Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1427/19.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/07/2021
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATRASO DA JUSTIÇA;
CULPA DO LESADO (ARTIGO 4.º DO RRCEE);
DIMINUIÇÃO DO QUANTUM DA INDEMNIZAÇÃO.
Sumário:I. No ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.

II. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, comprovada a duração de uma ação cível por cerca de 11 anos, apurando-se uma paragem efetiva do processo por mais de 4 anos, por preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa.

III. Nos termos do artigo 4.º do RRCEE, afere-se a culpa do lesado em não promover a aceleração processual durante o período em que o processo esteve parado, por mais de 4 anos, depois de ter sido proferida decisão judicial e a aguardar a prolação do mero despacho de admissão do recurso.

IV. Os danos não patrimoniais imediatamente decorrentes da delonga processual presumem-se, não carecendo de demonstração.

IV. O quantum da indemnização, a fixar equitativamente pelo Tribunal, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, deverá atender ao tempo decorrido e às demais circunstâncias do caso, de entre as quais, a culpa do lesante e do lesado e intensidade dos danos na esfera jurídica dos Autores.

Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Estado Português, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 14/02/2020, que no âmbito da ação administrativa intentada por J................, M................ e A..............., contra o Estado Português, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o Réu ao pagamento de indemnização a cada um dos Autores no montante de € 5.750, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no exercício da função jurisdicional e atraso na realização de justiça.

Os Autores, vieram também interpor recurso jurisdicional contra a sentença.


*

Formula o Réu, aqui Recorrente, Estado Português, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1 – Na presente acção foi o R. – Estado Português condenado a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 5.750 (cinco mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação e até integral pagamento, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável.

2 – Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça torna-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sendo injustificados, venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes, o que não é o caso dos autos.

3 – Até porque no normal desenrolar dos autos verificou-se um lançar mão de expedientes processuais por parte dos AA., que apesar de legalmente previstos, contribuíram na sua quase totalidade para a alegada morosidade, de que os mesmos se queixam – “venire contra factum proprium”.

4 – Inexistindo “in casu” atraso na administração da justiça, com relevância para a atribuição de qualquer “quantum” indemnizatório aos AA., como foi feito na, aliás douta, sentença.

5 - Nos termos do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

6 - Tal responsabilidade civil corresponde, no essencial, ao conceito de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos consagrado no Código Civil, pelo que, para que os AA. pudessem ver ressarcidos os prejuízos eventualmente sofridos, sempre teriam que se mostrar reunidos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do citado código.

7 – De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos do poder judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo.

8 – Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável.

9 – Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado.

10 – A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada.

11 – Tendo esta acção demorado um prazo razoável para o seu termo, atendendo às circunstâncias concretas do mesmo, onde se inclui a quase total responsabilidade dos AA., atenta a sua litigiosidade, falece desde logo o requisito da ilicitude.

12 – Também a culpa terá que ser aferida segundo o que normalmente é exigível e perante as circunstâncias concretas do caso; e face a tais circunstâncias concretas, outra não poderia ser a conclusão da sua inexistência.

13 – Apenas constitui dano indemnizável – não patrimonial – aquele que, pela sua gravidade, justifique a tutela do direito.

14 – E não os “danos automáticos”, decorrentes da constatação de uma mera violação de um direito.

15 – Não se mostrando “in casu” ultrapassado o dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais, não estamos, no caso vertente, perante um quadro de sofrimento psíquico particularmente intenso, pelo que tal é insuficiente para qualificar os danos como graves, para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 496.º do Código Civil.

16 – Ora, faltando os requisitos supra referidos, necessariamente claudica a pretensão dos AA., na exacta medida em que a responsabilização do R. – Estado Português, a título de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, exige a verificação cumulativa dos respectivos pressupostos.

17 – O que não é, manifestamente, o caso.

18 – Foi, pois na, aliás douta, sentença feita uma indevida aplicação do direito aos factos, devendo a mesma ser substituída por outra que, não dando razão parcial aos AA., absolva o aqui R. – Estado Português “in totum” do pedido.”.

