Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
T......, SA., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida em 30 de Dezembro de 2022 pelo TAF de Almada, que julgou improcedente a acção administrativa, deduzida contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, na sequência dos despachos proferidos pela Exma. Senhora Diretora de Serviços da Direcção de Reembolsos (DSR) em 16 de Junho de 2021, 12 de Julho de 2021 e 8 de Setembro de 2021, impugnados na parte em que indeferiram os pedidos de juros indemnizatórios.
A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
«A. Está em causa nos autos saber qual a data em que se considera efetuado, para efeitos de atribuição do direito a juros indemnizatórios, o reembolso de IVA: se a data do processamento da nota de crédito ou a data do efetivo reembolso ao sujeito passivo.
B. A norma constante do artigo 22.°, n.° 8, do Código do IVA garante ao contribuinte o reembolso do IVA nos 30 dias posteriores à apresentação do respetivo pedido de reembolso, prazo findo o qual começam a contar juros indemnizatórios.
C. O Tribunal a quo considerou que a obrigação de reembolso ficava cumprida com o mero processamento da nota de crédito, não obstante o efetivo reembolso apenas ter sido efetuado vários dias (e num dos casos, mais de uma semana) depois do prazo previsto na lei.
D. O artigo 22.°, n.° 8, do Código do IVA, estabelece - de forma muito clara - que "[ojs reembolsos de imposto (...) devem ser efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (...) até aos 30 dias posteriores ao da apresentação do referido pedido”.
E. Sendo que "efetuar o reembolso” significa, como é evidente, "efetua o reembolso” ou, nas palavras mais eruditas do Venerando TCAS, "a entrega do imposto pressupõe a possibilidade do credor dispor de tal quantia” (como diria La Palisse).
F. O Tribunal a quo entendeu que não é assim: efetuar o reembolso do imposto significa, para este Tribunal, o mero processamento de uma nota de crédito, convocando o seguinte raciocínio: "é de aplicar à contagem dos juros indemnizatórios devidos por não ter sido cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos, nos termos da alínea a) do n.° 3 do art.° 43.° da LGT, a contagem do prazo referido no n.° 5 do artigo 61.° do CPPT".
G. No entanto, o artigo 22.°, n.° 8, do Código do IVA é meridianamente claro e em parte alguma remete, direta ou indiretamente, para o disposto no artigo 61.° do CPPT, pois a remissão para o artigo 43.°da LGT é bastante explícita e circunscrita à taxa de juro, à imputabilidade da causa do atraso à AT e ao facto de não ter sido cumprido o prazo legal de restituição.
H. Assim, não se compreende de que forma (ou com que fundamento) é possível estabelecer, a partir do disposto no artigo 22.°, n.° 8, do Código do IVA, e da remissão para o artigo 43.° da LGT, uma nova remissão para o artigo 61.° do CPPT.
I. Pelo contrário, o regime dos juros indemnizatórios, previsto no artigo 61.° do CPPT não rege, em muitos outros casos - para além do caso sob análise -, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, estando inserido no Capítulo III (Procedimento de liquidação de imposto) do Título II, referente ao procedimento tributário.
J. Ora, o que esteve na origem dos pedidos de juros indemnizatórios em causa nos autos não foi uma contenda resultante de procedimento de liquidação de imposto, mas antes a aplicação do regime que regula o mecanismo de dedução do IVA suportado na realização das operações da Autora, do qual resulta o direito a juros indemnizatórios, caso o prazo máximo para reembolso efetivo do imposto suportado em excesso, não seja cumprido.
K. Pretender aplicar ao caso o regime vertido no n.° 5 do artigo 61.° do CPPT é esquecer que o direito a estes juros resulta de uma norma do próprio Código do IVA (norma especial), e não do artigo 61.° do CPPT, que é uma norma geral que disciplina o pagamento de juros indemnizatórios que resulta de procedimento ou processo contra a liquidação de impostos.
L. Admitir solução inversa - i.e., a aplicação da norma constante do n.° 5 do artigo 61.° para lá dos casos legalmente previstos - equivaleria a uma restrição ilegítima dos direitos dos contribuintes, que se veriam - como é o caso da Autora - privados da reparação que se encontra implícita ao próprio direito a juros indemnizatórios.
M. O elemento histórico demonstra claramente que os juros indemnizatórios devidos por atraso no reembolso do IVA são um caso particular, com um tratamento distinto, tendo existido um período em que a sua contagem era expressamente efetuada até à "efectivação da competente transferência bancária", contrariando assim frontalmente a norma do artigo 61.°, n.° 5, do CPPT (à data, o n.° 6 do artigo 24.° do CPT).
N. Também o DL 229/95 não permite contrariar - antes corrobora - aquela que é a única interpretação admissível da lei.
O. Com efeito, a reflexão do Tribunal a quo sobre o referido regime (e relação do mesmo com a questão dos presentes autos) nada nos pode dizer quanto ao termo final do prazo de reembolso, para efeitos da contagem dos juros devidos nos termos do n.° 8 do artigo 22.° do Código do IVA.
P. De acordo com a linha de raciocínio trilhada pelo Tribunal a quo, faz todo o sentido que os juros indemnizatórios só sejam devidos até à emissão da nota de crédito, porque a subsequente transferência bancária para o sujeito passivo já não é da competência dos serviços da AT, cabendo, ao invés, ao IGCP (atual Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública).
Q. Mas é precisamente aqui que reside o erro interpretativo deste raciocínio: não podem ser os "meandros organizativos do Estado" que impõem um atropelo às garantias - constitucionalmente consagradas - dos contribuintes.
R. Sendo certo que não há qualquer norma constitucional que imponha que não seja a AT a efetuar as transferências bancárias ou que isso deve ser efetuado pelo IGCP, essa repartição de competências é da responsabilidade do próprio Estado, que não pode depois invocar essa sua opção (tomada enquanto legislador) para depois, já nas suas vestes de Administração, querer evitar a consequência de uma mora que objetivamente existiu e por culpa sua.
S. De acordo com esta tese, se a AT emitir a nota de crédito mas a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública demorar três anos a efetuar a transferência do montante do reembolso do IVA, o sujeito passivo não tem direito a juros indemnizatórios por esse atraso de três anos, o que não só é contrário à lei e à Constituição, como é - perdoe-se a expressão - um absurdo.
T. A interpretação da norma ínsita no artigo 22.° n.° 8 do Código do IVA, quando interpretada no sentido que fez vencimento na sentença recorrida, ou seja, que o reembolso considera-se efetuado, para efeitos de atribuição do direito a juros indemnizatórios, na data do processamento da nota de crédito, à luz do disposto no n.° 5 do artigo 61.° do CPPT, desconsiderando o período que decorre - por responsabilidade do Estado - entre este processamento e o efetivo reembolso, é contrária à Constituição, por violação dos artigos 22.° e 266.°, n.° 1 e n.° 2, da CRP.
Termos em que, com o devido suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se o Réu, Ministério das Finanças, nos termos peticionados na p.i..»
