Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14792/25.0BELSB.CS1
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:ALDA NUNES
Descritores:PROTEÇÃO INTERNACIONAL
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DETERMINAÇÃO DO ESTADO RESPONSÁVEL
CROÁCIA
Sumário:
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório


AA, nacional da China, recorre da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, a 15.5.2025, que julgou improcedente a ação administrativa urgente, por si instaurada contra o Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA), em que pediu:

A. Deverá ser notificado o Conselho Português de Refugiados a fim de pronunciar-se pela admissibilidade do pedido de asilo, conforme estipulado na legislação.

B. Requerendo-se a concessão de asilo pelo Estado Português, por encontrarem-se preenchidas as razões políticas e humanitárias.

C. Mais requerendo que a decisão administrativa seja suspensa na execução, de acordo com o artº 25, nº 1 da Lei nº27/2008, de 30 de Junho e que a presente ação seja de imediato notificada à AIMA, a fim do impugnante não ser deportado.

D. Mais requeremos que seja anulada a decisão proferida pela direção da AIMA [em 17.2.2025,


que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional e determinou a sua transferência para a Croácia]. E) Mais requeremos que seja a entidade demandada ordenada a instruir o processo sobre o funcionamento do procedimento de asilo croata.


Nas alegações de recurso, o recorrente, após convite para formular conclusões com os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, apresenta as seguintes conclusões: - O ora recorrente tem receio dos conflitos sociais e ausência de liberdade democrática que vigora no seu pais de origem, segundo declarações do mesmo.

Salvo melhor opinião, o relato é convincente quanto ao facto de haver mortes e perseguições indiscriminadas no seu pais de origem, sentindo-se com medo e por isso ter fugido, devido à situação de insegurança vivida em consequência das perseguições existentes na China, podendo vir a ser enquadrada tal situação muito bem no artº 7, nº 2, alínea c) da lei de asilo, nomeadamente pelo facto de não se poder garantir que o ora impugnante venha a ter uma vivência tranquila ao regressar, bem como pelo facto de existir enorme risco de ser perseguido e morto, segundo declarações do mesmo.


-Pois que, face a tal contexto sociopolítico não são infundadas as declarações do ora recorrente quanto ao medo de sofrer ofensa grave à sua integridade física, ou vir a ser torturado ou mesmo morto, caso volte ao seu país de origem, derivado do facto de na China não existir ordem e segurança pública como a conhecemos no ocidente;

Sendo que a China é um país sobejamente conhecido pela violação sistemática dos direitos dos cidadãos e dos graves conflitos que ocorreram nos últimos anos;

Considerando as afirmações do ora A., são estes motivos suficientes para que lhe seja concedido o asilo que ora se requer, por razões humanitárias,

O ora A. concretiza com as suas declarações, que são claras, descrevendo perentoriamente que existem perseguições e matam pessoas por razões socioeconómicas e politicas como é o caso dos presentes autos, sendo que este Tribunal é o último bastião, onde o mesmo poderá vir a encontrar a sua salvação.

A decisão que da AIMA que mais uma vez se impugna, viola quanto a nós, pelo menos, na parte em que não considerou aplicável o regime de proteção subsidiária, contante do artigo supra referido, padece de violação da lei por errónea interpretação, sendo que não foi tido em conta o Principio do beneficio da dúvida e o Principio “non-refoulement” consagrado no artigo 33 da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do artigo 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, pelo que deve ser anulável nos termos do artigo 135 do CPA.

Revogando-se a sentença proferida no âmbito dos presentes autos e condenando-se assim à admissão do pedido de asilo e ou a instrução do mesmo, ou por mera cautela de patrocínio e a não ser este concedido que o mesmo seja acolhido em território português por se encontrarem preenchidas as razões humanitárias,

Mais se requerendo que por via do presente recurso jurisdicional da sentença proferida no âmbito do processo judicial seja a decisão administrativa suspensa na execução, por analogia e de acordo com o artº 25, nº 1 da Lei nº27/2008, de 30 de Junho e que o presente recurso seja de imediato notificado à AIMA, a fim do recorrente não ser deportado.


Nestes termos … deve julgar-se procedente o presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença proferida no âmbito dos presentes autos.


A entidade recorrida não contra-alegou o recurso.


A Exma Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.


O objeto do recurso:


Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por determinar se a sentença recorrida, que julgou a ação improcedente e absolveu a entidade demandada dos pedidos, padece de erro de julgamento de direito.


