Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 8402/24.0BELSB.CS1 |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | ALDA NUNES |
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ALTERAÇÃO DO EFEITO DO RECURSO DESOCUPAÇÃO DE HABITAÇÃO MUNICIPAL INIMPUGNABILIDADE INTEMPESTIVIDADE FALTA DE FUMUS BONI IURIS |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
Relatório AA intentou contra a Gebalis, Empresa Municipal, SA, a presente providência cautelar, na qual peticiona a suspensão da eficácia do ato de 18.3.2024, relativo à desocupação da habitação municipal sita na Av. ... .... Por sentença de 25.9.2024, o TAC de Lisboa, julgou procedentes as exceções dilatórias de inimpugnabilidade do ato e de intempestividade do ato processual e, em consequência, absolve-se a entidade requerida da instância. Inconformada, a requerente interpôs recurso jurisdicional da decisão. Nas alegações de recurso que apresentou, a recorrente formulou as conclusões seguintes: I . O presente Recurso tem por objeto a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Juiz a quo na Sentença datada de 25 de Setembro de 2024, no qual foi determinado: “(…)Nestes termos, e com fundamento no supra exposto, julgam-se procedentes as exceções dilatórias de inimpugnabilidade do ato e de intempestividade do ato processual e, em consequência, absolve-se a Entidade Requerida da instância.(…)”. II. O Exmo. Senhor Juiz a quo mal andou em decidir pela inimpugnabilidade do ato suspendendo, decretada na Sentença. III. O Exmo. Senhor Juiz a quo mal andou em decidir pela intempestividade da instauração dos autos de 1ª instância, decretada na Sentença. IV. O ato administrativo cuja suspensão da eficácia se peticionou nos autos de 1ª instância não é confirmativo de qualquer outro ato administrativo anterior notificado à recorrente. V. O ato administrativo relativamente ao qual se peticionou a suspensão da sua eficácia nos autos a quo, não confirma o ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021. VI. O ato administrativo notificado à recorrente em 28 de Março de 2024, não se limita a manter o sentido do ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021. VII. O ato administrativo notificado à recorrente em 28 de Março de 2024, relativamente ao ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021, não tem identidade de objeto e conteúdo. VIII. O ato administrativo notificado à recorrente em 28 de Março de 2024, relativamente ao ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021, não tem repetição do sentido da decisão (não apresentando os dois idênticos pressupostos de facto e de direito). IX. O ato administrativo notificado à recorrente em 28 de Março de 2024 é um novo ato administrativo, relativamente ao ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021. X. Em 2021, mas após 4 de Junho de 2021, a recorrente deslocou-se aos serviços da recorrida para esclarecer os factos que aconteceram. XI. Os factos que fundamentaram o ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021, foram por esta justificados nos serviços da recorrida. XII. Em 2021, mas após 4 de Junho de 2021, os serviços da recorrida tranquilizaram-na e disseram-lhe que não se preocupasse. XIII. Desde 4 de Junho de 2021 até 28 de Março de 2024, ininterruptamente, a recorrente não recebeu qualquer outra notificação da recorrida sobre a cessação da autorização de utilização do fogo municipal sub judice e sua subsequente desocupação. XIV. De 4 de Junho de 2021 a 28 de Março de 2024, a recorrida não executou a desocupação coerciva do referido imóvel habitado pela recorrente. XV. De 4 de Junho de 2021 a 28 de Março de 2024, a recorrida não notificou a recorrente acerca da desocupação coerciva do referido imóvel habitado por esta. XVI. Os factos que fundamentaram e consubstanciaram os atos administrativos notificados à recorrente em 4 de Junho de 2021 e 28 de Março de 2024 são diferentes. XVII. As notificações dos atos administrativos realizadas à recorrente em 4 de Junho de 2021 e 28 de Março de 2024, são autónomas e individualizadas. XVIII. O ato administrativo notificado à recorrente em 28 de Março de 2024, tem por fundamento outros factos que não os que fundamentaram o ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021. XIX. Entre 2021 e 28 de Março de 2024, houve total inação da recorrida para a efetivação da desocupação de pessoas e bens pela recorrente, de tal locado. XX. Em 28 de Março de 2024, a recorrida, na notificação que fez à recorrente, concede-lhe novo prazo para a desocupação do locado sub judice. XXI. Os procedimentos instaurados pela recorrida contra a recorrente, cuja decisão lhe foi notificada em 4 de Junho de 2021 e 28 de Março de 2024, são autónomos e independentes entre si. XXII. Na notificação da recorrente realizada em 28 de Março de 2024, foi concedido pela recorrida novo prazo àquela para proceder à desocupação voluntária do locado sub judice. XXIII. Desde 4 de Junho de 2021 e até à presente data, a recorrida tem sempre aceite o valor de renda pago pela recorrente. XXIV. A recorrida nunca rejeitou o recebimento do valor de renda do locado sub judice, pago pela recorrente. XXV. O Exmo. Senhor Juiz a quo ao ter decidido conforme transcrito no ponto 8 destas alegações, viola a norma jurídica prevista no n.º 1, art.º 53º C.P.T.A.. XXVI. O Exmo. Senhor Juiz a quo ao ter considerado que ato administrativo notificado à recorrente em 28 de Março de 2024, é confirmativo do ato administrativo notificado à recorrente em 4 de Junho de 2021, vicia a Sentença decretada. XXVII. Mal andou o Exmo. Senhor Juiz a quo em ter considerado na Sentença decretada, intempestiva a instauração dos autos a quo. XXVIII. O ato administrativo notificado à recorrente em 28 de Março de 2024, não sendo confirmativo, podia ser impugnado judicialmente. XXIX. Os autos a quo foram instaurados tempestivamente em 1 de Julho de 2024. XXX. O direito da recorrente em impugnar o ato administrativo que lhe foi notificado em 28 de Março de 2024 não tinha caducado à data da instauração dos autos a quo. XXXI. O Exmo. Senhor Juiz a quo ao ter decidido conforme o fez, violou a norma jurídica prevista na al. b), n.º 1, art.º 58º C.P.T.A.. XXXII. O Exmo. Senhor Juiz a quo ao ter decidido conforme o fez, violou as normas jurídicas previstas na os n.ºs 1, 2, art.º 59º C.P.T.A.. XXXIII. O Exmo. Senhor Juiz a quo ao ter decidido conforme o fez, violou a norma jurídica prevista na o n.º 1, art.º 53º C.P.TA. XXXIV. O Exmo. Senhor Juiz a quo ao ter decidido no sentido em que o fez, vicia a Sentença decretada. Pelo que se requer que seja dado provimento ao presente recurso, devendo a Sentença objeto deste recurso proferido pelo Exmo. Senhor Juiz a quo ser anulada. A recorrida contra-alegou o recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Ficou provado nos autos que a Recorrente foi notificada em 17/05/2021 da decisão que determinou a cessação de autorização de ocupação do fogo municipal que, até então a Recorrente e agregado familiar, ocupavam de forma titulada. 2. Em vez de interpor ação impugnatória desse ato, a Recorrente pediu a reanálise da decisão. 3. Na sequência das diligências efetuadas a Recorrente foi notificada em 28/03/2024 da decisão de manutenção do ato praticado em 17/05/2021. 4. Como bem decidiu a sentença cautelar, o ato suspendendo de 28/03/2024 tem a natureza de ato confirmativo, que não é alterado pelo facto de ter havido reapreciação da decisão. 5. Ambos os atos são praticados pela Câmara Municipal; o conteúdo dos mesmos é idêntico ( cessação da autorização de ocupação do fogo municipal, sendo os pressupostos de facto e de direito os mesmos); dirigem-se à mesma destinatária. 6. Sendo o ato com eficácia externa, o ato notificado em 17/05/2021, há muito caducou o direito de ação, pelo que, a providência cautelar deve extinguir-se, como bem decidiu a douta sentença recorrida. Termos em que, deverá ser julgado improcedente î presente Recurso, mantendo-se a decisão recorrida. A Exma. Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão. Objeto do recurso Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) – cfr artigos 635º e 639 do CPC, «ex vi» do artigo 1º do CPTA. Atentas as conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto, as questões a decidir consistem em: i. conhecer o pedido de alteração do efeito devolutivo do recurso; ii. saber se a sentença recorrida viola a norma do art 53º do CPTA, ao julgar o ato suspendendo inimpugnável por o entender como ato confirmativo. Com abaixo melhor se dirá, a alegada violação pela decisão recorrida do disposto nos arts 58º, nº 1, al b) e 59º, nº 1 e nº 2 do CPTA, ao julgar procedente a exceção de intempestividade do ato processual não cumpre ser apreciada, por o ato suspendendo ser apenas o despacho de 18.3.2024. Fundamentação De facto O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos que não vêm impugnados: 1. «A 25.03.2001, a Requerente celebrou o contrato de arrendamento com a Requerida cujo objeto é o fogo municipal sito na Av. ... ..., em Lisboa (cf. documento n.