Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2586/17.1 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/17/2022
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
ART.º 2.º, N.ºS 4 E 5 DO NRFGS
Sumário:I. Os limites impostos ao dever de pagamento de créditos laborais que resultam dos números 4 e 5 do art.º 2.º e do n.º 1 do art.º 3.º do NRFGS, mostram-se conformes com o estatuído nos artigos 3.º e 4.º da Diretiva 2008/94/CE e também não são inconstitucionais em face do disposto no art.º 13.º e no art.º 59.º, ambos da CRP.

II. Os créditos laborais vencidos antes do início do período de referência não têm de ser pagos pelo FGS.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

M...vem interpor recurso da sentença proferida pelo TAC de Lisboa que declarou improcedente o pedido de condenação do Fundo de Garantia Salarial a entregar-lhe o montante de 6.126,06€, a título de créditos emergentes de contrato de trabalho, não pagos pela sua entidade empregadora.
Apresentou as seguintes conclusões:

a) Existe uma contradição ou obscuridade na sentença, a qual gera nulidade da mesma, cfr. art. 1º do CPTA e art. 615º, n.º 1, ali. c) do CPC.
b) O período de referência de 6 (seis) meses da forma como se conjuga o art. 2º, n.º 4 e 5 do RGFGS, deverá ser considerado inconstitucional por violação do princípio de igualdade e direitos dos trabalhadores.
c) Deverá ser atribuído o montante peticionado, com os limites previstos no art. 3º do RGFGS.”

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O Recorrido não contra-alegou.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 146.º, n.º 1 do CPTA.


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Do objecto do recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 do CPTA e dos artigos 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA, sem prejuízo das questões que, sendo de conhecimento oficioso, possam ser decididas em face dos elementos que constem dos autos.
Assim, há que decidir se a sentença recorrida:
- é nula por existir contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, ou, ainda, por se mostrar obscura e, por isso, ser ininteligível (art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC);
- incorreu em erro de julgamento de direito, por o “período de referência de 6 (seis) meses da forma como se conjuga o art. 2º, n.º 4 e 5 do RGFGS”, se mostra inconstitucional por “violação do princípio de igualdade e direitos dos trabalhadores”.
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Fundamentação.

De facto.

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto, que não foi impugnada:

A. A Autora foi trabalhadora da sociedade B...-...., Lda., até 13/05/2014, data em que ocorreu despedimento por extinção do posto de trabalho – facto não controvertido;

B. Na 1.ª Secção de Comércio do Tribunal da Comarca de Lisboa correram termos, com o n.º 7700/15.9T8LSB, os Autos de Insolvência da sociedade B...-...., Lda., cuja petição foi apresentada em juízo a 18 de Março de 2015, tendo esta sociedade sido declarada insolvente por sentença daquele tribunal de 29 de Outubro de 2015 – cfr. e Documento 5 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

C. A Autora apresentou reclamação de créditos no processo de insolvência identificado em B), tendo o Administrador de Insolvência reconhecido o seu crédito em valor correspondente a 6.126,06 euros – cfr. Documentos 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

D. A 29 de Agosto de 2018, Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho com a sociedade B...-...., Lda., no valor global de 6.126,06 euros, referente a: retribuições de Setembro de 2013 e Dezembro de 2013 – 2.160,00 euros; subsídio de férias e de natal relativos 2013 – 1.080,00 euros; Indemnização/Compensação por cessação de contrato de trabalho – 2.713.85 euros; juros de mora – 172,91 euros – cfr. fls. 1 e 2 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

E. Por ofício do Fundo de Garantia Salarial, datado de 3 de Março de 2017, a Autora foi notificada de que, nos termos do despacho de 2 de Março de 2017, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento por si apresentado para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho seria indeferido, com fundamento no facto de os créditos requeridos não se encontrarem abrangidos pelo período de referência, «ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação de Insolvência, previsto no n.º 4 do artigo 2.º do Dec-Lei 59/2015, de 21 de Abril,», assim como, com o fundamento de que «O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2 do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril» – cfr. fls. 26 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