Pede o provimento ao recurso e a improcedência da ação, por não provada, absolvendo o Estado Português do pedido.


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Os Autores, ora Recorrentes, interpuseram recurso contra a sentença, para o que formularam as seguintes conclusões:

“1ª.

A condenação e a absolvição parciais do réu no pedido ficaram a dever-se ao facto de na sentença se ter considerado que o tempo decorrido entre o trânsito em julgado e a notificação da conta final de custas não deve ser contabilizado como sendo tempo de duração total do processo e que a indemnização só deve ser calculada com base nos anos considerados de atraso.

2ª.

Porém, é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência do TE que o artº. 6º.,§ 1º., da Convenção deve ser interpretado no sentido de o tempo decorrente entre o trânsito em julgado da decisão que julgou a causa e a notificação da conta final de custas também se conta para a determinação da duração total do processo.

3ª.

É igualmente entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência estrasburguesa que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser determinada com base no tempo de duração total do processo, e não só por cada ano considerado de atraso, à razão de uma quantia compreendida entre 1000,00 e 1500,00 euros por cada ano de pendência.

4ª.

Já se aceita em todos os quadrantes que é o TE que interpreta e determina o significado das normas da Convenção, densificando os conceitos de prazo razoável, indemnização razoável e danos não patrimoniais ressarcíveis e que a sua jurisprudência, como que interpretação autêntica, desempenha um papel de relevo, pelo que deve ser seguida pelos tribunais nacionais.

5ª.

Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais que os autores sofreram em consequência da violação do prazo razoável de decisão o tribunal, em vez de uma indemnização razoável, atribuiu uma quantia insuficiente, não tendo tido em conta os critérios constantemente seguidos pela jurisprudência estrasburguesa e pelos tribunais nacionais.

6ª.

Nomeadamente não teve em conta que o artº. 41º. da Convenção manda atribuir uma reparação razoável às vítimas da violação do prazo razoável e que o TE, seguido pelos tribunais nacionais, tem entendido que a indemnização deve ser fixada entre 1000,00 e 1500,00 euros por cada ano de duração do processo (e não só por cada ano de atraso).

7ª.

Na elaboração da sentença devia ter-se aplicado o citado artº. 41º. e interpretar-se os artºs. 494º. 496º., nºs. 1 e 3, ambos do CC, no sentido de afastar a aplicação do segundo normativo, simplesmente porque não se trata de uma situação em que a responsabilidade se funde em mera culpa para a indemnização poder ser reduzida.

8ª.

A sentença olvidou ou desconheceu a tendência jurisprudencial que se vem verificando, desde há vários anos, no sentido de se abandonar a atribuição de indemnizações insuficientes e não razoáveis, referindo-se em vários arestos que se trata de entendimento praticamente unânime.

9ª.

Cada um dos autores merece a atribuição de uma reparação razoável porque também é razoável o quantitativo que pediu, sobretudo se comparado com os que é habitual ver-se serem pedidos em processos idênticos a este, só podendo pecar por defeito, não por excesso.

10ª.

Além dos já citados, mostram-se violados os artºs. 2º., 20º., nº. 4, e 22º., todos da Constituição, 6º., § 1º., da Convenção, 2º., nº. 1, do CPC e 1º., nºs. 1e 2, 3º., 7º., nºs. 3 e 4, 9º., 10º., nº. 1, e 12º., todos do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pelo artº. 1º. da Lei nº. 67/07, de 31 de Dezembro, e 70º., nº. 1, 483º., nº. 1, 496º., nº. 1, e 563º. e segts., todos do CC.”.

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Notificado da interposição do recurso dos Autores, o Réu, Estado português veio contra-alegar, sem formular conclusões.

Dá por reproduzidos todos os considerandos, de facto e de direito, já expendidos no recurso apresentado, acrescentando que quando se referiu a fls. 04 das alegações de recurso que os autos com o nº 1473/18.0BELSB se encontravam pendentes para decisão, neste momento já foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e, absolvido o R. – Estado Português do pedido, decisão que ainda não transitou em julgado.