º 3, junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 2. A 27.04.2021, os serviços da Entidade Requerida emitiram relatório no âmbito do «Procedimento de cessação dos direitos habitacionais relativos ao fogo municipal sito na Av. ... ……….. - ...», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido «(…) Proposta de decisão: Pelo que antecede, face aos elementos reunidos no presente procedimento, salvo melhor entendimento, colocamos à consideração superior: A cessação da autorização de utilização de AA e agregado familiar, relativamente ao fogo municipal sito na Av. ... ..., em Lisboa, com fundamento no disposto no n.º 1, alínea b) do Artigo 24° da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, com as demais consequências previstas nos termos da lei, sem prejuízo da aplicação das medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, nomeadamente o regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários até 30 de Junho de 2021 estabelecido pelo artigo 8.° da Lei n.º 75- A12020, de 30 de dezembro, sétima alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e terceira alteração à Lei n.º 4-C12020, de 6 de abril.» (cf. fls. 109 e seguintes do PA). 3. A 17.05.2021, no âmbito do procedimento identificado no facto provado anterior, a ... da Câmara Municipal de Lisboa, proferiu despacho cujo teor aqui se reproduz: «Concordo e aprovo» (cf. fls. 109 do PA). 4. A 17.05.2021, a decisão identificada em 3. foi comunicada ao mandatário da Requerente (cf. fls. 113 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 5. A …….., foi afixado edital no fogo municipal no âmbito do procedimento identificado em 2. (cf. fls. 114 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 6. A 05.03.2024, os serviços da Entidade Requerida emitiram «informação suplementar» no âmbito do «Pedido de reanálise da decisão de cessação de direitos habitacionais relativos ao fogo municipal sito na Av. ... ... Bairro ...», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual extrai-se o seguinte: «(…) Requerimento: Deram entrada três exposições/pedidos junto dos nossos serviços (Ref.ª n.º Entrada/... de 07/07/2021, Ref.ª n.º Entrada/... de 06/08/2021 e comunicação eletrónica de 04/07/2021), em nome de AA - cf. fls. 115 a 135 para cujo teor integral remetemos. (…) Proposta de decisão: Perante o que antecede, salvo melhor entendimento, propomos: 1. A manutenção da decisão da então Senhora ... da Câmara Municipal de Lisboa com o Pelouro da Habitação, Dra. BB, exarada no dia 17 de Maio de 2021, ao abrigo do Despacho de Delegação e Subdelegação de competências n° .... Publicado no 1° Suplemento ao Boletim Municipal n° ..., de 23 de novembro, de cessação da autorização de utilização de AA e agregado familiar, relativamente ao fogo municipal sito na Av. ... ..., em Lisboa, com fundamento no disposto no n.º 1, alínea b) do Artigo 24° da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, com as necessárias consequências previstas nos termos da lei». (cf. fls. 145 do PA). 7. Em 18.03.2024, a ... da Câmara Municipal de Lisboa, proferiu decisão de concordância com a proposta que antecede (cf. fls. 145 do PA). 8. A …..2024, foi afixado Edital, com a ref.ª Saída/..., no fogo municipal, relativo ao assunto: «Notificação de decisão administrativa-Procedimento de cessação da autorização de utilização do fogo municipal sito na Av. ... ...», cujo teor aqui se dá por integralmente, e do qual extrai-se o seguinte: «Pela presente notificamos V. Exa. que, por despacho da Senhora ... do Pelouro da Habitação, CC, exarado a 18 de Março de 2024 (ao abrigo da Delegação e Subdelegação de competência n.º ..., publicado no 1º Suplemento ao BM n.º ... de 04 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Despacho ..., publicado no Boletim Municipal n.º ...de 23 de Dezembro de 2021), foi decidido o seguinte: -A manutenção da decisão da então Senhora ... da Câmara Municipal de Lisboa com o Pelouro da Habitação, Dra. BB, exarada no dia 17 de Maio de 2021, ao abrigo do Despacho de Delegação e Subdelegação de competências n.º ..., publicado no 1º Suplemento ao Boletim Municipal n.º ..., de 23 de Novembro, de cessação da autorização de utilização de AA e agregado familiar, relativamente ao fogo municipal sito na Av. ... ..., com fundamento no disposto no n.