Fundamentação de facto


O Tribunal a quo deu como provados os factos que seguem:

1. «O Autor tem nacionalidade Chinesa e é titular do passaporte n.º ... com validade até 11/07/2033 - Cf. fls. 15 do processo administrativo.

2. Em 28/11/2024, as impressões digitais do Autor foram registadas em Zagreb, na Croácia, na base de dados do Sistema EURODAC, sob a referência ..., tendo nessa mesma data apresentado pedido de proteção internacional - Cf. fls. 2 e 55 do processo administrativo.

3. Em 09/12/2024, o Autor formulou o pedido de proteção internacional junto do Centro Nacional para o Asilo e Refugiados - AIMA, ao qual foi atribuído o n.º ... - Cf. fls. 1 a 45 do processo administrativo.

4. Em 09/12/2024, foram recolhidas as impressões digitais do Autor em Lisboa, Portugal, e registadas na base de dados do sistema EURODAC, sob a referência ... - Cf. fls. 1 do processo administrativo.

5. Em 17/01/2025, o Autor prestou declarações no âmbito do pedido de proteção

internacional, das quais se extrai entre o mais, o seguinte: [imagem] - Cf. fls. 46 a 49 do processo administrativo.

6. De acordo com as declarações prestadas pelo Autor e com as informações recolhidas, foi elaborado o seguinte relatório: apresentou pedido de proteção noutro país da União Europeia, nomeadamente Croácia (Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.6.2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados Membros por um nacional de um país terceiro ou por uma apátrida – art 18º, nº 1) - Cf. fls. 50 do processo administrativo.

7. Em 17/01/2025, a Entidade Demandada notificou o Autor das declarações por si prestadas, do relatório referido no ponto anterior e do sentido provável da proposta de decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional, por se entender que a Croácia é o país responsável para apreciar o seu pedido de proteção internacional, de acordo com o previsto no artigo 19.º- A n.º 1 alínea a) da Lei 27/08 e para, querendo, pronunciar-se no prazo de 3 dias - Cf. fls. 51 do processo administrativo.

8. Em 21/01/2025, o Centro Nacional para o Asilo e Refugiados - AIMA comunicou ao Gabinete Jurídico do Conselho Português para os Refugiados as declarações prestadas pelo Autor - Cf. fls. 52 do processo administrativo.

9. Em 27/01/2025, o Centro Nacional para o Asilo e Refugiados - AIMA efetuou um pedido de retoma a cargo do Autor às autoridades croatas nos termos do artigo 18.º n.º 1 b) do Regulamento n.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho - Cf. fls. 54 a 62 do processo administrativo.

10. Em 10/02/2025, a República da Croácia aceitou o pedido de retoma a cargo mencionado no ponto antecedente - Cf. fls. 63 e 64 do processo administrativo.

11. Em 17/02/2025, o Centro Nacional para o Asilo e Refugiados - AIMA propôs à consideração superior que o pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor fosse considerado inadmissível, extraindo-se daquela proposta, o seguinte: I. DOS FACTOS E SUA APRECIAÇÃO:

1. A pessoa requerente apresentou pedido de proteção internacional a 09/12/2024, no Centro Nacional para o Asilo e Refugiados AIMA, que foi registado sob o número de processo ....

2. Nos termos previstos no Regulamento (EU) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho (Regulamento Eurodac), relativo à criação do sistema “Eurodac” foram recolhidas as impressões digitais de todos os dedos.

3. Após registo e consulta à base de dados Eurodac, foi rececionado 1 acerto com o “Case ID ...“, inserido pela Croácia.

4. Face ao que antecede, aos 09/12/2024, foi designado instrutor no procedimento com vista à determinação do Estado membro responsável. Nos termos do artigo 39º, da Lei

n.º 27/08, de 30 de junho, na sua redação atual, a instrução do procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional suspende, até decisão final, a contagem do prazo previsto no n.º 1 do artigo 20.

5. Aos 17/01/2025, foram tomadas as declarações do requerente, mediante realização de entrevista e relatório (anexo aos autos e entregue na mesma data ao requerente), a que se refere o n.º 6, do artigo 5º, do Regulamento Dublin. Por esta via, foi possível confirmar a situação descrita no número anterior, essencial para a determinação do Estado responsável, bem como, apurar outras situações pertinentes para a correta aplicação dos critérios enunciados no Regulamento Dublin.