**** A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais concluiu da seguinte forma:
«1.ª Por via do recurso, pretende a Recorrente reagir contra a sentença proferida, a 2022-12-30, pelo tribunal a quo, nos termos da qual se concluiu pela improcedência da Ação Administrativa deduzida contra a Recorrida;
2.ª Sustenta a Recorrente o seu Recurso para o tribunal ad quem alegando que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de direito quanto à data em que se considera efetuado, para efeitos de atribuição do direito a juros indemnizatórios, o reembolso de IVA;
3.ª Na ótica da Recorrente, o reembolso do IVA só se considera efetuado quando o valor em causa é creditado na sua conta bancária, pelo que os juros indemnizatórios deverão ser contabilizados até este evento, contrariamente ao entendimento veiculado na sentença sub judice que o considerou efetuado na data de emissão da respetiva nota de crédito;
4.ª A construção jurídica da Recorrente centra-se na análise isolada de alguns preceitos legais, na tentativa de retirar deles uma conclusão que a letra da lei não comporta e, por outro, desvaloriza o elemento sistemático da interpretação jurídica, procurando dessa forma olvidar a legislação extravagante (claramente desfavorável à sua pretensão);
5.ª É pacífica a articulação entre o artigo 22.°/8 do CIVA e o artigo 61.° do CPPT;
6.ª Defender a inaplicabilidade do artigo 61.° do CPPT ao caso vertente mais não é senão pretender olvidar o sistemático da interpretação jurídica e o sistema jurídico português no seu todo (artigo 9.°/1 do Código Civil);
7.ª O âmbito de aplicação do artigo 61.°/1 do CPPT vai muito além do “mero” procedimento de liquidação de imposto, pois abrange o processamento da nota de crédito;
8.ª Inexistem quaisquer lacunas legais que exijam a aplicação ao caso vertente de normas referentes aos juros compensatórios e aos processos de contraordenação;
9.ª Na versão inicial do artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 229/95, cabia à Recorrida efetuar as transferências bancárias para os sujeitos passivos em matéria de reembolso do IVA, porém, com as introduções introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 64/2012, ela deixou de efetuar tais transferências;
10.ª As alterações efetuadas pelo Decreto-Lei n.° 64/2012 inseriram-se na reforma da tesouraria do Estado Português, o que se traduziu no facto de, regra geral, os pagamentos a efetuar pelos diversos serviços do Estado Português passarem a estar concentrados numa outra instituição (que não a Recorrida);
11.ª No seguimento do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (“PRACE”), procurou o Estado Português operar uma modernização administrativa e a melhoria da qualidade dos serviços públicos, com ganhos de eficiência, o que se traduziu, em vários casos, na fusão de serviços;
12.ª Por via do Decreto-Lei n.° 86/2007, de 29 de março, foi decidida a integração da gestão da tesouraria do Estado com a dívida pública direta;
13.ª Com a publicação do Decreto-Lei n.° 273/2007, de 30 de julho, concluiu-se o processo de reforma na área da tesouraria do Estado, tendo-se concentrado no Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (“IGCP”) a gestão da tesouraria do Estado e da dívida pública;
14.ª Posteriormente, o Decreto-Lei n.° 200/2012, de 27 de agosto, operou nova mudança, com a
transformação do IGCP em “Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E., o qual «(...) continua a personalidade jurídica do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P., mantendo o património, bem como todas as atribuições, competências, direitos e obrigações daquele Instituto, entendendo-se as referências feitas ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P., em atos normativos, regulamentares e ou em contratos como sendo feitas ao IGCP, E. P. E.»;
15.ª Nos termos do artigo 7.°/1 dos seus estatutos sociais, cabe à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública «realizar as operações relacionadas com recebimentos, pagamentos e transferências de fundos, bem como desenvolver e implementar as infraestruturas informáticas e os sistemas de informação de suporte à gestão da tesouraria do Estado»;
16.ª Por força do artigo 26.° do Decreto-Lei n.° 191/99, de 5 de junho, relativo à gestão da tesouraria do Estado, «1. Os reembolsos e restituições a que houver lugar em decorrência do cálculo de imposto ou por devolução de receita indevidamente cobrada, respectivamente, são determinados pelas entidades que procedem à liquidação da respectiva receita. 2. Os reembolsos são efectuados através dos meios de pagamento do Tesouro, nas condições definidas por despacho do director-geral do Tesouro ou acordadas com a entidade que administra a respectiva receita»;
17.ª E m face do artigo 27.° do referido Decreto-Lei n.° 191/99, «1. O pagamento das despesas orçamentais bem como as saídas dos fundos por OET são efectuados através de meios de pagamento do Tesouro. 2. Cabe à Direcção-Geral do Tesouro a gestão dos meios de pagamento do Tesouro»;
18.ª Deste resumo legislativo referente ao regime da tesouraria do Estado Português, retira-se a conclusão fundamental de que o reembolso do IVA considera-se efetuado na data de emissão da respetiva nota de crédito, e nunca na data em que o valor em causa é creditado na conta bancária do sujeito passivo;
19.ª Em resultado das sucessivas reformas legais operadas em sede da tesouraria do Estado Português, a Recorrida deixou de pagar diretamente aos sujeitos passivos, cabendo atualmente tal tarefa à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E.;
20.ª Consequentemente, a Recorrida apenas é responsável pelos atrasos que se produzam na sua própria esfera jurídica, isto é, pelos atrasos diretamente imputáveis aos seus serviços e às tarefas que lhes estão adstritas, mas não pelo desfasamento temporal que possa ocorrer entre a emissão da nota de crédito (ato operacional a cargo da Recorrida) e a efetiva creditação na conta bancária dos sujeitos passivos (ato operacional a cargo da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública);
21.ª No âmbito da sua liberdade de conformação legislativa, o legislador entendeu por conveniente reformar o regime da tesouraria do Estado Português, o que se traduziu, no que ao caso vertente diz respeito, na atribuição à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E. da competência para efetuar os pagamentos devidos aos sujeitos passivos, subtraindo, assim, à Recorrida uma tarefa que esta desempenhou no passado recente;
22.ª Ainda que a Recorrida tivesse mantido a competência legal para realizar os pagamentos, tal facto não constituiria, por si só, uma garantia absoluta de ausência de desfasamento entre a emissão da nota de crédito e o efetivo reembolso, uma vez que, como se compreenderá, aquelas operações caberiam a dois serviços internos distintos;
23.ª O direito ao ressarcimento pela privação temporária do montante entregue a título de imposto pelos sujeitos passivos não é um direito absoluto, nem superior às exigências de controlo, de eficiência e de redução dos encargos financeiros inerentes à citada reforma da tesouraria do Estado;
24.ª A solução jurídica encontrada assegura um justo equilíbrio entre os dois interesses aqui em causa: de um lado, o princípio da eficiência que deve presidir à atividade administrativa e, do outro, o ressarcimento ao sujeito passivo pela privação temporária do montante entregue a título de imposto;
25.ª Ainda que um hipotético e irrazoável atraso se verificasse na vida real em resultado de um eventual desfasamento temporal entre os atos praticados pelas duas entidades envolvidas no reembolso e pagamento de juros indemnizatórios, tal não conduziria a um atropelo das garantias constitucionais dos contribuintes, dado que o sistema jurídico proporciona suficientes mecanismos ou institutos legais para acautelar este tipo de situação;
26.ª Seja à luz da responsabilidade civil extracontratual do Estado, seja ainda à luz do instituto do enriquecimento sem causa, sempre poderão os sujeitos passivos reagir contra o (irreal) exemplo teórico suscitado pela Recorrente.
27.ª Forçoso é concluir que a sentença colocada em crise pelo Recorrente não merece qualquer censura jurídica, devendo, por isso, permanecer na ordem jurídica.
Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.»
*** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
**** Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a Recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se:
a) A sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por errada interpretação da lei, ao ter considerado aplicável ao reembolso do IVA a norma do art. 61.º do CPPT e, logo, que o termo final da contagem de juros indemnizatórios ocorreu com a emissão da nota de crédito e não com o pagamento efectivo do imposto ao sujeito passivo.****
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:
“A) A Autora é sujeito passivo de IVA e está inscrita no regime de reembolso mensal do IVA. [cfr. facto não controvertido];
B) Em 15 de Março de 2021 a Autora submeteu a declaração periódica de IVA referente a Fevereiro de 2021, através da qual solicitou o reembolso de IVA no valor de €17.451.427,52. [cfr. doc. 1 da pi];
C) Em 16 de Abril de 2021 a Autora submeteu a declaração periódica de IVA referente a Março de 2021, através da qual solicitou o reembolso de IVA no valor de €18.693.815,58. [cfr. doc. 1 da pi];
D) Em 15 de Junho de 2021 a Autora submeteu a declaração periódica de IVA referente a Maio de 2021, através da qual solicitou o reembolso de IVA no valor de €19.267.434,54. [cfr. doc. 1 da pi];
E) Os pedidos de reembolso referidos em B), C) e D) foram deferidos. [cfr. facto não controvertido];
F) Em 23 de Abril de 2021 a Autora recebeu, na sua conta bancária, o valor de €17.451.427,52 referente ao pedido de reembolso descrito em B). [cfr. de fls. 133 do PA a fls. 101 a 254 dos autos];
G) Em 19 de Maio de 2021 a Autora recebeu, na sua conta bancária, o valor de €18.693.815,58 referente ao pedido de reembolso descrito em C). [cfr. de fls. 4 do PA a fls. 453 a 642 dos autos];
H) Em 21 de Julho de 2021 a Autora recebeu, na sua conta bancária, o valor de €19.267.434,54 referente ao pedido de reembolso descrito em D). [cfr. de fls. 250 do PA a fls. 643 a 904 dos autos];
I) Com respeito aos pedidos mencionados em B), C) e D) a Autora deduziu três pedidos de pagamento de juros indemnizatórios. [cfr. PA a fls. 101, 255 e 453 dos autos];
J) Foi enviado à Autora o Despacho da Diretora de Serviços de Reembolsos de 16 de Junho de 2021, convertido em definitivo, e que deferiu parcialmente pedido de juros indemnizatórios solicitados para o reembolso de IVA do período 2102:
"(...) 4. Por despacho da Sra. Diretora de Serviços de Reembolsos, proferido em 2021.04.13, foi deferido o reembolso, tendo a respetiva nota de crédito sido emitida e 2021.04.15, e a requerente considerada notificada 2021.04.27.
5. Em 2021.04.30 foi rececionado o pedido de juros indemnizatórios, apresentado nos termos do artigo 43.° da Lei Geral Tributária, o qual é legal, legítimo e tempestivo de acordo com o prazo de (120 dias), estipulado no n° 6 do Artigo 61° do Código de Procedimento e Processo Tributário, cumpre apreciar.
6. Em sede de reclamação a requerente considera ter direito a juros indemnizatórios desde 2021.04.15 a 2021.04.23, uma vez que submeteu a declaração dentro do prazo legal em 2021.03.15 e recebeu o reembolso em 2021.04.23, data-valor da restituição em causa.
7. Com a publicação da Lei n° 64/2012, de 20/12, foram revogados o n° 4 e n° 5 do Artigo 15.° do Decreto-Lei n° 229/95 de 11 de setembro, pelo que os juros indemnizatórios de IVA, passam a ser calculados nos termos do Artigo 61° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considerando-se o reembolso efetuado na data de emissão da ordem de pagamento, o que no caso concreto, aconteceu a 2021.04.15, ou seja, 1 dia após a data limite de pagamento.
8. Face ao exposto, afigura-se serem devidos juros indemnizatórios, nos termos do n° 8 do artigo 22° do Código do IVA, no valor de €1.912,49, calculados sobre o valor de €17.451.427,52, à taxa de 4%, pelo período de um dia de atraso, ou seja, o dia 2021.04.15, conforme demonstração de liquidação em anexo, pelo que se propõe o seu deferimento. (...)" [cfr. de fls. 147 e 148 do PA a fls. 101 a 254 dos autos];
K) Foi enviado à Autora o Despacho da Diretora de Serviços de Reembolsos de 12 de Julho de 2021, convertido em definitivo, e que indeferiu o pedido de juros indemnizatórios solicitados para o reembolso de IVA do período 2103:
"(...) 4. Por despacho de 2021-05-12 foi o pedido de reembolso apreciado, tendo a respetiva nota de crédito sido emitida em 2021-05-14. (...)
7. A declaração periódica de IVA, do período de 21-03, foi submetida pelo sujeito passivo, em 2021.04-16, pelo que, de acordo com o disposto no n.° 8 do art.° 8.° do artigo 22.° do CIVA, o pedido de reembolso teria como prazo limite de pagamento o dia 17 de maio de 2021. Tendo a respetiva nota de crédito sido emitida em 202105-14, afigura-se não serem devido juros indemnizatórios, atendendo que a respetiva nota de crédito foi emitida dentro do prazo limite de pagamento do pedido de reembolso. (...)" [cfr. de fls. 185 do PA a fls. 453 a 642 dos autos];
L) Foi enviado à Autora o Despacho da Diretora de Serviços de Reembolsos de 6 de Setembro de 2021, convertido em definitivo, e que deferiu parcialmente o pedido de juros indemnizatórios solicitados para o reembolso de IVA do período 2105:
"(...) 4. Por despacho de 2021-07-14 foi o pedido de reembolso apreciado, tendo a respetiva nota de crédito sido emitida em 2021-07-16. (...)
7. A declaração periódica de IVA, do período de 21-05, foi submetida pelo sujeito passivo, em 2021-06-15, pelo que, de acordo com o disposto no n.° 8 do art.° 8.° do artigo 22.° do CIVA, o pedido de reembolso teria como prazo limite de pagamento o dia 15 de Julho de 2021. Tendo a respetiva nota de crédito sido emitida em 202107-16, afigura-se serem devido juros indemnizatórios, atendendo que a respetiva nota de crédito não foi emitida dentro do prazo limite de pagamento do pedido de reembolso.
8. Deste modo e se assim for entendido, afigura-se serem devidos juros indemnizatórios, no montante de €2.111,50, relativos ao período de 21.05, calculados sobre o valor de 19.267.434,54, à taxa de 4%, por um dia de atraso no pagamento do pedido de reembolso, conforme demonstração de liquidação que se anexa. (...)" [cfr. de fls. 251 do PA a fls. 643 a 904 dos autos];
M) A presente Ação Administrativa deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, via Sitaf, em 28 de Setembro de 2021. [cfr. a fls. 3 dos autos];”
Refere, ainda, a sentença recorrida que “Não existem factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa.”
Quanto à motivação da matéria de facto, a sentença tem o seguinte teor:
“Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso e nas informações que o Tribunal tem conhecimento em razão das suas funções, tal como se foi fazendo referência em cada um dos pontos do probatório.”
II. 2. De Direito
Como se viu, no caso concreto, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo TAF de Almada, que decidiu não sofrerem de ilegalidade os despachos da AT, na parte em que indeferiram o pagamento de juros indemnizatórios na sequência de reembolsos de IVA, por entender que o termo final do prazo a considerar no computo de tais juros era o da emissão da nota de crédito e não o efectivo pagamento.
A Recorrente defende que o entendimento do Tribunal implica uma incorrecta interpretação da lei e impõe uma restrição ilegítima dos direitos dos contribuintes; que o art. 22.º n.º 8 do CIVA remete para o art. 43.º da LGT, mas não remete, directa ou indirectamente, para o disposto no art. 61.º do CPPT, pelo que, aplicar esta norma, contradiz a letra da lei, mas também o elemento sistemático e o seu espírito, assim como a interpretação conforme a CRP; quanto ao elemento sistemático, o art. 61.º do CPPT encontra-se no capítulo III (procedimento de liquidação) do Título II, referente ao procedimento tributário, sendo que o caso concreto não é um procedimento de liquidação, mas a aplicação do regime que regula o mecanismo de dedução do IVA, do qual resulta o direito a juros indemnizatórios no caso de ultrapassagem do prazo máximo de reembolso efectivo do imposto suportado em excesso; o direito a estes juros resulta de norma própria do CIVA, norma especial em relação ao art. 61.º do CPPT, que é norma geral; as decisões jurisprudenciais que têm vindo a ser proferidas sobre juros indemnizatórios por referência ao momento da emissão da nota de crédito são proferidas em situações em que houve lugar a liquidação e cobrança indevida de imposto, as quais não são extensíveis ao caso do reembolso de IVA; o reembolso do imposto pressupõe a possibilidade de o credor dispor da quantia; a seguir a interpretação feita na sentença, se a AT emitir uma nota de crédito, mas a Agência de Gestão e Tesouraria da Dívida Pública demorar 3 anos a efectuar a transferência do reembolso, o SP simplesmente não teria direito a juros indemnizatórios, não podendo ser ressarcido por tal atraso; a interpretação da norma do art. 22.º n.º 8 do CIVA, feita tal como na sentença recorrida, é contrária à CRP, por violação dos arts. 22.º e 266.º n.º 1 e 2.
Por seu turno, a Recorrida entende não assistir razão à Recorrente, não merecendo censura a sentença recorrida, já que é pacífica a articulação entre o art. 22.º n.º 8 do CIVA e o art. 61.º do CPPT, pelo que defender a inaplicabilidade desta norma não é mais do que olvidar o sistemático da interpretação jurídica e o sistema jurídico português no seu todo; o âmbito do art. 61.º do CPPT vai muito além do mero procedimento de liquidação do imposto, pois abrange o processamento da nota de crédito; com as alterações introduzida no art. 15.º do DL 229/95 pelo DL n.º 64/2012, a Recorrida deixou de efectuar as transferências bancárias para os SP em matéria de reembolsos, tendo, com a reforma da tesouraria do Estado Português, os pagamentos pelos diversos serviços passado a estar concentrados numa outra instituição; do regime legislativo da tesouraria do Estado Português retira-se a conclusão de que o reembolso do IVA se considera efectuado na data da emissão da nota de crédito, pelo que a Recorrida apenas é responsável pelos atrasos que se produzem na sua própria esfera jurídica e não pelo desfasamento temporal que possa ocorrer entre a emissão da nota de crédito e a efectiva creditação na conta bancária do SP, operação que pertence à Agência de Gestão da Tesouraria e Dívida Pública; o direito ao ressarcimento pela privação temporária do montante entregue a título de imposto pelos SP não é um direito absoluto, nem superior às exigências de controlo, de eficiência e de redução de encargos financeiros inerentes à reforma da tesouraria do Estado; a solução encontrada assegura um justo equilíbrio entre os dois interesses em causa: por um lado, o princípio da eficiência e, por outro, o ressarcimento do SP pela privação temporária do montante do imposto; o sistema jurídico proporciona suficientes mecanismos ou institutos legais para acautelar as garantias constitucionais dos contribuintes caso haja esse desfasamento entre os actos praticados por ambas as entidades responsáveis, seja à luz da responsabilidade extracontratual do Estado, seja à luz do instituto do enriquecimento sem causa.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, essencialmente e no que aqui importa, nas seguintes considerações:
“(…) Destarte, a norma contida na alínea a) do n.° 3 do art.° 43.° da LGT, ao determinar que são devidos juros indemnizatórios quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos, deve ser interpretada de forma a abranger as situações de reembolsos de IVA não efetuados no prazo legal, sendo, nesses casos, devidos juros indemnizatórios à taxa legal de juros compensatórios, nos termos previstos no n.° 4 do referido artigo.
Aqui chegados, verifica-se que o referido n.° 8 do art.° 22.° do CIVA, apesar de fazer referência ao termo inicial da contagem, nada prevê quanto ao respetivo termo final.
Ora, é certo que o n.° 8 do art.° 22.° do CIVA, na redação dada pelo art.° 1.° do Decreto-Lei n.° 139/92, de 17 de Julho, dispunha expressamente que os juros eram "contados dia a dia pela taxa constante da portaria a que se refere o n° 3 do artigo 5° do Decreto-Lei n° 49168, de 5 de agosto de 1969, com a redação dada pelo Decreto-Lei n° 318/80, de 20 de agosto, desde o termo o prazo para pagamento do reembolso até à data da emissão do respetivo meio de pagamento ou da efectivação da competente transferência bancária, quando o atraso for imputável à administração fiscal".
Mais tarde, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.° 7/96, de 7 de Fevereiro, o n.° 8 do art.° 22.° do CIVA passou a dispor que "os reembolsos de imposto quando devidos, deverão ser efetuados pela Direção-Geral dos Impostos até ao fim do 3.° mês seguinte ao da apresentação do pedido, findo o qual poderão os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 24.° do Código de Processo Tributário.", norma esta idêntica ao atual art.° 61.° do CPPT.
Ainda de chamar à colação o Decreto-Lei n.° 229/95, de 11 de Setembro, que procedeu à harmonização das disposições que regulamentam a cobrança e o pagamento dos reembolsos do IVA com as do Código de Processo Tributário, que dispunha na redação originária do seu art.° 15.° que:
"1 - O pagamento dos reembolsos do IVA é efetuado pela DSCIVA por transferência conta a conta, sempre que o sujeito passivo faça nas declarações de início de atividade ou de alterações a indicação de conta bancária para o efeito e a respetiva instituição de crédito a confirme.
2 - Na falta das condições referidas no número anterior, o pagamento dos reembolsos será efetuado por cheque do Tesouro.
3 - Se o pagamento for feito através de cheque do Tesouro, a DSCIVA fixará, aquando da sua remessa ao sujeito passivo beneficiário, um prazo para o seu levantamento.
4 - O prazo fixado nos termos do número anterior não poderá ser inferior a 60 dias contados desde a data da expedição do cheque.
5 - O reembolso considera-se efetuado na data em que for dada ordem de pagamento à respetiva instituição de crédito nos casos previstos no n.° 1, e no 2.° dia seguinte ao do respetivo registo de expedição, nos casos em que o pagamento é feito nos termos do n.° 2.".
Todavia a Lei n.° 64/2012, de 20 de Dezembro, veio alterar o art.° 15.° do Decreto-Lei n.° 229/95, de 11 de Setembro, que passou a ter a seguinte redação:
"1 - O pagamento dos reembolsos do IVA é efetuado pelo IGCP por ordem da Direção de Serviços de Reembolsos da Autoridade Tributária e Aduaneira, através de transferência conta a conta bancária indicada pelo sujeito passivo, que se mostre válida e vigente em qualquer instituição de crédito localizada em território nacional ou em outro Estado membro da União Europeia, ou no Espaço Económico Europeu.
2 - Na falta das condições referidas no número anterior, o pagamento dos reembolsos será efetuado por cheque do IGCP.
3 - O meio de pagamento a que se refere o número anterior tem o prazo de validade de 60 dias.
4 - (Revogado).
5 - (Revogado)."
Ou seja, com a revogação do referido n.° 5, deixou de estar expressamente previsto o momento em que considera efetuado o reembolso do IVA, passando, no entanto, a estar previsto, nos termos do n.° 1 do referido preceito legal, que o pagamento desse reembolso é efetuado pelo IGCP, atualmente, Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E., por ordem da Direção de Serviços de Reembolsos da AT.
É, portanto, a ordem de transferência provinda dos serviços da AT para a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública que legitima esta entidade a efetuar o pagamento do reembolso para o sujeito passivo.
Assim, contrariamente ao que a Autora procura sustentar, não obstante o n.° 5 do art.° 15.° do Decreto-Lei n.° 229/95, de 11 de Setembro, ter sido revogado, a concretização do disposto no n.° 8 do art.° 22.° do CIVA não deixou de residir na ordem de pagamento, sendo esta que concretiza o procedimento de reembolso solicitado.
Desta forma, apelando ainda à doutrina e jurisprudência exposta, é de aplicar à contagem dos juros indemnizatórios devidos por não ter sido cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos, nos termos da alínea a) do n.° 3 do art.° 43.° da LGT, a contagem do prazo referido no n.° 5 do art.° 61.° do CPPT, norma segundo a qual:
"os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.".
O que nos leva a concluir que, não tem razão a Autora quando procura sustentar que o n.° 5 do art.° 61.° do CPPT só se aplica às situações de pagamento indevido do imposto, porquanto embora o reembolso do IVA assente no denominado mecanismo subtrativo indireto, não sendo, nessa medida, configurável uma entrega indevida de IVA ao Estado, verdade é que esse reembolso implica a existência de um excedente e depende do respetivo exercício pelo sujeito passivo, no caso, na declaração periódica. [neste sentido o Ac. do TCA Norte de 13 de Outubro de 2016, proferido no processo n.° 63/08.8BECBR, disponível em www.dgsi.pt]
Tendo presente o regime legal e as considerações acima feitas, cumpre, agora, analisar o caso concreto.
Vejamos, então.
Atento o recorte probatório, resultou provado que a Autora, sujeito passivo de IVA, requereu, nas declarações periódicas de IVA referentes aos meses de Fevereiro, Março e Maio de 2021, apresentadas, respetivamente, em 15 de Março de 2021, 16 de Abril de 2021 e 15 de Junho de 2021, o reembolso do imposto, no valor, respetivamente, de €17.451.427,52, €18.693.815,58 e de €19.267.434,54. [cfr. al. A) e B), C), D)]
Mais, resulta dos autos, que a Autoridade Tributária deferiu os pedidos de reembolsos e que as respetivas notas de crédito foram emitidas em 15 de Abril de 2021 (período de 2102), 14 de Maio de 2021 (período de 2103) e 16 de Julho de 2021 (período de 2105). [cfr. al. E) e J), K) e L)]
A Autora recebeu, 23 de Abril de 2021 (período de 2102), 19 de Maio de 2021 (período de 2103) e 21 de Julho de 2021 (período de 2105) o reembolso do IVA, no valor de €17.451.427,52, €18.693.815,58 e de €19.267.434,54, respetivamente. [cfr. al. F), G) e H)]
Ora, tendo os pedidos de reembolso sido apresentados, nas respetivas declarações periódicas de IVA, em 15 de Março de 2021, 16 de Abril de 2021 e 15 de Junho de 2021 [cfr. al. B), C), D)], nos termos do disposto no n.° 8 do art.° 22.° do CIVA tais reembolsos teriam que ser processados no prazo de 30 dias a contar da data da apresentação dos pedidos, ou seja, respetivamente, até 14 de Abril de 2021 (período de 2102) , 17 de Maio de 2021 (período de 2103) e 15 de Julho de 2021 (período de 2105).
Atentos os factos assentes, verifica-se que a AT:
- quanto ao reembolso de IVA do período de 2103, procedeu à emissão da nota de crédito em 14 de Maio de 2021, isto é, dentro do prazo de 30 dias.
- relativamente ao reembolso de IVA do período de 2102 e do período de 2105 procedeu à emissão da nota de crédito em 15 de Abril de 2021 e em 16 de Julho de 2021, respetivamente, ou seja, em ambos os casos, 1 dia após o prazo de 30 dias.
Contudo, do recorte probatório, resultou, ainda, que relativamente ao pedido de juros indemnizatórios apresentado na sequência do reembolso de IVA do período de 2102, foi deferido "juros indemnizatórios, nos termos do n° 8 do artigo 22° do Código do IVA, no valor de €1.912,49, calculados sobre o valor de €17.451.427,52, à taxa de 4%, pelo período de um dia de atraso''. E, que, quanto ao pedido de juros indemnizatórios apresentado na sequência do reembolso de IVA do período de 2105, foi deferido "juros indemnizatórios, no montante de €2.111,50, relativos ao período de 21.05, calculados sobre o valor de 19.267.434,54, à taxa de 4%, por um dia de atraso no pagamento do pedido de reembolso''. [cfr. al. J) e L)]
Destarte, subsumindo os factos ao regime legal expendido, devendo o direito a juros indemnizatórios ser determinado com referência à data de emissão da nota de crédito, como vimos, não há, no caso dos autos, direito ao recebimento de juros indemnizatórios por atraso no reembolso do IVA, para além dos já deferidos.
Assim, resultando demonstrado nos autos que inexistiu, no que concerne ao reembolso de IVA do período de 2103 um qualquer atraso no processamento do reembolso em causa, não assiste à Autora o direito ao recebimento dos juros indemnizatórios peticionados ao abrigo do disposto no n.° 8 do art.° 22.° do CIVA e da al. a) do n.° 3 do art.° 43.° da LGT e do n.° 5 do art.° 61.° do CPPT.
Relativamente ao reembolso de IVA do período de 2102 e 2105, os juros indemnizatórios devidos foram deferidos, pelo que, também, não assiste razão à Autora no direito ao recebimento dos juros indemnizatórios nos termos peticionados. (…)”
O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no âmbito da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no citado artigo 43.º da LGT reflecte o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.
Em geral, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo resultante do pagamento indevido de uma dívida tributária.
Este tipo de juros tem natureza indemnizatória, sendo que o dever do seu pagamento radica da responsabilidade civil da Administração pela prática de actos ilícitos – artigo 483.º do CC -, designadamente da privação indevida de capital por período ou o atraso na restituição de reembolsos, estando constitucionalmente consagrada no artigo 22.º da CRP.
Como se viu, um dos fundamentos do presente recurso é o entendimento da Recorrente de que o art. 61.º do CPPT não é aplicável à situação dos autos, em virtude de a norma do art. 22.º n.º 8 do CIVA apenas remeter para o art. 43.º da LGT. Invoca, para tal, além do elemento literal da interpretação, o elemento sistemático e o espírito da lei, bem como a interpretação conforme à Constituição.
Quanto ao elemento sistemático, defende que o art. 61.º do CPPT está inserido no Capítulo III sob a epígrafe “Procedimento de liquidação” e que o caso concreto não é um procedimento de liquidação, mas a aplicação de um regime que regula o mecanismo da dedução do IVA e do seu reembolso, bem como os juros indemnizatórios.
Ora, desde já se diga que não tem razão a Recorrente.
O art. 22.º do CIVA regula o direito à dedução do imposto, sendo que tal “mecanismo” se tem de considerar incluído no conceito lato de liquidação do imposto, do qual faz parte integrante. Com efeito, o IVA é baseado no método do crédito do imposto ou subtractivo indirecto, que significa que a dívida do sujeito passivo ao Estado não é constituída pelo resultado da aplicação da taxa ao valor das transmissões de bens ou das prestações de serviços, mas é constituída ou determinada pela diferença entre o resultado da aplicação da taxa às transmissões de bens ou às prestações de serviços e o montante de IVA que o sujeito passivo suportou na aquisição de bens ou serviços. O IVA assenta, assim, num mecanismo em que o sujeito passivo deduz o imposto que suporta na aquisição de bens e serviços. E que é assim resulta, de resto, da sistemática do respectivo código, sendo que a norma do art. 22.º está incluída, precisamente, no capítulo V, sob a epígrafe “Liquidação e pagamento do imposto”.
