Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1125/18.1BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 03/20/2025 |
| Relator: | MARGARIDA REIS |
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRC FATURAÇÃO FALSA PROVA CUSTOS ART. 23.º CIRC PERIODIZAÇÃO ART. 18.º, CIRC NCRF 27 IMPARIDADE INSOLVÊNCIA FUNDAMENTAÇÃO |
| Sumário: | I- No domínio da faturação falsa, a AT não precisa de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas. Cumprido esse ónus passa a competir à Impugnante, apresentar prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as faturas têm subjacentes operações com materialidade. II- A prova que importa realizar, de forma cabal, segura e inequívoca relativamente a cada um dos serviços titulados pelas faturas, não se basta com um mero enquadramento genérico da existência de prestação de serviços e uma alegação não devidamente substanciada no espaço e no tempo da concreta relação negocial. III- A apresentação dos meios de pagamento reveste grau de importância elevada em termos de prova da efetividade das operações. IV- Não tendo o Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu n.º 1, porquanto tal princípio não se compadece com situações de inércia probatória por parte do contribuinte, quando o ónus da prova se encontre na sua esfera jurídica. V- Se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus da prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário. VI- Não constitui justificação para o não reconhecimento da imparidade de um crédito no exercício em que é declarada a insolvência da sociedade devedora o desconhecimento sobre a possibilidade de ressarcimento do valor do crédito pela massa insolvente, atendendo a que, como é sabido, a perda por imparidade pode e deve ser revertida, procedendo-se à correspondente reversão quando que tal se justifique (cf. § 28 da NCRF 27). VII- Não padece de falta de fundamentação o RIT do qual resultam de forma clara, coerente e suficiente os fundamentos da liquidação, o que permitiu que a mesma fosse judicialmente sindicada, e afigurando-se perfeitamente percetível a um destinatário médio. VIII- A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório E…………….Unipessoal, Lda., inconformada com a sentença proferida em 2023-01-20 pelo Tribunal tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que interpôs tendo por objeto as liquidações adicionais de IRC n.º 2017 8310027587 e correspondentes juros compensatórios, referentes ao exercício de 2013, no montante total a pagar de EUR 823.892,77, vem dela interpor o presente recurso. O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES 1. A matéria de facto dada como provada na sentença, acolhe, quase in totum, a que se encontra reproduzida no relatório de inspeção tributária, documentos e as conclusões que do mesmo decorrem, desconsiderando a prova apresentada pela Recorrente de modo algo “radical”, quer de natureza documental, quer, de modo relevante, testemunhal; 2. Recorre-se assim, primeiramente, da matéria de facto dada como provada constante da decisão recorrida, no particular a que consta da alínea J) até 3.4, impugnando-se a mesma com fundamento nos depoimentos de testemunhas que se encontram gravados e daí se impondo decisão diversa a proferir por este Venerando Tribunal, no pressuposto da reapreciação destes meios de prova e consequente provimento do pedido de anulação das liquidações. 3. Assim a conclusão constante na alínea J, in fine, a saber: “Estamos perante uma simulação absoluta, uma vez que todos os factos apontam para que não tenha existido qualquer negócio, sem qualquer que, tenha por base os elementos recolhidos, a gerente de facto de ambas as entidades (O... e E...) continuaria a ser S....”, é, a nosso ver, inaceitável em fase da reapreciação do depoimento das testemunhas; 4. Com fundamento nos depoimentos das testemunhas, a decisão recorrida deve ser revogada com o pressuposto na referida reapreciação desses meios de prova, provando-se que se verificaram relações comerciais entre a O... e a Recorrente, no ano de 2013, ao contrário do que se decidiu; 5. O depoimento das testemunhas necessariamente conjugado com os documentos juntos à PI e, em particular, o doc. 3 (faturas emitidas pela O... reportadas a vendas à Recorrente constante do quadro da matéria de facto dada como provada), importa decisão diversa para que se faça JUSTIÇA; 6. Não pode dar-se como provado, como se fez na sentença, que a gerente de facto das duas empresas, em 2013, Recorrente e O…., era a mesma: S…... 7. Do depoimento das testemunhas nada indicia que tal acontecesse, nem do RIT tal resulta; 8. Respeitando o princípio da livre apreciação da prova, entende-se que o mesmo foi violado na decisão recorrida no que diz respeito à matéria de facto dada como provada (alínea J) porquanto, aquando do julgamento, a análise que se fez dos depoimentos das testemunhas, afigurou-se parcial e incongruente, em contradição com a idoneidade e consistência dos mesmos; 9. Ora dos factos dados como provados que se impugnam, e de onde resulta a conclusão aludida (ponto e destas conclusões), haverá que considerar, prima facie, os seguintes: “1 Em 25/10/2016, as funcionárias da Direção de Finanças de Lisboa, (...), deslocaram-se à sede do sujeito passivo constante na base de dados da Autoridade Tributária (AT) sita na Rua N…., n.º X, 2…-… C..., a fim de verificar a existência de atividade por parte daquela sociedade naquelas instalações, bem como obter alguma informação complementar sobre a mesma. Da visita ao local, verificou-se que o mesmo corresponde ao R/C de um prédio de apartamentos amplo, em reboco, sem eletricidade ou quaisquer condições que permita, o exercício de qualquer atividade económica. Da análise às faturas constantes da informação da Direção de Finanças de Leiria, verificou-se que nas mesmas consta endereço postal diferente do da sede, sendo esta: Quinta do C….., A………., 2…-….C.... Após confirmação da localização da nova morada, por parte de um agente da esquadra da PSP de C..., dirigidas ao novo local verificou-se haver naquela localização vários armazéns completamente destruídos, algumas oficinas sem identificação, e entre as identificadas com porta aberta foi-nos informado desconhecerem a empresa O…., Lda, bem como da existência, naquele local de qualquer empresa com a atividade daquela. Relembramos que sobre o local onde supostamente a O... exercia a atividade, a Direção de Finanças de Lisboa informou o seguinte: “verificou-se haver naquela localização vários armazéns completamente destruídos, algumas oficinas sem identificação, e entre as identificadas com porta aberta foi-nos informado desconhecerem a empresa O..., Lda, bem como da existência naquele local de qualquer empresa com a atividade daquela. Sobre a sede da O... “verificou-se que o mesmo corresponde ao R/C de um prédio de apartamentos, amplo em reboco, sem eletricidade ou quaisquer condições que permitam o exercício de qualquer atividade económica. 10. Ora importa impugnar a matéria de facto dada como assente na decisão recorrida que inclui a conclusão fatual de relações simuladas entre a RECORRENTE e O... e, a coincidência de gestão de facto destas empresas, na mesma pessoa, atentemos a transcrição da gravação dos depoimentos das testemunhas 11. E para os efeitos referidos no ponto anterior, importa, pela reapreciação da prova gravada, que se faça julgamento diferente do que foi realizado, sobre os factos que incluem a conclusão mencionada. e) E a matéria controvertida, refletida na alínea J) da matéria de facto, é a de saber se, no ano de 2013, ocorreram, ou não, transações comerciais entre a O... e a Recorrente; f) Ora dos segmentos dos depoimentos das testemunhas que se transcreveram (fazendo-se referência, no lado esquerdo da transcrição, à hora, minutos e segundos, da gravação), resulta que: ocorreram transações comerciais reais entre a E... e a O...; g) Atente-se que, de alguns dos segmentos dos depoimentos, sublinhados a negrito, das testemunhas, S... e A..., resulta de modo perentório, que, no ano de 2013, se verificaram transações entre as duas empresas em causa; h) Decorre que a mercadoria (peles) transacionada, proveniente da O..., entrou nas instalações da E..., que foi rececionada e conferidas por um funcionário de nome N..., pessoa identificada pelas testemunhas como tendo subscrito, como recetor das peles, as faturas de onde constava, entre outros itens, o preço, qualidade e quantidade; i) Ora essas faturas foram consideradas suporte de operações simuladas (vide quadro inicial de faturas da matéria dada como provada). j) Para além dos segmentos sublinhados na transcrição dos depoimentos, realce-se o depoimento de S..., na sessão de julgamento que decorreu no dia 8/2, que, à data dos factos, 2013, já nem era gerente de facto ou de direito da E... (vide transcrição da audiência do dia 8/2, fazendo-se menção ao período temporal, horas, minutos e segundos): 00:33:06 a 00:35:22; 01:06:30 a 01:06:41; k) É evidente a convicção da afirmação da testemunha, referenciando que nada tinha a ver com a O... no ano de 2013 e que as peles transacionadas nesse ano, com a Recorrente, deram entrada no armazém e foram conferidas pelo funcionário N.... Também referiu que nada mais teve a ver com a atividade da O.... l) Ou o depoimento na audiência de julgamento do dia 8/2/2022, entende-se por fidedigno, independente e isento, da testemunha A..., sem interesse na causa (transcrito o segmento do seu depoimento de 02:00:13 a 02:09:00), e que foi confrontado com as faturas da O... emitidas em 2013, à Recorrente, atestando, de modo credível, a existência de relações comerciais entre a Recorrente e a O... e corroborando a matéria de facto dada como provada em M) e N) na sentença; m) A testemunha foi perentória quando, questionado sobre se viu peles da O..., nas instalações da Recorrente, no ano de 2013 referiu: “Sim, porque nós quando controlamos as peles, antes de acabar, há vários tipos de acabamento, mas antes de acabar há uma ficha sempre a acompanhar cada ativo, e aí nessa ficha diz de onde é que vêm as peles, a procedência e havia muita pele da O..., claro.”, depoimento este em contradição com o que se refere na alínea J) da matéria dada como provada; n) Das transações serem reais entre a O... e a Recorrente, e da existência daquela, com estrutura física autónoma, no ano de 2013, ao contrário do que resulta dos factos dados como provados, transcritos, que se reportam a uma inspeção do ano de 2016, afigura-se-nos credível o depoimento da testemunha R…., depoimento prestado em 17-03-2022 11-21-49 – 00:26:58, responsável comercial da Recorrente, à data, que chegou a deslocar-se às instalações daquela, segmentos do depoimento supra transcrito de: 00:09:14 a 00:10:18; 00:13:19 a 00:13:43; 00:16:56 a 00:18:01 o) Ao contrário do que se infere da matéria de facto dada como provada, verificou-se uma real transmissão da participação social a favor de um brasileiro que passou a ser titular da quota da O..., que tinha negócios no Brasil, e que, no ano de 2013, a O... tinha trabalhadores, instalações e peles. p) No sentido referido na alínea anterior, atente-se o depoimento de S... a 00.46.09 da gravação da audiência do dia 18/2/2022: “Na altura, havia um fornecedor no Brasil, que se mostrou interessado em comprar a empresa. Porquê? Precisamente para deixarmos de ter tanto os intermediários. Ou seja, ele comprou a empresa e ele importava diretamente do Brasil peles e de outros países e cá vendia à E...” q) Para além do que se referiu, transcreveu-se, ainda que parcialmente, realçando-se os segmentos, a negrito dos depoimentos, na parte relevante para a impugnação da matéria de facto dada como provada na alínea J) e, nesta parte, até ao ponto 3.4, e que, de per si, contrariam a tese da AT plasmada na decisão que refere a inexistência de relações comerciais e que se espelham na conclusão de existir simulação absoluta; r) Assim, na sessão do dia 18/02/2022, destaca-se, com relevância para impugnar, recorrendo da matéria de facto dada como provada, o depoimento de S..., que merece reapreciação, nos seguintes segmentos (realce a negrito) supra, transcritos: 00:33:06 a 00:36:27; 00:36:43 a 00:36:40; 00:39:16 a 00:42:53; 0042:57 a 00:43:10; 00:45:50 a 00:48:29; 01:02:39 a 01:07:31; 01:23:45 a 01:24.36 s) Assim, na sessão do dia 18/02/2022, destaca-se, com relevância para impugnar, recorrendo da matéria de facto dada como provada, o depoimento de A..., que merece reapreciação, nos seguintes segmentos (realce a negrito) supra, transcritos: 01:30:10 a 01:30:14; 01:30:20 a 01: 30:35; 01:31:59 a 01:32:11; 01:32:27 a 01:33:35; 01:34:09 a 01:01:32:22; 01:40:57; 01:41:54; 01:42:12 a 01:46:48 t) Assim, na sessão do dia 18/02/2022, destaca-se, com relevância para impugnar, recorrendo da matéria de facto dada como provada, o depoimento de A..., que merece reapreciação, nos seguintes segmentos (realce a negrito) supra, transcritos: 01:53:31 a 02:09:00 u) Na sessão do dia 17/03/2022, destaca-se, com relevância para impugnar, recorrendo da matéria de facto dada como provada, o depoimento de Rui Henriques, nos seguintes segmentos (realce a negrito) supra, transcritos: 00:02:52 a 00:03:30; 00:05:47 a 00:10:18; 00:13:19 a 00:18:01; 00:18:27 a 00:20.19; v) Atento o exposto, mesmo considerando o princípio de livre apreciação da prova não deveria ser considerado provada a matéria de facto considerada em J), constante da sentença recorrida, caindo a tese de inexistência de relações comerciais entre a Recorrente e a O... no ano de 2013 (consideradas simuladas na sentença); w) Do recurso da matéria de facto, visando a reapreciação da prova gravada, a decisão deveria ter sido de considerar os depoimentos das testemunhas que presenciaram factos ocorridos no ano de 2013, atento o seu teor, devendo ficar prejudicados os factos dados como provados resultantes de meros indícios e de um relatório de inspeção tributaria executado no ano de 2016: x) Em suma da reapreciação da prova gravada, as liquidações de IRC fundadas em operações simuladas - faturas emitidas pela O... - gastos não aceites fiscalmente (vide quadro), devem ser anuladas por as mesmas terem correspondido, do depoimento das testemunhas tal resulta, a transações reais durante o ano de 2013; y) Por outro lado, em face os factos dados como provados, coincidentes, quase totalmente, com os do RIT executado em 2016, constata-se estarem os mesmos em contradição com o teor dos depoimentos prestados que se revelam mais fidedignos por se reportarem ao testemunho direto de ocorrências do ano de 2013; z) Daí terem sido identificados factos e terem sido recolhidos diversos elementos demonstrativos de que não se verificou simulação de transações comerciais, relacionadas com faturas emitidas pela sociedade O..., verificando-se erro de julgamento na manutenção das liquidações de IRC; aa) Com efeito, os alegados indícios de faturação falsa recolhidos pela Administração Tributária não podem, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações da Recorrente nos termos do artigo 75.