F. Por ofício do Fundo de Garantia Salarial, datado de 23 de Março de 2017, foi a Autora notificada de que, nos termos do despacho de 2 de Março de 2017, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento por si apresentado para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho seria indeferido – cfr. fls. 28 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;


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Direito
Da nulidade da sentença.
A Recorrente defende que a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1, al. c), do CPC, por existir contradição entre os fundamentos e a decisão proferida ou, pelo menos, por ser obscura e ininteligível.
O art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC estatui que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
A nulidade prevista na primeira parte da referida norma verifica-se quando, ao nível da lógica formal a que deve obedecer o silogismo judiciário, existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão, por aqueles apontarem num determinado sentido e a conclusão jurídica que deles se acaba por retirar se mostra incompatível com os fundamentos em que assenta. Veja-se, entre outros, o acórdão do STA de 07/06/2018, proc. n.º 065/18, ou o acórdão do STJ de 09/04/2019, proc. n.º 68/18.3YFLSB, em www.dgsi.pt.
Na sentença recorrida (cfr. páginas 20 a 23) decidiu-se que o prazo de um ano previsto no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, aprovado pelo DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, foi observado pela Recorrente.
Concretamente, refere-se na sentença que o referido prazo de um ano terminou a 12 de Novembro de 2016 e que o requerimento de pagamento de créditos foi apresentado pela ora Recorrente junto do FGS, a 29 de Agosto de 2016, antes daquele prazo findar.
Em face de tal constatação decidiu-se na sentença que o argumento apresentado pela Entidade Demandada no sentido de que o «requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2 do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril».”, não podia proceder.

De seguida e conforme resulta de fls. 23 da sentença, o Tribunal deteve-se a verificar se “o requerimento da Autora cumpre os demais requisitos previstos nos artigos 1.º a 3.º do NRFGS, designadamente se os créditos se venceram nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência ou, caso não haja, se há créditos vencidos após aquela data e se respeitam os limites quantitativos impostos.”.
Tendo concluído que, “inexistem créditos emergentes do contrato de trabalho e da respectiva cessação que se tenham vencido no período de referência - entre 18 de Setembro de 2014 e 18 de Março de 2015 e que também “inexistem créditos vencidos depois dessa data e que tenham sido reclamados pela Autora. Razão pela qual, não é a Entidade Demandada responsável pelo pagamento de qualquer crédito salarial reclamado pela Autora.”.
A final, declarou-se a improcedência do pedido.
Donde se conclui que não existe qualquer contradição, ao nível da lógica formal, entre os fundamentos e a decisão proferida, uma vez que a declaração de improcedência do pedido mostra-se concordante com os fundamentos em que assenta (a inexistência de créditos vencidos no período de referência ou mesmo após esse período, que tivessem sido reclamados ao FGS pela ora Recorrente).
Tal decisão mostra-se inteligível. Não se presta a interpretações diferentes ou opostas, que a possam tornar obscura.
Não se verifica, por isso, a invocada nulidade.

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Do erro de julgamento, por “violação do princípio de igualdade e direitos dos trabalhadores”.
Alega a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por o “período de referência de 6 (seis) meses da forma como se conjuga o art. 2º, n.ºs 4 e 5 do RGFGS”, se mostrar inconstitucional por “violação do princípio de igualdade e direitos dos trabalhadores”.
A Recorrente reconhece que não é titular de créditos vencidos no período de referência ou após esse período, mas diz queo trabalhador cujos créditos se venceram em momento anterior ao período de referência, mesmo com um vínculo à entidade empresarial muito superior, com as contribuições para a Segurança Social (a qual financia o Fundo de Garantia Salarial) eventualmente mais elevados e por períodos mais longo, pela redaçcão do art. 2, 5º do RGFGS fica privado da possibilidade de ser ressarcido pelos créditos laborais vencidos, mesmo que inferiores aos limites de importâncias pagas”.

