Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00748/05
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:06/02/2005
Relator:António Coelho da Cunha
Descritores:CONCURSO PÚBLICO.
ART. 100º Nº 3 DO DEC. LEI 197/99.
INACEITABILIDADE DAS PROPOSTAS
Sumário:I - É inaceitável a proposta que, contrariando normas expressas constantes do Programa do Concurso, apresenta valores relativos a encargos sociais obrigatórios inferiores aos valores mínimos previstos na respectiva convenção colectiva de trabalho (cfr. art. 100º nº 3 do D.L. 197/99).
II - Tal inaceitabilidade, reconduzindo-se à ilegalidade da proposta, determina necessariamente a exclusão do concorrente, sob pena de violação dos princípios da transparência e igualdade.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam no 2º Juízo do T.C.A. Sul

1. Relatório.
Itau – ....., S.A., veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo T.A.F. de Sintra fls. 402 e seguintes na parte em que o mesmo decidiu:
Negar provimento ao pedido de anulação da deliberação da Comissão Executiva, de 1.09.04, proferida no âmbito do Concurso Público Internacional nº AQS 2003 2101 299, na parte em que excluiu a proposta do ITAU – ....., S.A;
Negar provimento ao pedido de anulação da da deliberação da Comissão Executiva de 1.09.04 proferida no âmbito do mesmo Concurso, na parte em que adjudicou à UNISELF – Gestão e Exploração de Restaurantes de Empresas, Lda, o fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Reabilitação Profissional de Alcoitão;
Negar provimento ao pedido de intimação do I.E.F.P para se abster de celebrar contrato com a UNISELF – Gestão e Exploração de Restaurantes de Empresas, Lda;
Negar provimento ao pedido de intimação do IEFP para a prática do acto administrativo devido de admissão da proposta do ITAU ao Concurso Público Internacional nº AQS 2003101299;
Negar provimento ao pedido de intimação do IEFP à prática do acto administrativo devido de adjudicação ao ITAU do fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Reabilitação Profissional do Alcoitão.
O recorrente enuncia, nas suas alegações, as conclusões seguintes:
1ª) O ITAU indicou na sua proposta todos os elementos exigidos pelo Programa do Concurso e pelo Caderno de Encargos;
2ª) O Programa do Concurso e o Caderno de Encargos não exigem que os concorrentes, nas suas propostas, apresentem a justificação do valor que indicam para os encargos sociais obrigatórios;
3ª) O facto de o ITAU não ter indicado na sua proposta que a alimentação em espécie que fornece aos seus trabalhadores 11 meses por ano é por si contabilizada como um custo com a matéria prima e não como um custo com o pessoal, não legitima o juri do concurso a excluir a sua proposta, já que os documentos concursais não exigem que os concorrentes nas propostas esclareçam a forma como calcularam os valores que indicam como encargos sociais obrigatórios;
4ª) Não sendo um elemento exigido pelos documentos concursais, o juri do concurso não podia ter, sem mais, excluído a proposta do ITAU, concluindo, errada e precipitadamente que o ITAU não cumpre os encargos sociais obrigatórios estabelecidos na Convenção Colectiva de Trabalho;
5ª) O ITAU cumpre os encargos sociais obrigatórios estabelecidos pela Convenção Colectiva de Trabalho;
6ª) A norma do art. 4º nº 1 do Programa do Concurso tem por finalidade evitar que a Administração Pública acabe por contratar com o concorrente que apresenta o preço mais baixo mas que não cumpre os encargos directos obrigatórios estabelecidos na Convenção Colectiva de Trabalho, conseguindo, precisamente por não suportar esses encargos, o preço mais baixo. Nestes casos, a entidade adjudicante tem legitimidade para excluir o concorrente que, apesar de apresentar o preço mais baixo, não cumpre os encargos directos obrigatórios estabelecidos na Convenção Colectiva de Trabalho;
7ª) O que não é o caso do ITAU;
8ª) A hipótese da inaceitabilidade das propostas prevista no artigo 100º nº 3 do D.L. 197/99 de 8/6, “respeita ao facto de, em relação a algum ou alguns dos critérios e factores da sua apreciação, elas se revelarem inaceitáveis em termos absolutos, tão fracas ou tão deficientes que se torna inconcebível ou inviável celebrar um contrato em que figurasse uma cláusula correspondente a esse aspecto ou prestação;
9ª) Tendo presente o conceito de inaceitabilidade das propostas, forçosa é a conclusão de que a proposta do ITAU não se enquadra no referido conceito, já que o ITAU cumpre os encargos sociais obrigatórios estabelecidos na Convenção Colectiva de Trabalho aplicável ao sector;
10ª) A forma como contabiliza os custos com a alimentação em espécie que fornece aos seus trabalhadores não torna a sua proposta inaceitável
11ª) Ao entender diversamente, o Acordão recorrido violou, entre outras, a disposição do art. 100º nº 3, de 8 de Junho, devendo, por conseguinte, ser revogado.
O Instituto do Emprego e Formação Profissional contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por a decisão recorrida não merecer qualquer censura, não havendo violação de quaisquer normas, designadamente a pretensa violação do artigo 100º nº 3 do Dec. Lei nº 197/99, de 8 de Junho.
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2. Matéria de Facto
A matéria de facto relevante é a fixada na decisão de 1ª instância, para cujos termos se remete (artigo 713º nº 6 do Cod. Proc. Civil).
