Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 6326/02 |
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Secção: | Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 06/18/2002 |
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Relator: | Cristina Santos |
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Descritores: | NOTIFICAÇÃO DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA EXECUÇÃO FISCAL |
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Sumário: | 1. A notificação dos actos tributários é formalidade que tem por escopo fundamental o exercício de defesa do sujeito passivo da obrigação de imposto, conjugado com o interesse público da tributação justa, legal e lícita e, por isso, participa da natureza dos direitos subjectivos públicos, na categoria dos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias previstos no artº 17º CRP. 2. No domínio dos chamados actos impositivos de deveres e encargos para os particulares impõe-se o diferimento da respectiva eficácia para o momento da sua notificação, princípio hoje vazado no artº 132º nº 1 CPA (DL 442/91 de 15.11, vigente desde 15.5.92). 3. O universo de situações sobre as quais pode recair a previsão do artº 87º nº 2 do CIRC inscreve-se no âmbito de harmonização das normas do CIRC com o CPT e, assim, não poder prevalecer sobre o disposto no artº 65º nº 1 do CPT (hoje, artº 38º nº 1 CPPT), pelo que só pode aplicar-se à notificação de actos de liquidação que não alterem a situação tributária dos contribuintes. 4. A falta de notificação da liquidação em consequência da omissão da formalidade do aviso de recepção estatuída no artº 65º nº 1 CPT determina a inexegibilidade da dívida exequenda, vício oponível à execução fiscal ao abrigo do preceituado no artº 204º nº 1 e) CPPT. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | RELATÓRIO A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por N..., Lda., com os sinais nos autos, à execução fiscal para cobrança de 135.786.261$00 referente a IRC/92, 93 e 94, dela veio recorrer para o que formula as seguintes conclusões: 1. A notificação da liquidação em causa nos autos foi efectuada nos termos do artº 87º nº 2 do CIRC preceito que ao assentar numa presunção legal juris tantum admite prova em contrário, nos termos do artº 350º nº 2 CC; 2. No caso vertente, o facto de se ter revelado impossível efectuar a questionada prova em contrário, por razões exclusivamente atinentes à organização e funcionamento dos correios às quais, por conseguinte, a AF é notoriamente alheia, obsta a que se conclua ex vi do artº 344º nº 2 CC que tal impossibilidade seja susceptível de reverter contra a AF; 3. Assim, considerando a questionada impossibilidade probatória, não poderá fundadamente ser imputada à AF e sendo claro que a actuação da mesma no caso em apreço, jamais poderá ser qualificada como culposa, conclui-se que decisão recorrida fez uma aplicação manifestamente indevida do artº 344º nº 2 do CC pelo que, não tendo a prova em causa sido efectuada, nem resultando de quaisquer elementos do processo, deverá ter-se como assente o facto presumido, ou seja, a efectuação da notificação da liquidação nos termos do nº 2 do artº 87º do CIRC, revogando-se a sentença recorrida, por violar o preceito em questão, com as legais consequências. *** A Recorrida não contra-alegou. O EMMP junto deste TCA emitiu parecer no sentido da anulação da sentença e remessa dos autos à 1ª Instância para ampliação da matéria de facto. Colhidos os vistos legais vem para decisão em conferência Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte matéria de facto. 1. Em JAN97 a AF liquidou à oponente 135 786 261$00 referente ao IRC dos exercícios de 1992, 1993 e 1994. 2. Para notificação dessa liquidação foi remetida à oponente carta registada em 24ABR97. 3. Em 25NOV97 foi instaurada execução fiscal para cobrança coerciva daquele imposto. 4. Tendo a oponente sido citada para a mesma em 16MAR2000. 