º da LGT; bb) Com efeito, provado e documentado está nos autos (documentos 2 a 8 juntos pela Recorrente e não impugnados), que, desde o ano de 2007, a Recorrente vinha mantendo relações comerciais com a O..., tendo a AT aceite todas essas transações que ocorreram nos períodos de 2007 a 2013 cc) As peles adquiridas pela Recorrente à O..., vinham acompanhadas de guias de remessa ou faturas (vide documento 3 junto à impugnação), e foram rececionadas por um funcionário da Recorrente, N..., (como resulta de factos dados como provados em M e N que se dão aqui por reproduzidos e da prova testemunhal) dd) Os meios de pagamento encontram-se documentados por cópias na contabilidade da Recorrente que a sentença desconsiderou como tinha ocorrido com a IT; ee) As peles adquiridas pela Recorrente à O..., conforme resulta do relatório da IT, com ou sem prévia transformação, foram objeto de vendas que a AT considerou; ff) Quanto às dúvidas que na sentença são plasmadas e que diz respeito à contabilidade da O..., é matéria que não é da incumbência da Recorrente, como sujeito passivo e se aquela empresa era ou não, possuidora, desconhece a Recorrente, a que titulo, de dois armazéns em Cadiz, é facto a que recorrente é alheia, não tendo que o provar e daí não pode resultar a conclusão da sentença de que os mesmos não existiam gg) Assim, no caso sub judice, o julgador deveria concluir que era a AT que tinha o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar faturas contabilizadas, por entender que não titulam reais transações/ prestações de serviços, ou seja, por entender que se trata de faturação falsa/operações simuladas. hh) Só a demonstração cabal de tal factualidade é suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art.75.º da LGT). ii) Ora, no caso concreto, a análise crítica de toda a prova produzida, permitia ao Julgador concluir que a tese da AT não está suficientemente ancorada com vista a poder concluir-se que as faturas em causa não têm na base da sua emissão mercadoria efetivamente entregue à Recorrente e faturada. jj) Assim, haveria que concluir, ao contrário do que aconteceu na sentença recorrida, que as correções que deram origem às liquidações impugnadas não poderiam manter-se, uma vez que a Administração Tributária não logrou fazer a prova, que lhe era exigida, das suas presunções de existência de faturação falsa. kk) Na falta dessa prova, a questão relativa à legalidade da sua atuação, praticando o acto tributário impugnado, terá que ser resolvida contra a AT, ao abrigo do princípio da veracidade contido no artigo 75.º da LGT que se entende ter sido violado na sentença recorrida. ll) Na verdade, ao contrário do que foi decidido, nos termos do referido artigo 75.º da LGT, havia que presumir a veracidade das declarações da Recorrente, presunção esta de natureza legal, ainda que “iuris tantum”, exigindo-se que a parte a quem seja oposta para a ilidir fizesse a prova do contrário; mm) Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, a aceitação de qualquer gasto, inclusive o associado a compras, depende de ser devidamente comprovada a sua existência e indispensabilidade, que será possível apurar e quantificar por existência de prova que titulam verdadeiras operações; * nn) A Recorrente não aceita a posição vertida na sentença no que diz respeito a os gastos que foram realmente suportados pelo sujeito passivo, isto é, o gasto contabilizado corresponde a uma transação efetivamente realizada e indispensável à realização dos rendimentos sujeitos a imposto. oo) Entende-se, igualmente, que se verificou erro de julgamento quando se desconsiderou as despesas (ponto III.1.3 1.4 e IX do RIT, aí transcrito) pp) Todas as restantes despesas desconsideradas, como sejam de refeições, combustíveis e dormidas entende a Recorrente que as mesmas são efetivamente resultantes do exercício da sua atividade comercial quer a nível local quer, nomeadamente e em particular, realizadas no Norte do País onde se situam a maior parte das empresas de calçado; qq) Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, (à data dos factos) “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. rr) É no conceito da indispensabilidade que assenta a consideração fiscal dos custos empresariais e que pressupõe distinção entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio ou sócios. ss) No caso dos autos, as faturas constituem uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediato e diretamente lucrativo, mas que tem, na sua origem, um fim empresarial. tt) Sobre a AT recai o ónus de provar a inveracidade das despesas incorridas para serem desconsideradas como custo fiscal, o que não aconteceu no caso vertente até porque não se logrou provar (factualmente, testemunhalmente) o contrário, limitando-se a afirmar, também na sentença recorrida, apenas e somente que não é custo fiscal dedutível. * uu) No caso referido facto dado como provado no Item III.1.5.6 do RIT, a Recorrente refere que, em relação ao crédito que detinha na empresa B..., não era certo nem líquido que o mesmo não viesse a ser pago pela massa insolvente e aguardou-se pelo encerramento da insolvência para reconhecer o valor pelo que a sua dedutibilidade apenas se verificou no período em apreço; vv) Pelo que não é de aceitar a posição assumida na sentença recorrida que coincide com a da AT, de que do ponto de vista contabilístico e fiscal deve ser reconhecido o risco associado à cobrança dos créditos que não coincide com a comprovada incobrabilidade que o sujeito passivo aguardava. ww) Com efeito, à data dos factos, o artigo 35.º, do CIRC, consagra o regime das perdas por imparidades em dívidas a receber em que no seu n.º 1, a) dispõe que “Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”. xx) O artigo 36.º, n.º 1, do CIRC (à data dos factos) dispõe que “Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos: O devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução;” yy) Para efeitos fiscais, o regime das provisões comporta especificidades face ao tratamento contabilístico pois para além do requisito do “risco de cobrança” mostram-se necessários outros pressupostos para a respetiva aceitação por parte da AT. zz) Assim, para que as provisões possam ser consideradas custos fiscais importa, não só que esteja apurado o requisito risco de incobrabilidade, devidamente justificado, através de diligências para o seu recebimento, que foi o que efetivamente aconteceu, tendo-se aguardado após as diligências, pelo reconhecimento judicial dos créditos. aaa) Para além disso, de acordo com o artigo 18.º n.º 1 do CIRC, há que observar o princípio da especialização de exercícios (ou do acréscimo), em que os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam. bbb) Em relação a este princípio basilar da contabilidade, é de referir o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 101/03 de 30/04/03, in www.dgsi/jsta.pt., em que foi afirmado que “os artigos 34.º n.º 1 alínea a) e 18.º n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não exigem que a provisão para créditos de cobrança duvidosa seja constituída no exercício em que esses créditos entrem em mora. ccc) A prova carreada pela Recorrente demonstra terem sido feitas todas as diligências, nomeadamente as diligências atinentes a ver reconhecido o crédito pelo Tribunal de Comércio - B... – tendo a mesma cumprido o ónus que recaia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 74.º da LGT ddd) Entende-se que na sentença recorrida se faz violação flagrante de princípios constitucionais integrantes do processo judicial tributário: LEGALIDADE; JUSTIÇA; PROPORCIONALIDADE; CAPACIDADE CONTRIBUTIVA; TRIBUTAÇÃO DO RENDIMENTO REAL eee) Com efeito, o que resulta de tudo o que antecede, é que a atividade da AT relativamente à inspeção de que foi alvo a Recorrente e que resultou na elaboração do relatório de inspeção tributária e consequente liquidação, viola de forma veemente os princípios constitucionais integrantes do processo tributário. fff) A sentença recorrida ao aceitar o RIT, reproduzindo-o, com referência à inspeção de que foi alvo a Recorrente e que resultou na elaboração do mesmo e consequente liquidações, viola de forma veemente os princípios constitucionais integrantes do processo tributário ggg) Com efeito, no que diz respeito ao princípio da legalidade dispõe no seu artigo 103.º, n.º 2, da C.R.P. que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” hhh) E no seu n.º 3 dispõe que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.” iii) Ao contrário do que se entende na sentença recorrida, as liquidações de IRC que foram emitidas pela AT, são liquidações manifestamente exageradas, desproporcionais, injustas e ilegais face ao rendimento que foi declarado pela mesma e que depois foi corrigido pela AT, o que denota uma desproporção enorme face ao que foi declarado. jjj) Embora o princípio da capacidade contributiva não esteja expressamente consagrado na Constituição, é de especial relevância no sentido de que não pode impender sobre a Recorrente uma liquidação que extravasa absolutamente a capacidade contributiva da mesma, sem haver limites, critérios, regras para se poder tributá-la kkk) No que concerne à tributação do rendimento das empresas, o princípio da capacidade contributiva revela-se através do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição em que dispõe que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” lll) É que a liquidação de IRC emitida pela AT visa tributar o rendimento real – lucro -que a Recorrente teve no exercício de 2013, que foi efetivamente o que foi declarado e não o que foi corrigido, que é 80 vezes mais! mmm) Como foi atrás referido, é completamente desprovido de racionalidade, objetividade e até de bom senso a liquidação que foi apresentada pela AT, acolhida na sentença recorrida nnn) Foi discorrida toda a fundamentação de facto e de direito e Jurisprudência, atinentes a fazer cair pela base o relatório de inspeção tributária e consequente liquidação apresentado pela AT e, por consequência a sentença recorrida que se suportou no mesmo; ooo) Por outro lado, estipula a Constituição, no seu artigo 268.º, n.º 3, “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.” ppp) Com todo o respeito, a decisão recorrida ao acolher a tese da AT, não teve em consideração o dever de fundamentação dos actos praticados pelos órgãos ou agentes da administração pública; qqq) Esse é um dever que recai sobre a AT e sobre o julgador, de fundamentar a liquidação emitida com base no seu relatório de inspeção tributária em que deveria estar plasmada toda a fundamentação que a levou a proceder a correções técnicas sobre o resultado declarado pela impugnante. rrr) No tocante à matéria das relações especiais entre empresas, o CIRC, no seu artigo 63.º, n.º 1, consagra que “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”. sss) Atento o artigo 77.º da LGT e o 63.º do CIRC, a sentença recorrida desconsiderou que cabe à AT fundamentar o despacho que determinou que sobre a impugnante fosse emitida a liquidação ora em crise, com base nos pressupostos estabelecidos nos mesmos, ou seja, de que existem relações especiais entre empresas e que as mesmas não respeitaram o princípio da livre concorrência em mercado livre. ttt) Entende a Recorrente, ao contrário do que se entende na sentença recorrida, que recaía sobre a AT um dever especial de fundamentação do relatório e respetivas conclusões que levassem à emissão da liquidação de IRC, ora impugnada, dado que o seu juízo parece assentar em relações especiais, o que não foi o caso! * uuu) Por último entende a Recorrente, por tudo o que foi supra, referido, nomeadamente quanto à impugnação da matéria de facto dada como provada à luz da reapreciação da prova gravada, que para além de não ter fundamento legal, a liquidação de IRC com base nas correções meramente aritméticas, acaba por gerar fundada dúvida, tese que devia ser acolhida na sentença recorrida vvv) Com efeito, dispõe o artigo 100.º, n.º 1, do CPPT que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.” www) A norma presente destrói claramente essa presunção legal a favor da AT e estabelece uma verdadeira repartição do ónus da prova - que se coloca apenas em relação a questões de facto - de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AT. xxx) Não devendo a AT efetuar a liquidação se não existirem indícios consistentes da existência daqueles, isto é, se o conhecimento desses factos for baseado em meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios yyy) In casu, a prova produzida pela Recorrente, nomeadamente considerando os depoimentos das testemunhas (vide reapreciação da prova gravada), ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, é suscetível de infirmar os factos em que assentou o juízo da AT ou, pelo menos, de sobre ele criar uma fundada dúvida sobre a sua existência. zzz) No artigo 100.º do CPPT acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AT que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável»; aaaa) Em suma, é a indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal. bbbb) Tudo isto para se concluir que, quer no procedimento administrativo, quer no presente processo judicial, o que há a relevar é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, provado diretamente pela declaração e (ou) a contabilidade do contribuinte ou pela administração fiscal, nos casos tipificados na lei, através dos meios gerais e especiais de prova legalmente admissíveis. cccc) Assim, a dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, estabelecida no processo judicial (ou administrativo), equivalerá à conclusão pela sua inexistência e consequente anulação (ou abstenção da prática) do acto tributário que o tenha por base. dddd) Perante o exposto, devia o Julgador recorrer à regra do artigo 100.º do CPPT pois, ainda que se considere que, com base em matéria de prova produzida pela Recorrente, existe fundada dúvida sobre a existência dos pressupostos do acto tributário impugnado relativamente à verba em causa, terá a mesma de beneficiar o contribuinte, anulando-se a liquidação de IRC impugnada. * eeee) Por tudo o que foi expendido, não se aceita a sentença recorrida que acolhe a tese da AT quanto às correções técnicas efetuadas à matéria coletável de que resultou liquidações em sede de IRC mais juros compensatórios do exercício de 2013, padecem de invalidade, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, insuficiência/incongruência de fundamentação, além da fundada dúvida o que torna ilegais as liquidações impugnadas, devendo ser anuladas; ffff) A sentença recorrida ao aceitar a liquidações emitidas pela AT, afronta os princípios constitucionais da legalidade, justiça, proporcionalidade, capacidade contributiva e da tributação do rendimento real (lucro) o que torna manifestamente inconstitucional a liquidação de IRC, pela inexistência de fundamentos que justifiquem a adoção de correções técnicas à matéria coletável procedida pela AT e que resultou em tributação manifestamente/absolutamente exagerada gggg) Pelo exposto, as liquidações derivadas das referidas correcções à matéria colectável padecem do vício de violação de lei (supra explicitado quanto às normas violadas), pelo que devem ser anuladas, tendo a sentença errado no seu julgamento quer quanto ao restante IRC. Termina pedindo: Nestes termos, quer pela reapreciação da prova gravada que inculca diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto, ou, quer pelo restante alegado, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser revogada a sentença com a consequente anulação das liquidações impugnadas. *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente.