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Os Autores não contra-alegaram o recurso interposto pelo Réu, Estado português.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, às seguintes em relação a cada um dos recursos:

A. Recurso do Réu, Estado português

Erro de julgamento de direito, no tocante aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, por falta de atuação ilícita e culposa do Estado, do dano e do nexo de causalidade.

B. Recurso dos Autores

Erro de julgamento de direito no respeitante ao quantum da indemnização, em violação dos artigos 2.º, 20.º, nº. 4 e 22º., todos da Constituição, 6º., § 1º., da Convenção, 2º., nº. 1 do CPC e 1º., nºs. 1e 2, 3º., 7º., nºs. 3 e 4, 9º., 10º., nº. 1 e 12º., todos do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, e 70º., nº. 1, 483º., nº. 1, 496º., nº. 1, e 563º. e seguintes todos do CC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) Em 28.3.2008 os Autores propuseram contra o B.............., SA, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, uma acção com processo ordinário, à qual foi aposto o n.º 857/08.7TVLSB, tendo a mesma sido distribuída à antiga 7.ª Vara (fls. 2 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

B) Na referida ação, os Autores, na qualidade de mutuários e fiadores, pediram, além do mais, a declaração de nulidade de algumas das cláusulas inseridas num contrato designado de mútuo com hipoteca, celebrado a 24.6.2005, pelo prazo de 40 anos, através do qual o ali réu B.............., SA, lhes concedera um empréstimo de 249.399,00 euros, para aquisição de habitação própria permanente (fls. 23 a 25 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

C) Também pediram a redução da prestação mensal que ficaram obrigados a pagar ao mutuante, no valor inicial de 900,01 euros e depois agravada para 1276,12 euros, a restituição dos diferenciais então já vencidos e de todos os que viessem a vencer-se até ao trânsito em julgado da sentença que viesse a decidir a causa e a condenação do réu a abster-se de aplicar novos agravamentos no futuro (fls. 23 a 25 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

D) O Réu foi citado em 2.4.2008 (fls. 113 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

E) e contestou em 5.5.2008 (fls. 114 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

F) A contestação foi notificada aos Autores por ofício de 8.5.2008 (fls. 189 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

G) e estes replicaram em 23.5.2008 (fls. 190 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

H) Por ofício de 9.7.2008 os Autores foram notificados para, em 10 dias, juntarem aos autos documento comprovativo de terem notificado a réplica ao Réu (fls. 193 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

I) Em 1.8.2008 os Autores reclamaram dessa notificação (fls. 194 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

J) A reclamação foi objeto de despacho de indeferimento em 1.9.2008, data em que foi aberta conclusão (fls. 195 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

K) Por ofício de 3.9.2008 os Autores foram notificados desse despacho (fls. 196 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

L) Em 9.9.2008 os Autores juntaram comprovativo da notificação da réplica ao Réu (fls. 197 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

M) Foi aberta conclusão em 1.10.2008 (fls. 199 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

N) Nessa data foi marcada audiência preliminar para 19.2.2009 (fls. 199 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. I);

O) Na audiência preliminar os Autores apresentaram articulado superveniente, tendo o Réu sido notificado para responder, pelo que a diligência foi interrompida para continuar a 30.3.2009 (fls. 204 a 208 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II);

P) Na audiência preliminar foi proferido despacho saneador, mas não foi designada data para julgamento (fls. 231 a 259 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II);

Q) Em 9.9.2009 foi designada para julgamento a data de 2.3.2010 (fls. 264 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II);

R) Na data designada a audiência de julgamento foi iniciada e suspensa após a inquirição de uma testemunha, para continuar a 29.4.2010 (fls. 328 a 331 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II);

S) A leitura dos quesitos foi efetuada em 14.5.2010 (fls. 341 a 347 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II);

T) A sentença foi proferida em 11.10.2010 (fls. 347 a 389 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II);

U) O Réu recorreu da parte da sentença que lhe foi desfavorável em 11.11.2010 e os Autores fizeram-no a 26 do mesmo mês (fls. 400 a 409 e 410 a 462 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. II e vol. III);