6. Nesse mesmo dia, foi a pessoa requerente notificada do sentido provável da decisão de inadmissibilidade e consequente transferência para Croácia para, no prazo de 3 dias úteis, sobre ela se pronunciar.

7. Decorrido o prazo o requerente não apresentou alegações.

8. Aos 27/01/2025, o CNAR AIMA apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades croatas ao abrigo do artigo 18.º, nº 1 b), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin).

9. Aos 10/02/2025, as autoridades croatas aceitaram o pedido de retoma a cargo do(a) cidadão(ã), ao abrigo do preceito legal referido no número anterior.

10. Aceite a responsabilidade pelo Estado responsável deve a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P., proferir uma decisão de inadmissibilidade do pedido.

II. DO DIREITO:

11. A Lei n.º 27/08, de 30 de junho, na sua redação atual, que estabelece as condições e procedimentos para a análise dos pedidos de proteção internacional e concessão do estatuto de refugiado ou proteção subsidiária, prevê na alínea a), do n.º 1, do artigo 19º-A que, o pedido é considerado inadmissível quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção, previsto no Capítulo IV.

12. Ainda nos termos do n.º 2, do artigo 19-A, nos casos previstos no número anterior deste artigo, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

13. O procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional encontra-se regulado no Capítulo IV, artigo 36º e seguintes da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, na sua reação atual, aplicando-se apenas os procedimentos aqui previstos.

III. CONCLUSÕES:

14. Tendo outro Estado Membro tomado a decisão de aceitação da retoma a cargo do requerente de proteção (cf. Ponto 9), determinando a sua competência para apreciação e decisão, e não tendo o requerente invocado factos concretos que possam conduzir a decisão diferente, impõe-se ao Estado português a tomada de decisão de transferência da pessoa requerente para a Croácia.

IV. DA PROPOSTA:

15. Pelo exposto, e tendo em consideração que os pedidos são analisados por um único

Estado, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho, designarem como responsável, propõe-se que a Croácia seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 18.º, nº 1 b), do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho.

16. Proceda-se à notificação da cidadã nos termos do artigo 37º, n.º 3, da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, na sua redação atual, e à sua transferência, nos termos do artigo 38º, do mesmo diploma, para a Croácia, Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho - Cf. fls. 65 a 68 do processo administrativo.

12. Em 17/02/2025, o Conselho Diretivo da AIMA proferiu despacho de concordância com o proposto em 11 - Cf. fls. 65 do processo administrativo.

13. Em 26/02/2025, o Autor tomou conhecimento do despacho e da proposta mencionados em 11) e 12) - Cf. fls. 69 do processo administrativo.

14. Em 27/02/2025, o Centro Nacional para o Asilo e Refugiados - AIMA comunicou ao Gabinete Jurídico do Conselho Português para os Refugiados a decisão proferida pelo Conselho Diretivo da Entidade Demandada, no processo n.º ... - Cf. fls. 70 do processo administrativo.

15. Em 11/03/2025, o Autor apresentou a presente petição inicial em juízo - Cf. pág. 1 do SITAF».


O Direito.


Erro de julgamento de direito.


O recurso jurisdicional tem como objeto a decisão judicial recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la, com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afetá-la.


A decisão recorrida julgou válida a decisão administrativa impugnada, tomada no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, que considerou o pedido de proteção internacional do requerente e recorrente inadmissível e determinou a sua transferência para a Croácia, por ser o Estado-Membro responsável pela análise do pedido, pela não verificação de qualquer violação do princípio de non-refoulement, pela não verificação de défice instrutório, por não estar em causa a aplicação do princípio do beneficio da dúvida. Concluindo a sentença que nada há a apontar à decisão proferida pela entidade demandada ao não ter versado a sua análise sobre o mérito do pedido de concessão de asilo, cuja apreciação caberá, necessariamente, à Croácia.


A decisão recorrida mostra-se correta em face da matéria de facto provada, que não vem impugnada no presente recurso, e de acordo com a jurisprudência nacional e comunitária.


Passemos a explicar.


A Lei nº 27/2008, de 30.6 estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária com vista à concessão dos estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas nº 2004/83/CE, do Conselho, de 29.4, e nº 2005/85/CE, do Conselho, de 1.12.