II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: II - Fundamentação de facto Factos provados Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa: A) A impugnante é uma sociedade por quotas constituída em 17-03-1979, com objeto social a indústria de curtumes, couros e peles para fins industriais. Comércio, importação e exportação de mercadorias (cfr documento n.º 1, da contestação); B) A impugnante iniciou a sua atividade em 1979, com a denominação “F….e Cª, Lda e a alteração para E... ocorreu em 2002 (cfr fls do RIT apenso); C) Até 31-08-2014 a atividade declarada pela impugnante foi a de “Curtimenta e acabamentos de peles sem pelo (CAE 15111) e a partir desta data passou a ter como atividade o “Arrendamento de bens imobiliários” (CAE 68200) (cfr fls do RIT apenso); D) A alteração da atividade da impugnante referida no ponto anterior esteve relacionada com um contrato de arrendamento comercial/industrial e bens móveis com a sociedade V…. – Comércio de Couros, Lda, através do qual passou esta sociedade a exercer a atividade da impugnante, mediante o pagamento anual de €36.000,00 (cfr fls do RIT apenso); E) O capital social da impugnante é detido a 100% pela sociedade WIND-BOUND SGPS, SA (cfr fls do RIT); F) Durante os anos de 2013 e 2014 S... foi gerente da impugnante (cfr fls do RIT); G) Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201600362, com despacho de 17-02-2016, os Serviços de Inspeção Tributária realizaram um procedimento inspetivo externo, ao exercício de 2013 (cfr RIT apenso); H) O Projeto de Relatório de Inspeção foi notificado à impugnante para exercer direito de audição prévia, por escrito tendo os SIT analisado os argumentos apresentados relativamente às correções que se propunham (cfr fls do RIT); I) Em 16-12-2018 foi elaborado o Relatório de Inspeção tendo sido determinado correções em sede de IRC, respeitantes ao exercício de 2013, que se discriminam:
J) Do Relatório de Inspeção Tributária consta, no ponto III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas, nomeadamente: «III.1 – Em sede de IRC – Matéria Tributável III.1.1 – Operações simuladas – Faturas emitidas pela O... – Gastos não aceites fiscalmente (…). No quadro seguinte, começamos por identificar as faturas aqui em causa:
Os movimentos contabilísticos relacionados com estas faturas foram os seguintes:
(…) a O... foi o único fornecedor de matéria-prima da E... durante o período de 2013. (…). OUTROS DADOS o Sem imóveis nem viaturas e tem execuções fiscais o Não existem faturas comunicadas por fornecedores da O... em 2013 e 2014. o Não existem informações declaradas por outras empresas (ANEXO OO da IES) relativas a vendas/prestações de serviços à O... nos anos de 2013 e 2014. Confrontando as diversas informações recolhidas verificamos que, se por um lado existem valores muito relevantes de IVA deduzido com aquisições de existências, outros bens e serviços e imobilizado, compras de mercadorias no valor de 3.390.376,85€ (segundo a IES compras no mercado interno) e fornecimento de serviços externos de valor relevante, por outro lado, não existem faturas emitidas em nome da O... comunicadas por quaisquer fornecedores. Extrato da conta corrente – “O... – COM.IND.PELES UNIP, LD” – Ano 2013 (imagem, original nos autos) Os pagamentos à O..., registadas na contabilidade da E..., quase exclusivamente na conta 11 – CAIXA, assumem as seguintes formas: a) Pagamentos em numerário – Em 2013, os pagamentos em numerário à O... totalizam o montante de 212.291,63€. Em quase todas estas situações existem, simultaneamente supostas entregas das mesmas quantias em numerário, feitas pela V... e V... à E.... Nestes casos temos como elementos justificativos avisos de lançamento emitidos à O... (não há recibos emitidos por ela) e recibos emitidos pela E... em nome da V... e da V... pelas supostas entregas em numerário que tiveram como destinatário a O.... b) Pagamentos efetuados por endosse de cheques emitidos pela V... e V... – Estas situações são semelhantes à acima descrita. A V... e a V... emitem cheques (nas pastas temos apenas a sua referência nos recibos emitidos pela E..., não há cópia dos cheques) e que, simultaneamente serão supostamente endossados à O... (a E... emite aviso de lançamento). c) Pagamentos efetuados por endosso de cheques de outros clientes – Nestes casos, há cópias dos cheques emitidos pelos clientes (OL..., CO..., PO... E I...) que serão supostamente endossados pela E.... Nestes pagamentos destacam-se os cheques emitidos pela I... (ciente espanhol) e endossados à O..., os quais totalizam o montante de 1.155.378,01€. d) Letras – Aceite de 5 letras no valor total de 1.000.000,00€ (200.000,00€ cada), tendo sido transferido para a conta 222311313 (documento interno). e) Endosso de cheque emitido por F... – O Sr. F… aufere rendimentos da categoria A pagos pela E... e consta como sócio da W... (detentora de 100% do capital da E..., V… E V.... No dia 21/06/2013 foram emitidos os seguintes documentos: 1 – Aviso lançamento n.º 23219ª com a referência de “Transferência bancária efetuada pelo BES” da V... para a E...; 2 – Aviso lançamento n.º 23220 A com a referência de “Valor N/ entrega” da E... para o Sr. F...; 3 – Aviso lançamento n.º 23221 A com a referência de V/ entrega cheque n.º 812816 S/ BES” de F….; 4 – Aviso lançamento n.º 23222 – Endosso do cheque do F…à O.... O valor em todos estes documentos foi de 10.700,00€. Analisando apenas os documentos, no dia 21/06/2013, o Sr. F… recebeu da E... o valor de 10.700,00€ (transferidos da V... para a E...) e no mesmo dia pagou essa quantia, emitindo para o efeito um cheque (temos cópia), que foi supostamente endossado à O.... Porém, analisado todo o cenário, existem fortes indícios de que o Sr. F…. recebeu da E... o montante de 10.700,00 e que o cheque emitido por este nunca chegou a ser descontado. Por isso verificamos que, contabilisticamente a dívida da E... à O... no final de 2013 foi de: (imagem, original nos autos) Após a consulta da IES da O... referente ao período de 2013, verificamos que a conta de clientes no final desse período tem um saldo de 106.067,30 (valor que a O... tem a receber de todos os seus clientes no final de 2013). Porém, segundo os elementos da E..., a dívida à O... no final de 2013 é de 4.864.062,49€. (…). “III – DESCRIÇÃO DAS DILIGÊNCIAS REALIZADAS (…). 1 – Em 25/10/2016, as funcionárias da Direção de Finanças de Lisboa, (…), deslocaram-se à sede do sujeito passivo constante na base de dados da Autoridade Tributária (AT) sita na Rua N…., n.º 2, 2…-0… C..., a fim de verificar a existência de atividade por parte daquela sociedade naquelas instalações, bem como obter alguma informação complementar sobre a mesma. Da visita ao local, verificou-se que o mesmo corresponde ao R/C de um prédio de apartamentos amplo, em reboco, sem eletricidade ou quaisquer condições que permita, o exercício de qualquer atividade económica. Da análise às faturas constantes da informação da Direção de Finanças de Leiria, verificou-se que nas mesmas consta endereço postal diferente do da sede, sendo esta: Quinta do C…, Armazéns Novos, 2…-…. C.... Após confirmação da localização da nova morada, por parte de um agente da esquadra da PSP de C..., dirigidas ao novo local verificou-se haver naquela localização vários armazéns completamente destruídos, algumas oficinas sem identificação, e entre as identificadas com porta aberta foi-nos informado desconhecerem a empresa O..., Lda, bem como da existência naquele local de qualquer empresa com a atividade daquela. 2 – Foram notificadas através dos N/Ofícios n.º 33528 e 33527, de 29/97/2016 (registo postal com aviso de receção: RD7158783PT e RD71858770PT), respetivamente, o contabilista certificado que na base de dados da AT, A….., NIF 1…. e o contabilista certificado que consta nas últimas declarações entregues, J…., NIF 2….. 2.1 – A ambos, foram solicitados os seguintes elementos: (…). 2.2 – As referidas notificações foram enviadas para o domicílio fiscal de cada contabilista certificado que consta da base de dados da AT, tendo sido entregues em 03/08/2016 e 01/08/2016, respetivamente, por assinatura no respetivo aviso de receção. 2.3 – Em resposta à notificação veio o Sr. A…., NIF …, informar que: «1. Fui oficial de contas da sociedade em causa no período compreendido entre 2006 até abril do ano de 2012, data em que cessei funções conforme comprovativo que junto, junto igualmente comprovativo da recolha dos documentos e dossiers fiscais por parte da nova gerência. 2. A cessação de funções resultou de, anteriormente e no princípio daquele mesmo ano, ter ocorrido renúncia à gerência da Dra S… que me havia contratado para assegurar os serviços de contabilidade à empresa em causa e que em representação daquela procedia ao seu pagamento. 3. Não foi formalizado qualquer contrato de prestação de serviços. 4. Em anexo junto cópia de faturas, apenas uma por ano para não ser exaustivo, e respetivo extrato de conta corrente. 5. Desconheço em que local se encontra arquivada a contabilidade da empresa referente aos exercícios de 2013 e seguintes, nem tenho em meu poder qualquer documentação da sociedade reportado a esses períodos de tempo (exercícios de 2013 e 2014). 6. Quanto às restantes questões que colocam no vosso ofício, entendo eu que a sua resposta ficaria prejudicada face ao exposto, considerando que deixei, conforme referi, de ser técnico de contas da sociedade em causa após o mês de Abril do ano de 2012». (…). 2.4 – Relativamente ao Sr. J…, NIF …, apesar de recebida a notificação em 01/08/2016 e de nos ter indicado através de contato telefónico de 01/09/2016 de que iria proceder ao envio da informação solicitada na semana de 5/09/2016, em virtude de encontrar-se de férias, findo o prazo concedido para o efeito, não deu entrada nestes serviços qualquer documento. Mais, foi remetido email datado de 12/09/2016, sem resposta, bem como foram efetuadas novas tentativas de contato telefónico sem sucesso. No dia 13 de outubro de 2016, pelas 11.00 horas, (…) o Sr. J…, prestou pessoalmente esclarecimentos relacionados com a empresa O..., Lda, os quais fora, recolhidos a escrito em termo de declarações assinado pelo próprio e lavrado na mesma data, que a seguir se transcreve: «(…) 1) Constando o seu número de identificação fiscal (na qualidade de Contabilista Certificado) nas declarações Mod 22 dos anos de 2011 a 2014; IES dos anos de 2010 (declaração de substituição) 2014 e declarações de IVA do período 201112 (declaração de substituição) a 201503, respeitante ao sujeito passivo O... – Comércio e Indústria de Peles Unipessoal, Lda, contribuinte 507.760.042, indicar a partir de que data assumiu as funções de contabilista certificado dessa sociedade. Respondeu que: Foi contatado pelo Sr. A… para recuperar/regularizar a situação da contabilidade nestes períodos, uma vez que se encontra com problemas de saúde e o seu gabinete de contabilidade não o conseguiu fazer. Único contrato que teve com este Sr. Anteriormente foi no âmbito de uma insolvência. 2) Caso tenha cessado essas funções, indicar em que data ocorreu esse facto e qual o motivo. Respondeu que já cessou funções em setembro de 2015, uma vez que a empresa nunca pagou os seus serviços, irá fazer cópia da carta de rescisão via email no dia de hoje. 3) Identificar a pessoa que contratou os seus serviços e qual a sua função na referida sociedade. Respondeu que: R…., um sr. Brasileiro, gerente da empresa. Encontrou-se várias vezes com este sr. em C..., na Rua Q…., num armazém cujos escritórios encontravam-se na parte superior, 2 administrativos, algumas peles, máquinas e produtos de tratamento, irá informar o n.º de porta do armazém. 4) Indicar se foi celebrado contrato a outorgar os termos e condições subjacentes a essa prestação de serviços. Respondeu que: Não foi celebrado qualquer contrato. Feito verbalmente. 5) Identificar a pessoa da O... – Comércio e Indústria de Peles Unipessoal, Lda que procede(eu) ao pagamento dos serviços prestados de contabilidade. Respondeu que: Nunca houve qualquer pagamento. 6) Indicar o local onde se encontra arquivada a contabilidade da empresa identificada aos anos de 2013 e seguintes. Respondeu que: Encontrava-se na sede. Atualmente desconhece onde se encontra arquivada desde que cortou relações com o cliente. 7) Indicar se tem na sua posse elementos contabilísticos ou documentos fiscalmente relevantes, balancetes, extratos de contas, faturas) relativos aos anos de 2013 e 2014. Respondeu que: já não tem nada. Entregou toda a informação aquando rescisão do contrato. No entanto irá pesquisar e se tiver algum balancete ou outra informação irá fazer chegar os mesmos via email institucional no dia de hoje, mais tardar 4ª feira dia 19/10/2016. 8) Justificar os motivos de não terem sido elaboradas entregues as declarações fiscais da sociedade acima identificada, nomeadamente as declarações periódicas de IVA, as declarações de rendimentos Modelo 22 e as declarações de informação contabilística e anual relativas ao exercício/ano de 2015, bem como a declaração mensal de remuneração e/ou Mod 10 desde o exercício de 2012. Respondeu que: quando começou a entrar em conflito com a empresa O... por falta de pagamento de serviços, deixou de entregar declarações na perspetiva de receber pelos seus serviços, o que não veio a acontecer até à rescisão em setembro de 2015. Quem elaborava o mapa de horas era uma administrativa funcionária da O.... 9) Informou os administradores, gerentes ou quaisquer outros representantes legais das suas obrigações fiscais. Respondeu que: os informou presencialmente. Irá verificar se efetuou por escrito algum email que irá nos fazer chegar na data de hoje à Inspeção Tributária. 10) Indicar se tem mais alguma informação complementar relativamente à atividade da empresa O.... Respondeu que: Foi informado pelo gerente da empresa R... de que possuíam quintas de gado no Brasil e pretendiam fazer importação para Portugal de peles. Mais infirmou ter ideia de folhas de importação de peles que presumia de empresas brasileiras. Quanto aos trabalhadores da Osterlet, para além dos 2 administrativos, que julga serem de nacionalidade portuguesa, devia ter mais 3 ou 4 de nacionalidade brasileira. (…)». 3 - Foi ainda notificado o gerente R…., NIF 2….(…), para apresentar pessoalmente elementos da contabilidade referente à O..., Lda, dos anos de 2013 e 2014. A referida notificação foi enviada para o respetivo domicílio fiscal que consta das bases de dados da AT, tendo sido devolvida ao remetente com a indicação no respetivo envelope “Mudou-se”. (…). 4 – Mais, procedeu-se à notificação o atual sócio do atual sócio da sociedade, E…– Mediação Imobiliária, Lda, NIPC 5… e ao anterior sócio, M…, NIF 1…., para apresentação de elementos contabilísticos referentes aos anos de 2013 e 2014. 4.1 – M…(…), vem em resposta alegar o seguinte: «1. O expoente cedeu a quota da sociedade em causa no ano de 2008, tendo tal ato sido depositado na Conservatória de registo Comercial de Alcanena em 3 de março daquele ano, conforme certidão comercial; 2. O Expoente desconhece nem pode conhecer, a localização da documentação que lhe é solicitada e que reporta aos exercícios dos anos de 2013 e 2014. Face ao exposto não pode o Expoente comparecer nestes serviços no dia 10/08/2016 e cumprir o ordenado pelo V/ ofício (…)». (…). 4.2 – Foi enviada notificação à sociedade E…– Mediação Imobiliária, Lda, NIPC 5…., (…), para a sede daquela que consta na base de dados da AT, tendo sido devolvida ao remetente com a indicação no respetivo envelope de “Objeto não reclamado-Não atendeu”. (…). Alguns aspetos a destacar: 1 – Apesar das várias diligências pela Direção de Finanças de Lisboa, não foram recolhidas/apresentadas quaisquer provas do exercício da atividade nos anos de 2013 e 2014. Relembramos que sobre o local onde supostamente a O... exercia a atividade, a Direção de Finanças de Lisboa informou o seguinte: “verificou-se haver naquela localização vários armazéns completamente destruídos, algumas oficinas sem identificação, e entre as identificadas com porta aberta foi-nos informado desconhecerem a empresa O..., Lda, bem como da existência naquele local de qualquer empresa com a atividade daquela. Sobre a sede da O... “verificou-se que o mesmo corresponde ao R/C de um prédio de apartamentos, amplo em reboco, sem eletricidade ou quaisquer condições que permitam o exercício de qualquer atividade económica. 2 – Relativamente aos elementos contabilísticos nada foi apresentado. 3 – Sobre algumas das declarações do Sr. J…., técnico de contas que entregou as declarações fiscais de 2013 e 2014. 3.1 – Identificou o Sr. R…, (…), como gerente da empresa, referindo que se encontrou com ele várias vezes. Porém, (…) não há registo de permanência desse individuo em Portugal. 3.2 – Mencionou a existência de 5/6 trabalhadores. Porém, segundo o IES, não existem trabalhadores. 