O que diz ser inconstitucional,uma vez que inexiste qualquer justificação objetiva para não serem pagos os créditos vencidos anteriores ao período de referência, desde que não excedam os limites impostos pelo art. 3º do RGFGS”.

Aceita queos Estados através do Fundo de Garantia Salarial não são obrigados a pagar todos e quaisquer créditos vencidos e não pagos pelas entidades empregadoras”, mas defende que “aqui não se trata de todos os créditos vencidos e não pagos, mas apenas os créditos vencidos e não pagos pela entidade empregadora insolvente, devidamente reconhecidos, cuja impossibilidade de recuperar seja manifesta e com os limites do diploma em causa.”.

Os números 4 e 5 do art.º 2.º do NRFGS estatuem que:
“4 - O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
5 - Caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.”.
A delimitação, em seis meses, do referido período de referência, bem assim como a admissibilidade do pagamento de créditos vencidos após esse período, tudo com o limite que resulta do n.º 1 do art.º 3.º do NRFGS, resulta da transposição para o ordenamento jurídico nacional do disposto no art.º 3.º da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008 (que revogou Directiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de outubro de 1980 relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, que continha norma idêntica), que estabelece que:
Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.
Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros.”
No art.º 4.º da mesma Diretiva 2008/94/CE prevê-se expressamente a faculdade de limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.º, estabelecendo-se que:
“2. Quando os Estados-Membros fizerem uso da faculdade a que se refere o n.º 1, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o segundo parágrafo do artigo 3.º
Os Estados-Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses.
(…)
3. Os Estados-Membros podem estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efectuados pela instituição de garantia. Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objectivo social da presente directiva.
(…)”.
Os limites impostos ao dever de garantia que recai sobre o FGS, que resultam dos números 4 e 5 do art.º 2.º e do n.º 1 do art.º 3.º do NRFGS, mostram-se conformes com o estatuído nos artigos 3.º e 4.º da Diretiva 2008/94/CE, ora transcritos.
E também não são inconstitucionais em face do art.º 13.º e do art.º 59.º, ambos da CRP, que tratam, respectivamente, do princípio da igualdade e dos direitos dos trabalhadores, estabelecendo este último, no seu n.º 3, que “os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei”.
Sobre a questão já se pronunciou o Tribunal Constitucional, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma segundo a qual o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, decorrente do artigo 2.º, n.º 4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril” – cfr. acórdão n.º 152/2020, de 04/03/2020 e acórdão n.º 269/2020, de 14/05/2020, ambos do TC, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Para tanto, referiu-se no primeiro dos referidos acórdãos:
“(…)
12. A segunda norma desaplicada pela decisão a quo é a que estabelece que o Fundo assegura o pagamento de créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, decorrente do artigo 2.º, n.º 4, NRFGS.

Como enquadramento, é de referir que o Fundo de Garantia Salarial tem por objetivo assegurar o pagamento aos trabalhadores de créditos laborais emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou à apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas (artigo 2.º, n.º 1 e 4, NRFGS). O artigo 3.º, n.º 1, NRFGS estabelece dois limites aos montantes garantidos pelo Fundo: um limite máximo global, equivalente a seis meses de retribuição, e um limite máximo mensal, correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.

Os referidos créditos são garantidos desde que seja proferida a sentença de declaração de insolvência do empregador; o despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização; ou o despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P., no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas (artigo 1.º, n.º 1, NRFGS).

13. Neste âmbito, aplica-se à norma aqui em causa, em grande parte, o enquadramento geral do regime constante da fundamentação do Acórdão n.º 328/2018, da 1.ª Secção, pontos 2.3. e 2.4.

Neste contexto, a referida norma também corresponde à concretização da especial proteção que é devida à retribuição do trabalho, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Como é referido no Acórdão n.º 328/2018, ponto 2.4.1.:

«Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).» (sublinhado adicionado)

14. Por outro lado, a norma resulta da transposição da Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador – que corresponde a uma codificação da legislação anterior, mais especificamente a Diretiva n.º 80/987/CEE, do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, que sofreu diversas alterações.

Estabelece a Diretiva n.º 2008/94/CE que «Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem (…) o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho», consistindo os referidos créditos a cargo da instituição de garantia nas «remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros» (artigo 3.º).

É reconhecida aos Estados-Membros a «faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.º», no respetivo artigo 4.º, n.º 1, caso em que «devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia». Esta duração «não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o segundo parágrafo do artigo 3.º» - podendo ser calculada «com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses» (artigo 4.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/94/CE). Também se permite aos Estados-Membros «estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efetuados pela instituição de garantia», caso em que estes limites «não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objetivo social» da Diretiva (artigo 4.º, n.º 3, da Diretiva n.º 2008/94/CE).

Ainda no âmbito da anterior Diretiva n.º 80/987/CEE, foi colocada uma questão prejudicial pelo Tribunal Central Administrativo Norte português ao Tribunal de Justiça (TJ) precisamente sobre a compatibilidade com o Direito da UE de uma «disposição do direito nacional que garanta apenas os créditos que se vencerem [no período de] seis meses antes da propositura da ação de insolvência do seu empregador» - isto «mesmo quando os trabalhadores hajam proposto, antes do início desse período de seis meses, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva». Esta questão deu origem ao Acórdão do TJ de 28 de novembro de 2013, Maria Albertina Gomes Viana Novo e o. c. Fundo de Garantia Salarial, I.P., Proc. n.º C-309/12 (EU:C:2013:774), em que o TJ decidiu que a «Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva». O TJ, na fundamentação, refere que:

«20. A Diretiva 80/987 (…) visa assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção, ao nível da União Europeia, em caso de insolvência do empregador, através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração relativa a um determinado período (v. acórdãos de 4 de março de 2004, Barsotti e o., C-19/01, C-50/01 e C-84/01, Colet., p. I-2005, n.º 35; de 16 de julho de 2009, Visciano, C-69/08, Colet., p. I-6741, n.º 27; e de 17 de novembro de 2011, van Ardennen, C-435/10, Colet., p. I-11705, n.º 27).

21. É com este objetivo que o artigo 3.º da Diretiva 80/987, conforme alterada, impõe que os Estados-Membros tomem as medidas necessárias para que as instituições de garantia nacionais assegurem o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados.

22. Todavia, tanto a Diretiva 80/987, na sua versão inicial, como a Diretiva 80/987, conforme alterada, conferem aos Estados-Membros a faculdade de limitarem a obrigação de pagamento através da fixação de um período de referência ou de um período de garantia e/ou do estabelecimento de limites máximos aos pagamentos.

(…)

25. (…) [N]os termos do segundo parágrafo [do artigo 3.º da Diretiva 80/987], os Estados-Membros passaram a fixar livremente a data anteriormente e/ou, tal sendo o caso, posteriormente à qual se situa o período durante o qual os créditos correspondentes a remunerações em dívida são tomados a cargo pela instituição de garantia (v., neste sentido, acórdão de 18 de abril de 2013, Mustafa, C-247/12, n.ºs 39 a 41).

26. Ao abrigo do artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Diretiva 80/987, na sua versão inicial, quando os Estados-Membros optassem por limitar a garantia assegurada pela instituição, podiam situar a garantia mínima de três meses no período de seis meses anterior à data de referência. Após a entrada em vigor das alterações à Diretiva 80/987, na sua versão inicial, introduzidas pela Diretiva 2002/74, é também possível situar esse período posteriormente a esta data de referência. Os Estados-Membros têm também a faculdade de prever uma garantia mínima limitada a oito semanas, desde que este período de oito semanas se situe num período de referência mais longo, de dezoito meses, no mínimo.

27. Nestas condições, há que constatar que a Diretiva 80/987, conforme alterada, não se opõe a que um Estado-Membro fixe como data de início do cálculo do período de referência a data da propositura da ação de insolvência do empregador. De igual modo, se um Estado-Membro decidir fazer uso da faculdade de limitar a garantia através da fixação de um período de referência, pode escolher limitar este período de referência a seis meses, desde que garanta o pagamento da remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho.

28. Dado que, no âmbito do litígio no processo principal, a legislação nacional garante a remuneração referente aos três últimos meses da relação de trabalho, há que constatar que o legislador nacional, ao adotar disposições que preveem que o FGS assegura o pagamento dos créditos salariais vencidos seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador e, em certas condições, mesmo após essa data, pode fazer uso da faculdade de limitar a obrigação que incumbe às instituições de garantia, que lhe é conferida pelos artigos 3.º e 4.º da Diretiva 80/987, conforme alterada.

29. Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.º 20 do presente acórdão, a Diretiva 80/987, conforme alterada, visa apenas uma proteção mínima dos trabalhadores assalariados, em caso de insolvência do seu empregador. As disposições relativas à faculdade oferecida aos Estados-Membros de limitarem a sua garantia demonstram que o sistema estabelecido pela Diretiva 80/987, conforme alterada, tem em consideração a capacidade financeira desses Estados e procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia.

30. Esta consideração manifesta-se designadamente na faculdade concedida aos Estados-Membros de encurtarem o período de garantia, se o período mínimo de referência for prolongado, como prevê o artigo 4.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 80/987, como alterada, bem como na faculdade de estabelecerem limites máximos aos pagamentos, nos termos do artigo 4.º, n.º 3, desta diretiva.

31. Importa recordar que os casos em que é permitido limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia, previstos no artigo 4.º da Diretiva 80/987, conforme alterada, devem ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdão van Ardennen, já referido, n.º 34).

32. Todavia, a interpretação restritiva destes casos não pode ter por efeito esvaziar de conteúdo a faculdade expressamente reservada aos Estados-Membros de limitarem a referida obrigação de pagamento.

33. Ora, há que constatar que tal seria o caso se se devesse interpretar a Diretiva 80/987, conforme alterada, no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador.

34. Além disso, sublinhe-se que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.º 20 do presente acórdão, a Diretiva 80/987 visa assegurar aos trabalhadores uma proteção em caso de insolvência do empregador. Daí decorre que o sistema instituído por esta diretiva pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida.» (sublinhado adicionado)

No mesmo sentido, foi pronunciado o Despacho do TJ de 10 de abril de 2014, Joaquim Fernando Macedo Maia e o. c. Fundo de Garantia Salarial, I.P., no Proc. n.º C-511/12 (EU:C:2014:268).

Já ao abrigo da Diretiva n.º 2008/94/CE, o TJ pronunciou-se no mesmo sentido, no Acórdão de 25 de julho de 2018, Virginie Marie Gabrielle Guigo c. Fond «Garantirani vzemania na rabotnitsite i sluzhitelite», Proc. n.º C-338/17 (EU:C:2018:605), relativo à Bulgária, concluindo que «A Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional (…) que não garante os créditos salariais dos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado mais de três meses antes da inscrição no registo comercial da decisão judicial de abertura do processo de insolvência do empregador». Fundamenta essa conclusão referindo que:

«28. Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a finalidade social desta diretiva consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção ao nível da União Europeia em caso de insolvência do empregador através do pagamento dos créditos em dívida emergentes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração relativa a um determinado período (Acórdãos de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 20, e de 2 de março de 2017, Eschenbrenner, C-496/15, EU:C:2017:152, n.º 52 e jurisprudência referida).