Quanto ao «procedimento comum», constatamos que ele inclui (1) uma fase inicial ou fase de admissibilidade – art 13º, com declarações – art 16º - relatório e notificação ao requerente para se pronunciar – art 17º - que culmina com a decisão («decisão preparatória da decisão final») da sua admissão ou inadmissão – art 19º A, da competência do conselho diretivo da AIMA, I. P. [artigos 20º e 27º, da Lei 27/08], e, no caso de decisão positiva de admissibilidade, (2) uma fase de instrução – arts 21º, 27º e 28º - que culmina com a elaboração, pela AIMA, de proposta fundamentada de concessão ou recusa de proteção internacional, sobre a qual o requerente é ouvido e pode pronunciar-se – art 29º. (3) A decisão final, de concessão ou recusa, compete ao conselho diretivo da AIMA, I. P. – art 20º, nº 4 (todos da Lei do Asilo). O «procedimento especial» de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional ou procedimento Dublin, previsto nos arts 36º a 40º da Lei do Asilo, quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, enxerta-se na «fase inicial» do «procedimento comum», suspende o respetivo prazo de decisão [artigo 39º da Lei 27/08], e, uma vez aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, conselho diretivo da AIMA, I. P. profere decisão de inadmissibilidade do pedido e de transferência do interessado – arts 37º, nº 2 e 19º-A, nº 1, al a).


O procedimento especial surge assim, como refere o acórdão do STA de 3.10.2019, proferido no processo nº 2095/18, com natureza incidental e a aceitação da retoma – expressa ou tácita – por parte do Estado responsável pelo conhecimento do mérito do pedido de proteção internacional, constitui fundamento para a decisão de inadmissibilidade do pedido.


Portanto, quando se verifique fundamento para a instauração de procedimento especial e ocorra aceitação da retoma, o Estado português não procede à análise das condições de concessão de asilo ou proteção subsidiária, ou seja, o procedimento fica-se pela fase inicial, sem que se inicie a fase de instrução (do «procedimento comum»).


Assim não cabe, nestes autos, decidir se deve ser (ou não), concedida proteção internacional, ao autor/ recorrente, mas antes, e apenas, se deve a Entidade Demandada ser condenada a apreciar o pedido de proteção internacional.


Uma vez que, resulta do probatório que, no âmbito do procedimento instaurado, em virtude do pedido de proteção internacional apresentado em 9.12.2024, pelo autor, os serviços da AIMA apuraram que aquele já havia solicitado pedido de proteção internacional na Croácia. Com base nesta informação e nos registos recolhidos no sistema EURODAC, houve necessidade de proceder à determinação do Estado responsável através do procedimento especial regulado pelos artigos 36º a 40º da Lei nº 27/2008, de 30.6, com as alterações introduzidas pela Lei nº 53/2023, de 31.8.


No âmbito do referido procedimento especial, a AIMA formulou um pedido de retoma a cargo, do ora Autor, à Croácia, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Regulamento n.º 604/2013, por ser este o primeiro Estado-Membro em que o autor apresentou pedido de proteção internacional, tendo as autoridades croatas aceite o pedido no dia 10.2.2025.


Assim, a entidade demandada, considerando que a responsabilidade pela análise do pedido em causa pertence a outro Estado Membro, não procedeu à sua apreciação, em conformidade com o disposto no artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei do Asilo.


Foi nesta sequência que o conselho diretivo da AIMA, I. P. proferiu a decisão impugnada, no sentido de considerar inadmissível o pedido do autor, determinando a sua transferência para a Croácia.


O que podia obstar à transferência do recorrente para a Croácia teria sido a alegação e prova, pelo autor, aqui recorrente, de tratamento desumano na sua passagem pela Croácia.


No entanto, compulsada a petição inicial, as alegações e conclusões de recurso verifica-se, como decidiu o tribunal recorrido, a falta de alegação e prova, a cargo do requerente/ recorrente, da existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo na Croácia.


Note-se, não é qualquer desrespeito por direitos fundamentais dos requerentes de proteção internacional que impede as transferências Dublin.


Apenas, como decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia, em 21 de dezembro de


2011 no caso N.S. (processo n.º C-411/10), em que estava em causa a transferência de um afegão do Reino Unido para a Grécia, e no caso de cinco requerentes provenientes do Afeganistão, Irão e Argélia (processo n.º C-493/10), que entraram em território europeu via Grécia e que depois chegaram à Irlanda que pretendia o seu retorno para a Grécia, e vem enunciado no art 3º, nº 2, 2º § do Regulamento Dublin e reiterado no acórdão do TJUE de 19.3.2019 (processo nº C-297/17, C-318/17, C-319/17 e C-438/17), os Estados que pretendam executar transferências estão obrigados a não transferir requerentes de asilo para os Estados responsáveis de acordo com os critérios do Regulamento quando, nesses Estados, se verifiquem deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem o risco de ser desrespeitado o direito absoluto dos requerentes a não ser sujeitos a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.


A cláusula de salvaguarda, prevista no art 3º do Regulamento, impõe assim aos Estados um juízo de prognose relativamente à situação a que o requerente, aquele requerente, ficará exposto após a transferência Dublin, devendo o Estado onde se encontra o requerente paralisar o processo de transferência sempre que entenda que esta pode significar a sujeição do requerente a tratamento cruel, degradante ou desumano num Estadomembro.


Ora, in casu, como fundamenta a decisão que estamos a sindicar, observado o procedimento e as alegações do Autor em juízo, certo é, que no âmbito da prestação de declarações no pedido de proteção internacional, este apenas afirmou que teve alimentação e alojamento gratuitos na Croácia e nada referiu quanto à existência de falhas sistémicas ou sobre ter sido submetido a qualquer tratamento desumano, pelo que, se o Autor não alegou quaisquer factos que permitam concluir pela violação dos direitos humanos ou que lhe venha a ser negada a proteção internacional na Croácia, a Entidade Demandada não carecia de analisar e decidir sobre a ocorrência de deficiências no acolhimento dos refugiados na Croácia, apenas lhe competindo, como fez, proferir decisão de transferência do Autor para a Croácia, não se verificando qualquer défice de instrução.





A outro passo, a transferência será efetuada para outro Estado-Membro da União Europeia, que aceitou a retoma a cargo do Autor, país este que será responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional e está obrigado a cumprir as normas de direito europeu e de direito internacional que proíbem a repulsão direta ou indireta, para um local onde a vida ou liberdade do Autor estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas ou que possa ser submetido a torturas, a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, como estipula o artigo 3.º Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 33.º , n. º 1 da Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, não se verificando qualquer violação do princípio de non-refoulement.





Face à concreta situação alegada pelo recorrente nos autos e no procedimento administrativo, a sentença recorrida mais não fez do que confirmar que o ato impugnado se encontra em conformidade com as normas jurídicas aplicáveis à situação de facto apurada, não padecendo de vício de violação de lei.


Pois que, não podemos esquecer que, segundo o princípio basilar do direito europeu de asilo, consagrado no art 3º, nº 1 Regulamento, os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer EstadoMembro são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo IV designarem como responsável.


Daqui decorre, a nosso ver, sem qualquer dúvida, que no caso seria a Croácia:

− enquanto Estado-Membro em que o recorrente primeiramente entrou e onde formulou o primeiro pedido de proteção internacional; e que

− tendo aceitado expressamente a retoma do recorrente a cargo, ficou responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

Impondo-se, pois, neste caso, às autoridades nacionais, tal como veio a suceder através do ato impugnado, e como decorre do disposto no art. 37º, nºs 1 e 2, da Lei do Asilo, proferir decisão de inadmissibilidade do pedido, nos termos do disposto nos arts. 19º-A, nº 1, alínea a), e 20º, do mesmo diploma legal.


O que significa que, por força do disposto no art. 19º-A, nºs 1, alínea a), e nº 2, da Lei do Asilo, se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. As quais só podem ser apreciadas pela Croácia e, como tal, a análise de mérito do pedido só poderá ser efetuada e concluída pelas autoridades desse país.


Por conseguinte, não incumbia à AIMA diligenciar por informação atualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional na Croácia, para, de seguida, aferir pela existência ou não de deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Croácia e, por fim, decidir se procede ou não à transferência do recorrente para aquele país. Pois, nos termos do art 3º, nº 2, §2 do Regulamento, quando se verifiquem deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e estas sejam de tal modo evidentes que os Estados-membros não possam ignorá-las, os Estados não podem proceder a transferências Dublin para esses Estados com sistemas em colapso ou com dificuldades.


Na verdade, a situação de facto provada não exigia uma interpretação do art 3º do Regulamento de Dublin em conformidade com o princípio da solidariedade (cfr art 80º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).


Impondo a lei a decisão proferida pela AIMA, de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional apresentado pelo recorrente em Portugal, sem aferir, obviamente, da verificação dos requisitos de concessão de asilo ou proteção internacional, dos arts 3º e 7º da Lei de Asilo, porque não cabe a Portugal apreciar o mérito do pedido efetuado pelo autor em 9.12.2024, não estando em causa a aplicação do princípio do benefício da dúvida. Na situação dos autos não tem aplicação o disposto nos arts 3º, 7º 18º da Lei de Asilo.