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3. Direito Aplicável
O recorrente ITAU impugna a decisão “a quo”, por entender que a deliberação da Comissão Executiva do Concurso, de 1.09.04 violou a disposição do artigo 100º do Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho, na medida em que excluiu a sua proposta e adjudicou à UNISELF o fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Reabilitação Profissional do Alcoitão. O recorrente alegou, em síntese, que a sua proposta indica e cumpre todos os elementos exigidos no Programa de Concurso e no Caderno de Encargos, os quais não exigem que os concorrentes, nas suas propostas, apresentem a justificação do valor referente aos encargos sociais obrigatórios (conclusões 1ª e 2ª). O facto de a Itau não ter indicado na sua proposta que a alimentação em espécie que fornece aos seus trabalhadores 11 meses por ano é por si contabilizada como um custo com a matéria prima e não como um custo pessoal, não legitima a sua proposta (conclusão 3ª), sendo errada a ilacção de que o ITAU não cumpre os encargos sociais obrigatórios estabelecidos na Convenção Colectiva de Trabalho (conclusão 4ª).
Refere ainda a recorrente que a norma do artigo 4º nº 1 do Programa do Concurso tem por finalidade evitar que a Administração Pública acabe por contratar com o concorrente que apresenta o preço mais baixo mas que não cumpre os encargos sociais obrigatórios, o que não é o caso da ITAU, cuja proposta não se enquadra no conceito de inaceitabilidade das propostas previsto no art. 100º nº 3 do Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho (conclusões 6ª a 9ª).
Finalmente, na conclusão 10ª), a recorrente alega que “a forma como contabiliza os custos com a alimentação em espécie que fornece aos seus trabalhadores não torna a sua proposta inaceitável.
Vejamos se lhe assiste razão.
Efectivamente, e como nota a decisão recorrida, o Juri do Concurso considerou inaceitável a proposta da recorrente, com fundamento na insuficiência dos encargos obrigatórios indicados na proposta apresentada, em relação ao valor mínimo dos mesmos resultante da aplicação da respectiva Convenção Colectiva de Trabalho, e considerando que, nos Termos do Programa de Concurso, a recorrente ITAU estava obrigada a indicar nas propostas os encargos mensais com pessoal por lote, serviço de refeições e de bar, bem como respectivos vencimentos e encargos sociais obrigatórios (cfr. artigos 8º nº 3, alíneas d) e f) e 11º nº 2 do Programa do Concurso).
Na verde, nos termos da alínea d) do nº 3 do artigo 8º do Programa do Concurso, os concorrentes deveriam indicar na proposta, por cada um dos serviços, o preço da refeição, por lote, acompanhado de mapa justificativo do preço proposto, que incluisse custos alimentares e não alimentares, sendo obrigatória a apresentação de um valor único para formando e não formandos.
E, de acordo com a alínea f) do mesmo número e artigo deveriam também ser indicados nas propostas os encargos mensais com pessoal, por lote, incluindo valor dos vencimentos e respectivos encargos sociais, discriminado para serviço de refeições e serviço de bar.
Estabelece ainda o nº 2 do art. 11º do Programa do Concurso, que na formulação de preços, no item – Encargos com Pessoal, “O quadro de pessoal terá de mencionar obrigatoriamente as respectivas categorias do Acordo Colectivo de Trabalho, bem como, os vencimentos mensais e custos com os encargos sociais obrigatórios”. cfr. alíneas C) D) e G) da matéria de facto provada.
Ora, como justamente refere a decisão “a quo”, o ITAU, ao apresentar valores relativos aos Encargos Obrigatórios com o Pessoal para o Centro de Reabilitação do Alcoitão e de Formação Profissional de Sintra (respectivamente 2.362.16 € e 1.634.02 €, não indicou o valor referente a 11 meses de subsídio de alimentação para os trabalhadores constantes nos respectivos mapas de pessoal, pelo que os valores indicados foram considerados pelo juri, em sede de avaliação de propostas, como inaceitáveis.
Sendo o critério de adjudicação, unicamente, o do mais baixo preço, tendo em conta, entre outros aspectos, os encargos directos obrigatórios estabelecidos na CCT e em vigor à data da apresentação das propostas, entendeu correctamente o Mmo. Juiz “a quo”, que a proposta do ITAU seria de valor inferior à dos demais concorrentes, e daí a decisão de exclusão do concorrente, ao abrigo do nº 3 do artigo 100º do Dec. Lei 197/99
Ou seja, a proposta do recorrente não foi excluída por este não ter esclarecido ou demonstrado a forma como calculou o valor por si indicado para os encargos sociais obrigatórios, como este refere nas suas alegações, mas sim por ter sido considerada inaceitável com fundamento na previsão do nº 3 do art. 100º do Dec. Lei nº 197/99, de 8 de Junho, em virtude da insuficiência do valor proposto para os encargos sociais obrigatórios em relação ao valor mínimo dessa rubrica resultante da aplicação da respectiva Convenção Colectiva de Trabalho.
A exclusão também não derivou da falta de composição na proposta daqueles valores globais, e nem tal motivo é sequer aflorado na decisão recorrida, e nem sequer por ter sido considerado que a inaceitabilidade da proposta derivou da circunstância de a forma como o recorrente contabiliza os custos com a alimentação em espécie que fornece aos seus trabalhadores ser contrária às exigências do concurso.
O conceito de inaceitabilidade reconduz-se neste caso, à ilegalidade da proposta (encargos com o pessoal inferior ao mínimo constante da convenção colectiva de trabalho), o que determina a respectiva exclusão, sob pena de violação dos princípios da igualdade, imparcialidade e concorrência (cfr. Margarida Olazabal Cabral, “O Concurso Público nos contratos administrativos”, Almedina, 1997, p. 184).
Conclui-se, pois, que o acórdão recorrido não violou o artigo 100º nº 3 do Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho, nem qualquer outra disposição legal
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, no montante de 10 UC (art. 73º-D nº 3 do C.C.J.), com redução a metade (art. 73º-E nº 1, alínea d).
Lisboa, 2.06.05

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa