Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:617/20.7BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:REVERSÃO
DEMONSTRAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA DE BENS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Decorre do regime da responsabilidade tributária subsidiária aplicável que constitui fundamento ou requisito legal de reversão da execução fiscal contra o gerente a inexistência ou insuficiência do património da devedora originária para satisfação da dívida exequenda e do acrescido.
II - Ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram este fundamento previsto na lei para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.
III – Não tendo o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. logrado fazer a prova da insuficiência ou inexistência de ativos da sociedade devedora originária para pagamento da dívida exequenda e do acrescido, impõe-se concluir que a reversão não foi validamente realizada.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. («IGFSS») veio apresentar recurso da sentença proferida a 17/07/2023 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por M…, melhor identificado nos autos, no processo de execução fiscal («PEF») n.º 1501201500330370 e apensos, contra si revertidos, originariamente instaurados contra a «B…, Sistemas de Informação, Lda.», para cobrança de dívidas de contribuições e quotizações, do ano de 2015, no valor total de 26.319,23 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:
«1. Encontram-se reunidos os pressupostos legais constantes do artigo 24.º n.º 1 alínea b) da Lei Geral Tributária, ou seja o Recorrido é gerente de facto, responsável pelas dividas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminada no período do exercício do seu cargo.
2. Cabendo, por força do disposto no mesmo normativo legal, ao responsável subsidiário a prova de que não foi por sua culpa que tais pagamentos não foram efetuados, não tendo a mesma ilidido a presunção de culpa na falta de pagamento da dívida.
3. Pelo contrário, a prova documental carreada para os autos peta Recorrente demonstra que o Recorrido exerceu a administração de facto e de direito na devedora originária.
4. De todas as diligências encetadas, forçoso é concluir pela fundada insuficiência de bens da sociedade devedora originária e por se encontrarem verificados os pressupostos da presente reversão, nos termos do disposto nos artigos 23.º, n.º 2, da LGT, e 153.º, n.º 2, do CPPT.
5. A Recorrente considera que existiu uma falta de exame critico pelo Tribunal "a quo" da prova produzida, nos termos do artigo 607.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil.
6. Não prova o Recorrido que não tenha exercido de facto as funções de gerente durante o período a que respeita a dívida.
7. Sendo provada a insuficiência dos bens da devedora originária não há lugar a realização de avaliação técnica do património, pelo que inverte-se o ónus da prova e cabe ao Recorrido fazer prova da suficiência de bens para não se consagrar a reversão, o que não logrou fazer.
8. Deste modo, foram efetuadas consultas (através de ficheiros informaticos) à eventual existência de bens imóveis, saldos bancários, e outros bens suscetíveis de responderem pela quantia exequenda, os quais se revelaram infrutíferos por ausência de bens.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., doutamente suprirão, conceder provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, e revogando-se a douta decisão recorrida.»
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O Recorrente apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. A Recorrente não impugna nem nas conclusões, nem mesmo na alegação a matéria de facto dada por provada que assim se tornou assente.
2. Constata-se que existe défice instrutório da Exequente aqui Recorrente, que, por sua vez, causa erro nos pressupostos de facto do despacho de reversão, e consequente anulabilidade, por não se encontrar comprovada a inexistência/insuficiência de bens da devedora originária [artigos 23º e 58º da LGT, artigo 153º, nº 2 do CPPT, e artigo 135º do CPA, aplicável ex vi artigo 2º, alínea c) da LGT], impondo-se concluir pela ilegalidade do despacho de reversão.
3. A Sentença recorrida, não merece qualquer reparo, andou bem e não violou, qualquer norma legal, muito menos o nº 4 do art. 607º do CPC que se mostra exemplarmente cumprido, por isso deve ser mantida na íntegra.».
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A Exma. Magistrada do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrada a insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária para pagamento das dívidas exequendas e do acrescido.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1) Em 14/12/2005, foi constituída a sociedade por quotas “B…, Sistemas de Informação, Lda.” – facto que se extrai da Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial de Cascais, de fls. 349 a 364 do SITAF;
2) Na mesma data em que foi constituída a sociedade referida no nº anterior, foi nomeado gerente, entre outros, o Oponente - facto que se extrai da Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial de Cascais, de fls. 349 a 364 do SITAF;
3) Em 11/06/2008, foi registada a cessação de funções de gerente do Oponente na sociedade identificada no nº 1 – fls. 349 a 364 do SITAF;
4) Em 11/06/2008, foi registada a alteração do contrato de sociedade com a indicação do sócio “G…, S.A.” com uma quota de € 45.625,00 – fls. 349 a 364 do SITAF;
5) Em 08/10/2008, o Oponente foi nomeado gerente da sociedade identificada no nº 1 – fls. 349 a 364 do SITAF;
6) Em 09/07/2013, o Oponente enviou uma carta à entidade “G…, S.A.” pela qual pede o pagamento do valor de € 269.487,33 – não impugnado, doc. 5 junto à PI, págs. 13 a 16 de fls. 34 a 67 do SITAF;
7) Em 31/12/2014, a sociedade “G…, S.A.” apresenta um saldo a favor da sociedade identificada no nº 1, no valor de € 294.084,59 – facto não impugnado e que se extrai do extrato de conta constante do doc. 3 junto à PI, pág. 11 de fls. 34 a 67 do SITAF;
8) Na mesma data referida no nº anterior, a entidade “B…, Sistemas de Informação, Lda.” apresenta um saldo a favor da entidade “G…, S.A.”, no valor de € 23.732,95 - facto não impugnado e que se extrai do extrato de conta constante do doc. 4 junto à PI, pág. 12 de fls. 34 a 67 do SITAF;
9) Em 15/08/2015, e em 12/10/2015, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou dois ofícios designados “Citação”, por via postal registada e com aviso de receção, à entidade “B…,Sistemas de Informação, Lda.” no âmbito do PEF 1501201500330370 e apensos, e no âmbito do PEF 1501201500396320 e apensos, para pagamento das quantias exequendas de € 11.028,72, e de € 9.720,02, respetivamente, referentes a contribuições e quotizações relativas ao período compreendido entre março de 2015 e julho de 2015 – págs. 5 a 21 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
10) Os avisos de receção relativos aos ofícios identificados no nº anterior foram devolvidos à Secção de Processo de Setúbal do IGFSS, com a menção “Mudou-se” e “Desconhecido”, respetivamente – fls. págs. 13 e 21 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
11) Em 27/01/2016, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou vários ofícios a instituições bancárias, com o assunto “Penhora de valores, Processo de Execução Fiscal nº 1501200900271560 e outros“ – fls. 23 a 53 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
12) Em 10/02/2016, a entidade “B…, Sistemas de Informação, Lda.” intentou ação judicial contra a entidade “G…, S.A.” para cobrança da dívida existente, que deu origem ao processo nº 19007/15.7T8PRT que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais, Instância Central, Secção Cível, Juiz 2 - facto não impugnado, doc. 8 de fls. 34 a 67 do SITAF;
13) Em 03/04/2017, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou um ofício ao Oponente, por via postal registada, com o assunto “Notificação para exercício de audição prévia em sede de reversão do responsável subsidiário”, através do qual anexa o respetivo projeto de decisão, bem como os valores em dívida, extraindo-se o seguinte:


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(…)

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- págs. 57 a 61 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
14) Em 21/04/2017, o Oponente envia resposta por escrito à Secção de Processo de Setúbal do IGFSS, recebida por esta em 24/04/2017 (conforme carimbo aposto na mesma), da qual se extrai o seguinte:


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(…)
- págs. 79 a 141 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
15) O doc. nº 1 que o Oponente se refere na resposta mencionada no nº anterior, reporta-se ao ofício identificado no nº 4 – cfr. págs. 89 a 95 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
16) Em 12/06/2017, foi registada a cessação de funções de gerente do Oponente na sociedade identificada no nº 1 – fls. 349 a 364 do SITAF;
17) Em 01/09/2017, foi homologada por sentença a transação celebrada entre a entidade “B…, Sistemas de Informação, Lda.” e a entidade “G…, S.A.” no âmbito do processo nº 19007/15.7T8PRT, pela qual se reduziu o pedido para € 20.000,00 – facto não impugnado, doc. 9 junto à PI, de fls. 34 a 67 do SITAF;
18) Em 18/04/2018, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou um ofício a uma instituição bancária, com o assunto “Penhora de valores, Processo de Execução Fiscal nº 1501200900271560 e outros“– fls. 63 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
19) Em 24/06/2019, o IGFSS elaborou a informação nº 419/2019, com o assunto “Proposta de Prossecução/ Não Prossecução da Reversão. Devedor Originário NIF 5… B…, Sistemas de Informação, Lda. Revertido: NIF 1…. – M…”, da qual se extrai o seguinte:
“Na sequência do requerimento apresentado pelo MOE, e após consulta de todos os dados constantes no Sistema de Informação da Segurança Social (SEF, CDF, IDQ), de certidões fiscais e demais diligências documentadas nos autos, propõe-se o seguinte:
(…) Prescrição da dívida exequenda quanto ao/ à MOE, para o(s) período(s) constante(s) da NAP, porquanto se verifica a caducidade do direito de acionamento do mecanismo da reversão, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 48º, nº 3 da LGT. PEF´S 1501201300530700, 1501201200530735;
- Prossecução da reversão contra o MOE, para o(s) períodos) constantes da NAP, porquanto o mesmo foi gerente/administrador/a da devedora originária naquele(s) período(s) PEF´S 1501201500330370, 1501201500330388, 1501201500396320, 15012015003963354;
(..) Não prossecução da reversão contra o/a MOE abaixo indicado, porquanto inexiste quantia exequenda nos PEF´S abrangidos pela NAP – art. 23º, nº 5 e 6 da LGT. PEF 1501201400059226” – pág. 161 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
20) Sobre a proposta referida no nº 19, recaiu despacho da Coordenadora da Secção de Processo de Setúbal do IGFSS, nos seguintes termos:
“Concordo com a proposta cujo teor aqui se reproduz para os legais efeitos, pelo que determino o seguinte:
(…) prescrição da dívida exequenda quanto ao/ à MOE, para o(s) período(s) constante(s) da NAP, porquanto se verifica a caducidade do direito de acionamento do mecanismo da reversão, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 48º, nº 3 da LGT. PEF´S 1501201300530700, 1501201200530735;
- Prossecução da reversão contra o/a MOE, para o(s) período(s) constante(s) da NAP, porquanto o mesmo foi gerente/administrador/a da devedora originária naquele(s) período(s) PEF´S 1501201500330370, 1501201500330388, 1501201500396320, 15012015003963354;
(..) Não prossecução da reversão contra o/a MOE abaixo indicado, porquanto inexiste quantia exequenda nos PEF´S abrangidos pela NAP – art. 23º, nº 5 e 6 da LGT. PEF 1501201400059226” – pág. 161 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
21) Em 05/07/2019, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou ao Oponente ofício com assunto “Notificação de audição prévia”, do qual se extrai o seguinte:

- pág. 163 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
22) Em 05/07/2019, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou ao Oponente ofício
com assunto “Notificação de audição prévia”, do qual se extrai o seguinte:

- pág. 165 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
23) Em 18/07/2019, a Coordenadora da Secção de Processo de Setúbal do IGFSS proferiu despacho no âmbito do PEF 1501201300530700, e apensos, do qual se extrai o seguinte:



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- págs. 69 a 71 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
24) Na mesma data referida no nº anterior, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou ao Oponente ofício designado “Citação (Reversão)”, por via postal registada, no âmbito do PEF identificado no nº anterior, para pagamento da quantia exequenda de € 20.748,74, referente a contribuições e quotizações, no período compreendido entre março e julho de 2015 – págs. 67 a 71 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
25) Em 07/08/2019, o ofício identificado no nº anterior foi devolvido ao IGFSS, com a menção “Objeto não reclamado” – pág. 72 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
26) Em 14/07/2020, a Secção de Processo de Setúbal do IGFSS enviou ao Oponente ofício designado “Citação (Reversão)”, por via postal registada com aviso de receção, no âmbito do PEF 1501201500330370, e apensos, para pagamento da quantia exequenda € 20.748,74, referente a contribuições e quotizações, no período compreendido entre março e julho de 2015, do qual se extrai o seguinte:



– págs. 167 a 176 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
27) Em anexo ao ofício referido no nº anterior, consta o documento “Despacho de reversão”, do qual se extrai o seguinte:



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- págs. 169 e 170 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
28) Em anexo ao ofício referido no nº 26, consta o documento “Notificação dos valores em
dívida”:

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- págs. 171 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos;
29) O aviso de receção relativo ao ofício identificado no nº 26 encontra-se com a aposição da data 20/07/2020, e com a menção “Covid-19” - pág. 177 do doc. de fls. 125 a 302 dos autos.