V) O Réu contra-alegou em 20.1.2011 e os Autores fizeram-no em 27 do mesmo mês (fls. 549 a 744 e 756 a 758 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. III e vol. IV);

W) Os recursos foram admitidos por despacho de 4.2.2011 (fls. 760 a 769 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

X) e o processo foi remetido à Relação em 10.2.2011 (fls. 772 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

Y) Na Relação o processo foi apresentado a exame a 16.2.2011 e foi aberta conclusão no dia seguinte (fls. 774 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

Z) Em 20.10.2011 o relator proferiu despacho a mandar dar conhecimento aos juízes adjuntos (fls. 776 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

AA) De novo concluso a 10.11.2011 (fls. 778 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV),

BB) em 21.12.2012 o relator proferiu despacho a mandar inscrever o processo em tabela, para julgamento (fls. 778 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

CC) Na sessão de 21.2.2013 o julgamento foi adiado sine die, sem se ter indicado qualquer justificação (fls. 780 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

DD) Em 24.6.2013 o processo voltou a ser inscrito em tabela para julgamento, desta vez em 11.7.2013 (fls. 782 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

EE) O recurso foi decidido na data para tal efeito designada (fls. 783 a 823 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

FF) O acórdão foi notificado por ofícios de 12.7.2013 (fls. 824 e 825 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

GG) Os Autores interpuseram recurso de revista excepcional para o STJ em 23.9.2013 (fls. 827 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

HH) Em 25.10.2013 o Réu pronunciou-se no sentido de o recurso não ser admitido (fls. 861 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

II) Foi aberta conclusão em 25.11.2013 (fls. 865 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

JJ) Em 3.5.2018 o relator ordenou a remessa do processo ao STJ (fls. 869 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

KK) Em 4.6.2018 a secretaria deu cumprimento ao referido despacho (fls. 872 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

LL) O processo foi objeto de exame em 20.6.2018 (fls. 874 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

MM) A revista foi admitida por acórdão de 28.6.2018 (fls. 876 a 881 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV);

NN) O recurso foi decidido por acórdão de 19.12.2018 (fls. 903 a 967 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. V);

OO) O acórdão foi notificado por ofícios de 20.12.2018 (fls. 969 e 970 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. V),

PP) tendo transitado em julgado em 14.1.2019 (fls. 971 do processo apenso n.º 857/08.7TVLSB – vol. IV).


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A convicção do tribunal formou-se com base no teor de documentos que integram o processo n.º 857/08.7TVLSB, nos termos que se encontram expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

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Não existem factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como não provados.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa agora entrar na análise das questões colocadas para decisão em cada um dos recursos, segundo a sua ordem lógica de conhecimento.

A. Recurso do Réu, Estado português

Erro de julgamento de direito, no tocante aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, por falta de atuação ilícita e culposa do Estado, do dano e do nexo de causalidade

Vem o Estado português interpor recurso da sentença que o condenou ao pagamento de uma indemnização, no valor de € 5.750,00 a cada um dos Autores, fundada na violação do direito a uma decisão em prazo razoável, pelos danos sofridos pelo exercício da função jurisdicional e pelo atraso na prolação de decisão nos autos de ação ordinária, instaurada no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, que correu termos sob o n.º 857/08.7TVLSB, distribuída à antiga 7.ª Vara, hoje Juízo Central Cível - Juiz 16, com o fundamento de que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de direito.

Para tanto, invoca a contribuição dos Autores, ora Recorridos, para a delonga processual, ao lançarem mão de expedientes processuais que, apesar de legalmente previstos, contribuíram na sua quase totalidade para a alegada morosidade.

Defende que não existe atraso na administração da justiça, que determine a atribuição de qualquer quantum indemnizatório, como decidido.

Alega que não basta a simples violação de um prazo previsto na lei para a prática de certo ato processual para concluir que foi violado o direito à justiça em prazo razoável, antes sendo necessário aferir a complexidade do caso, o comportamento das partes e das autoridades.