5. A oposição foi deduzida em 18ABR2000. Nos termos do artº 712º nº 1 a) CPC ex vi artº 2º e) CPPT adita-se o seguinte probatório: 6. Na certidão de dívida referida em 1. reportada à liquidação de IRC nº 8310000276 sobre o exercício económico de 1992, efectivada em 1997 no valor de 43 679 237$00, da sociedade N..., Lda. foi consignado que “(..) tendo sido notificada nos termos do artº 87º do CIRC, não satisfez o seu pagamento no prazo de cobrança voluntária que terminou em 1997.6.2 (..)” – fls. 10. 7. Na certidão de dívida referida em 1. reportada à liquidação de IRC nº... sobre o exercício económico de 1993, efectivada em 1997 no valor de 19 970 799$00, da sociedade N..., Lda. foi consignado que “(..) tendo sido notificada nos termos do artº 87º do CIRC, não satisfez o seu pagamento no prazo de cobrança voluntária que terminou em 1997.6.2 (..)” – fls. 11. 8. Na certidão de dívida referida em 1. reportada à liquidação de IRC nº... sobre o exercício económico de 1994, efectivada em 1997 no valor de 72 136 225$00, da sociedade N..., Lda. foi consignado que “(..) tendo sido notificada nos termos do artº 87º do CIRC, não satisfez o seu pagamento no prazo de cobrança voluntária que terminou em 1997.6.2 (..)” – fls. 12. 9. Pela 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, por despacho de 17.10.2001 foi informado nos autos que “Efectuadas buscas no sentido de dar cumprimento ao despacho de fls. 54 constata-se que não existe no arquivo destes serviços qualquer carta devolvida referente à notificação das liquidações em causa nos autos. No entanto e para cabal esclarecimento foi solicitada à Direcção de Serviços de Cobrança do IR informação, com carácter de urgência, àcerca das notificações em causa, que será remetida a Tribunal logo que remetida a estes serviços.” – fls. 56/57/58. DO DIREITO Vem assacada a sentença de incorrer no vício de erro de julgamento em matéria de notificação da liquidação, atento o comando do artº 87º nº 2 CIRC - conclusões sob os ítens 1 a 3. * 1 .Em sede de sentença foi declarada a procedência da oposição com fundamento em que, atento o “(..) quadro circunstancial, o oponente é confrontado com uma situação de impossibilidade da prova que lhe compete, impossibilidade essa que determina, de acordo com os princípios gerais de direito, a inversão do ónus de prova. Em consequência, era à AF que competia a prova da efectiva recepção da carta envida para notificação; prova essa que não foi feita, conforme resulta do probatório. Concluindo-se pela não comprovação da notificação da dívida tributária é inexigível, facto que obsta à instauração da execução (..)”. 2. Todavia, atendendo a que a validade dos actos administrativos se afere pela sua conformidade com a lei vigente à data da sua prática, cumpre levar em atenção o regime vigente aquando da notificação da liquidação oficiosa mod. 20, reportada a IRC/92, 93 e 94, remetida via correio com data de registo dos CTT de 24.4.97 ao sujeito passivo (fls. 15 a 17 e ponto 2 do probatório), no caso, a redacção vigente do artº 87º nº 2 CIRC Artº 87º do CIRC: “1. Nos casos de liquidação efectuada pelos serviços a que se refere o artº 70º, o contribuinte será notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação. 2. A notificação a que se refere o número anterior será feita por carta registada, considerando-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo.” 3. De facto, o DL 7/96 de 7.2, artº 3º, alterou o artº 87º nºs. 1 e 2 CIRC, desaparecendo da redacção anterior Artº 87º nºs. 1 e 2 do CIRC, na redacção anterior ao DL 7/96 de 7/2: “1 Nos casos de liquidação efectuada pelos serviços a que se refere o artº 70º, o contribuinte será notificado, pela forma prevista no artº 53º, para pagar o imposto que se mostre devido, no prazo de 30 dias a contar da notificação, bem como, sefor caso disso, os juros demora que se mostrem devidos nos termos do nº 5 do artº 82. 2. As notificações a que se refere o número anterior, quando não seja aplicável o disposto no artº 53º, poderão ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no terceiro dia posterior ao do registo.” de ambos os comandos os trechos relativos à notificação, a saber: - no nº 1 - "pela forma prevista no artigo 53º"; - no nº 2 - "quando não seja aplicável o disposto no artigo 53º". Donde, os actos de liquidação oficiosa, ainda que por aplicação de métodos indiciários, passaram a seguir, no modo de notificação ao contribuinte, por simples carta registada sem aviso de recepção. * 4. Desde que os CIRC e CIRS entraram em vigor, as alterações ocorridas em matéria de formalidades da notificação das liquidações, têm sido as seguintes: A. carta registada simples: artºs. 139º nº 3 CIRS e 87º nº 2 CIRC; B. carta registada com A/R, a partir de 1.Julho.1991: artº 65º nº 1 CPT, ex vi artº 11º DL 154/91 de 23.4 (CPT), que revogou os artºs. 139º/3 CIRS e 87º/2 CIRC; C. carta registada simples, a partir de 1.Fevereiro.1996: artº 87º nº 2 CIRC, ex vi artº 3º DL 7/96 de 7.2, que alterou a redacção do artº 87º nºs. 1 e 2 do CIRC; D. carta registada com A/R, a partir de 1.Janeiro.2000: artº 38º nº 1 CPPT, ex vi artº 2º nº 1 DL 433/99 de 26.10 (CPPT), que revogou o artº 87º nº 2 CIRC. * 5. Ou seja, entre 1.2.1996 e 31.12.1999, a notificação das liquidações oficiosas de IRC teve por formalidade legal a simples carta registada; quanto às liquidações de IRS seguem desde 1.7.91 a formalidade da carta registada com aviso de recepção, pese embora se trate de actos de idêntica natureza e não se vislumbre, expressamente, que razões nortearam o legislador para definir tal diferença durante aqueles três anos, de 1996 a 1999. 6. De acordo com o estatuído no artº 234º CPT, "as dívidas sujeitas a execução fiscal serão certas, líquidas e exigíveis", o que quer dizer que, contrariamente ao que sucede na execução comum, cfr. artº 802º CPC, no domínio fiscal não pode promover-se execução por obrigação que, antes da propositura do processo executivo, não se mostra já certa e vencida. 7. Rege neste domínio a chamada exigibilidade em sentido forte, isto é, "a situação em que se encontra a prestação já vencida", não valendo o vencimento por interpelação para pagar através da citação executiva, a exigibilidade em sentido fraco prevista no artº 811º nº 1 CPC - vd. Pessoa Jorge, in "Lições de Direito das Obrigações", Lisboa, 1966-1967, pág. 284. 8. Sendo o acto tributário "do ponto de vista funcional um título jurídico de obrigação de imposto", conforme doutrina de Alberto P. Xavier in "Conceito e Natureza do Acto Tributário", Almedina-1972, pág. 542, a notificação desempenha mais do que a função geral de levar ao conhecimento do destinatário, maxime do sujeito passivo da obrigação, o acto tributário que lhe respeita. 9. Neste sentido, o acto tributário é um acto receptício. 1. Eficácia objectiva 10. Em tese geral, todos os actos administrativos de eficácia externa devem ser notificados aos seus interessados, cfr. artº 268º nº 3 CRP, sendo a notificação o modo de levar ao conhecimento do interessado um determinado acto que, embora em si mesmo, seja independente do acto notificado, todavia, insere-se no processo integrativo da eficácia deste. 11. De notar que, do ponto de vista dos particulares directamente interessados, a obrigatoriedade constitucional de notificação dos actos administrativos integra o elenco dos direitos fundamentais formalmente constitucionais fora do catálogo da Parte I da Constituição, na categoria dos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias prevista no artº 17º CRP, beneficiando, pois, "de um regime jurídico constitucional idêntico ao destes" - vd. Gomes Canotilho in "Direito Constitucional", Almedina, 1993, pág. 529. 