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«a) A G… tinha total domínio sobre a vida e as decisões da B….».
*
Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos juntos, não impugnados, bem como na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada número
do probatório, de acordo com a livre apreciação da prova.
O Tribunal deu como não provado o facto identificado em a) dos “factos não provados”, com
base no seguinte:
Relativamente à alegação de que a “G… tinha total domínio sobre a vida e as decisões da B…”, foi apenas provado que tinha uma dívida à devedora originária (nºs 6 e 12 dos factos provados) e que o Oponente é que era o respetivo gerente, conforme resulta diretamente dos factos provados (através de prova documental) e pela prova testemunhal.
Foi valorado e ponderado o depoimento da testemunha A…, economista, trabalha na C… Benfica – Lisboa, empresa que tratou da contabilidade da B… até 2016.
Num depoimento credível, isento e imparcial, respondeu que, no período em que tratou da contabilidade da B…, tinha contacto com o gerente M…. Mais esclareceu que o M… era o sócio principal da B… em Espanha, mas que o gerente da sociedade era o M…. Também referiu que a B… dependia dos pagamentos da G…, existindo problemas de liquidez da B… porque não recebia os referidos pagamentos. Sabe que existia uma dívida de duzentos e tal mil euros da G… à B…, mas não sabe se a mesma foi paga.
Foi valorado e ponderado o depoimento da testemunha M…, técnico
oficial de contas, tendo sido contabilista da B… até 2015.
Num depoimento credível, isento e imparcial, respondeu que existia uma dívida da G… à B…, e que esta dependia totalmente da facturação da G…. Desconhece se o Oponente estava dependente das decisões de Espanha.».
*
III.B De Direito

Insurge-se o Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração da insuficiência ou inexistência de bens para pagamento das dívidas exequendas. Vem, assim, o Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 501201500330370 e apensos, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que ficou demonstrada a impossibilidade de pagamento dos créditos exequendos pela sociedade devedora originária.

Por seu turno, sustenta o Recorrido que a sentença recorrida não padece do desacerto que lhe vem assacado, porquanto o Recorrente não logrou demonstrar a insuficiência/inexistência de bens da devedora originária para satisfação dos créditos exequendos.

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que o Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento.

Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em 5. das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta ao Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta («existiu uma falta de exame crítico (…) da prova produzida»), carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos da matéria de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entende que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada.

Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pelo Recorrente na presente lide recursiva.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que a sentença em dissídio não padece do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas.

Vejamos, então, porquê.

A responsabilidade pelo pagamento da dívida tributária poderá ser exigida, não só ao sujeito passivo originário, mas também aos substitutos legais e aos responsáveis tributários subsidiários previstos na lei.

A responsabilidade tributária subsidiária encontra-se consagrada no art.º 22.º da Lei Geral Tributária («LGT»), que prevê o seguinte:
«Artigo 22.º
Responsabilidade tributária
1 - A responsabilidade tributária abrange, nos termos fixados na lei, a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais.
2 - Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas.
3 - A responsabilidade do cônjuge do sujeito passivo é a que decorre da lei civil, sem prejuízo do disposto em lei especial.
4 - A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.
5 - As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.».

Todavia, o instituto da responsabilidade tributária caracteriza-se pela sua excecionalidade, apenas podendo operar em determinados casos, e verificados que estejam, cumulativamente, os respetivos requisitos, previstos no art.º 23.º da LGT, que dispõe o seguinte, no que releva para o caso dos autos:
«Artigo 23.º
Responsabilidade tributária subsidiária
1 - A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.
3 - Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adoção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei.
4 - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
5 - O responsável subsidiário fica isento de custas e de juros de mora liquidados no processo de execução fiscal se, citado para cumprir a dívida constante do título executivo, efetuar o respetivo pagamento no prazo de oposição.
6 - O disposto no número anterior não prejudica a manutenção da obrigação do devedor principal ou do responsável solidário de pagarem os juros de mora e as custas, no caso de lhe virem a ser encontrados bens.
(…)».

Mais estabelece, a este respeito, o art.º 153.º do CPPT o seguinte, no que ora importa:
«Artigo 153.º
Legitimidade dos executados
(…)
2. O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.».

Nestes termos, a efetivação da responsabilidade tributária subsidiária concretiza-se através da reversão da dívida tributária, imputando os efeitos do incumprimento, por parte do devedor originário, ao responsável subsidiário.

Contudo, para que a reversão ocorra, o IGFSS tem de alegar e demonstrar a presença e verificação, cumulativa, dos seguintes pressupostos:

(i) inexistência ou insuficiência do património/bens penhoráveis do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido, a aferir de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 153.º do CPPT e do n.º 2 do art.º 23.º da LGT; e,

(ii) exercício efetivo do cargo de gerente/administrador nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta, de acordo com o regime previsto no art.º 24.º da LGT.