29. É à luz deste objetivo que o artigo 3.º da referida diretiva impõe que os Estados-Membros tomem as medidas necessárias para que as instituições de garantia nacionais assegurem o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores

30. Contudo, como o Tribunal de Justiça já salientou, a Diretiva 2008/94 confere aos Estados-Membros a faculdade de limitarem a obrigação de pagamento através da fixação de um período de referência ou de um período de garantia e/ou do estabelecimento de limites máximos aos pagamentos (v., por analogia com a Diretiva 80/987, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 22, e Despacho de 10 de abril de 2014, Macedo Maia e o., C-511/12, não publicado, EU:C:2014:268, n.º 21).

31. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições da Diretiva 2008/94 relativas à faculdade conferida aos Estados-Membros de limitarem a sua garantia demonstram que o sistema estabelecido pela referida diretiva tem em conta a capacidade financeira desses Estados-Membros e que procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia (v., por analogia, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 29, e Despacho de 10 de abril de 2014, Macedo Maia e o., C-511/12, não publicado, EU:C:2014:268, n.º 21).

32. Assim, por um lado, o artigo 3.º, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/94 prevê que os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros.

33. Por outro lado, por força do artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva 2008/94, os Estados-Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.º da diretiva. Segundo o artigo 4.º, n.º 2, da referida diretiva, quando os Estados-Membros fizerem uso desta faculdade, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia sendo que, contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o artigo 3.º, segundo parágrafo, desta diretiva. Estas disposições concedem igualmente aos Estados-Membros a faculdade de inserirem este período mínimo de três meses num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses, bem como de preverem uma garantia mínima limitada a oito semanas, desde que este período de oito semanas se insira num período de referência mais longo, de dezoito meses, no mínimo (v., por analogia, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 26).

34. Importa recordar que os casos em que é permitido limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia, conforme previstos no artigo 4.º da Diretiva 2008/94, devem ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, Acórdãos de 17 de novembro de 2011, van Ardennen, C-435/10, EU:C:2011:751, n.º 34, e de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 31). Todavia, tal interpretação restritiva não pode ter por efeito esvaziar de conteúdo a faculdade expressamente reservada aos Estados-Membros de limitarem a referida obrigação de pagamento (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 32).

(…)

36. Ora, por força do artigo 4.º, n.º 1, e do artigo 4.º, n.º 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva, os Estados-Membros têm a faculdade de limitar a tomada a cargo pela instituição de garantia, caso a relação de trabalho tenha cessado antes dessa data de referência, apenas a concedendo aos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado durante os três meses que precedem essa data (…). Com efeito, a exclusão dos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado antes deste período não viola a proteção mínima prevista no artigo 4.º, n.º 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/94, uma vez que estes trabalhadores não têm, face ao empregador insolvente, créditos em dívida decorrentes do seu contrato de trabalho ou da relação de trabalho que tenham nascido nos três meses anteriores à referida data de referência.»

Resulta, assim, claro, da jurisprudência do TJ, que a norma portuguesa sob análise não é desconforme com a Diretiva n.º 2008/94/CE.

15. Cumpre ainda analisar se a fixação do referido período de garantia viola a Constituição.

É necessário, desde logo, distinguir a presente norma daquela que foi objeto de julgamento de inconstitucionalidade pelo Acórdão n.º 328/2018. Efetivamente, neste caso não estamos perante a determinação de um prazo para solicitar o pagamento dos créditos laborais, relativamente ao qual se possa discutir a previsão de causas de suspensão ou interrupção. A norma objeto de apreciação fixa o período de garantia dos créditos laborais emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação pelo Fundo – ou seja, o período durante o qual o Fundo é responsável pelo pagamento dos referidos créditos, com os limites estabelecidos no artigo 3.º NRFGS.

O período de referência tem a duração de 6 meses e tem como pontos iniciais para a sua contagem a propositura da ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas (artigo 2.º, n.º 1 e 4, NRFGS). A norma desaplicada, tal como delimitada pelo processo, reporta-se à garantia de 6 meses anteriores à propositura da ação de insolvência.