12. Salvo disposição excepcional da lei, o valor da notificação não se reconduz nem a requisito de validade nem a requisito de eficácia geral e objectiva do acto mas, tão só, a requisito de eficácia subjectiva, pelo que, em princípio, não é necessária para que o efeito jurídico do acto se considere definido; neste enquadramento, a notificação constitui mera forma de levar o acto ao conhecimento dos respectivos destinatários, como "instrumento que pode dispensar-se caso o particular tenha conhecimento oficial do acto por outra via, nomeadamente a intervenção no processo gracioso ou em caso de execução [...] hipótese em que o acto é eficaz, é passível de execução embora não tenha sido notificado" - vd. Mário Esteves de Oliveira, in "Lições de Direito Administrativo", policopiadas, 1981, págs. 720/721 e 826. * 13. Já assim não sucede no domínio dos chamados actos impositivos de deveres e encargos para os particulares, em que se impõe o diferimento da respectiva eficácia para o momento da sua notificação, princípio hoje vazado no artº 132º nº 1 CPA (DL 442/91 de 15.11, vigente desde 15.5.92). 14. Nestas hipóteses, diferentemente do enquadramento referido supra no ponto 12, a notificação assume a natureza de requisito de eficácia objectiva do acto notificando, pelo que "o começo da sua execução não pode ser vista como uma alternativa à notificação, enquanto requisito legal de eficácia dos actos constitutivos de deveres ou encargos (ou restritivos de direitos) [...] o que sucede é que o começo de execução do acto permite ao particular opô-lo à Administração, nomeadamente para efeitos de reacção contenciosa ou administrativa, mesmo se ele não é legalmente eficaz" - vd. Mário Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in "CPA - Comentado", Almedina, 2ª edição, coment. ao artº 132º, pág. 635. * 15. Por isso, no domínio do acto de liquidação é de rejeitar a aplicação do comando do artº 132º nº 2 CPA - presunção juris et jure inilidível do conhecimento oficial do acto pelo destinatário se este tiver intervindo no procedimento administrativo posteriormente ao começo de execução, afloramento do princípio da irrelevância das formalidades da notificação em processo administrativo gracioso, desde que o acto chegue ao conhecimento efectivo do notificando, evidenciado no artº 64º nº 3 CPT. 16. E entendemos que é de rejeitar, porque do disposto no artº 33º nº 1 CPT (artº 45º nº 1 LGT) flui que as formalidade exigidas para a notificação da liquidação têm por fim de ordem pública garantir o exercício do direito de reacção contenciosa contra a liquidação pelo particular, cfr. artº. 123º nº 1 a) CPT (artº 102º nº 1 a) CPPT). 17. Ou seja, a notificação dos actos tributários não é uma formalidade prevista como modo de ordenação e garantia de eficácia da actividade da Administração Fiscal mas, pelo contrário, é uma formalidade que tem por escopo fundamental o exercício de defesa do sujeito passivo da obrigação de imposto, conjugado com o interesse público da tributação justa, legal e lícita e, por isso, participa da natureza dos direitos subjectivos públicos, constitucionalmente protegido nos termos referidos supra no ponto 11, dos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias previstos no artº 17º CRP. 2. Direito subjectivo público 18. A propósito da determinação do âmbito de protecção da norma, escreve Vasco Pereira da Silva, in "Em Busca do Acto Administrativo Perdido", Almedina-Teses, 1998, pág. 229:"(...) O critério verdadeiramente relevante para averiguar da existência ou não de direitos subjectivos [é] o do sentido da norma, ou seja, o da determinação dos interesses protegidos pela norma jurídica. Conforme escreve Maurer, "a doutrina dos direitos subjectivos públicos (...) afirma a existência de um direito subjectivo público quando uma disposição jurídica vinculativa (e da qual, por isso, resulta um dever jurídico da Administração) não é determinada únicamente para servir o interesse publico, mas antes - ou, pelo menos, também - os interesses individuais dos cidadãos". 