No que respeita ao primeiro dos pressupostos, o Supremo Tribunal Administrativo («STA»), em acórdão de 16/5/2012, tirado no processo n.º 0123/12 (disponível em www.dgsi.pt), pronunciou-se sobre o conceito da «fundada insuficiência» dos bens da devedora originária para fazer face às dívidas tributárias, nos seguintes termos:
«A “fundada insuficiência” dos bens do devedor originário legitima a reversão antes da prévia excussão dos bens do devedor originário. Trata-se, porém, de uma situação de excepção à regra geral do benefício da excussão prévia que apenas se justifica, como refere Tânia Meireles da Cunha, “em casos de incontestável e quase absoluta insuficiência de bens do devedor originário, ou seja, em casos em que tal património seja indubitavelmente diminuto” [cf. Da responsabilidade dos gestores de sociedade perante os credores sociais, 2ª ed. pág. 106).
Para que essa insuficiência se possa considerar como demonstrada, é necessário que os elementos em que assenta o juízo permitam, em termos lógicos, retirar essa conclusão, fundamentando-se nos elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT.
Para este efeito, avulta a necessidade de averiguação da situação patrimonial concreta da devedora originária por parte do órgão da execução fiscal, estando vinculado a fazer uma investigação aprofundada, proporcional e adequada sobre a existência de bens no seu património (dos eventuais responsáveis solidários), nos termos do artigo 58.º da LGT, que prescreve que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».

Por outro lado, o devedor originário e o revertido estão sujeitos aos princípios da colaboração e da participação, previstos nos art.ºs 59.º e 60.º da LGT, devendo colaborar ativamente com o órgão da execução fiscal para a cabal determinação do património da devedora originária, mormente, no que ao responsável subsidiário respeita, aquando da audição prévia à reversão, prevista no n.º 3 do art.º 23.º da LGT.

Quanto ao revertido, diga-se que não basta alegar a existência de ativos para afastar a conclusão fundada retirada pela AT quanto à insuficiência patrimonial da executada originária, sendo necessário e decisivo, nesse caso, demonstrar a existência de tais elementos patrimoniais (e no caso de créditos, que apresentam um mínimo de cobrabilidade ou alguma garantia de cobrança).

Ademais, a inexistência ou insuficiência de bens da sociedade devedora originária, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, deve reportar-se ao momento em que a reversão ocorre (cf. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 4/7/2019, relativo ao processo n.º 03010/15.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).

Se os autos e o probatório evidenciam, à data em que a reversão ocorre, a existência de bens do devedor principal e o órgão de execução fiscal nada faz para proceder à sua penhora ou sequer para descortinar, com o necessário rigor, qual o seu valor, o ato de reversão enfermará, pois, de erro nos pressupostos de facto se no mesmo se afirma, enquanto pressuposto da reversão da execução fiscal, a insuficiência de bens da devedora originária para a satisfação dos créditos exequendos, o que necessariamente se refletirá na validade desse ato de reversão.

Finalmente, cumpre referir que o benefício da excussão prévia, previsto no n.º 3 do art.º 23.º da LGT (que resulta da transposição, para o domínio fiscal, do instituto civilístico com o mesmo nome, previsto no artigo 627.º do Código Civil), traduz-se no direito do responsável subsidiário se opor a que a execução dos seus bens se efetue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal; contudo, tal não obsta a que a reversão da execução fiscal contra si possa efetuar-se em momento anterior a essa venda, desde que os bens penhoráveis do devedor principal (e eventuais responsáveis solidários) sejam fundadamente insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (cf., neste sentido, o acórdão do STA de 22/6/2011, proferido no processo n.º 167/11, disponível em www.dgsi.pt).

Aqui chegados, e tendo ficado exposto o direito aplicável, regressemos, agora, ao caso concreto dos presentes autos.

Ressalta do probatório que foi entendido pelo órgão de execução fiscal no despacho de reversão que se verifica a «inexistência/insuficiência de bens na titularidade da devedora originária», remetendo, para justificar esta conclusão, para as diligências que realizou (cf. pontos 23) e 26) da factualidade assente).