A legitimidade para apresentar o pedido de declaração de insolvência inclui, nos termos do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), «qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito», verificando-se algum de um conjunto de factos, nomeadamente, a «suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas», a «falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações», ou o «incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência» (sublinhado aditado). Isto significa que os trabalhadores e os possuidores de créditos laborais sobre uma pessoa coletiva têm legitimidade para apresentar o pedido de declaração de insolvência, cumpridas certas condições, assim determinando decisivamente qual o período de garantia assegurado pelo Fundo. Findos seis meses de incumprimento, por exemplo, de não pagamento de retribuição, podem os trabalhadores apresentar o referido pedido, garantindo o Fundo o pagamento dos créditos laborais durante esse período. Existe, assim, uma correspondência tendencial entre o tempo necessário para apresentar o pedido de declaração de insolvência e o período de garantia que justifica a coerência do regime. Aliás, no presente caso, a recorrida foi uma das requerentes da declaração de insolvência.

É verdade que, para requerer o pagamento dos créditos pelo Fundo, o trabalhador terá que aguardar pela verificação de uma das situações previstas no artigo 1.º, n.º 1, NRFGS, nomeadamente que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador. No entanto, isso não condiciona a fixação do período de garantia que permanece tendo como referência a propositura da ação, que pode ser exercida por si, autonomamente.

16. Assim, neste âmbito do prazo de garantia, não estamos perante uma situação em que o titular do crédito fica sujeito ao preenchimento de requisitos que não estão nas suas mãos ou que escapam ao seu controlo. Nesse caso, não se trata de uma situação comparável com a analisada no Acórdão n.º 328/2018, pois é possível ao credor, agindo com normal diligência, antever com suficiente segurança o comportamento que deve adotar para que o seu crédito seja coberto pelo período de garantia do Fundo – e adotá-lo, de facto, sem constrangimentos externos. Não está, assim, comprometido o princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).

Nesse domínio é necessário ter presente que o prazo de seis meses do período de garantia não é um prazo de caducidade ou prescrição relacionado com o exercício de um direito – mas sim o prazo que delimita a responsabilidade do Fundo por créditos ocorridos num período de tempo que é contado retroativamente a partir da ocorrência de um facto jurídico. Isso significa que, prima facie, não fará sentido falar neste caso em interrupção ou suspensão do prazo. De qualquer forma, não existe a invocação de qualquer facto externo que tenha impedido, dificultado ou impossibilitado a trabalhadora de propor a ação de declaração de insolvência do empregador num momento anterior, pelo que não fará sentido explorar essa via para o presente julgamento de inconstitucionalidade.

Por outro lado, na medida em que não se verifica uma situação em que o trabalhador titular do crédito fica sujeito a uma situação que foge ao seu controlo também não é possível encontrar aqui uma violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição). Não estamos perante uma situação de discriminação arbitrária de trabalhadores que, colocados na mesma situação, cumprindo os mesmos pressupostos, recebem tratamento diferente pelo sistema jurídico.

17. Por fim, não pode ser esquecido que o Fundo foi criado, em parte, para concretizar o mandamento constitucional constante do n.º 3 do artigo 59.º da Constituição, dirigido ao legislador da República, para que este institua “garantias especiais” para proteger os salários. Nessa medida, configurando uma das garantias especiais da retribuição, o regime do Fundo tem de ser efetivo, como referido no Acórdão n.º 328/2018, ponto 2.4.1., mas também terá de ser sustentável. Assim, é de aceitar que não resulta do texto constitucional a imposição de um Fundo de Garantia sem prazo, a todo o tempo.

De facto, o regime desenhado pela UE e transposto nacionalmente «tem em consideração a capacidade financeira» dos Estados-Membros, neste caso Portugal, e «procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia» (cfr. Acórdãos do TJ de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., Proc. n.º C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 29, e de 25 de julho de 2018, Guigo, Proc. n.º C-338/17, EU:C:2018:605, n.º 31). É, pois, de aceitar que exista um prazo de garantia que delimite as responsabilidades do Fundo de Garantia, desde que respeite as restantes imposições constitucionais, nomeadamente as decorrentes do princípio da proporcionalidade. Nesse contexto, um prazo que abrange os créditos laborais emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência não é desproporcionado.