Por outro lado, a norma do art. 61.º do CPPT não se refere apenas aos casos de anulação de actos de liquidação como fonte do pagamento dos juros indemnizatórios, o que resulta, nomeadamente, das alíneas b) e c) do seu n.º 1, nas quais estão previstas outras situações.
Acresce que, ao contrário do que refere a Recorrente, a norma do art. 22.º n.º 8 do CIVA não regula de forma integral o pagamento dos juros indemnizatórios, nomeadamente a sua contagem, dela resultando definido apenas o momento inicial dessa contagem, mas não o seu termo. E, por isso, esta norma só é lei especial em relação à norma geral do art. 61.º do CPPT naquilo que é regulado especificamente por ela. Quanto ao mais temos de nos socorrer das normas do art. 43.º da LGT (mais especificamente, do n.º 3 a), para a qual a norma do art. 22.º n.º 8 do CIVA remete expressamente, mas, também, para a norma do art. 61.º do CPPT, que a complementa e que contém a disciplina do pagamento dos juros indemnizatórios, referindo-se, expressamente, aos casos de reembolsos de impostos no n.º 1 b) e no n.º 3.
Numa situação em tudo similar às dos presentes autos, embora referindo-se a um reembolso de IRC por excesso de pagamentos por conta, mas cujo regime é perfeitamente transponível para a situação dos autos (reembolso de IVA), pronunciou-se o STA no Acórdão de 6 de Março de 2013, proferido no proc. n.º 828/12, tendo enfrentado as várias questões ali postas, algumas das quais a ora Recorrente aqui também invocou, nomeadamente, a aplicabilidade da norma do art. 61.º do CPPT para definir o termo final de contagem dos juros indemnizatórios (o facto de a redacção do art. 61.º do CPPT ser a vigente à data do processo analisado no Acórdão em nada impacta nas conclusões que se podem retirar para os presentes autos, já que, no que ora importa, a redacção manteve-se a mesma). Tal Acórdão tem, nomeadamente, o seguinte teor:
“(…) Propugnando a aplicação do disposto no artigo 61°, n.° 3, do CPPT na fixação do termo final do prazo de contagem de juros indemnizatórios, ou seja, na data da emissão da nota de crédito referente ao imposto entregue em excesso, o Recorrente imputa à sentença o vício de erro de julgamento de direito, pondo, assim, em crise o segmento da sentença que, afastando a aplicação do referido preceito legal, fixou tal termo na data da emissão do cheque para devolução do montante do dito imposto.
Segundo o entendimento vertido na sentença, «Os juros indemnizatórios são devidos em virtude de estar em causa o instituto da responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano, e nexo de causalidade entre o facto e o dano), sendo que, no caso, se encontra preenchido o pressuposto da conduta ilícita e culposa, com o incumprimento do prazo para reembolso, e se presume o nexo de causalidade e o dano - os juros - uma vez que está em causa uma obrigação pecuniária.
Assim sendo, e estando em causa uma indemnização, aquela corresponderá ao período em que ocorreu o dano, a ilicitude e a culpa, isto é, entre o período desde o fim do prazo para o reembolso, até à data em que aquela falta de reembolso já não seja culposa por parte da Administração Tributária.
É certo que o n.° 3 do artigo supra citado refere expressamente a emissão da nota de crédito, conforme defende a Entidade Demandada, porém, da letra daquele texto normativo retira- se que o âmbito de aplicação objectiva da norma não é o de falta de restituição oficiosa do tributo, mas sim o pagamento do imposto indevido. Ora, se esta disposição fosse interpretada no sentido de se aplicar à falta de restituição oficiosa de tributos, então ter-se-ia também de retirar a consequência quanto ao momento inicial, que assim seria desde a data do pagamento do imposto indevido.
Tanto basta, para afastar a aplicação do n.°3 do artigo 61°do CPPT, ao caso dos autos.»
Atentos os termos em que se configura o dissídio, importa, então, apurar da aplicabilidade do art. 61°, n.° 3, in fine, do CPPT ao caso dos juros indemnizatórios devidos por atraso na devolução oficiosa de imposto.
Vejamos.
Sobre a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, escreve JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado”, 5a ed., vol. I, anotação 2 ao art. 61°, pág. 470: «Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária art. - 43° da LGT).
Neste mesmo artigo prevê-se que sejam pagos juros indemnizatórios nos seguintes casos:
- quando, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de tributo em montante superior ao legalmente devido;
- quando não seja cumprido o caso legal de restituição oficiosa de tributos;
- em caso de anulação de acto tributário por iniciativa da Administração Tributária, a partir do 30° dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada nota de crédito;
- quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido, se o atraso for imputável à Administração Tributária.».
Com efeito, o art. 43° da LGT, sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária», determina o seguinte:
«1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30° dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
4. A taxa de juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.».
Já o art. 61° do CPPT fixa o modo de cálculo dos juros indemnizatórios, prescrevendo o seguinte:
1- Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.
2- Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.
3- Os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
4- Os juros indemnizatórios poderão ser reclamados ou impugnados autonomamente caso o pagamento do tributo seja efectuado após o termo dos prazos gerais de reclamação ou impugnação.».
No caso vertente, a divergência que deu causa ao recurso decorre da interpretação do n.° 3 do art. 61° do CPPT, no que tange ao termo final da contagem dos juros indemnizatórios devidos à Autora por força do que dispõe, genericamente, o art. 43°, n.° 3, alínea a), da LGT e, especificamente, o art. 96°, n°s 3 e 6, do CIRC (na versão introduzida pelo Dec.Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho), tendo-se entendido na sentença que aquele preceito legal do CPPT é inaplicável in casu, por não se tratar aqui da devolução de um imposto indevidamente liquidado, mas antes da restituição oficiosa de imposto pago nos termos do art. 96° do CIRC, e, por conseguinte, de imposto que à data do seu pagamento se mostrava devido. Em defesa da sua teoria, aduz ainda o argumento de que da aplicação daquele regime resultaria que o termo inicial da contagem dos juros haveria, então de se situar na data do pagamento do imposto indevido.
O mencionado art.° 96° do CIRC disciplina as regras de pagamento e de reembolso do IRC tendo havido pagamentos por conta. Ora, a imposição dos pagamentos por conta enquadra-se no jus imperii do Estado, que, na prossecução do interesse público, visa assegurar o pagamento dos impostos, na suposição de que o contribuinte irá obter rendimentos tributáveis semelhantes àqueles que obteve em exercício anterior - como decorre da sua forma de cálculo, ínsita no art. 97° do CIRC -, não obedecendo, por conseguinte, a uma mera lógica civilística.
De resto, o art. 96° do CIRC não trata do imposto em si mesmo, mas tão-só da sua forma de pagamento e de reembolso - como se retira, aliás, na sua epígrafe - nas situações de pagamento por conta do imposto que, a final, vier a ser efectivamente liquidado em face do real rendimento tributável anual, pelo que o eventual excesso só é determinável, e consequentemente, reembolsável, após a entrega da declaração periódica de rendimentos, como resulta do que dispõem os seus n°s 2 e 3.
Assim, o n.° 3 da citada disposição legal determina que «O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3° mês imediato ao da sua apresentação ou envio» e o n.° 6 prescreve que a falta de reembolso neste prazo dá lugar a pagamento de juros indemnizatórios.
Por esta razão, não colhe o argumento de que a aplicação do art. 61°, n.° 3, do CPPT, implicaria que o termo inicial de contagem desses juros fosse diverso daquele que é consagrado na sentença recorrida.
