas pelo réu e determinou a realização de uma audiência prévia – ibidem; v. Em 17-10-2016 foi realizada a aludida audiência prévia, a qual, atenta a viabilidade das partes chegarem a acordo, designou, com o acordo dos presentes, a respectiva continuação para o dia 4-11-2016, pelas 10h00 – ibidem; vi. No dia 4-11-2016 teve lugar a continuação da audiência prévia, que culminou com o seguinte despacho da Senhora Juíza titular do processo: “Na sequência do debate, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea c) do CPC, determina-se que venha a autora, no prazo de 20 dias, aperfeiçoar e completar o articulado, designadamente, quanto à questão do valor despendido com a garantia bancária bem como quanto ao pedido relativo a lucros cessantes e a perda de chance, bem como juntar a prova documental que protestou juntar e arrolar testemunhas. Sendo facultado esse novo articulado e documentos ao Digníssimo Procurador da República, é-lhe facultado idêntico prazo para o contraditório sobre a petição aperfeiçoada e sobre os documentos juntos, podendo igualmente arrolar testemunhas” – ibidem; vii. Em 24-11-2016 as autoras apresentaram requerimento de aperfeiçoamento dos artigos 69º a 71º da sua petição inicial – ibidem; viii. Em 24-1-2017 o Digno Magistrado do Ministério Público junto do TAC de Lisboa respondeu ao requerimento a que se alude em vii., juntando ainda com esse requerimento cópia de todo o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos relativo à Concessão SCUT do Interior Norte e ainda cópia certificada do original da proposta B. apresentada pelas autoras no concurso – cfr. fls. 1659 a 3032 do SITAF, processo nº 1904/10.8BELSB, a correr termos no TAC de Lisboa; ix. Em 27-1-2022 foi delimitado o objecto do litígio, fixados os temas da prova e notificadas as partes para, querendo, apresentarem requerimentos probatórios actualizados – idem; x. Por despacho datado de 12-9-2022, foi o réu notificado para, no prazo de 10 dias, proceder à junção aos autos do processo administrativo do Concurso Público Internacional para a “Concessão SCUT Interior Norte” – cfr. ponto 5.2. do despacho de fls. 3305 e do despacho de fls. 3315 do SITAF, processo nº 1904/10.8BELSB, a correr termos no TAC de Lisboa; xi. E, por despacho de 3-10-2022, foi proferido o seguinte despacho: “Compulsados os presentes autos não logro localizar justificação da falta de junção e/ou a junção do processo administrativo do Concurso Público Internacional para a “Concessão SCUT Interior Norte” (vide ponto 5.2. do despacho de fls. 3305), ordenada no ponto 3. do despacho de fls. 3315: cfr. fls. 3315 a 3318. Deste modo, notifique o réu, para que alcance cumprir o ordenado no referido ponto 3. do despacho de fls. 3315, agora com a expressa advertência para possibilidade de aplicação do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Civil – CPC ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA (tempus regit actum): vide ainda artigo 6º, artigo 547º, todos do CPC, ex vi artigo 1º CPTA (tempus regit actum)” – cfr. fls. 3319 do SITAF, processo nº 1904/10.8BELSB, a correr termos no TAC de Lisboa; xii. E, com data de 27-10-2022, foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor: “Foi o réu convidado a juntar aos presentes autos o processo administrativo do Concurso Público Internacional para a “Concessão SCUT Interior Norte”: vide ponto 5.2. do despacho de fls. 3305), ordenada no ponto 3. do despacho de fls. 3315; fls. 3315 a 3318. O réu não procedeu à junção do ordenado, nem justificou a falta. Não obstante, foi renovado o supra-referido despacho [(vide ponto 5.2. do despacho de fls. 3305), ordenada no ponto 3. do despacho de fls. 3315; fls. 3315 a 3318], desta feita com expressa advertência para a possibilidade de aplicação do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Civil – CPC, ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA (tempus regit actum): vide ainda artigo 6º e artigo 547º CPC, ex vi artigo 1º CPTA (tempus regit actum): cfr. segundo despacho de fls. 3319. Como resulta dos autos, até à presente data, o réu, novamente, não procedeu à junção do ordenado, nem, repete-se, sequer justificou tal omissão: cfr. fls. 3319 a fls. 3321. Conduta que consubstancia recusa da colaboração devida, e bem assim, a violação do Princípio da Cooperação e do Dever de Cooperação ínsitos v.g. no artigo 417º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA (tempus regit actum). O que, à luz do preceituado no artigo 417º, nº 2 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, reclama ainda a condenação em multa do recusante. Nestes termos, condeno o réu em multa que fixo em 1UC: cfr. artigo 417º, nº 2 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, artigo 27º, nº 1 do RCJ. Notifique” – cfr. fls. 3323 do SITAF, processo nº 1904/10.8BELSB, a correr termos no TAC de Lisboa. B – DE DIREITO 7. Comecemos por analisar a questão de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao condenar o recorrente em multa, uma vez que no tocante à falta de colaboração das partes, a sanção a aplicar consiste em o tribunal apreciar livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil, e