3.3 – Apesar de não ter apresentado qualquer documento/elemento contabilístico, justificou as compras da O... e o IVA deduzido com supostas importações do Brasil. Perante esta informação, foram efetuadas consultas no sistema informático da AT, concluindo-se que não existem dados de importações efetuadas pela O.... 3.4 – Por fim, foi notificado para apresentar diversos elementos relacionados com a O.... Não deu cumprimento à notificação. EM CONCLUSÃO: Em resultado dos factos acima descritos, conclui-se que a transmissão de bens descritas nas faturas emitidas pela O... no período de 2013, são operações simuladas. Estamos perante uma simulação absoluta, uma vez que todos os factos apontam para que não tenha existido qualquer negócio, sem qualquer que, tenha por base os elementos recolhidos, a gerente de facto de ambas as entidades (O... e E...) continuaria a ser S.... Deste modo o gasto associado a essas faturas não poderá ser aceite fiscalmente, uma vez que um dos requisitos essenciais à dedutibilidade dos gastos prende-se com a efetividade dos gastos incorridos, para além de terem de cumprir a condição de estarem devidamente documentados. Um gasto só pode ser fiscalmente relevante se tiver sido realmente suportado pelo sujeito passivo, isto é, se o gasto contabilizado corresponder a uma transação efetivamente realizadas e indispensável à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora do sujeito passivo. Acresce que, ainda que se entendesse poderem existir outras compras de matérias-primas/mercadorias não tituladas por qualquer documento (operações não declaradas), a verdade é que nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC a aceitação de qualquer gasto, inclusive o associado a compras, depende de ser possível apurar e tão pouco quantificar por inexistência de documentos que titulam verdadeiras operações. Mas, nos termos do n.º 2 do citado artigo não são aceites como gastos as despesas ilícitas. Por conseguinte, atendendo a que o sujeito passivo utiliza o Sistema de Inventário Intermitente, em que no apuramento do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas (CMVMC) utiliza a fórmula CMVMC = Existências iniciais + Compras -/+ Regularizações – Existências finais, conclui-se que este gasto (CMVMC) deverá ser corrigido no montante total das compras “simuladas”. De assinalar que as compras foram registadas na conta 312133 (movimentos contabilísticos identificados no início deste ponto) e reconhecidas como gastos no período, por via do apuramento do CMVMC. Pelo facto identificado neste ponto do relatório, do qual resulta um acréscimo à matéria tributável de 2013, no valor de 2.583.345,86€, o sujeito passivo infringiu o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, punível pelo artigo 104.º n.º 2 do RGIT. Desde já se remete para o ponto III.2.1 do relatório, no qual são apresentadas as correções às deduções de IVA efetuadas pelo sujeito passivo, relacionadas com estas operações simuladas. III.1.2 – Juros de mora, custas e coimas No decurso do procedimento inspetivo verificou-se que o sujeito passivo considerou como gasto no período de 2013, valores referentes a juros de mora, custas e coimas que se encontram elencadas no quadro seguinte: (Imagem, original nos autos) Analisando cada um daqueles movimentos constata-se que não têm origem contratual e de uma forma resumida referem-se a juros de mora, custas e coimas relacionadas com a prática de infrações emitidos pela Segurança Social e Autoridade Nacional Segurança Rodoviária (…). Considerando o disposto no artigo 45.º n.º 1 alínea d) do Código do IRC, em vigor para o período de 2013. 1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (…) d) As multas, coimas e demais encargos pela prática de infrações de qualquer natureza que não tenham origem contratual, incluindo os juros compensatórios; … desta forma, conclui-se que estes gastos não são aceites fiscalmente, pelo que terá que se acrescer ao resultado tributável de 2013 o valor de 21.230,47€. (…). III.1.3 Gastos não aceites fiscalmente – Periodização do lucro tributável No quadro seguinte são identificadas diversas despesas efetuadas no ano de 2012 e que o sujeito passivo registou como gastos de período de 2013. (Imagem, original nos autos) De acordo com o disposto no artigo 18.º n.º 1 do Código do CIRC, “… E o n.º 2 deste artigo acrescenta que “… Deste modo, atendendo a que estas despesas não eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas na data de encerramento das contas de 2012, conclui-se que estas não podem ser consideradas como gastos do período de 2013. Pelo facto identificado neste ponto do relatório, do qual resulta um acréscimo à matéria tributável de 2013 no valor de 2.290,63€, o sujeito passivo infringiu o disposto no artigo 28.º n.º 1 e 2 do Código do IRC, … Nota: Ainda que os gastos acima discriminados fossem referentes ao período de 2013, a maior parte do seu valor, pela informação recolhida não se demonstraria indispensável à realização dos rendimentos do sujeito passivo. III.1.4 Gastos não aceites fiscalmente nos termos do artigo 23.º do Código do IRC No decurso do procedimento inspetivo foram recolhidos e analisados os elementos justificativos de despesas registadas como gastos no período de tributação de 2013 (…). (…) somente as despesas orientadas por uma intenção empresarial poderão ser adstritas à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, consequentemente enquadráveis na noção de gasto fiscal definido nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código de IRC. A aceitação de uma determinada despesa como gasto fiscal depende ainda, de acordo com o artigo 23.º do n.º 1 do Código do IRC, da sua comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. (…) a relevância fiscal de um gasto depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou de produção do resultado, sendo que a falta dessas caraterísticas gera a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial. (…). (…) a principal conclusão que se retira é que existe uma clara confusão entre as empresas que são orientadas por uma intenção empresarial e aquelas que são efetuadas na esfera da vida privada dos gerentes, dos seus familiares ou de outras pessoas. (Imagem, original nos autos)
Os elementos relacionados com as despesas anteriormente identificadas (por exemplo, tipo de documento, tipo de despesa, data, valor, local e n.º de refeições) são demonstrativos de que estas foram realizadas em contexto alheio à realidade empresarial do sujeito passivo. De assinalar ainda que, em alguns casos identificados no quadro anterior, a demonstração da indispensabilidade desses gastos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, está prejudicada à partida, uma vez que não estão devidamente documentados (por exemplo, menção apenas do valor no extrato bancário ou documentos emitidos ao consumidor final. Pelo facto identificado neste ponto do relatório, do qual resulta um acréscimo à matéria tributável de 2013 no valor de 45.264,60€, o sujeito passivo infringiu o disposto nos artigos 23.º e 45.º n.º 1 alínea g) do Código do IRC, … III.1.5 Perda por imparidade não aceite fiscalmente – Dívida do cliente “B...” No período de 2013, o sujeito passivo reconheceu uma perda por imparidade em dívidas a receber (6511 – Clientes) relacionada com o seu cliente “B... – Import. Export., Lda, no valor de 31.513,41€. O movimento contabilístico foi o seguinte: (Imagem, original nos autos) No aviso de lançamento n.º 23879 A (documento interno) emitido pelo sujeito passivo, consta a seguinte menção “Transferência v/ saldo conta para dívidas incobráveis”. A constituição de perdas por imparidades não elimina o ativo referente ao crédito duvidoso, como o sujeito passivo contabilizou. De acordo com os elementos recolhidos no portal da justiça, constatou-se que, em 23/02/2012, o Tribunal Judicial de S. João da Madeira proferiu sentença de declaração de insolvência da “B...”. No âmbito deste processo verificamos que a E... surge como credora da “B....” Esses factos demonstram que, no final de 2012, estavam reunidas as condições para o reconhecimento da perda de imparidade no valor da totalidade da dívida do cliente, situação com enquadramento legal nos termos do artigo 36.º n.º 1 alínea a) do Código do IRC. (…). A constituição das imparidades em dívidas a receber constitui uma faculdade do sujeito passivo, contabilisticamente obrigatória face ao princípio da prudência, mas que não poderá ser entendida como a faculdade ilimitada, no sentido de ser exercitada quando lhe aprouver. Só poderão deixar de ser consideradas num determinado período de tributação, quando, na data do encerramento das contas a que deveriam ser imputadas, estas sejam previsíveis ou manifestamente desconhecidas, conforme dispõem os n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do Código do IRC, o que não pode ser aqui invocado. Deste modo conclui-se que, relativamente a estes valores em dívida, o sujeito passivo já deveria ter sido reconhecido a perda de imparidade no período de 2012. Pelo facto identificado neste ponto do relatório, do qual resulta um acréscimo à matéria tributável de 2013 no valor de 31.513,41€, o sujeito passivo infringiu o disposto no artigo 18.º n.º 1 do Código do IRC, conjugado com a al a) do n.º 1 do art.º 36.º do mesmo normativo legal… (cfr Relatório de Inspeção Tributária (RI) junto ao PA); K) Notificado o sujeito passivo para exercer o direito de audição sobre o projeto de RI, veio em 09-12-2016 exercê-lo e foi respondido no ponto IX do mesmo relatório e que se reproduz na parte pertinente: “Item III.1.4 (…). Dos gastos não aceites fiscalmente, o sujeito passivo menciona que as “viagens à Ucrânia, Brasil e Egipto, que não foram de turismo e que dessas viagens resultaram negócios, nomeadamente da aquisição de bens”. Esta simples afirmação, não suportada por qualquer outro elemento, é manifestamente insuficiente para justificar a dedutibilidade fiscal destes gastos. Conforme já foi referido no ponto III.1.4 os contribuintes devem ter sempre presente a necessidade de efetuar a demonstração da indispensabilidade de determinados gastos, nas situações em que essa demonstração está longe de ser diretamente comprovada pelos elementos descritivos dos documentos de suporte. Veja-se o seguinte exemplo: viagem à Ucrânia, Hotel de 5 estrelas, no valor de 4.960,00 na semana entre o Natal e o Ano Novo. Nestes casos, as justificações do sujeito passivo deveriam permitir responder a várias perguntas: 1.º - Que negócios é que resultaram dessas viagens para a E...? 2.º - Quais foram os bens adquiridos? 3.º - Quem foram os fornecedores? 4.º -Quais as faturas associadas a essas aquisições? (…). Item I.1.5 Sobre esta correção quando o sujeito passivo refere que “como sempre se aguarda pelo encerramento da insolvência para reconhecer o valor”, como se fosse prática habitual, só se compreende se a prática referida for apenas relativa ao sujeito passivo. Do ponto de vista contabilístico e fiscal deve ser reconhecido o risco associado à cobrança dos créditos (que não coincidem com a sua comprovada incobrabilidade que o sujeito passivo parecia aguardar), de forma a apresentar demonstrações financeiras que espelhem a imagem verdadeira e apropriada da situação financeira da empresa. Este risco de cobrança era conhecido do sujeito passivo em períodos anteriores, estando o cliente declarado insolvente já em 2012. Note-se que a própria Norma Contabilística Relato Financeiro 27. No § 24 estabelece evidências para verificar o risco de imparidade, designadamente: a) Significativa dificuldade financeira do devedor; b) Quebra contratual, tal como não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida; c) O credor, por razões económicas ou legais relacionadas com a dificuldade financeira do devedor, oferece ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria; d) Tornar-se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira. Do ponto de vista fiscal, face ao já fundamentado no ponto III.1.5 nos termos do artigo 18.º n.ºs 1 e 2 e artigo 36.º n.º 1 alínea a), ambos do Código do IRC, não seria de aceitar o gasto no período de 2013. Itens III.1.1 e III.2.1 Refere o sujeito passivo que não existe base nem fundamento para estas correções, porque se não tivesse havido compras também não haveria vendas. Contudo, a correção concreta refere-se à desconsideração de aquisições consideradas simuladas, em que a base e o fundamento para tal conclusão se encontram devidamente explanados no ponto III.1.1. se o sujeito passivo declara comprar a quem não vende efetivamente pois não tem estrutura, nem aquisições que sustentem tais vendas) estas compras não poderão ser aceites fiscalmente como gasto, por inexistentes, nem o IVA associado poderá ser deduzido. Em momento algum é referido que não existem mais compras, até porque o próprio sujeito passivo na sua argumentação relativa ao ponto III.1.4 parece referir outras aquisições de bens, contudo não são conhecidas nem declaradas neste período, quaisquer outras compras de matérias-primas pelo sujeito passivo. Se parte relevante das compras declaradas não existem e as que eventualmente possam existir não foram declaradas, resulta unicamente da prática e vontade do sujeito passivo. Conforme se refere no ponto III.1.1, ainda que se entendesse existirem outras compras de matérias-primas/mercadorias não tituladas por qualquer documento (operações não declaradas) a verdade é que nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC a aceitação de qualquer gasto, inclusive o associado a compras, depende de ser devidamente comprovada a sua indispensabilidade, algo que não será possível apurar e tão pouco quantificar por inexistência de documentos que titulem verdadeiras operações, mais nos termos do n.º 2 do citado artigo não são aceites como gastos as despesas ilícitas. Refere o sujeito passivo que não lhe competia a fiscalização de forma e do modo como a sociedade (O...) procedia, acrescendo que a desconsideração do custo, implicaria a desconsideração de vendas e prestações de serviços. Ora mais uma vez não se entende os argumentos do sujeito passivo, pois as operações simuladas não são apenas devido a uma contraparte. Não precisava o sujeito passivo de fiscalizar a O..., pois teria que ter conhecimento que as operações eram simuladas, sendo o efetivo beneficiário das mesmas e deduzido IVA que nunca seria entregue ao Estado. Não existindo indícios que as vendas não existiram ou que foram igualmente simuladas, não poderão deixar de ser consideradas nos termos do artigo 20.º do Código do IRA. Quanto aos gastos relativos a estas compras, concluindo-se que são operações simuladas, não poderão ser aceites fiscalmente nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, nem o IVA deduzido nos termos do artigo 19.º n.ºs 3 e 4 do Código do IVA. Assim, conclui-se que, neste ponto não assiste razão ao sujeito passivo. (…).” (cfr Relatório de Inspeção); L) A sociedade O... – Comércio e Indústria de Peles, Unipessoal, Lda com morada na Quinta do C…, Armazéns Novos, C..., emitiu à impugnante, os seguintes documentos, onde consta, nomeadamente os elementos a seguir discriminados: (Imagem, original nos autos) M) Os documentos identificados no ponto anterior, que têm a indicação do número da fatura a que respeitam, contêm ainda: · Local Carga Quinta do C…, Armazéns Novos, C... · Local Descarga Sítio Vale M…, Monsanto, A…. (cfr documento n.º 3, anexo à pi); N) Nos documentos identificados em L) foi aposto: “Recebi nesta data N….” (cfr documento n.º 3 anexo à pi); O) A P…, sito Q…., 32….– Q…., Egypt, emitiu à impugnante a fatura n.º 1198, emitida 17/07/2013, junta como documento n.º 5, anexa à pi, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta nomeadamente, o montante de €255.570,17 para aquisição de 9459 pieces; P) Dá-se por reproduzido para todos os efeitos legais o documento n.º 6, anexo à pi, traduzido numa fatura emitida por TOB, Ucrânia, onde consta, nomeadamente o montante de €61.808,51 para aquisição de 5323,73 m2 em peles; Q) Dá-se por inteiramente reproduzido o documento n.º 7, anexo à pi, onde consta que foi adquirido pela impugnante, peles, cujo montante a pagar foi de €43.760,00; R) A L…., Comércio de Couros, Lda emitiu à M….SRL, as seguintes faturas: (Imagem, original nos autos) (Imagem, original nos autos) S) Correu termos no Tribunal Judicial de São João da Madeira processo de insolvência da B... – Importação & Exportação, Lda, a que foi atribuído o n.º 184/12.5TBSJM, onde foi proferida sentença de Insolvência, com transito em julgado em 30-04-2012 e onde foi reconhecido o crédito à aqui impugnante de €1.063.892,32 (cfr documento n.º 9, anexo à pi); T) Foi emitida a liquidação n.º 2017 8310027587 e respetiva liquidação de juros compensatórios para o exercício de 2013, no montante total a pagar de €823.892,77, com prazo de pagamento voluntário a 03-07-2017 (cfr fls 33 do processo administrativo); U) Em 26-05-2017 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3301201701100343 (cfr documento n.