Com efeito, ainda que fosse discutível, em teoria, que, no caso em apreço, os juros indemnizatórios se pudessem contar a partir da data do pagamento por conta, atento o que vem disposto no art. 61°, n.° 3, do CPPT, a verdade é que, em face da expressa determinação da regra específica contida no art. 96°, n.° 6, do CIRC, que se sobrepõe à regra geral da norma do CPPT, é fora de dúvida que, no que toca ao termo inicial da contagem de juros indemnizatórios, haverá que atender ao que dispõe o art. 96° do CIRC, ou seja, que os juros indemnizatórios se contam a partir do final do 3° mês imediato ao da apresentação ou envio da declaração periódica de rendimentos.
Daqui não se pode concluir, porém, que a mencionada disposição legal do CPPT não seja aplicável quanto ao termo final de contagem desses juros, e, por conseguinte, não podemos concordar com a argumentação expendida pelo julgador no sentido de que, tendo o legislador, no art. 96°, do CIRC, disposto quanto ao termo inicial dos juros, pretendeu que nestes casos fosse aplicado um regime globalmente diverso do vertido no art. 61° do CPPT, e que, na ausência de regra específica quanto ao termo final desses juros, fossem aplicadas as regras gerais da responsabilidade civil.
Como se sabe, o artigo 9°, n.° 3, do Código Civil diz que «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.». Ora, o que se conclui da leitura e análise das mencionadas disposições contidas no art. 96° do CIRC é que o legislador quis apenas estabelecer uma regra especial nesta específica matéria - o termo inicial da contagem dos juros - o que bem se compreende, atenta a especial forma de pagamento prevista nesta norma, que mal se coadunaria com a previsão da primeira parte do n.° 3, do art. 61° do CPPT, a qual permitiria extrair conclusões semelhantes àquela que transparece na sentença recorrida, de que o início da contagem dos juros indemnizatórios teria de radicar na data do pagamento do imposto.
Foi certamente para evitar a controvérsia que esse tipo de argumento poderia gerar que no o n.° 6 do art. 96° do CIRC veio estabelecer, sem margem para dúvidas, que os juros indemnizatórios são devidos a partir do incumprimento do prazo fixado no seu n.° 3. Com efeito, o art. 96°, n.° 6, do CIRC apenas tende a acautelar, nos termos expostos, a fixação do termo inicial da contagem de juros indemnizatórios, dada a especificidade do pagamento deste imposto, sem contudo, definir, por desnecessidade quanto ao demais, contornos diversos daqueles que resultam das regras contidas na Lei Geral Tributária e no art. 61° do CPPT.
Isto é, ao disciplinar no art. 96° do CIRC apenas a matéria referente ao termo inicial da contagem destes juros indemnizatórios, o legislador pretendeu que o respectivo termo final continuasse na alçada do regime contido na regra geral em sede de legislação tributária e, por conseguinte, que lhe fosse aplicado o que vem disposto na parte final do n.° 3 do art. 61° do CPPT.
Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., nota 10 ao art. 61°, pág. 483, «(...)No caso de não cumprimento do prazo de restituição oficiosa dos impostos [situação prevista na alínea a) do n.° 3 do artigo 43°], devendo estes juros, pela sua natureza indemnizatória, corresponder ao período em que o sujeito passivo esteja privado de quantias que deveriam estar em seu poder se não se verificasse uma situação ilegal, eles são devidos desde o termo do prazo legal para a restituição até ao momento em que seja elaborada a nota de crédito. (...)».
Por outro lado, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios que decorre do art. 43° da LGT e é regulada nos termos do art. 61° do CPPT, não se prende, primacial ou exclusivamente, com a legalidade da liquidação do imposto, mas sim com o excesso do imposto liquidado. Aliás, “indevido” não é sinónimo de “ilegal".
Com efeito, nem o art. 43°, n.° 3, alínea a), da LGT, referindo-se à restituição oficiosa de tributos, nem o art. 61°, n.° 1, do CPPT, referindo-se ao prazo de liquidação e pagamento na restituição oficiosa do tributo, fazem qualquer distinção entre tributos legal ou ilegalmente liquidados, e nem o n.° 3 deste último preceito legal, que fixa o período de contagem dos juros indemnizatórios na sequência do que vem dito no n.° 1, pode ser lido e interpretado à margem do normativo em que se insere.
Assim sendo, o n.° 3 do art. 61° do CPPT é aplicável à situação de falta de restituição oficiosa de tributos, expressamente contemplada no seu n.° 1.
Acresce que, não há restituições oficiosas (ou outras) de imposto devido, e, por conseguinte, não é possível operar a distinção referida na sentença recorrida entre as restituições no pagamento devido e indevido do imposto. É que, nas restituições do imposto pago por conta, também há, necessariamente, um pagamento indevido.
Na verdade, enquanto na generalidade dos impostos, o pagamento incide sobre matéria colectável já determinada, e, neste caso, pode, por erro, ocorrer pagamento indevido, no pagamento do imposto por conta previsto no CIRC, sendo a matéria colectável (rendimento anual) determinada, necessariamente, após aquele pagamento, havendo excesso de imposto há também um pagamento indevido que, contudo, não se deve a qualquer erro, mas antes a “um encontro de contas”. Em ambos os casos existe um pagamento que se mostra indevido, ab initio ou a posteriori.
O quadro legal em análise, maxime o art. 61°, n.° 3, do CPPT, refere-se, simplesmente, ao pagamento indevido, e, por conseguinte, não pode deixar de abarcar as duas situações referidas. E, nesta circunstância, não se pode concordar com a tese expendida na sentença recorrida de que a situação fáctica dos autos, em que se trata de imposto devido à data do pagamento, não é subsumível ao regime jurídico contido no art. 61°, n.° 3, do CPPT.
Ao contrário, o que decorre da letra e do espírito da lei é que aquela disposição legal tem plena aplicação no caso em apreço, pelo que o atraso na restituição oficiosa de tributos confere ao contribuinte o direito de receber juros indemnizatórios contados a partir do final do 3° mês imediato ao da apresentação ou envio da declaração periódica de rendimentos até à data da emissão da nota de crédito referente ao imposto entregue em excesso.
Torna-se, assim, claro que, no caso vertente, o termo final de contagem dos juros indemnizató- rios ocorre na data da emissão da nota de crédito referente ao imposto a restituir, e, por conseguinte, a sentença que assim não decidiu não pode manter-se, impondo-se a sua revogação nesta parte. (sublinhado nosso)
O ali decidido, que subscrevemos na íntegra, tem inteira aplicação ao presente caso, já que, aqui, tal como no caso acima transcrito, a norma do art. 22.º n.º 8 do CIVA, relativa ao reembolso do imposto, apenas tem expresso o momento inicial da contagem dos juros, mas é omissa quanto ao seu termo final. Esta omissão exige que se apliquem as normas gerais sobre a matéria – no caso, a norma do art. 43.º da LGT e a do art. 61.º do CPPT.
Com efeito, a omissão de que padece a norma do CIVA em análise nem sempre existiu, já que, na redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 139/92, de 17 de Julho, estava expressamente previsto que os juros eram “contados dia a dia pela taxa constante da portaria a que se refere o nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 49168, de 5 de Agosto de 1969, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 318/80, de 20 de agosto, desde o termo o prazo para pagamento do reembolso até à data da emissão do respectivo meio de pagamento ou da efectivação da competente transferência bancária, quando o atraso for imputável à administração fiscal”.
Posteriormente, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 7/96, de 7 de Fevereiro, o n.º 8 do artigo 22.º do CIVA, ao remeter para o art. 24.º do CPT, passou a ter uma redacção próxima da actual (“os reembolsos de imposto quando devidos, deverão ser efectuados pela Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do 3.º mês seguinte ao da apresentação do pedido, findo o qual poderão os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 24.º do Código de Processo Tributário.”; este artigo 24.º do CPT, era, em tudo, semelhante ao actual artigo 61.º do CPPT).