Defende que tendo a ação demorado um prazo razoável, atendendo às concretas circunstâncias do mesmo, onde se inclui a quase total responsabilidade dos Autores, falece o requisito da ilicitude e, do mesmo modo, a culpa.

Além de que, segundo o Recorrente apenas constitui dano indemnizável o que pela sua gravidade, justifique a tutela do direito, não se mostrando no presente caso ultrapassado o dano moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais, não se podendo qualificar os danos como graves, para efeitos do artigo 496.º do CC.

Assim, entende o Recorrente que faltam os requisitos para a responsabilização do Réu.

Vejamos.

Na presente ação os Autores peticionam a condenação do Réu ao pagamento de uma indemnização, fundada na prática de ato ilícito, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, tendo sido concedido parcial provimento ao pedido.

Esse direito tem consagração constitucional no disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, segundo o qual, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”.

Além do que resulta do citado preceito constitucional, encontra-se esse direito consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), datada de 04 de novembro de 1950, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, em vigor na ordem jurídica interna desde 09/11/1978 [DR, I Série, n.º 89, de 16/06/1978] que estabelece, sob a epígrafe de “Direito a um processo equitativo”:

1- Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…).”.

Estabelece ainda o artigo 13º da CEDH:

Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na (…) Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 10 de dezembro de 1948, publicada no Diário da República de 09/03/1978, prevê no seu artigo 8.º que:

Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competente contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.”.

Do mesmo modo, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, datado de 07 de outubro de 1976, aprovado pela Lei nº 29/78, de 12/06, regula no seu artigo 14.º, os direitos dos cidadãos perante os tribunais, de entre os quais, que a causa no âmbito penal seja julgada “sem demora excessiva” [cfr. artigo14.º, nºs. 1 e 3, alínea c) e ainda o Protocolo Facultativo Referente ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adotado em 16 de dezembro de 1966, aprovado pela Lei nº 13/82, de 15/06].

Segundo a doutrina constitucional, em anotação ao artigo 20º da Constituição, “No nº 4, a Constituição dá expresso acolhimento ao direito à decisão da causa em prazo razoável e ao direito ao processo equitativo.”, estando intimamente relacionado com o princípio da efectividade, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 414 e 417.

O direito à decisão da causa em prazo razoável, também referido pela doutrina como direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo.

Ser a causa examinada em prazo razoável, constitui um elemento essencial para a boa administração da justiça.

A não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos casos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo” – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, pág. 417.

A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem sido relevante na densificação dos critérios a ter em conta nessa aferição, associando o respeito pelo prazo razoável à eficácia e credibilidade da justiça.

Por isso, se identifica “mais uma das facetas da Europeização do Direito Administrativo e do Direito Processual Administrativo”, pois “a influência do Juiz de Estrasburgo tem sido tão significativa que o direito substantivo e processual de responsabilização por este tipo de danos tem traços muito idênticos nos diversos ordenamentos jurídicos” – cfr. Isabel Celeste M. Fonseca, “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”, in Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pág. 8.

A determinação da razoabilidade do prazo não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente (318) Acórdãos Manzoni (…), Kemache, (…), Terranova, (…) Mitap e Muftuoglu (…)” – cfr. Irineu Cabral Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, 2ª ed., pág. 147.

Segundo a mesma doutrina, Os órgãos da Convenção consideram, como critérios gerais para a apreciação, a natureza do processo, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes (…)

A circunstância mais invocada para explicar um atraso fundado sobre a natureza do processo é a sua complexidade, evidenciada pelo número de pessoas envolvidas: arguidos, partes, testemunhas, peritos (…), pelas questões de facto ou de direito de considerável complexidade suscitadas ou pelo seu volume (…)

O comportamento do requerente constitui um elemento objectivo, não imputável ao Estado requerido, e que entra em linha de conta para se determinar se houve ou não ultrapassagem do prazo razoável (…)

Apenas os atrasos devidos às autoridades competentes podem ser imputados aos Estados e, por isso, só eles permitem apurar se há ou não violação do n.º 1 do artigo 6.º (…)