Para além disso, o regime em causa «pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida» (cfr. Acórdão do TJ de 25 de julho de 2018, Guigo, Proc. n.º C-338/17, EU:C:2018:605, n.º 34) – o que se enquadra no dever do Estado de assegurar “garantias especiais” para proteger os salários nesse contexto especialmente complexo que é a insolvência do empregador. Assim, não é desrazoável que esse prazo tenha como ponto de referência para o início da sua contagem a propositura da ação de insolvência. Verifica-se, aliás, como já se referiu, uma tendencial correspondência temporal entre este período de garantia de seis meses e os seis meses de incumprimento de dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, que legitimam os trabalhadores a apresentar um pedido de declaração de insolvência. Nesta leitura integrada do regime, trata-se de um prazo adequado para a prossecução das finalidades a que o legislador se propôs.

18. Não se encontra, por isso, no presente caso, fundamento para o julgamento de inconstitucionalidade da norma que estabelece que o Fundo assegura o pagamento de créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência, decorrente do artigo 2.º, n.º 4, NRFGS.”.

Tais considerações são plenamente aplicáveis à questão de inconstitucionalidade suscitada pela Recorrente, que defende que o trabalhador titular de créditos não pagos pela entidade empregadora insolvente, que se venceram em momento anterior ao início do período de referência, fica privado, em face do disposto no art. 2º, n.ºs 4 e 5 do NRFGS “e sem que exista qualquer justificação objectiva e racional, da possibilidade de ser ressarcido pelos créditos laborais vencidos, mesmo que inferiores aos limites de importâncias pagas”.

Como se explica no acórdão acabado de transcrever, o objectivo do legislador comunitário (Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que revogou Directiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de Outubro de 1980), foi o de instituir um mínimo de proteção aos trabalhadores em caso de insolvência do empregador, através do pagamento de créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, mas com limitação da obrigação de pagamento através da fixação de um período de referência, ou de um período de garantia e/ou do estabelecimento de limites máximos aos pagamentos respeitantes à remuneração relativa a um determinado período.
A admissibilidade de tais limites ao pagamento dos créditos de natureza laboral resulta da necessidade de se ter em consideração a capacidade financeira dos Estados-membros e a de preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia. Não se visa garantir o pagamento de todos os créditos que os trabalhadores tenham sobre o empregador insolvente.
É certo que, conforme diz a Recorrente e resulta do disposto nos números 4 e 5 do art.º 2.º do NRFGS, os créditos laborais vencidos antes do início período de referência não têm de ser pagos pelo FGS.
No entanto, também há que ter presente que, perante qualquer dos factos referidos no n.º 1 do art.º 20.º do CIRS, demonstrativos do incumprimento generalizado por parte do empregador das obrigações que sobre si recaem, pode qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, intentar a acção de insolvência, pelo que, como se refere no acórdão do TC acima transcrito, não estamos perante uma situação em que o trabalhador titular do crédito fique sujeito a uma situação que escapa totalmente ao seu controlo, uma vez que pode intentar acção a pedir a declaração de insolvência do empregador, condicionando, por essa via, a fixação do termo inicial da contagem do prazo de seis meses do período de referência, de forma a que os seus créditos fiquem abrangidos por esse período.
Não existe, por isso, como se diz no acórdão do TC acima transcrito, uma situação de discriminação arbitrária de trabalhadores que, colocados na mesma situação e cumprindo os mesmos pressupostos, recebam tratamento diferente pelo sistema jurídico, pelo que não se pode concluir pela violação do princípio da igualdade nem dos “direitos dos trabalhadores” que a Recorrente invoca.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 17 de Fevereiro de 2022

Jorge Pelicano

Ana Paula Martins

Carlos Araújo