Portanto, considerando a evolução do regime legal, no que se refere ao cômputo dos juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º, n.º 3, alínea a) da LGT, aplicável por remissão do artigo 22.º, n.º 8 do CIVA, e que de tal evolução resulta que o legislador, deliberadamente, quis que a regulação do pagamento dos juros indemnizatórios fosse feita pela lei geral, terá de se atender ao disposto no artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, segundo o qual:
“5 – Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.”
Acresce que a Recorrente deixou por explicar a razão de defender a diferença de tratamento, que advoga, quanto aos casos de reembolso de IVA e os casos de liquidação pura de imposto, nem em que medida a aplicação do art. 61.º n.º 5 do CPPT aos primeiros equivaleria a uma restrição ilegítima dos direitos dos contribuintes que não ocorresse também com os segundos, sendo certo que, aplicando-se o termo do cômputo dos juros aos casos de liquidações ilegalmente efectuadas, também estes sujeitos passivos se veriam privados da reparação que se encontra implícita ao direito a juros indemnizatórios caso houvesse um desfasamento entre a emissão da nota de crédito o efectivo pagamento.
Por outro lado, e apesar de se perceber a posição da Recorrente, não colhe, também, o seu argumento de que, a seguir a interpretação feita na sentença, se a AT emitir uma nota de crédito, mas a Agência de Gestão e Tesouraria da Dívida Pública demorar 3 anos a efectuar a transferência do reembolso, o SP simplesmente não teria direito a juros indemnizatórios, não podendo ser ressarcido por tal atraso, pelo que tal interpretação é contrária à CRP, por violação dos arts. 22.º e 266.º n.º 1 e 2.
Com efeito, tal como defende a Recorrida, os direitos e legítimos interesses dos SP, que têm de ser defendidos, estão, muitas vezes, em tensão com os do Estado, que também têm de ser defendidos, sendo que a certeza, previsibilidade e a segurança jurídicas impuseram a solução em vigor, que, não sendo ideal, é minimamente equilibrada para ambas as partes, não se configurando como possível a situação patológica avançada como exemplo pela Recorrente.
Mas, mesmo que ela se materializasse, ainda assim, não ficaria o sujeito passivo desprotegido, atendendo a que a ordem jurídica portuguesa tem diversos mecanismos de garantia dos direitos e legítimos interesses dos particulares, capazes de debelar qualquer eventual situação como a relatada, nomeadamente, o instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Neste mesmo sentido, cfr. Acórdão deste TCA Sul, de 29-05-2024, proferido no proc. n.º 1146/10.2BELRS-A, no qual ficou consignado, nomeadamente, o seguinte: “(…) Sendo a letra da lei o ponto de partida para a sua interpretação (art.º 9.º do Cód. Civil), o sentido gramatical que se extrai do preceituado nos artigos 61/5 do CPPT e 43/5 da LGT, é o de que o termo final da contagem dos juros se reporta à data de processamento ou emissão da nota de crédito, que a sentença, sem oposição da executada, fez corresponder à data de emissão dos cheques na falta de informação, nos autos, quanto aos concretos actos de execução ou de processamento administrativo que precederam a emissão desses mesmos títulos de crédito.
E não vemos que o apelo a outros elementos de interpretação, nomeadamente, o sistemático, cujo objectivo é justamente o de garantir a coerência e a harmonia do ordenamento jurídico, conduza a um diverso sentido normativo.
Não ignoramos que o art.º 100.º da Lei Geral Tributária, na redacção aplicável, dispunha que «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Mas lá está, “nos termos e condições previstos na lei”, e o que a lei especialmente prevê quanto ao pagamento desses juros é que os mesmos são devidos até ao processamento da nota de crédito (emissão dos cheques), não se vendo suporte normativo para dilatar esse prazo até ao pagamento ou efectiva disponibilização dos respectivos montantes à exequente, como esta advoga.
Temos para nós, aliás, socorrendo-nos agora do elemento teleológico na apreensão do sentido da lei – o elemento racional ou teleológico é o que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser, a ratio legis – que as normas dos artigos 61/5 do CPPT e 43/5 da LGT até têm subjacentes razões muito atendíveis de certeza probatória e segurança jurídica quanto ao prazo de computação dos juros.
Com efeito, a fazer recair o termo daquele prazo na data do efectivo pagamento ou colocação dos montantes processados na disponibilidade do exequente, tal levaria a introduzir inexoravelmente no processo de execução (art.º 102.º da LGT), questões factuais que, de todo, poderiam ser tratadas e resolvidas nesta espécie processual (cf. art.º 10.º, n.º4 do CPC), não prescindindo de um processo de tipo declarativo (cf. art.º 10.º, n.ºs 2 e 3 do CPC), destinado ao apuramento da culpa no retardamento da disponibilização ao exequente dos montantes imputáveis ao crédito exequendo relativamente à data do respectivo processamento (ou emissão do cheque), que é, no fundo, a questão introduzida nos autos pela recorrente ao alegar falha dos serviços da administração tributária na expedição dos cheques emitidos.
Concluímos, pois, em vista do sobredito, que a intenção da lei (“mens legis”) ao estabelecer aquele termo final da incidência dos juros (processamento/ emissão da nota de crédito) foi mesmo a de prevenir incertezas quanto à sua contagem e esse termo final extingue a obrigação de pagamento dos juros.
Não vemos que a interpretação feita se mostre incompatível com qualquer norma ou princípio constitucional, nomeadamente, contemplados nos artigos 20.º e 22.º da Lei Fundamental.
Alega a exequente e ora recorrente, a propósito, que teve prejuízos avultados com o hiato de tempo decorrido entre a emissão dos cheques e a colocação à sua disposição dos respectivos montantes imputáveis ao crédito exequendo e, nessa medida, a interpretação feita de restringir a obrigação de pagamento dos juros à data de processamento/ emissão da nota de crédito consubstanciaria uma ilegítima restrição ao direito da exequente (correspectivo do dever do Estado, de sede constitucional, com o mesmo conteúdo) de ser ressarcida daquele prejuízo em virtude de uma actuação imputável à administração tributária.
Mas não é rigorosamente assim, pois a interpretação feita não envolve qualquer juízo sobre a existência ou inexistência de ilicitude na actuação da administração tributária para efeitos indemnizatórios.
O que dizemos é que essa ilicitude, não encontra tutela reparadora através das normas positivadas nos artigos 61.º, n.º 5 do CPPT e 43.º, n.º 5 da LGT.
Se a exequente entende que sofreu prejuízos avultados com a actuação ilícita da administração tributária, por alegada falha dos serviços na expedição dos cheques emitidos para abatimento do crédito exequendo, pode sempre exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, nos termos do apelado art.º 22.º da Constituição da República, do art.º 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e do art.º 562.º do Código Civil.
Porém, para obter essa reparação a exequente terá de fazer, em processo próprio, que não o de execução de sentença, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem. (…)”
Aqui chegados, resulta claro que, no caso vertente, o termo final de contagem dos juros indemnizatórios ocorre na data da emissão da nota de crédito referente ao imposto a restituir, e, por conseguinte, a sentença que assim decidiu não incorre nos imputados erros de julgamento, improcedendo o recurso na totalidade.
III. DECISÃO
Face ao exposto, decide-se NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2025
--------------------------
[Teresa Costa Alemão]
------------------------------------
[Isabel Silva]
--------------------------------
[Ana Cristina Carvalho]
|