A decisão cabível é a proferida pelo recorrido de, vinculadamente, transferir a decisão para a Croácia, onde o recorrente passou, formulou pedido de proteção internacional a 28/11/2024, teve apoio de alojamento e alimentação gratuita. Não existindo, no caso, violação de lei, antes foi cumprida a lei nacional e bem assim as normas comunitárias.


Neste mesmo sentido tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, cita-se o acórdão de 4.2.2021, proferido no processo nº 115/20, em cujo sumário podemos ler: I – Não é de concluir que, independentemente de uma forte pressão migratória que se constata existir, ou ter existido, num específico Estado-Membro da União Europeia (Itália), haja indícios sérios de que um requerente de proteção internacional que para aí deva ser transferido vá ser vítima de “falhas sistémicas” com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artº 3º nº 2 do Regulamento Dublin III, ou objeto de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

II. – Segundo a jurisprudência do TJUE, esse limiar de gravidade particularmente elevado só é alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado‑Membro tiver por consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontre, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar‑se, lavar‑se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana, aí não se abrangendo as situações que, embora caracterizadas por uma grande precariedade ou uma forte degradação das condições de vida da pessoa em causa, não impliquem uma privação material extrema que coloque a pessoa numa situação de gravidade tal que possa ser equiparada a um trato desumano ou degradante.

III. – Embora a Administração não se encontre limitada, na sua atividade inquisitória, pelas declarações do visado se, por outra forma, tiver indícios sérios de perigo de que, com a projetada transferência, este venha a sofrer, no país de destino, tratamento desumano ou degradante, não é menos certo que sempre a experiência, real e concreta, relatada pelo Autor como vivida nesse país de destino da transferência ao longo de quase 3 anos, serve como indício da inexistência, no caso, de perigo de tratamento desumano e degradante.

IV. – Acresce que, sendo o país de destino da transferência um Estado-Membro da União Europeia, vigora o princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros que impõe uma presunção de tratamento dos requerentes de asilo e de proteção internacional de acordo com o direito da UE e com os direitos fundamentais nesta vigentes, o que mais afasta a exigência de uma ulterior atividade instrutória, ou a sua justificação, a não ser perante indícios fortes e concretos em sentido contrário, que no caso se não divisam.

V. - Não resultando do procedimento dos autos qualquer indício sério e concreto de que o Autor viesse a sofrer tratamento desumano ou degradante, na aceção do art. 4º da CDFUE, em resultado da sua transferência para Itália – sendo certo que nada nesse sentido se revelou nas suas declarações sobre a sua anterior vivência de quase 3 anos nesse país -, não se impunha nem se justificava qualquer atividade instrutória suplementar por parte do SEF previamente à prolação do despacho nestes autos impugnado, não se constatando, pois, défice instrutório procedimental que afete a validade do ato impugnado que determinou a sua transferência.

VI. – E a Itália também está obrigada a cumprir as normas de direito europeu e de direito internacional que proíbem a repulsão (art. 33º nº 1 da Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, art. 78º nº 1 do TFUE, art. 19º nº 2 da CDFUE e art. 21º nº 1 da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13/12/2011).


Os cidadãos estrangeiros tal como os nacionais não são titulares de direitos absolutos. O direito fundamental de asilo, previsto no art 33º, nº 8 da CRP, é garantido aos estrangeiros perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.


Ora, se o recorrente não especifica quaisquer factos que indiciem ter sofrido tratamento desumano, na sua passagem pela Croácia, país que inclusive aceitou o pedido de retoma a cargo do recorrente, a Croácia é o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional.


Assim, no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional ao SEF apenas compete, como fez, proferir decisão de transferência do recorrente para a Croácia, sendo este país que irá apreciar e decidir sobre a verificação dos pressupostos para a concessão de asilo ou proteção subsidiária ao recorrente.


Termos em que se conclui ser de manter a sentença recorrida, por o julgamento efetuado aplicar corretamente o direito aos factos provados.


Decisão


Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, assim, manter a decisão recorrida.


Sem Custas – cfr art 84º da Lei do Asilo.


Notifique.


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Lisboa, 2025-11-20,


(Alda Nunes)


Ricardo Ferreira Leite)


(Marta Cavaleira)