º 4, anexo à pi); V) No âmbito do processo de execução fiscal foi deferido o pedido de pagamento em 60 prestações da dívida exequenda de €283.570,52 (cfr documento n.º 4, anexo à pi); W) Em 30-06-2017 o impugnante apresentou reclamação graciosa, da liquidação identificada em T) a que coube o n.º 3301201704002164, contra a liquidação de IRC e juros compensatórios, alegando, em suma que não poderão manter-se porquanto a AT não logrou fazer prova das presunções de existência de faturação, que os gastos foram efetivamente suportados e correspondem a transações realizadas e indispensáveis à realização de rendimentos, que no caso III.2.2 se tratou de uma compra de material sendo a posterior aplicação da sua responsabilidade, que as viagens à Ucrânia, Brasil e Egipto resultaram de negócios através da aquisição de bens, pelo que as liquidação padecem de erro nos pressupostos de facto e de direito e portanto ilegais, que, em 23-02-2018, o Diretor de Finanças Adjunto, em regime de substituição proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, cujo teor se dá por reproduzido (cfr documento n.º 1 anexo à pi); X) Foi realizada inspeção tributária à O... – Comércio e Indústria de Peles, Unipessoal, Lda (cfr fls 533 e ss, do Sitaf); Y) A impugnante manteve relações comerciais com a O... - Comércio e Indústria de Peles, Unipessoal, Lda (cfr documento n.º 2, anexo à pi e inquirição das testemunhas); Z) Em 01-06-2018 deu entrada, no Serviço de Finanças de Lisboa 4 a presente impugnação (cfr fls 1, do SITAF). Não se dá como provado: 1- Que nos anos de 2007 a 2011 que as transações com a O... ascenderam a um volume de negócios nos montantes, respetivamente de €1.372.011,11, 958.021,60, 529.624,02, 657.885,41 e 39.648,62. Para prova a impugnante juntou a conta corrente do cliente O... que, sendo um documento elaborado por aquela, apenas nos indica os valores pagos ou por pagar, referentes aos anos de 2007 a 2010 (cfr documento n.º 2, anexo à pi). O n.º 1 do art.º 376.º do Código Civil (CC) às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exatidão das mesmas. Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respetivos factos materiais (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, página 523, nota 3). Com tudo isto queremos dizer que, sendo certo que a impugnante produziu o documento numerado como n.º 2, ainda que conjugado com o teor da prova testemunhal, nomeadamente não permitem dar como provados os factos constantes dos art.ºs 12 a 16 da pi, para além do elencado em Y) porque conjugado com o depoimento das testemunhas. 2 - Não se fez prova que a O... era “possuidora” de dois armazéns em Cadiz sitos na calle Balandro 24-34, 11379 Los Barrios e Calle de Lorena n.º 8 11205 Algeciras; Nesta parte não foi produzida qualquer prova seja em sentido positivo ou negativo. À restante matéria alegada não se respondeu, uma vez que a mesma não reveste qualquer interesse para a decisão a proferir ou constitui matéria conclusiva ou de direito. O Tribunal formou a sua convicção, quanto à matéria de facto provada através da ponderação crítica: (i) dos documentos constantes do processo administrativo apenso, designadamente, o relatório de inspeção tributária; (ii) dos documentos juntos pela Impugnante aos autos; e (iii) dos depoimentos prestados. Desde logo, quanto ao relatório de inspeção, a respetiva força probatória reporta-se aos factos que nele são referidos como tendo sido praticados pelos Serviços de Inspeção Tributária (v.g. as diligências realizadas, os pedidos de esclarecimento efetuados, as notificações efetuadas, os factos relativos aos indícios considerados pela Autoridade Tributária, conducentes às conclusões aí vertidas), valendo os meros juízos pessoais aí afirmados como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador, sendo de aplicar o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1 do Código Civil). Já os documentos juntos aos autos, para além daqueles que haviam já sido recolhidos no procedimento de inspeção numerados de 2 a 8 juntos pela Impugnante, os quais não foram impugnados, foram, para efeitos probatórios, livremente apreciados pelo Tribunal (artigos 366.º do Código Civil e 416.º do CPC). Assim, e sendo certo que, por si só, não bastariam para demonstrar a materialidade das operações em causa nos autos, os elementos probatórios em causa não podem deixar de ser valorados em conjunto com a restante prova produzida nos autos, designadamente, a prova testemunhal. Com efeito, também os depoimentos prestados nos autos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396.º do Código Civil, atendendo, para tal efeito, à razão de ciência e credibilidade demonstrada pelas testemunhas inquiridas, pese embora as testemunhas inquiridas tenham ligações profissionais, diretas ou indiretas, com a Impugnante: Sandra Queirós Henriques, gerente da sociedade aqui impugnante, até abril de 2013, que nos elucidou, designadamente, sobre as relações entre a impugnante e a sociedade OL..., A…, contabilista certificado desde 2004 An., gerente da sociedade Oliveira Pele, relacionou-se comercialmente com a impugnante e confirmou as palavras da anterior testemunha sobre as relações comerciais que teve com a impugnante e R…., ter sido sócio gerente da impugnante até 2007/2008 e que, posteriormente, assumiu funções de comercial. * II.2. Fundamentação de Direito Alega a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento de facto, por errada valoração da prova testemunhal, e ainda de erro de julgamento de direito na apreciação e aplicação que faz ao caso das regras referentes à distribuição do ónus da prova e do disposto no art. 100.º do CPPT, no que se refere à fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário. Sucede que sobre estas mesmas questões, relativamente a um contexto factual similar este Tribunal Central Administrativo Sul já se pronunciou recentemente, em Acórdão proferido no passado dia 6 de fevereiro, no proc. 1141/18.3BELRS (disponível para consulta em www.dgsi.pt), a propósito da liquidação de IVA e correspondentes juros compensatórios referentes ao exercício de 2013, sustentada no mesmo Relatório de Inspeção Tributária, tendo naqueles autos sido determinado o aproveitamento da prova testemunhal produzida no presente processo. Assim sendo, por semelhança ao caso em apreço, por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito - cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil -, e porque nos revemos totalmente e sem qualquer reserva na fundamentação do supramencionado acórdão relativamente às questões aqui colocadas pela Recorrente, passamos a transcrever o mesmo no extrato pertinente: (…) Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto. Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1.ª instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013). No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal, importa relevar que a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova. Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros. Feitos estes considerandos iniciais, ajuíza-se mediante uma concatenação das alegações de recurso com as competentes conclusões, e norteados pela superior tutela, proceder há abordagem que infra se concretiza, em ordem aos erros de julgamento descortinados por este Tribunal. A Recorrente começa por evidenciar que existe um erro de julgamento de facto, na medida em que o juízo crítico ficou limitado a um conjunto de conclusões, averiguações, espelhadas no RIT, resultado de diligências executadas no ano de 2016, quando os factos tributários em causa se reportam ao exercício do ano de 2013. Relativamente ao supra expendido e tendo por base, aliás, o analisado anteriormente quanto à nulidade por falta de fundamentação -que, ora, se reitera na parte que releva- conclui-se que o Tribunal estabeleceu, de forma clara, a concreta valoração da prova, sem que se possa advogar qualquer obscuridade, contradição, ou juízo conclusivo. Sublinhando-se, outrossim, que carece de qualquer relevo o advogado quanto ao âmbito temporal da ação inspetiva alocada aos concretos factos tributários, porquanto o que releva é que a ação inspetiva se atenha ao âmbito e delimitação constante na Ordem de Serviço, em nada existindo vinculação de simultaneidade temporal entre os factos tributários e a concreta materialização da ação inspetiva. Aliás, a única vinculação legal em termos temporais é que a mesma se desenrole dentro do prazo legal consignado no artigo 45.º da LGT, realidade, de todo, controvertida no caso vertente. Prosseguindo. Evidencia, depois, que impugna a matéria de facto constante na alínea J), e nesta parte até ao ponto 3.4, e cujos parágrafos descreve no ponto 14.º, e densifica, adicionalmente, em 21.º. Advoga, assim, que não pode dar-se como provado, como se fez na sentença, a existência de simulação absoluta, considerada na alínea J) em causa e, também, de que a gerente de facto das duas empresas, em 2013, Recorrente e O..., era a mesma: S..., convocando, para o efeito, o documento 3 e bem assim a prova testemunhal produzida cujos trechos transcreve, adensando, assim, que o que deve resultar provado é que ocorreram transações comerciais reais entre a empresa E... e a O.... Ab initio, importa, desde já, relevar que não são admitidas impugnações genéricas, ou seja, não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo n.º 02324/04.9 BEPRT, datado de 31.05.2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo n.º 618/10.3 BELRS de 07.06.2018). Logo, como é bom de ver, a impugnação advogada quanto à alínea J), não pode, de todo, materializar uma impugnação da matéria de facto de acordo com os requisitos contemplados no citado normativo. Ademais, há que reiterar que o Relatório de Inspeção Tributária é um meio probatório que o Tribunal valora enquanto tal e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, não podendo, naturalmente, ser impugnado nos moldes e extensão realizados pela Impugnante. Por outro lado, a asserção atinente à simulação das operações, quer na vertente positiva, ou negativa, não pode, naturalmente, figurar enquanto tal no probatório, na medida em que essa é a conclusão que se impõe retirar mediante casuística concatenação da demais factualidade atinente ao efeito e plasmada no probatório. É certo que se infere que, a Impugnante pretende a concreta demonstração da materialidade das operações, ou seja, inversamente ao sentenciado na decisão recorrida - e ainda que o faça de forma pouco clara e devidamente esclarecida, como se impõe - o aditamento da seguinte asserção: “A mercadoria (peles) transacionada, proveniente da O..., entrou nas instalações da E..., que foi rececionada e conferidas por um funcionário de nome N..., tendo subscrito, como recetor das peles, as faturas de onde constava, entre outros itens, o preço, qualidade e quantidade.” Mas, a verdade é que atentando nas concretas transcrições dos depoimentos das testemunhas constantes nas alegações de recurso não se vislumbra, de todo, que o Tribunal a quo tenha valorado, erroneamente, a prova produzida nos autos. No caso vertente, entende-se, assim, que não foi produzida prova testemunhal no sentido de demonstrar que a mercadoria visada, cuja transmissão se encontra suportada nas faturas, alegadamente, emitidas pela O... e descritas em L), foi, efetivamente, transmitida à E..., sendo pertença desta. Senão vejamos. Relativamente ao depoimento de S..., o mesmo não tem, de todo, a valia e a interpretação que lhe foi conferida pela Recorrente. E isto porque, naturalmente o Tribunal a quo não pode relevar afirmações eminentemente conclusivas e inclusive opinativas de que não é verdade que não existiam operações simuladas, e quando, ademais, nada é minimamente substanciado para o efeito, sendo o seu juízo genérico, carecendo, naturalmente, do competente detalhe e precisão. Com efeito, atentando no seu depoimento, constata-se que a mesma se limita a tecer juízos de valor quanto ao âmbito e abrangência que poderia deter uma assinatura constante numa fatura. Mais importa adensar que, no concreto domínio do controlo da mercadoria e do fornecedor, o seu depoimento é, outrossim, genérico, mormente, no domínio da proveniência dos materiais, e da sua concreta perceção, não conseguindo, de todo, substanciar a existência de quaisquer formulários ou diretrizes de encomenda. Relativamente aos pagamentos, e mais uma vez sem a mínima particularização e substanciação temporal, convoca os procedimentos genéricos adotados, esclarecendo que na sua óptica até 2012, inexistiam dívidas à O... e que estava tudo saldado. Mais importa sublinhar e adensar que a concreta valoração deste depoimento é inclusivamente contraditória com a asserção de facto que a Recorrente propugna, ou seja, de que a visada testemunha já não era gerente, de facto, à data da prática dos factos tributários, retirando-lhe, assim, a necessária razão de ciência alocada ao período temporal visado. Mas, no mesmo sentido se infere quanto ao depoimento de ANTÓNIO OLIVEIRA, sendo, outrossim, um depoimento pouco particularizado no espaço e no tempo, limitando-se a afirmar que se deslocava à fábrica de MONSANTO para entregar mercadoria e que se recorda de ver peles da O..., na medida em que há uma ficha de acompanhamento do ativo, mas a verdade é que, nem, tão-pouco, precisou quaisquer momentos temporais, limitando-se a alegações genéricas de que “havia muita quantidade, havia muita palete de peles em que o fornecedor era O...” e a descrever os meandros empresariais da sua própria empresa “OL...”. Acresce que, não se pode perder de vista que o importa, in casu, provar é que as aquisições de matéria prima constantes nas faturas visadas, correspondem, efetivamente, a operações reais, não podendo, naturalmente, o depoimento evidenciado ter o desiderato de asseverar a efetividade das operações, quando, ademais, há que sublinhar que o seu depoimento, por diversas vezes, revelou incertezas e desconhecimento efetivo, mediante alocuções de “não tenho a certeza disso”, e convocando, adicionalmente, a possibilidade de existência de stocks de peles. Por outro lado, em nada pode relevar para a prova da materialidade das operações sub judice, o juízo de valor atinente à concreta normalidade ou atipicidade de um dado procedimento empresarial, e bem assim asserções quanto a elevados valores das faturas e sua particular habitualidade no contexto do mercado, sendo, de resto, meramente opinativo. E naturalmente que não releva, per se, a conclusão mediante confronto com as faturas que as mesmas são reais, e quando inclusive nada sabe precisar sobre a concreta formalização das encomendas. No atinente ao depoimento de RUI QUEIRÓS HENRIQUES, de igual forma se terá de inferir quanto à concreta demonstração da materialidade das operações, limitando-se, mais uma vez, o seu depoimento a asserções genéricas, a juízos de valoração quanto à assinatura constante nas faturas, e a realizar uma descrição do procedimento - igualmente genérico- de controlo e conferência de packs. Aliás, há, neste conspecto, que sublinhar que quando instado para o efeito, afirmou que nunca chegou a contactar com os representantes da O..., fazendo menção a alguns contactos, não especificados, com um Senhor brasileiro. Não se percecionando, outrossim, o alcance quanto à asserção atinente à existência de uma estrutura física autónoma por parte da O..., sendo certo que, mesmo inferindo-se que pretende o seu aditamento, tal aditamento não poderia lograr provimento, desde logo, porque mais não representaria que uma conclusão que não um facto. Acresce, nesse concreto particular, que o depoimento da testemunha é absolutamente vago e lacónico, em nada podendo desvirtuar um conjunto específico de diligências e deslocações físicas realizadas no âmbito da ação inspetiva e devidamente espelhadas no Relatório de Inspeção Tributária. (…) No concernente ao depoimento de ANTÓNIO JOSÉ VAZ RAMALHO DOS SANTOS ROLO, reitera-se a sua concreta insuficiência para efeitos de fixação de qualquer asserção de facto, concernente à transmissão da titularidade da participação social, e concreta gerência de direito, face a todo o expendido anteriormente. Sendo que, inversamente ao expendido pela Recorrente do que se infere é que a gerência de facto continua a cargo de S.... Ainda neste conspecto, importa sublinhar que o que consta em 6) e 7) das conclusões de recurso, não se afigura correto, porquanto tal asserção resulta de forma expressa do Relatório de Inspeção Tributária, e bem assim porque a prova testemunhal nada substancia, em concreto e de forma devidamente detalhada, no sentido expendido pela Recorrente. Acresce que, é o próprio que atesta que só foi Técnico Oficial de Contas da Recorrente até 2012, e que apenas pode, naturalmente, atestar que toda a documentação que lhe era apresentada era verificada, sendo que qualquer conclusão atinente à materialidade das operações, mais não representa que uma opinião, um juízo de valor. Sufraga, ainda, a Recorrente e mais uma vez se bem interpretarmos a sua alegação que pretende o aditamento à matéria de facto do seguinte: “A O..., após a transmissão da sua quota a favor de terceiro, com negócios no Brasil, manteve atividade e teve instalações próprias, em C...” mediante a convocação das declarações do TOC J…, mas a verdade é que, mais uma vez, a roupagem do facto é manifestamente conclusiva. Por outro lado, face a todo o expendido anteriormente, mormente, quanto ao meio probatório atinente à transmissão da participação social e à suficiência e idoneidade da prova produzida quanto à concreta estrutura empresarial, eximimo-nos de expender ulteriores considerandos apenas relevando que tais declarações em nada poderiam relevar nesse e para esse efeito. Acresce, igualmente, que tais declarações não se encontram corroboradas com as demais informações (oficiais) recolhidas junto do SEF, e contempladas no Relatório de Inspeção Tributária quanto ao pagamento de rendimentos a trabalhadores pela “O...” e junto dos Serviços Aduaneiros, quanto às importações. Face ao exposto, de toda a prova testemunhal produzida não resulta demonstrado que os concretos fornecimentos tenham ocorrido nos termos titulados pelas faturas, dado o seu caráter extremamente vago e conclusivo. Ademais, da prova documental produzida não resulta conclusão inversa, sendo que, neste concreto particular, a Recorrente não fez qualquer alusão a errónea valoração da matéria de facto, nada requerendo, nesse e para esse efeito e de acordo com os descritos requisitos legais. No fundo, não é, de todo, possível fazer-se a competente prova e ligação com as operações contempladas nas faturas colocadas em causa, essa sim, a prova que devidamente substanciada, poderia legitimar a dedução do IVA suportado, e que conforme referido, não foi, de todo, demonstrado mediante a prestação de ambos os depoimentos. É certo que convoca o documento 3 mas nada retira, com a devida precisão, e mediante a competente substanciação de que forma os mesmos poderiam traduzir a conclusão da concreta efetividade das operações, sendo certo que, volta a frisar-se, as mesmas (faturas) estão contempladas no probatório. Ademais, é preciso ter presente que, em situações como a do caso sub judice, nas quais é colocada em causa a presunção de veracidade das faturas emitidas pelo alegado fornecedor, a prova, consubstanciada na mera existência dessas mesmas faturas, é necessariamente insuficiente, nesse e para esse efeito. É absolutamente imprescindível que o contribuinte demonstre, por recurso a outros meios de prova - idónea e fidedigna - que o fornecimento titulado pela fatura ocorreu de facto nos termos em que ali vem descrito, ou seja, que a sociedade que surge como fornecedora vendeu os artigos ou prestou os serviços descritos na fatura. Note-se inclusive, e em sentido inverso ao advogado, que não foram juntas as competentes guias de remessa, sendo que o aduzido documento 3 apenas contempla as faturas em contenda. De relevar, in fine, que contrariamente ao aduzido pela Recorrente carece de qualquer relevo a circunstância de, alegadamente, a O... ter vindo a manter quaisquer relações comerciais com a Recorrente desde 2007. É certo que a alínea R) [a que corresponde, na sentença em apreço, a alínea Y)] faz alusão às relações comerciais, mas a mesma nada substancia em termos de período temporal, em nada se podendo retirar qualquer materialidade alocada às operações em contenda. Ademais, há que ter presente que resulta, expressamente, como factualidade não provada “que nos anos de 2007 a 2011 que as transações com a O... ascenderam a um volume de negócios nos montantes, respetivamente de €1.372.011,11, 958.021,60, 529.624,02, 657.885,41 e 39.648,62.”, evidenciando a decisão recorrida, de forma objetiva e bem fundamentada, as razões pelas quais entende não serem suficientes os extratos de conta contemplados como documento 2, razões essas que se secundam integralmente. Uma nota final quanto aos pagamentos, e para relevar que inversamente ao aduzido pela Recorrente - ainda que de forma conclusiva - o Tribunal a quo, valorou os meios de pagamento, ajuizando, no entanto, a sua insuficiência, debilidade e fragilidade. Expressando, desde logo, que não é possível estabelecer-se o indispensável nexo causal entre os pagamentos e os valores constantes das faturas. Note-se, ademais, que no caso vertente, e conforme resulta do Relatório de Inspeção Tributária e que analisaremos em sede própria, a AT expõe, de forma expressiva, a debilidade dos meios de pagamento, quer pela concreta expressividade dos valores em numerário, sem que exista qualquer recibo atinente ao efeito, ao endosso de cheques, cuja prova, por vezes, não é, tão-pouco, acompanhada desses mesmos cheques. Ademais, como é consabido, o que reveste curial relevância nos pagamentos por meio de cheque, é a concreta acreditação do circuito financeiro. Acresce que existem, conforme veremos, pagamentos de sociedades terceiras sem a menor justificação atinente ao efeito, e cuja contabilização se encontra densificada por meros documentos internos, e quando, ademais, existe uma estreita ligação e iteração entre membros de órgão estatutários. Logo, não obstante a Recorrente nada requeira em termos de aditamento ao probatório, nesse concreto particular, a verdade é que a prova a realizar teria, necessariamente, de assumir um grau de certeza, precisão e detalhe elevado, o que não sucede no caso vertente. Destarte, tudo visto e ponderado e sem necessidade de quaisquer outras considerações adicionais -na medida em que todo o mais alegado mais não representa que uma mera enunciação de erros de valoração e ponderação da prova produzida, sem uma concreta transposição e corporização para o acervo probatório dos autos- improcede, na íntegra, o aduzido erro de julgamento de facto, com a consequente manutenção da factualidade nos moldes e exatos termos fixados pelo Tribunal a quo. *** Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, então, se procede o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. A Recorrente sustenta, desde logo, que a correção respeitante à indevida dedução do IVA suportado, a AT tem de cumprir o ónus da prova que sobre si impende, realidade que no caso vertente não realizou, porquanto os indícios convocados, inversamente ao sentenciado, não são suficientes para abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações da Recorrente nos termos do artigo 75.º da LGT, donde, manifestamente insuficientes para legitimar as correções realizadas. Ora, o aludido erro de julgamento está intrinsecamente ligado com a concreta enunciação e densificação do ónus probatório, impondo-se, por isso, começar por aferir como se processa o direito adjetivo fiscal em sede probatória e quais as consequências que dimanam da sua regulamentação. Em sede de procedimento administrativo tributário incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário. De resto, tal conclusão resulta evidente face ao princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT. Com efeito, o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos consignados no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, logo compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas em apreço. De sublinhar, neste particular, que não é exigível que a AT efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a mesma aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora. Com efeito, no âmbito das chamadas faturas falsas ou operações fictícias estando em causa a correção de liquidações de IRC, e de IVA, por desconsideração dos gastos e do IVA deduzido, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes: - Compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, da demonstração da existência de indícios sérios de que a operação constante na fatura foi simulada; - Feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer refletir negativamente os gastos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, e a deduzir o IVA suportado, ao abrigo do artigo 19.º do CIVA. Neste sentido, apontam, designadamente, os Arestos do STA, proferidos em Plenário no âmbito dos processos com os n.ºs 01424/05, 587/15 e 0591/15, datados de 27 de fevereiro de 2019, 16 de março de 2016 e 17 de fevereiro de 2016. Conclui-se, assim, que basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar os gastos sindicados e à desconsideração do IVA deduzido, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, passando ulteriormente a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito à dedutibilidade dos custos, provando, assim, que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende a sua dedutibilidade fiscal. Ora, tendo por base a enunciação do direito supra expendido, e contrariamente ao propugnado pela Recorrente não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido em qualquer erro na enunciação e interpretação da distribuição do ónus da prova, visto que, conforme supra expendido a prova dos indícios compete, efetivamente, à AT, não tendo esta de provar a existência de uma simulação, circunscrevendo-se, por seu turno, a prova da materialidade das operações na esfera da Impugnante, ora Recorrente. O mesmo se diga quando ao ajuizado no atinente à existência de indícios que legitimam o ato tributário impugnado, porquanto se corrobora o ajuizado pelo Tribunal a quo no sentido de que a AT recolheu elementos necessários para legitimar a sua atuação, ou seja, valida-se o entendimento de que foram recolhidos indícios sérios e bastantes que permitam concluir pela simulação das operações constantes nas faturas. Expliquemos, então, porque, assim, o entendemos. Para o efeito, comecemos por atentar no Relatório de Inspeção Tributária e nos indícios apurados relativamente ao fornecedor indiciado como emitente de faturação falsa. Ora, relativamente à sociedade “O...”, encontram-se patenteados no respetivo Relatório de Inspeção Tributária, os seguintes indícios: - Sociedade iniciou a sua atividade de “Comércio por Grosso de Peles e Couro” (CAE 46240), em 01 de agosto de 2006; - Tem a sua sede em C...; - O seu gerente de direito, desde 09 de outubro de 2012, R..., acumulava várias funções (gerente, administrador, ou mesmo liquidatário judicial) em diversas sociedades que se apresentaram em incumprimento fiscal e comercial. - Mediante informações prestadas pelo SEF o Sr. R… (cidadão de nacionalidade brasileira) não tem registo de permanência em Portugal, tudo indicando que o mesmo é um “testa de ferro” e a gerência é, efetivamente, exercida por S.... - Foram emitidas declarações oficiosas de IRC para os exercícios de 2012 e 2013. - Não obstante o Contabilista Certificado da “O...”, registado na base de dados da AT, ser A…., as declarações fiscais relativamente aos exercícios de 2012 e 2013 foram submetidas por J….; - As declarações periódicas de IVA, do ano de 2013, foram entregues por J…; - Relativamente ao ano de 2013, as declarações periódicas de IVA têm valores relevantes tanto no IVA liquidado como no IVA deduzido. O IVA é ligeiramente superior ao IVA deduzido pela Impugnante relacionado com as faturas emitidas pela “O...”. NO IVA deduzido o valor total é sempre ligeiramente superior ao IVA liquidado, fazendo com que nunca seja apurado IVA a entregar ao Estado e, simultaneamente o crédito de imposto seria sempre reduzido; - Períodos de 2014 e 2015, declarações a zeros, com exceção de 2014.02 e 2014.05; - Compras de mercadorias no valor de €3.390.376,85, segundo a informação da IES, estas compras foram efetuadas no mercado interno, e inexistem valores de inventário no início e no final de 2013; - Fornecimentos e serviços externos de valor significativo nos quais se destacam os gastos com comissões, conservação e reparação, ferramentas e utensílios de desgaste rápido, eletricidade, água, transporte de mercadorias, serviços diversos e comunicação, no entanto, inexiste qualquer fatura declarada por terceiros; Não existem gastos com o pessoal; - Não existem quaisquer imóveis ou veículos registados em nome da “O...”; - Não existem informações declaradas por outras empresas relativas a vendas/prestações de serviços à “O...”; - Não foram recolhidas/apresentadas quaisquer provas do exercício da atividade nos anos de 2013 e 2014 por parte da “O...”; - A morada da sede social da empresa em causa, na Rua N…, n.º 2, C..., corresponde ao R/C de um prédio de apartamentos, amplo, sem reboco, sem eletricidade ou quaisquer condições que permitam o exercício de qualquer atividade económica; - No endereço constante nas faturas -Quinta do C…., Armazéns Novos, C... – existem vários armazéns destruídos, algumas oficinas sem identificação e as identificadas com porta aberta informaram que desconheciam quer a “O...” quer qualquer empresa com aquela atividade.; - Aquando dos esclarecimentos prestados, J…., identificou R..., “Sr. brasileiro”, como gerente da “O...”, referindo que se encontrou com ele várias vezes, que fora informado pelo gerente que este pretendia fazer importação de peles para Portugal e mencionou a existência de 5/6 trabalhadores. - Estes esclarecimentos não se encontram corroborados com as demais informações (oficiais) recolhidas junto do SEF, nas aplicações da AT quanto ao pagamento de rendimentos a trabalhadores pela “O...” e junto dos Serviços Aduaneiros, quanto às importações; - Inexistência de estrutura empresarial da “O...”. - Não foram apresentados elementos contabilísticos; - Nas datas em que foram emitidas as faturas em causa, o gerente da “O...” não se encontrava, de acordo com a informação prestada pelo SEF, em Portugal; Na esfera da Impugnante aferiram-se, outrossim, os seguintes indícios: S..., gerente de facto da sociedade E..., em 2013 e 2014, e é igualmente gerente de facto da sociedade “O...”; - J..., gerente de direito desde 03.05.2013, cargo que acumula com outras sociedades, concretamente, com cerca de 25 empresas, coincidindo tal nomeação com a entrada de tais sociedades em incumprimento fiscal; - J..., não entrega declarações de rendimentos desde 2010, e com pendência de diversas execuções fiscais de valor significativo; - A variação das existências entre o início e o final de 2013 não é muito relevante; - Compras efetuadas pela sociedade “E...”, à sociedade “O...” ascenderam no ano de 2013 a €2.583.345,86, aparecendo este como o único fornecedor de matérias primas; - Pagamentos à “O...”, registados na contabilidade quase exclusivamente na conta Caixa; - PAGAMENTOS EM NUMERÁRIO i) Em 2013 os pagamentos em numerário à “O...” totalizaram o montante de €212.291,63, em quase todas as situações existem, simultaneamente a referência a entregas das mesmas quantias em numerário feitas pela V... e V... à aqui impugnante. ii) Como documentos justificativos são emitidos apenas avisos de lançamento à “O...” ; iii) Inexiste qualquer recibo por parte da “O...”; IV) São emitidos recibos pela E... em nome da V... e da V...; - PAGAMENTOS EFETUADOS POR ENDOSSO DE CHEQUES EMITIDOS PELA V... E V... i) A V... e a V... emitem cheques; ii) Existe apenas a referência aos cheques nos recibos emitidos pela E...; iii) Inexiste cópia dos cheques e simultaneamente serão (supostamente) endossados à “O...”; ii) A impugnante apenas emite um aviso de lançamento; - PAGAMENTOS EFETUADOS POR ENDOSSO DE CHEQUES DE OUTROS CLIENTES i) Os clientes OL..., CO..., PO... e I... emitem cheques supostamente endossados à “O...”, referidos nos avisos de lançamento emitidos pela impugnante; ii) Os cheques emitidos pela I..., cliente espanhol, e supostamente endossados à “O...” totalizam a quantia de €1.155.378,01. - LETRAS i) Foram aceites 5 letras no valor total de €1.000.000,00 (€200.000,00/cada) tendo o valor sido transferido para a conta 222311313, meramente suportado por um documento interno. - ENDOSSO DE CHEQUE EMITIDO POR F... i) F... aufere rendimentos da Categoria A pela E...; ii) F... consta como sócio da W..., detentora de 100% da E..., V... E V...; iii) Em 21/06/2013 foram emitidos os seguintes documentos, com o valor de €10.700,00: · Aviso de Lançamento n.º 23219 A com a referência de “Transferência bancária efetuada pelo BES” da V... para a E...; · Aviso de Lançamento n.º 23220 A com a referência de “Valor N/ entrega” da E... para F...; · Aviso de Lançamento n.º 23221 A, com a referência “V/ entrega cheque n.º 812816 S/ BES de F...; · Aviso de Lançamento n.º 23222: endosso do cheque de F… à “O...” - As sociedades V... E V..., têm como gerente S..., gerente de facto da E..., e da “O...”; - As sociedades V... E V..., têm como contabilista A..., detidas também pela sociedade W...; - Da apreciação das faturas, recibos, avisos de lançamento verificou-se contabilisticamente, que no ano de 2013, a dívida à “O...” ascendia a €4.864.062,49. - No período de 2013, na conta de clientes no final do período da “O...” tem um saldo de €106.067,30 – valor que a “O...” tem a receber dos seus clientes no final de 2013 – por verificação do IES da “O...”; Ora, face às realidades de facto supra descritas, concluiu a AT que as mesmas permitem inferir a existência de indícios suficientes e razoáveis de faturação falsa, ou seja, de que as matérias primas mencionadas nas faturas emitidas pela “O...” consubstanciam operações simuladas, na medida em que todos os factos apontam para que não tenha existido qualquer negócio. E a verdade é que, atentando nos aludidos indícios, e validando o juízo de improcedência do Tribunal a quo entende-se que os mesmos são de molde a justificar e desconsiderar as operações/transações contempladas nas faturas visadas, desde logo, face a debilidades e fragilidades dos respetivos pagamentos, os quais, como já referido e ora se reitera, revestem grau de importância elevada em termos de prova da efetividade das operações. In casu, e como suprarreferido, há uma clara debilidade, e fragilidade dos meios de pagamento, desde logo, pelo valor expressivo dos pagamentos em numerário, cujos documentos de suporte são meros avisos de lançamento, e sem qualquer recibo a avalizar os mesmos. Por outro lado, e quanto ao endosso de cheques, há, desde logo, que reiterar e ressalvar que, por diversas vezes, inexistem, tão-pouco, esses suportes financeiros, sendo que a junção de cheques não permite inferir, desde logo e sem mais, pela materialidade ou não materialidade das operações, sendo premente aferir-se do seu circuito comercial e cotejá-lo com a demais prova carreada para os autos. Sendo que, in casu, e conforme aduzido supra, não só não resulta atestada a existência de cópia do verso dos cheques, devidamente preenchidos, como existem, outrossim, realidades de facto a montante e a jusante que permitem sindicar o fluxo financeiro, mormente, o concreto desconto dos cheques. Logo, tal permite concluir pela não demonstração dos fluxos financeiros subjacentes a tais operações, secundando-se, outrossim, o evidenciado na decisão recorrida quanto à falta de demonstração da correspondência e nexo entre os pagamentos e as faturas em contenda. Por outro lado, existem discrepâncias na assunção da dívida contabilística à OERSTLEY, e que, naturalmente, têm de ser valoradas de forma conjugada com os demais indícios convocados, os quais, como visto, revestem natureza endógena e exógena. Logo, entende-se que a AT logrou demonstrar factos-índice, quer externos, quer internos, de falta de veracidade das faturas, cessando, por conseguinte, a presunção de veracidade das declarações do sujeito passivo, para efeitos do artigo 75.º, n.º 2, alínea a) da LGT. Pelo que, não precisando, como visto e já devidamente densificado anteriormente, a AT de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, afigura-se que, in casu, da análise do conjunto dos indícios recolhidos, a AT elencou elementos que revelam de forma séria a forte probabilidade de as operações em causa não serem operações reais, considerando quer as fragilidades documentais, quer a ausência de estrutura empresarial, quer quanto à própria debilidade dos meios de pagamento registados na contabilidade, e inerente prova dos fluxos financeiros. Com efeito, os requisitos reunidos permitem, com segurança, concluir que há fortes indícios de que a sociedade O... não tinha atividade efetiva em 2013, sendo que, concretamente quanto à relação com a Recorrente, a efetividade da mesma não resultava evidente, designadamente por não estar minimamente suportado o fluxo de mercadorias e de pagamentos. Ademais, no caso vertente a AT pautou toda a sua atuação pelo inquisitório, com pedidos de esclarecimentos e diligências devidamente evidenciadas no Relatório de Inspeção Tributária, logo tendo a AT cumprido o ónus probatório que recaía na sua esfera jurídica, competia à Recorrente ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as operações constantes nas faturas em causa são reais, isto é, que as faturas emitidas pelo fornecedor visado têm subjacentes operações com materialidade, o que, in casu, não logrou fazê-lo. Com efeito, atentando na factualidade provada, a qual se encontra estabilizada e cuja fundamentação inerente à mesma se encontra devidamente consubstanciada na análise à impugnação da matéria de facto, para a qual, ora, remetemos, é por demais evidente que não resulta demonstrado que a Recorrente tenha feito prova positiva da aludida materialidade das aquisições. Dir-se-á, portanto, que a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é assacado, quer na vertente da suficiência e razoabilidade dos indícios invocados pela AT, quer no concreto do domínio da valoração da prova da efetividade das operações. Sendo que quanto a esta última vertente, importa sublinhar que a mesma se encontra conexionada com o erro de julgamento imputado à decisão proferida sobre a matéria de facto, já devidamente analisado em sede de impugnação da matéria de facto, e no qual consideramos não assistir razão à Recorrente. Assim, eximimo-nos de expender quaisquer considerações adicionais, concluindo, portanto, que inversamente ao sustentado pela Recorrente, face à prova produzida nos autos, não é possível desfechar que nos encontramos perante operações reais. Note-se que, a partir do momento em que é afastada a presunção de veracidade das faturas -o que sucedeu no caso vertente-, nos termos já explanados, a prova da efetividade das operações, tem, naturalmente, de ir além da fatura e da sua contabilização, carecendo de uma prova inequívoca, devidamente circunstanciada no espaço e no tempo. E por assim ser, tudo visto e ponderado, conclui-se que a AT elencou indícios consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade das faturas emitidas pela fornecedora visada e supra elencada não corresponderem a operações reais, os quais permitem suportar-atenta a falta de prova positiva por parte da Recorrente- objetivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e que determinou o apuramento de IVA indevidamente deduzido, relativamente às visadas faturas. Destarte, as operações sub judice, não podem conferir o direito à dedução do respetivo IVA, atento o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, por estarem em causa operações simuladas. Logo, a decisão recorrida que assim o sentenciou não padece do arguido erro de julgamento. Uma nota final, neste concreto particular, para evidenciar que este Tribunal quanto a este fornecedor, em concreto, O... já prolatou Acórdãos que ajuízam, exatamente, neste sentido, dele se dando conta, designadamente, os proferidos nos processos n.ºs 201/19, de 26.09.2024 e 812/19, de 09.01.2025. *** Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento por se tratar situação de fundada dúvida sobre a ocorrência do facto tributário. Advoga, neste âmbito, que a prova produzida pela Recorrente, nomeadamente considerando os depoimentos das testemunhas, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, é suscetível de infirmar os factos em que assentou o juízo da AT ou, pelo menos, de sobre ele criar uma fundada dúvida sobre a sua existência. No entanto, mais uma vez, não logra mérito a aludida alegação, inexistindo qualquer erro de julgamento nesse e para esse efeito. Senão vejamos. Inversamente ao propugnado pela Recorrente, inexiste qualquer fundada dúvida que possa reclamar a subsunção no artigo 100.º do CPPT, e concreta valoração a favor do sujeito passivo. Com efeito, dispõe expressamente o citado normativo sob a epígrafe de “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” que : “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, resultando, assim, do seu teor literal um princípio estruturante do direito tributário que estabelece, per se, que a fundada dúvida alicerçada na prova produzida -e não na inércia probatória- terá de reverter a favor do contribuinte. Significa isto, então, que não tendo a Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu n.º 1, porquanto tal princípio não se compadece com situações de inércia probatória por parte do contribuinte, quando o ónus da prova se encontre na sua esfera jurídica, como in casu. Como doutrinado por JORGE LOPES DE SOUSA5: “… [T]ambém será de impor ao contribuinte, no processo judicial, o ónus da prova de factos quando ele lhe é imposto no procedimento tributário (…). Sendo de aplicar esta regra também no processo judicial, pelo que se disse, e harmonizando-a com a regra do n.º- 1 do art. 100 .º do CPPT, será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele n.º 1, justificarem a anulação do acto impugnado. Na verdade, o n.º 1 do art. 100.º, do CPPT consubstancia uma norma de carácter geral de que resulta recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevem para quantificação da matéria tributável. Por isso, nas situações em que a lei, em normas especiais, impõe esse ónus ao contribuinte, fica afastada a aplicação daquela regra de carácter geral”. De chamar, outrossim, à colação o Aresto do TCA Norte, prolatado no âmbito do processo n.º 00438/12.0BEPRT, datado de 17 de setembro de 2015, no qual se sumariou, o seguinte: “1. Nos termos do art. 100.º/1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado. 2. Este preceito constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no art. 74.º/1 LGT. Regra que também encontramos no art. 414.º do CPC (anterior art. 516.º) fazendo recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida. 3. A norma é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. 4. A prova produzida de que há-de resultar a «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» deverá ser não só a prova mobilizada pelas partes mas também aquela que o juiz deverá impulsionar (art. 13.º/1 do CPPT). 5. A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (art. 342.º/1 do Código Civil).” (destaques e sublinhados nossos). Ora, in casu, conforme expendemos anteriormente a Recorrente não logrou, ao contrário do que era seu ónus, demonstrar a efetividade das operações tituladas pelas faturas em causa. Sendo que, como visto, e ora se reitera a aduzida inércia probatória não se confunde, de todo, com a fundada dúvida. E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede na íntegra o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida. [fim de citação]. Assim sendo, e em face do exposto, acolhendo na integra os fundamentos da jurisprudência acabada de citar, também aqui se conclui que a sentença em apreço não padece de qualquer erro de julgamento por errada valoração da prova testemunhal, ou na apreciação e aplicação das regras referentes à distribuição do ónus da prova, ou, ainda, na apreciação e aplicação ao caso do do disposto no art. 100.º do CPPT. Ora, e concluindo-se que em causa estiveram operações simuladas e que, consequentemente os custos titulados pelas faturas em questão, referentes a alegadas transmissões de bens pela O... não foram efetuados, não podiam os mesmos ser considerados para efeitos da sua dedutibilidade em sede IRC, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC. Assim sendo, deve o recurso ser julgado improcedente neste extrato. Prossegue a Recorrente alegando, em síntese, que a sentença padece de erro de julgamento de direito na apreciação e aplicação que faz ao caso do disposto no art. 23.º, n.º 1 do CIRC, no que se refere à desconsideração fiscal das despesas referidas nos pontos III.1.3 1.4 e IX do RIT, e que todas as restantes despesas desconsideradas, como sejam de refeições, combustíveis e dormidas foram efetivamente resultantes do exercício da sua atividade comercial quer a nível local quer, nomeadamente e em particular, realizadas no Norte do País onde se situam a maior parte das empresas de calçado, encontrando-se preenchidos os requisitos para a respetiva consideração. Vejamos então. No que diz respeito às despesas apreciadas no ponto III.1.3 e IX do RIT, a Recorrente repete o que alegara já na sua PI, referindo que “Todas as restantes despesas desconsideradas, como sejam de refeições, combustíveis e dormidas entende a Recorrente que as mesmas são efetivamente resultantes do exercício da sua atividade comercial quer a nível local quer, nomeadamente e em particular, realizadas no Norte do País onde se situam a maior parte das empresas de calçado”. Sucede, no entanto, que o que resulta do RIT é que a desconsideração dos custos elencados no supracitado ponto III.1.3 teve por fundamento a violação do princípio da periodização previsto no art. 18.º, n.º 1 do CIRC (cf. ponto J, da fundamentação de facto), fundamento que a Recorrente não questiona ou rebate, nada referindo sobre o mesmo. De facto, da leitura do referido ponto III.1.3 resulta claramente que a referência, em “nota”, à não demonstração da indispensabilidade das despesas ali referidas (cf. ponto J, da fundamentação de facto), é claramente um obiter dictum, um dito de passagem ou comentário lateral, que não o fundamento da correção, que consistiu antes, na violação do princípio da periodização previsto no art. 18.º, n.º 1 do CIRC, sustento contra o qual, repita-se, a Recorrente nem sequer ensaia qualquer argumento, pelo que o mesmo não é por si posto em causa. Assim sendo, e em face do exposto, e visto que a Recorrente não questiona o fundamento da liquidação, o recurso é julgado improcedente neste extrato. Quanto aos custos desconsiderados com a fundamentação constante no ponto III.1.4 do RIT, alega a Recorrente que é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de provar a “inveracidade das despesas incorridas para serem desconsideradas como custo fiscal”. Relativamente aos custos em questão, o que resulta do RIT é que os mesmos não são aceites, por violação do disposto nos artigos 23.º e 45.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, atendendo a que correspondem a despesas “efetuadas na esfera pessoal da vida privada dos gerentes, dos seus familiares ou de outras pessoas”, tratando-se em grande parte de despesas não devidamente documentadas (cf. ponto J, da fundamentação de facto). Mais é acrescentado no RIT, na ponderação ali efetuada sobre a intervenção da ora Recorrente em sede de audiência prévia, que não bastava que a mesma se limitasse a alegar genericamente que as viagens efetuadas à Ucrânia, Brasil e Egipto não foram apenas viagens de turismo, pois não apresentou qualquer prova que sustentasse que se destinaram a negócios, não tendo demonstrado a sua finalidade, que não resulta dos documentos de suporte existentes, dando-se como exemplo a viagem à Ucrânia, em Hotel de 5 estrelas, no valor de EUR 4.960,00, realizada na semana entre o Natal e o Ano Novo (cf. ponto K, da fundamentação de facto). Sobre esta questão, a sentença sustentou-se na seguinte fundamentação, que se passa a reproduzir: (…) Do que consta do RI verifica-se que respeitam a despesas com refeições (todas elas para várias pessoas, alguns com referência a refeição de criança, em diversos pontos do país e no estrangeiro, em dias de fim de semana), compras em supermercados, alguns documentos sem referência ao sujeito passivo, sem qualquer documento de suporte, viagens ao estrangeiro, alguns de consumo de combustíveis, etc. Sendo, para nós desde logo óbvio, que as despesas que os SIT remetem para o extrato bancário, não se encontram devidamente documentadas e as demais não foi feita prova, pela impugnante da sua indispensabilidade. Os documentos nºs 5 a 8 e o depoimento das testemunhas não foram de molde afazer essa prova. A título de exemplo e no que respeita à viagem à Ucrânia veja que a fatura da agência de viagens é de 26-12-2013 e a fatura junta pela impugnante é uma compra efetuada antes, data de 12-09-2013 (documento nº 6), no que respeita às viagens à República Dominicana e a referência á faturação da Oliverpel é de salientar que dela não se consegue fazer estabelecer qualquer relação, atendendo a que tanto esta empresa como a impugnante comercializam peles/couros. Nos termos do artº 74º da LGT era ónus da impugnante a prova que os gastos estavam ligados à sua atividade comercial e eram indispensáveis para a realização dos seus proveitos, o que não logrou fazer. (…) Alega a Recorrente que a sentença erra no julgamento de direito que faz, uma vez que, na sua tese, era à ATA que cabia o ónus de provar “a inveracidade das despesas desconsideradas como custo fiscal”. Sucede, no entanto, e tal como é referido na sentença, no excerto reproduzido, que o que resulta do RIT a este propósito é que as despesas foram desconsideradas por se ter entendido que não tinham relação com a atividade empresarial da Recorrente. De facto, o que revela o RIT a este propósito, é que as despesas em causa dizem respeito a refeições de grupo em fins de semana, a viagens em períodos de férias, ou a despesas relativamente às quais não se demonstrou, sequer, a conexão com a Recorrente, por estarem suportadas por documentos sem qualquer referência à mesma. Ora, e sendo certo que, estando demonstrada a relação entre as despesas e o escopo empresarial do sujeito passivo, não cabe à ATA questionar da respetiva bondade, o que no caso os SIT demonstraram foi a inexistência de uma relação entre as despesas efetuadas e o objetivo empresarial, sendo certo que do disposto no art. 23.