º 1, alínea b) do Artigo 24º da Lei 81/2014 de 19 de Dezembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2026, de 24 de Agosto, com as necessárias consequências previstas nos termos da lei. Assim, nestes termos, tal como oportunamente notificado, uma vez cessada a autorização de utilização do fogo municipal sito na Av. ... paredes, lote 7.10, 6º B, em Lisboa deverá proceder à desocupação voluntária da referida habitação no prazo de noventa dias úteis com dilação de 30 dias previstos no Artigo 88º, n.º 1, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo, a contar da data de afixação da presente notificação, deixar a habitação livre e devoluta, bem como, proceder à entrega da respetiva chave nos nossos serviços (…)» (cf. fls. 144 do PA). 9. A 01.07.2024, a presente ação deu entrada neste Tribunal (cf. fls. 2 do SITAF)». O Direito. Pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso. A recorrente requer a concessão de efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do art 143º, nº 4 do CPTA, alegando que a execução imediata da decisão recorrida causar-lhe-á prejuízo grave e de difícil reparação, podendo a requerida continuar a cumprir a sua missão no campo imobiliário e de alojamento de famílias financeiramente desfavorecidas, tendo em conta tal inação da requerida entre 2021 e 28.3.2024, mesmo estando a requerente a habitar o referido locado. Vejamos. Nos termos do artigo 641º, nº 5 do CPC, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão que absolveu a entidade requerida da instância cautelar. Pretende a requerente/ recorrente que, ao abrigo do disposto no artigo art 143º, nº 4 do CPTA, seja fixado ao recurso efeito suspensivo. Para o recurso em apreço, de apelação, interposto da decisão proferida em processo cautelar, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos dispõe de norma própria no art 143º, nº 2, al b), nos termos da qual: 2 – Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de: … b) decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes. Como se afigura evidente, da citada al b) do nº 2 do art 143º do CPTA expressamente resulta solução legal contrária à sustentada pela recorrente, posto que aí se prevê que têm efeito meramente devolutivo os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares em prol da eficácia de um meio processual urgente, configurando uma exceção à regra de atribuição de efeito suspensivo (art 143º, nº 1 do CPTA). O art 143º do CPTA apenas permite que o tribunal possa alterar, quando requerido pela parte interessada, a efeito regra dos recursos - o efeito suspensivo – previsto no nº 1 do preceito – para efeito devolutivo, nos termos previstos nos seus nº 3, 4 e 5. Ou seja, quando o efeito devolutivo decorre diretamente de imperativo legal, como sucede nos casos previstos no nº 2 do art 143º do CPTA, não se lhe aplica o disposto no art 143º, nº 4 do CPTA. Esta norma, do nº 4, é aplicável às situações em que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso nos termos do nº 3. Neste sentido, observam Mário Aroso de Almeida e ... Cadilha que «a lei não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do nº 2, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo», pois a atribuição do efeito meramente devolutivo ao recurso decorre das «razões de especial urgência que estão na base da utilização dos meios processuais em causa (…) [e de nas ] decisões respeitantes a processos cautelares, também pelo facto de o juiz já ter procedido, no âmbito desses processos, à ponderação de interesses de que os nº 4 e 5 do presente artigo fazem depender a decisão do juiz de alterar os efeitos do recurso» («Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 2017, pág. 1103 e os Acórdãos do STA de 3.11.2022, processo nº 1465/19, do TCAS de 11.1.2024, processo nº 2431/22, e do TCAN de 20.10.2023, processo nº 46/23, de 26.9.2025, processo nº 434/25). Improcede, assim, o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto da sentença que absolve a entidade requerida da instância cautelar, mantendo-se o efeito devolutivo declarado pelo tribunal a quo em estrito cumprimento da lei. Erros de julgamento de direito A requerente, ora recorrente, solicitou nos autos a adoção de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo de 18.3.2024, notificado por edital afixado a ……2024, que decidiu pela manutenção da decisão, exarada no dia 17 de Maio de 2021, de cessação da autorização de utilização de AA e agregado familiar, relativamente ao fogo municipal sito na Av. ... ..., com fundamento no disposto no n.º 1, alínea b) do Artigo 24º da Lei 81/2014 de 19 de Dezembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2026, de 24 de Agosto. O processo seguiu a tramitação prevista nos arts 114º e segs do CPTA. Em concreto, foi proferido despacho liminar, que admitiu o requerimento cautelar e determinou a citação da entidade requerida para deduzir oposição, nos termos dos arts 116º, nº 1 e 117º, nº 1 do CPTA. A entidade requerida deduziu oposição, articulado em que defendeu a inimpugnabilidade do ato administrativo de 18.3.2024, por se tratar de um ato confirmativo do ato proferido a 17.5.2021, e a caducidade do direito de ação e, em consequência, a sua absolvição da instância. Se assim não fosse entendido, a entidade requerida defendeu ainda dever improceder o pedido cautelar por falta de preenchimento dos respetivos requisitos cautelares previsto no artigo 120º do ÑÐÒÀ. A sentença recorrida seguiu o enquadramento jurídico da defesa perfilhado pela entidade requerida, julgou procedentes as exceções dilatórias de inimpugnabilidade do ato e de intempestividade do ato processual e, em consequência, absolveu a entidade requerida da instância. Importa, em primeiro lugar, notar que tendo o requerimento cautelar sido admitido, isso significa que o tribunal a quo considerou que, na fase de apreciação liminar do processo cautelar, não existiu fundamento para rejeição liminar, designadamente, por não ser evidente ou manifesto que a pretensão deduzida é infundada ou que não existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente (Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 4ª edição, pág 949), nos termos do art 116º, nº 2, als b) a f) do CPTA. Pois, só quando não exista fundamento para rejeição liminar é que o requerimento cautelar é admitido, sendo citados para deduzir oposição a entidade requerida e os contrainteressados, se os houver, no prazo de 10 dias, como dispõe o art 117º, nº 1 do CPTA. Admitida a providência cautelar e citada a entidade requerida e os contrainteressado (se os houver) para deduzir oposição, sem prejuízo da produção de prova que o juiz considere necessária (art 118º do CPTA), será proferida decisão assente na análise da verificação dos pressupostos de adoção de medida cautelar, previstos no art 120º, nº 1 e nº 2 do CPTA. Nos termos do artigo 120º, nº 1 do CPTA as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal – «periculum in mora» - e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente – «fumus boni iuris». De acordo com o nº 2 do art 120º do CPTA: nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências – ponderação de interesses. Como resulta deste preceito, a adoção de uma providência cautelar exige, antes de mais, no nº 1, o preenchimento cumulativo de dois requisitos, o periculum in mora e o fumus boni iuris. No que a este último respeita, o requerente tem de demonstrar a aparência do bom direito em termos tais que permitam concluir ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente. O juízo que ao tribunal cumpre fazer, nesta sede cautelar, provisória por natureza, sobre a probabilidade de êxito da ação principal é sumário e assente numa apreciação perfunctória, dado estar reservada para o processo principal uma análise exaustiva e definitiva sobre os vícios invocados, aí se exigindo, pois, um juízo de certeza sobre a existência do direito. Assim sendo, para que se mostre verificado o fumus boni iuris é necessário que o Tribunal conclua pela probabilidade ou verosimilhança de procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal, tendo presentes os factos provados e o direito aplicável. Ora, apurando-se no processo cautelar, como sucedeu in casu, que o ato suspendendo é inimpugnável, por se tratar de um ato confirmativo, e vem decidido que já decorreu o prazo previsto na lei processual administrativa para o requerente impugnar em juízo o ato confirmado, a consequência jurídica da procedência das exceções dilatórias não é a absolvição da entidade requerida da instância cautelar. Antes, por estar em causa a falta de pressupostos processuais da ação principal (não dos pressupostos processuais da providência cautelar), na qual seria impugnado o ato cuja suspensão de eficácia foi requerida neste processo cautelar, a procedência das exceções dilatórias de inimpugnabilidade do ato e de intempestividade do ato processual determinam a absolvição da instância principal e, por assim ser, obstam ao deferimento da pretensão material a formular na ação administrativa de impugnação de ato (cfr art 89º, nº 2 e nº 4, als i) e k) do CPTA). Ou seja, o juízo de probabilidade sobre a não verificação de pressupostos processuais da ação principal