Ora, como bem se aponta na sentença recorrida, para efeitos de evidenciação da situação patrimonial da executada originária consta unicamente provado que o Recorrente contactou diversas instituições bancárias para efeitos de identificação de valores penhoráveis (cf. alíneas 11) e 18) da factualidade assente), desconhecendo-se, contudo, os resultados dessas diligências. Como também bem se deixou consignado na sentença em dissídio «não se localiza no PEF qualquer elemento que conclua pelo resultado positivo ou negativo das referidas diligências, nem qualquer avaliação técnica do património da devedora originária e que permita aceder aos motivos pelos quais o IGFSS formou a convicção no sentido do preenchimento do conceito de inexistência ou de insuficiência de bens da devedora originária».

Por outro lado, perscrutando o probatório verificamos que não existe qualquer facto que revele que o órgão de execução fiscal procedeu, conforme deveria, à realização de outras diligências no sentido de apurar a eventual existência de bens ou direitos penhoráveis da executada originária. Na verdade, para além dos contactos encetados com instituições bancárias acima referidos, desconhece-se se foram realizadas diligências pelo órgão de execução fiscal para determinar se existem ou não bens móveis suscetíveis de ser afetos ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, sendo que também nada é dito no âmbito do procedimento de reversão a respeito de eventuais disponibilidades de tesouraria da executada originária, se possui ou não créditos sobre clientes e se tem ou não outros direitos com valor económico transacional, o que seria fundamental para se poder aquilatar da sua real situação patrimonial. E sem informação quanto a estes elementos que podem integrar a esfera patrimonial de uma empresa, não pode o órgão de execução fiscal concluir com acerto e rigor quanto à situação patrimonial da executada originária.

Não se retira, pois, dos autos ou do PEF que o órgão de execução fiscal tenha verdadeiramente procurado confirmar a real situação patrimonial da executada originária, de modo a saber o valor dos bens (existências, bens do ativo imobilizado e direitos) que integram o seu património, ou se não possui quaisquer ativos, se possui ou não créditos sobre clientes, disponibilidades de tesouraria e a dimensão do seu passivo, designadamente o valor acumulado das dívidas a fornecedores, trabalhadores, banca e ao Estado.

É unicamente referido, de forma conclusiva, no projeto de decisão remetido para efeitos de audição prévia do Recorrido quanto à reversão que «Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para pagamento da dívida exequenda e acrescido» (cf. ponto 13) dos factos provados), sendo que essa asserção se revela eminentemente conclusiva e insuficiente, perante o que acima se deixou explanado, para se concluir quanto à situação patrimonial da devedora originária.

É que sendo a fundada insuficiência patrimonial para satisfação das dívidas que se encontram a ser coercivamente cobradas um dos requisitos para o órgão de execução fiscal reverter validamente contra o responsável subsidiário a execução fiscal, é imperativo que constem do PEF os elementos probatórios nos quais se encontra ancorada a conclusão retirada quanto à verificação deste requisito, devendo conter o despacho de reversão, diretamente ou por remissão, a motivação concreta da posição que irá ser externada para o administrado.

E in casu, quanto à alegada insuficiência de bens, não consta dos autos ou do PEF qualquer elemento ou informação donde se possa extrair, fundadamente, tal conclusão, sendo certo que no despacho de reversão inexiste qualquer fundamentação que possa sustentar a verificação deste requisito legal da reversão. Na realidade, a responsabilidade subsidiária pressupõe por natureza que o património do devedor originário não exista de todo ou, existindo, se revele ou se preveja como manifestamente insuficiente para garantir o pagamento da dívida tributária em causa (cf. artigo 153.º, n.º 2 do CPPT), devendo esta conclusão ser retirada através dos elementos de prova recolhidos pelo órgão de execução fiscal quanto à situação patrimonial da executada originária.

Nesta conformidade, concluímos que o Recorrente não logrou produzir prova bastante quanto à insuficiência patrimonial da executada originária, requisito indispensável para que a reversão da execução fiscal inicialmente instaurada contra a devedora originária possa ser validamente revertida contra o Recorrido.

Assim sendo, o pressuposto de facto em que assentou o despacho de reversão – insuficiência patrimonial da executada originária – não se mostra suficiente comprovado pelo órgão de execução fiscal, pelo que, em consequência, se encontra inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que determina a ilegitimidade do Recorrido, com a consequente extinção das execuções fiscais na parte contra si revertida, tal como foi julgado pelo Tribunal a quo.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida nos seus termos, o que de seguida se decidirá.
*
IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 26 de junho de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Lurdes Toscano)

(Isabel Vaz Fernandes)