º do CIRC o que resulta é que não podem ser consideradas para efeitos fiscais as despesas “extra-empresariais”, que “não apresentam qualquer afinidade com a actividade da empresa, como os encargos com despesas privadas dos sócios ou com terceiros, estranhos à empresa” (cf, neste sentido, o Acórdão proferido por este TCAS em 2012-11-27, no proc. 05371/12, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Com efeito, o art. 23.º do CIRC não permite a consideração fiscal de custos que, ainda que efetivamente suportados, o tenham sido em situações “de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros” (cf., neste sentido, o Acórdão proferido pelo STA em 2017-06-28, no proc. 0627/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt). E como já decidiu este Tribunal Central Administrativo Sul a este propósito, “[s]e a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário” (cf. Acórdãos proferidos pelo TCAS em 2019-09-30, no proc. 447/04.3BESNT e em 04/06/2020, no proc. 1029/07.3BESNT, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Ora, e atendendo a que a Recorrente não logrou provar, no âmbito do procedimento de inspeção ou no âmbito do processo de impugnação judicial, que as despesas em questão estavam relacionadas com a sua atividade, há que concluir que na sentença foi feita uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto. Deve, por isso, ser julgado improcedente o recurso neste extrato. Prossegue a Recorrente, pondo em causa a decisão sobre recurso no que diz respeito à correção efetuada com fundamento no ponto III.1.5.6 do RIT, alegando para o efeito, e em síntese, que relativamente ao crédito que detinha na empresa B... não era certo nem líquido que o mesmo não viesse a ser pago pela massa insolvente, tendo aguardado pelo encerramento da insolvência para reconhecer o valor, pelo que a sua dedutibilidade apenas se verificou no período em apreço, a saber, 2013, não aceitando, por isso, a posição assumida na sentença recorrida. Sobre esta matéria, resulta do RIT, em síntese, que atendendo a que a sentença de declaração da insolvência da B... foi proferida em 23 de fevereiro de 2012, a correspondente imparidade deveria ter sido reconhecida no exercício de 2012, tanto mais que o requisito previsto no n.º 2 do art. 18.º do CIRC não se preencheu, e ainda, em resposta à intervenção da Recorrente em sede de audiência prévia, que não constitui prática corrente aguardar-se pelo encerramento da insolvência para se reconhecer o valor da imparidade, e que o risco da cobrança da crédito já era conhecido em exercícios anteriores, concluindo que não se justificava a aceitação do registo da imparidade em 2013, em face do disposto no art. 18.º, n,ºs 1 e 2, e na alínea a) do n.º 1 do art. 36.º, ambos do CIRC (cf. pontos J e K, da fundamentação de facto). Sobre esta matéria, é a seguinte a fundamentação constante na sentença recorrida, que se transcreve no trecho pertinente: (…) Como verifica do RI em conjugação com o ponto S) dos factos assentes, a impugnante registou na sua contabilidade, em 2013, uma perda por imparidade, no montante de €31.513,41 relativo a um crédito reclamado judicialmente em 2012. O reconhecimento da imparidade em 2013, violou o princípio da especialização dos exercícios. Tendo em consideração que foi interposta ação judicial em 2012, onde foi judicialmente o crédito da impugnante o reconhecimento da perda por imparidade, como componente negativa do lucro tributável, não devia ter ocorrido em 2013, por força do nº 1 do artº 18º do CIRC. A lei e a jurisprudência admitem que, por força do princípio da solidariedade entre os exercícios podem existir exceções ao princípio da especialização dos exercícios através da previsão legal do nº 2 do artº 18º do CIRC – desde que na data do encerramento das contas do exercício a que deviam ser imputadas eram “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”. No caso, a impugnante não pode vir arguir que estava perante uma situação enquadrável no nº 2 do artº 18º do CIRC, no período de tributação de 2013, já que a ação tinha sido interposta em 2012 e transitou em julgado no mesmo ano (em 30-04-2012) e o tipo de imparidade fiscal – crédito reclamados judicialmente numa ação de insolvência – artº 36º nº 1 al a) do CIRC. Houve efetivamente violação do princípio de especialização estabelecido no artº 18º nº 1 do CIRC e não há lugar à aplicação do nº 2 da mesma norma legal. (…) Ora, também quanto a esta questão não se vislumbra que a sentença padeça do erro de julgamento que lhe é assacado. Não se desconhece que o disposto no n.º 2 do art. 18.º do CIRC, do qual resultava, então como agora, que “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”, deve ser interpretado à luz do princípio da justiça, tal como é assinalado pela doutrina dos nossos Tribunais superiores (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo STA em 2018-03-14 no proc. 0716/13, assim como a vasta jurisprudência ali citada; disponível para consulta em www.dgsi.pt). Sucede, no entanto, que o princípio a justiça apenas encontra aplicação em situações de injustiça grave e notória, devendo os factos que o integram ser alegados e provados por quem dele pretende retirar benefício (cf., neste sentido, o Acórdão proferido pelo TCAN em 2023-07-06, no proc. 00008/07.5BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt). De facto, “sob pena de anulação constante de condutas administrativas com base em conceitos emocionais e subjectivos de justiça, o princípio da justiça enquanto tal só pode considerar-se violado nas situações cuja qualificação como injustas é susceptível de alcançar um consenso intersubjectivo” (cf. SOUSA, Marcelo Rebelo de, e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral - Tomo I Introdução e princípios fundamentais. 3.ª edição. Lisboa: D. Quixote, 2008, págs 228-229), devendo por isso reservar-se a sua aplicação para o “controlo de injustiças graves e notórias” [cf. SILVA, Suzana Tavares da – O Princípio da Razoabilidade. In GOMES, Carla Amado Gomes; NEVES, Ana; SERRÃO, Tiago (Coord.) - Comentários ao Código do Procedimento Administrativo. Vol. I. 5.ª edição. Lisboa: AAFDL, pág. 368]. Ora, não resulta do alegado pela Recorrente que em 2012 desconhecesse que a empresa devedora fora declarada insolvente nesse mesmo exercício (cf. ponto S, da fundamentação de facto). Por outro lado, não pode deixar de se considerar que a declaração de insolvência constitui evidência objetiva de um evento de perda, nos termos e para os efeitos do disposto a propósito no § 24, ponto (d) da NCRF 27. Também não é apontado qualquer fundamento verosímil para o não reconhecimento fiscal da imparidade nesse mesmo exercício – 2012 -, desde logo, à luz do disposto no art. 28.º-B, n.º 1, alínea a) do CIRC, norma na qual se dispunha, então como agora, serem créditos de cobrança duvidosa, por se encontrar devidamente justificado o risco de incobrabilidade, aqueles em que o devedor tenha pendente processo de insolvência. Refira-se, aliás, que não se considera justificação para tanto o invocado desconhecimento da possibilidade de ressarcimento do valor do crédito pela massa insolvente, atendendo a que, como é sabido, a perda por imparidade pode e deve ser revertida, procedendo-se à correspondente reversão sempre que tal se justifique (cf. § 28 da NCRF 27). Assim sendo, e em face do exposto, o recurso deve ser julgado improcedente também neste segmento. Alega ainda a Recorrente, e em síntese, que a sentença viola os princípios constitucionais da legalidade, justiça, proporcionalidade, capacidade contributiva, e tributação pelo rendimento real, sendo a liquidação de IRC em causa manifestamente exagerada, desproporcional, injusta e ilegal face ao rendimento que declarou. Não tem, no entanto razão. Com efeito, não se prova a violação de qualquer dos princípios – aliás, genericamente – invocados pela Recorrente, nem se vê em que é que os mesmos poderiam ser afetados pela solução encontrada pela Administração tributária, que, como se vem explicitando, não padece de qualquer ilegalidade, como foi bem decidido na sentença recorrida. Donde, e também aqui se acompanha o já decidido a propósito de invocação semelhante em processo similar por este Tribunal Central Administrativo Sul, no já aqui citado Acórdão proferido em 2025-02-06, no proc. 1141/18.3BELRS (disponível para consulta em www.dgsi.pt). Pelo que também no que a esta alegação diz respeito o recurso deve ser julgado improcedente. Por fim, a Recorrente alega, e em síntese, que a sentença fez uma errada interpretação do disposto nos arts. 77.º da LGT e 63.º do CIRC, ao considerar que a ATA respeitou o dever especial que sobre a mesma recaía de fundamentar o despacho que determinou a emissão da liquidação, assim como o RIT e as respetivas conclusões. Ora, desde já se antecipa que também aqui a Recorrente não tem razão. De facto, e antes de mais, a invocação do disposto no art. 63.º do CIRC é incompreensível e desajustada, atendendo em que em momento algum do RIT esta disposição é invocada ou aplicada. Não sendo a mesma aplicada para fundamentar o ato de liquidação em causa, não se vê o propósito da invocação do especial dever de fundamentação associado à respetiva mobilização, que é, por isso, despropositado. Também não se vislumbra que o RIT padeça de qualquer vício de falta de fundamentação, que justificasse, por parte do Tribunal a quo, o reconhecimento da violação do disposto no art. 77.º da LGT. Com efeito, e como resulta de jurisprudência pacífica dos nossos Tribunais superiores, a fundamentação do ato administrativo será suficiente “quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões (de facto e de direito) por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação” (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão do STA proferido em 2003-0514, no rec. 0495/02, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Ora, do RIT em causa resultam de forma clara, coerente e suficiente os fundamentos da liquidação, o que permitiu que a mesma fosse judicialmente sindicada, e afigurando-se perfeitamente percetível a um destinatário médio, ou normal, tendo, aliás, a aqui Recorrente revelado que apreendeu a respetiva fundamentação. De facto, e tal como é também referido no Aresto já aqui citado, prolatado por este Tribunal Central Administrativo Sul a propósito do mesmo RIT, e apreciando o mesmo erro imputado à sentença (cf. o Acórdão proferido por este TCAS em 2025-02-06, no proc. 1141/18.3BELRS): (…) Atentando no respetivo Relatório Inspetivo, afere-se, contrariamente ao expendido pela Recorrente, que o mesmo se encontra fundamentado, de facto e de direito. E isto porque, no item epigrafado de “Objetivos, âmbito e extensão da ação inspetiva” a AT começa por identificar o âmbito da atividade da Recorrente e o seu respetivo enquadramento em sede de IRC e em sede de IVA, concretizando, depois, no item “Descrição dos factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável”, quais os indícios que legitimaram as correções e que redundaram na existência de operações fictícias. Explicitando, depois, o modus faciendi adotado para efeitos de apuramento dos gastos e do imposto em falta, com a devida densificação do registo contabilístico e enunciação da base legal que fundamentou e legitimou as correções visadas. (…). Assim sendo, também neste ponto deve ser julgado improcedente o recurso. * Em face do exposto, resta concluir que o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente. *** Atento o decaimento do Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT. Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Na presente impugnação judicial encontram-se em discussão liquidações de IVA e juros compensatórios referentes ao exercício de 2013, no montante total de EUR 823.892,77. Tal como vem sendo consistentemente decidido pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência sobre esta matéria, revela-se inconstitucional “por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, do diploma fundamental” um regime das custas “definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas” sempre que no mesmo não se permita ao tribunal “que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão” (cf. neste sentido os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, de 2007-03-28, n.º 471/2007, de 2007-09-25, n.º 116/2008, de 2008-02-20, n.º 266/2010,de 2010-06-29, n.º 421/2013, de 2013-07-15 e 604/2013, de 2013-09-24, disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Concretamente no que se refere às custas no processo tributário, decidiu também já aquele Tribunal julgar inconstitucionais por violação do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP “(…) as normas contidas nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário («CPPT»), 6.º e 11.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP»), conjugadas com a tabela I-A anexa, do RCP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que, face a impugnação judicial do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa visando a anulação parcial do acto de liquidação de IRC, a que corresponde a taxa de justiça de € 50 697,41 o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo” (cf. Acórdão n.º 508/2015 proferido em 13 de outubro de 2015, no proc. 736/2014; cf. ainda o acórdão do STA proferido em 2012-04-26, no proc. 0768/11, e mais recentemente, o Acórdão do STA proferido em 2021-11-10 no proc. 02410/14.7BELRS, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt/jsta). Tanto basta para que se considere que no caso em apreço a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida se justifica atendendo a que não só a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, como porque o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida na presente instância recursiva [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 280.º do mesmo diploma] – e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. Em face do exposto, deverá ser dispensado o remanescente da taxa de justiça nas custas referentes à tramitação do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. No domínio da faturação falsa, a AT não precisa de fazer prova da falsidade/simulação das faturas, mas apenas evidenciar a consistência do seu juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade séria de as operações constantes nas faturas serem simuladas. Cumprido esse ónus passa a competir à Impugnante, apresentar prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as faturas têm subjacentes operações com materialidade. II. A prova que importa realizar, de forma cabal, segura e inequívoca relativamente a cada um dos serviços titulados pelas faturas, não se basta com um mero enquadramento genérico da existência de prestação de serviços e uma alegação não devidamente substanciada no espaço e no tempo da concreta relação negocial. III. A apresentação dos meios de pagamento reveste grau de importância elevada em termos de prova da efetividade das operações. IV. Não tendo o Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu n.º 1, porquanto tal princípio não se compadece com situações de inércia probatória por parte do contribuinte, quando o ónus da prova se encontre na sua esfera jurídica. V. Se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus da prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário. VI. Não constitui justificação para o não reconhecimento da imparidade de um crédito no exercício em que é declarada a insolvência da sociedade devedora o desconhecimento sobre a possibilidade de ressarcimento do valor do crédito pela massa insolvente, atendendo a que, como é sabido, a perda por imparidade pode e deve ser revertida, procedendo-se à correspondente reversão quando que tal se justifique (cf. § 28 da NCRF 27). VII. Não padece de falta de fundamentação o RIT do qual resultam de forma clara, coerente e suficiente os fundamentos da liquidação, o que permitiu que a mesma fosse judicialmente sindicada, e afigurando-se perfeitamente percetível a um destinatário médio. VIII. A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se não só quando a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas também quando o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida - e levando ainda em conta que por aplicação da tabela I ex vi art. 6.º, n.º 1 do RCP, para além dos EUR 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce a final 3 UC (ou seja, EUR 306,00) por cada EUR 25.000,00 -, se revelaria de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.
III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso. Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça Lisboa, 20 de março de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Tiago Brandão de Pinho – Maria da Luz Cardoso. |