na sentença cautelar é feito aquando da verificação do requisito fumus boni iuris de adoção da providência cautelar, por ser provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo principal venha a ser julgada improcedente (cfr art 120º, nº 1 do CPTA). Por conseguinte, o juízo de probabilidade de verificação de exceções dilatórias, que obstam à apreciação do mérito da ação principal, com a consequente absolvição da entidade demandada da instância, dita a falta de preenchimento do requisito de adoção da providência cautelar – o fumus boni iuris. E isso implica, ainda, ser inútil aferir se se encontram preenchidos os demais requisitos, atinentes ao periculum in mora e à ponderação dos interesses, necessários para ser decretada a providência à luz do disposto no artigo 120º, nº 1 e nº 2 do CPTA, pois os requisitos cautelares são de verificação cumulativa. Acresce explicitar que a requerente, ora recorrente, solicitou nos autos a adoção de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo de 18.3.2024, notificado por edital afixado a ……2024 (a impugnar na ação principal). A requerente não pretende a suspensão de eficácia do ato confirmado datado de 17.5.2021. Ora a intempestividade da impugnação do ato confirmado ocorre por referência ao ato administrativo de 17.5.2021, que não é objeto dos autos cautelares, nem do pedido da ação principal. Assim sendo, não cumpre conhecer da intempestividade da impugnação do ato confirmado, por este ato não estar identificado como ato a impugnar. É neste contexto que passamos a analisar os erros de julgamento imputados à sentença recorrida, ao decidir pela inimpugnabilidade da decisão suspendenda. A recorrente discorda do julgamento de procedência da exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato proferido a 18.3.2024 com fundamento na natureza de ato confirmativo do praticado a 17.5.2024. A recorrente considera o ato suspendendo (o despacho de 18.3.2024), como um novo ato administrativo, porque: não se limita a manter o sentido do ato administrativo notificado em 4.6.2021; não tem identidade de objeto e conteúdo; não tem idênticos pressupostos de facto e de direito; esclareceu os factos que fundamentaram o ato administrativo notificado a 4.6.2021 nos serviços da recorrida; os procedimentos instaurados e as notificações de cada um dos atos são autónomas e individualizadas; a notificação de 28.3.2024 concede-lhe novo prazo para a desocupação do locado. A alegação da recorrente, como bem refere a entidade recorrida e decorre das citações que acabamos de fazer, é meramente conclusiva e, mais, não impugna a matéria de facto provada, pelo que o objeto do recurso terá de assentar na concreta factualidade apurada pelo Tribunal a quo. Da matéria de facto provada, nos nº 2 e 3, resulta que, por despacho de 17.5.2021, a entidade recorrida determinou a cessação da autorização de utilização da recorrente e agregado familiar, relativamente ao fogo municipal sito na Av. ... ..., em Lisboa, com fundamento no disposto no n.º 1, alínea b) do Artigo 24° da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, com as demais consequências previstas nos termos da lei, sem prejuízo da aplicação das medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, nomeadamente o regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários até 30 de Junho de 2021 estabelecido pelo artigo 8.° da Lei n.º 75- A12020, de 30 de dezembro, sétima alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e terceira alteração à Lei n.º 4-C12020, de 6 de abril. A ora recorrente formulou nos serviços da entidade recorrida Pedido de reanálise da decisão de cessação de direitos habitacionais relativos ao fogo municipal sito na Av. ... ... Bairro .... Em resposta, a entidade recorrida, por despacho de 18.3.2024, decidiu pela manutenção da decisão da então Senhora ... da Câmara Municipal de Lisboa com o Pelouro da Habitação, Dra. BB, exarada no dia 17 de Maio de 2021, …, de cessação da autorização de utilização da recorrente e agregado familiar, relativamente ao fogo municipal sito na Av. ... ..., em Lisboa, com fundamento no disposto no n.