não a aplicação de multa. Vejamos, pois. 8. Esta questão já teve resposta no acórdão do TCA Norte, de 1-7-2016, proferido no âmbito do processo nº 0752/14.0BEPRT-A, que merece a nossa concordância, nos seguintes termos: “No artigo 417º, nº 1 do Código de Processo Civil de 2013, formula-se o princípio de que todas as pessoas – partes ou terceiros – têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade e a boa administração da justiça. “O dever de cooperar na administração da justiça ou o dever de prestar o serviço judiciário não tem carácter meramente moral; é um comando jurídico, garantido por uma sanção” – Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol. III, 3º edição, pág. 323. Aqui há que distinguir entre as partes e as pessoas estranhas à causa (terceiros). Quanto às partes, em processo civil, a sanção é esta: o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil. Apenas quanto a terceiros, a sanção consiste na condenação em multa. No contencioso administrativo e quanto à falta de remessa do processo instrutor existem normas especiais que, como tal, afastam as regras gerais e subsidiárias do Processo Civil. São as que constam dos nºs 4 e 5 do artigo 84º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. “Na falta de cumprimento do previsto no nº 1, sem justificação aceitável, pode o juiz ou relator determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar – nº 4. “A falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade” – nº 5. Assim, não poderia o Tribunal a quo ter condenado em multa a recorrente, por falhar o requisito “terceiros”, previsto no Código de Processo Civil (de 2013), para quem e só para quem está prevista a condenação em multa, e porque não faz parte do elenco de sanções processuais previstas para a falta de remessa do processo instrutor”. 9. Com efeito, para além do disposto no nº 2 do artigo 417º do CPCivil apenas se aplicar a quem não é parte na acção (terceiros), e já não a quem nela é parte, o certo é que o CPTA contém nos nºs 5 e 6 do seu artigo 84º um regime especial, no que tange às sanções pela falta de remessa do processo instrutor, que afasta a aplicação das regras gerais e subsidiárias do Processo Civil. 10. Ora, de acordo com o nº 5 do artigo 84º do CPTA, a falta de envio do processo administrativo sem justificação aceitável (ou fotocópia autenticada do mesmo, devidamente ordenada, nos termos previstos no nº 4 do artigo 84º do CPTA) apenas confere ao juiz o poder de determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar. 11. E, por outro lado, a falta desse envio, não constituindo fundamento que possa obstar ao prosseguimento da causa, tem uma consequência que favorece o autor, em detrimento da entidade onerada com o envio do processo administrativo, e que consiste em os factos alegados pelo autor se considerarem provados, se essa falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade (cfr. nº 6 do artigo 84º do CPTA). 12. É esse o regime que resulta dos normativos citados, que desta forma derroga o regime constante da segunda parte do nº 2 do artigo 417º do CPCivil, que não tem assim aplicação no âmbito do contencioso administrativo, razão pela qual o despacho recorrido, na parte em que aplicou o regime decorrente do nº 2 do artigo 417º do CPCivil à situação vertida nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito. 13. Mas ainda que assim não se entendesse, quer o despacho recorrido, quer o que o antecedeu, datado de 3-10-2022 (cfr. ponto xi. do probatório supra), mostram-se viciados em erro sobre os respectivos pressupostos, já que em 24-1-2017 o Digno Magistrado do Ministério Público junto do TAC de Lisboa juntou efectivamente aos autos cópia de todo o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos relativo à Concessão SCUT do Interior Norte e ainda cópia certificada do original da proposta B. apresentada pelas autoras no concurso, conforme se pode constatar do teor de fls. 1659 a 3032 do SITAF referente ao processo nº 1904/10.8BELSB, a correr termos no TAC de Lisboa (cfr. ponto viii. do probatório supra). 14. Assim, tendo já sido oportunamente junto aos autos pela parte onerada com esse dever, quer a cópia de todo o Programa do Concurso e do Caderno de Encargos relativo à Concessão SCUT do Interior Norte, quer ainda a cópia certificada do original da proposta B. apresentada pelas autoras no aludido concurso, inexistia fundamento válido quer para a (nova) notificação da parte para proceder a tal junção, quer para considerar que a parte havia incumprido o teor dessa notificação, desrespeitando desse modo o dever de colaboração que sobre si impendia. 15. Por conseguinte, o presente recurso merece provimento, pelo que o despacho recorrido não pode manter-se e deve ser revogado. IV. DECISÃO 16. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho de 27-10-2022, que condenou o réu na multa de 1 UC, com fundamento no disposto nos artigos 417º, nº 2 do CPCivil, “ex vi” artigo 1º do CPTA, e 27º, nº 1 do RCJ. 17. Não são devidas custas. Lisboa, 13 de Abril de 2023 (Rui Fernando Belfo Pereira – relator) (Dora Lucas Neto – 1ª adjunta) (Pedro Figueiredo – 2º adjunto) |