19. E mais adiante, afirma que a determinação dos direitos subjectivos públicos tem vindo a ser feita pela doutrina e jurisprudência alemãs por intermédio da interpretação jurídica, segundo critérios objectivos e actualistas, em "(...) crescente afastamento dos princípios de interpretação históricos e, por consequência, também da vontade do legislador" (Bauer), considerando-se que a determinação dos interesses protegidos pelas normas jurídicas não depende "das concepções subjectivas do legislador, mas sim de uma ponderação objectiva dos interesses, que implica, portanto, uma ponderação actual desses interesses, e não feita em função da situação existente no momento da emissão da norma jurídica" (Wolff/Bachof)". 20. A prova do reconhecimento do contribuinte como titular de direitos subjectivos para designar as posições jurídicas de vantagem perante a Administração Fiscal e consequente consagração de um entendimento amplo dos direitos subjectivos públicos pela ordem jurídica portuguesa está à vista no artº 268º nºs. 3, 4 e 5 da Constituição, na medida da garantia do contencioso administrativo, tanto o relativo ao recurso de anulação como o das acções administrativas, visando assegurar uma protecção efectiva e integral dos direitos ou interesses legalmente protegidos. 21. Obviamente que esta tutela só se mostra completa pelo alargamento dos requisitos formais do modo de notificação dos actos aos seus interessados directos, daí que as garantias constitucionais dos nºs 4 e 5 exijam, para serem efectivas e não meramente virtuais, a observância da garantia consagrada no nº 3, todos do citado artº 268º CRP. 22. Se a esfera jurídica de um contribuinte for passível de afectação nos respectivos direitos, por via da eficácia externa de um acto tributário e, todavia, a prática desse acto não lhe for notificada de forma a assegurar, em critério de normalidade, o conhecimento efectivo, perde-se definitivamente a ideia das garantias constitucionais da recorribilidade dos actos tributários. 23. A lei ordinária obedece à garantia constitucional da notificação dos actos tributários de eficácia externa, se o meio consagrado demonstrar a efectiva "(...) atribuição ao particular da possibilidade de actuação no procedimento para defesa preventiva dos seus direitos perante a Administração. Nesta perspectiva, o procedimento surge como o instrumento adequado para a conciliação do interesse público com os direitos dos indivíduos, pelo que é de exigir que ele tenha lugar, pelo menos, em todos os casos em que estejam em causa direitos fundamentais. Daí a tendência moderna para ligar o procedimento e os direitos fundamentais, acentuando a dimensão de "garantia de procedimento" (Goerlich) contida nesses direitos. E a consideração de que os "reflexos dos direitos fundamentais no procedimento vinculam tanto o legislador, que tem de constituir um procedimento efectivador dos direitos fundamentais, como a Administração, que tem de completar o direito do procedimento existente através de uma actuação conforme aos direitos fundamentai (Maurer)" - vd. Vasco Pereira da Silva, obra citada, págs. 213/214. 24. O princípio da "(...) procedimentalização da actividade administrativa corresponde à necessidade de objectivar a vontade da pessoa colectiva pública através da sequência de actos e formalidades pré-ordenados e fixados no termo da qual a vontade dos suportes dos órgãos se despersonalize e combine numa vontade qualitativamente distinta: a da pessoa colectiva. Por esse modo reúnem-se as melhores condições para a prossecução do interesse público [..], melhor protegido o valor da imparcialidade, do mesmo passo que se tornam mais difíceis os erros de perspectiva na aplicação das regras da boa administração” – vd. Sérvulo Correia, in “Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos”, Almedina-Teses, 1987, pág. 579. 25. É visível a estreita conexão entre procedimento administrativo e os direitos subjectivos dos particulares, maxime, no modo como o acto administrativo é levado ao conhecimento do contribuinte, isto é, como se efectiva a notificação das decisões da AF destinadas , no exercício de um poder de autoridade, produzir efeitos jurídicos imediatos numa relação jurídica, individual e concreta. 26. Em comentário as artºs. 67º nº 1 b) e 132º nºs. 2 e 3 CPA, dizem-nos Mário Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in “CPA – Comentado”, págs. 352 e 634: “(..) Ao questionar se a admissibilidade destas notificações informais implica a diminuição da garantia fundamental do artº 268º nº 3 da Constituição, conformamo-nos, portanto, com uma resposta negativa, desde que se restrinja a dispensa de notificação aos casos em que com tais “notificações” informais ficam preenchidas as exigências ou menções essenciais da lei em matéria de notificação – sendo certo que há menções que, salvo casos raros, as notificações informais não permitem comprovar terem sido feitas, como acontecerá, por exemplo, com as respeitantes à via de recurso (administrativo) a utilizar contra o acto (..)” A solução legal (de diferir para o momento da notificação destes actos lesivos) lida à luz do nº 3 do artº 268º da Constituição, compreende-se pelo absurdo jurídico que seria exigir de uma determinada pessoa o cumprimento da respectiva imposição – e sancioná-la pela sua inobservância – sem estar assegurado que ela tomou conhecimento efectivo do acto (..) Como as soluções do Código nem patrocinam largamente a exigência e a importância constitucional da notificação (consagrada no artº 268º nº 3 da Constituição) mais uma razão para se apertarem as rédeas do controlo da constitucionalidade de interpretação e aplicações amplas, que a Administração venha a fazer, das soluções fixadas neste artº 132º. Ou, então, lá se vão as garantias fundamentais na matéria.” – sublinhado nosso. 3. Âmbito de aplicação do artº 87º nº 2 CIRC 27. Aqui chegados, após estas longas transcrições da Doutrina com o fito de realçar a importância das formalidades legais da notificação no domínio da garantia constitucional de recurso contencioso, cabe indagar da adequação jurídico-constitucional da redacção introduzida pelo artº 3º DL 7/96 de 7.2 no artº 87º nº 2 do CIRC, ao revogar a formalidade do aviso de recepção na notificação por correio registado. 28. Sendo certo que a formalidade do registo simples, sem aviso de recepção, apenas vingou entre Fevereiro/1996 e Dezembro/1999, tendo o legislador recuperado o texto do artº 65º nº 1 CPT Artº 65º nº 1 CPT: “1. As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.” (de Julho/1991) para o artº 38º nº 1 CPPT Artº 38º nº 1 do CPPT, texto idêntico ao do artº 65º nº 1 CPT, supra em nota 3. (em Janeiro/2000), com eficácia revogatória expressa pelo já citado artº 2º nº 1 DL 433/99 de 26.10. 29. Do contexto dos pontos supra 10 a 17 (notificação como requisito de eficácia objectiva do acto) e 18 a 26 (notificação dos actos de eficácia externa como direito subjectivo público de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias) decorre que durante estes três anos vingou no artº 87º nºs. 1 e 2 do CIRC por via das alterações nele introduzidas pelo DL 7/96 de 7.2, um sentido contrário ao querido pelo artº 268º nº 3 da Constituição no que importa à tutela efectiva da equiparação das posições da Administração Fiscal e dos sujeitos contribuintes, pela menor garantia de formalidades da notificação das liquidações de IRC efectivadas fora dos períodos normais consignados no Código, aliás, em total discrepância com as formalidades legais para os actos similares em sede de IRS 30. E tenha-se em conta que não se trata da notificação de actos inseridos em instância procedimental pendente, mas da notificação do acto final do procedimento gracioso da liquidação adicional, ou seja, do acto pelo qual a Administração Fiscal define unilateralmente o direito aplicável à situação jurídico-tributária concreta, estabelecida entre si e o concreto contribuinte, sem necessidade de legitimar essa definição com sentença judicial porque no domínio da competência de auto-tutela declarativa, acto que, por isso, é obrigatório para o sujeito relativamente a quem é eficaz, eficácia essa derivada de factores exógenos aos seus elementos essenciais, como é o caso do acto de notificação da liquidação. 31. Do que vem dito, temos que a liquidação adicional, enquanto acto tributário, tem a natureza de acto impositivo de uma obrigação de pagamento de imposto, acto criador de efeitos jurídicos novos na esfera do contribuinte e, consequentemente, é acto lesivo de direitos do particular. 32. Por isso, no respeitante à natureza formal da notificação, estamos com Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in “Código de Processo Tributário” in anotação nº 3 ao artº 63º CPT no sentido de que “(..) no processo administrativo ou gracioso, será irrelevante a observância das formalidades prescritas na lei, desde que se comprove que o acto ou facto chegou ao conhecimento efectivo do notificando, quando o mesmo seja um mero acto processual que não afecte os direitos ou interesses legítimos do contribuinte.(..)”, sublinhado nosso, o que de modo algum é a circunstância dos presentes autos, pois que se trata da notificação da liquidação adicional de IRC para pagamento de imposto em dívida. 33. Ou seja, quando se trate de actos lesivos de direitos, como é o caso da liquidação adicional, não tem aplicação o princípio segundo o qual desde que a finalidade da notificação do acto seja atingida têm-se por sanados os vícios que afectem de invalidade a notificação e acarretem a ineficácia do acto notificando, salvo, obviamente, se o interessado usou tempestivamente dos meios de reacção adequados à defesa do seu interesse jurídico. * 34. Tudo indica que seria de concluir pela inconstitucionalidade material do artº 87º nº 2 do CIRC na redacção introduzida pelo artº 3º do DL 7/96 de 7.2, no confronto com o disposto no artº 268º nº 3 da Constituição e consequente ineficácia objectiva da liquidação presente nos autos, não fora o caso de o universo de situações sobre as quais pode recair a previsão do artº 87º nº 2 do CIRC se inscrever “(..) no âmbito de harmonização das normas do CIRC com o CPT e, assim, não poder prevalecer sobre o disposto no artº 65º nº 1 do CPT (hoje, artº 38º nº 1 CPPT). Portanto, essa norma de notificação invocada pela Recorrente Fazenda Pública (nº 2 do artº 87º do CIRC) não tem aplicação na situação em causa nos autos e só pode aplicar-se na notificação de actos de liquidação que não alterem a situação tributária dos contribuintes (..)” – cfr. Ac. deste TCA proferido in Rec. nº 3542/00 de 13.2.2001. 35. Na medida em que a liquidação adicional de IRC/1992, 1993 e 1994 não se mostra validamente notificada à luz das razões de direito supra, temos que a auto-execução por via coactiva e consequente citação para ao termos do processo executivo não pode ser considerada como modo legítimo de notificação da liquidação exequenda à Recorrida. 36. A falta de notificação das liquidações à Recorrida em consequência da omissão da formalidade do aviso de recepção estatuída no artº 65º nº 1 CPT determina a inexegibilidade da dívida exequenda, vício oponível à execução fiscal ao abrigo do preceituado no artº 204º nº 1 e) CPPT (tendo por lugar paralelo no regime antecedente o artº 286º nº 1 h) CPT, por se tratar de facto que não envolve a sindicabilidade da dívida exequenda, nos exactos termos declarados na sentença, se bem que por fundamentação distinta). 37. Donde se conclui, se bem que por motivação distinta da apresentada na sentença recorrida, pela falha de razão da Recorrente na questão trazida a recurso sob as conclusões sob os ítens 1 a 3. *** Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Sem custas, por isenção legal da Recorrente. Lisboa, 18 de Junho de 2002 (Cristina Santos ) (Valente Torrão) (Casimiro Gonçalves) |