º 1, alínea b) do Artigo 24° da Lei 81/2014, de 19 de Dezembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, com as necessárias consequências previstas nos termos da lei (cfr factos provados nº 6 e 7). A questão que se coloca é a de saber se existe uma relação de confirmatividade entre estas duas decisões, a de 17.5.2021 e a de 18.3.2024. O art 53º, nº 1 do CPTA, define os atos confirmativos como os que se limit[a]m a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores. Os atos confirmativos, por regra, não são impugnáveis – nº 1 - excetuam-se do disposto no número anterior os casos em que o interessado não tenha tido o ónus de impugnar o ato confirmado, por não se ter verificado, em relação a este ato, qualquer dos factos previstos nos nº 2 e 3 do artigo 59º (nº 2 do art 53º). O ato confirmativo é, pois, «aquele que se limita a repetir um ato administrativo anterior, sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo» (cfr Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, em «Comentário ao CPTA», 2017, 4 ª edição, pág 360). Será confirmativo o (segundo) ato em que exista identidade de sujeitos, de objeto e de decisão com o primeiro ato. Acresce que, para haver identidade de decisão, importa, não apenas a existência de identidade de resolução dada ao caso concreto, mas também identidade da fundamentação da decisão e identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão. Ora, in casu, compulsados ambos os atos, verifica-se que o ato suspendendo de 18.3.2024 decide no mesmo sentido a questão de direito colocada, isto é, a cessação da autorização de utilização pela recorrente e agregado familiar do fogo municipal, com fundamento no disposto no art 24º, nº 1, al b) da Lei nº 81/2014, de 19.12, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2016, de 24.8, isto é, por falta de permanência da recorrente e agregado familiar na habitação municipal, sita na Av. ... ..., em Lisboa. Efetivamente, e como corretamente decide a sentença recorrida, não há na fundamentação de facto e de direito qualquer inovação neste ato de 18.3.2024 em relação ao anterior de 17.5.2021. O motivo que ditou a desocupação do fogo municipal é o mesmo, a saber: a falta de permanência da recorrente e agregado familiar na habitação municipal, sita na Av. ... ..., em Lisboa, previsto no art 24º, nº 1, al b) da Lei nº 81/2014. A entidade requerida/ recorrida reanalisou a decisão de cessação de direitos habitacionais relativos ao fogo municipal, a pedido da requerente/ recorrente, mas manteve a decisão, de facto e de direito, de 17.5.2021. Inexistindo discordância quanto à identidade do autor e do destinatário de ambos os atos, os quais são a ora entidade recorrida e a ora recorrente. Donde, estão reunidos no caso os pressupostos essenciais à confirmatividade do ato administrativo. E, porque confirmativo, de acordo com o disposto no art 53º, nº 1 e nº 2 do CPTA, é inimpugnável o despacho suspendendo de 18.3.2024. Assim, a sentença recorrida ao julgar procedente a inimpugnabilidade do ato suspendendo, por entender que o despacho de 18.3.2024, que decidiu manter a decisão de 17.5.2021, era meramente confirmativo e não impugnável, não padece de violação da norma prevista no art 53º, nº 1 do CPTA. Daqui decorre que, no presente processo cautelar se verifica fumus malus, pois, mais do que a elevada probabilidade de a ação principal vir a ser julgada não provida e improcedente, é certa ou muito provável a não verificação dos pressupostos processuais da impugnabilidade do ato administrativo de 18.3.2024, o que obsta à apreciação do mérito da mesma, com a consequente absolvição da entidade demandada da instância. Não se verificando o fumus boni iuris, desnecessário de torna, por inútil, aferir dos demais requisitos de que dependeria o decretamento da providência cautelar requerida, já que eles são de verificação cumulativa e a falta de qualquer um prejudica o conhecimento dos restantes. Razões pelas quais o desfecho do presente pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão da eficácia de ato administrativo não pode ser outro que não o indeferimento por falta de verificação do requisito do fumus boni iuris. A sentença recorrida absolveu a entidade requerida, ora recorrente, da instância. Esta não é a consequência jurídica prevista na norma do art 120º, nº 1 do CPTA, como explicámos em cima. Efetivamente, face ao quadro legal que se aplica ao caso, por não estar verificado, in casu, o fumus boni iuris, recusa-se a adoção da providência cautelar requerida. Decisão Nestes termos, acordam em Conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em: i. manter o efeito devolutivo ao recurso; ii. negar provimento ao recurso e, com a fundamentação exposta, julgar improcedente a providência cautelar. Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie. Notifique. * Lisboa, 2025-11-20, (Alda Nunes) (Marta Cavaleira) (Mara Magalhães) |