Incumbe aos Estados organizar o seu sistema judiciário de modo a que as suas jurisdições possam garantir a cada um o direito de obter uma decisão definitiva sobre as contestações relativas a direitos e obrigações de carácter civil, e sobre a acusação penal em prazo razoável (…)

O facto de o processo estar sujeito ao princípio do dispositivo, competindo às partes o poder de iniciativa e de impulso processual (…) não dispensa os juízes de assegurar o respeito das exigências do artigo 6.º em matéria do prazo razoável (…)

E mesmo o perito, independente da acção do tribunal na elaboração do seu relatório, está submetido ao controlo das autoridades judiciárias para aquele efeito (…)

Os órgãos da Convenção têm admitido que uma crise passageira, económica ou política, determinante de uma sobrecarga de trabalho dos tribunais, possa ser invocada para justificar um excesso de prazo, desde que o Estado adopte com a prontidão adequada, medidas apropriadas para ultrapassar estas situações excepcionais; justificação já não aceite quando a situação assuma carácter estrutural (…)” – autor e obra cit., págs. 147-148.

Dispõe ainda o artigo 22º da Lei Fundamental, sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas”, o seguinte:

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

Neste sentido, “Sob o ponto de vista jurídico-constitucional, não há qualquer fundamento para não aplicar o princípio geral da responsabilidade do Estado (…) às acções ou omissões praticadas no exercício da função jurisdicional («responsabilidade dos juízes», «responsabilidade pelo funcionamento da justiça»), desde que seja possível recortar no exercício destas funções os pressupostos de culpa, ilicitude e nexo de causalidade, indispensáveis para a efectivação da responsabilidade civil do Estado. (…) deve valer o princípio geral da responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional sempre que das acções ou omissões ilícitas praticadas por titulares de órgãos jurisdicionais do Estado, seus funcionários ou agentes resultem violações de direitos, liberdades e garantias ou lesões de posições jurídico-subjectivas (ex.: prisão preventiva ilícita, prescrição de procedimento, não prolação de uma decisão jurisdicional num prazo razoável).”, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 430.

Com relevo, decorre ainda do n.º 1 do artigo 2.º do CPC:

A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.”.

A que acresce o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA:

O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.”.

Da conjugação de todos os referidos preceitos resulta que no ordenamento jurídico português vigente, o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.

Quanto à responsabilidade civil do Estado, importa especificamente o regime jurídico que concretiza o disposto no artigo 22.º da Constituição, o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, disciplinando a responsabilidade do Estado por funcionamento defeituoso do serviço público de justiça, designadamente, por sua delonga anormal ou por violação do direito a decisão em prazo razoável.

Tal RRCEE estabelece no seu artigo 12º que “(…) é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”, como há muito se entendeu.

Por isso, releva quanto à responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, onde se inclui a responsabilidade por danos causados pela administração da justiça, por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime previsto para a responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.

Enquadrado normativamente o objeto do litígio, impugna o Réu Estado português a sua condenação, entendendo ao contrário da sentença recorrida, que não se verificam os pressupostos legais da responsabilidade civil, seja a respeito do requisito da ilicitude, seja quanto à culpa, ao dano e ao nexo de causalidade, o que exige que se percorram todos os aludidos pressupostos da responsabilidade civil do Estado.

Do requisito da ilicitude

Não se mostra impugnado o julgamento da matéria de facto, pelo que a decisão a proferir deve basear-se nos factos que constam do probatório assente.

Assim, sem pôr em crise o julgamento de facto no tocante aos factos provados, começa o Estado português por entender que os factos apurados não revelam a ilicitude do Réu no exercício da função jurisdicional e por má administração da justiça, deles extraindo outra valoração.

No entanto, analisada a fundamentação de facto da sentença dela é possível extrair a delonga do processo, em decorrência do tempo decorrido.

Tendo o processo sido instaurado em 28/03/2008, veio a ser definitivamente decidido em 19/12/2018, por acórdão do STJ, transitado em julgado em 14/01/2019, depois de ter percorrido as três instâncias, decorrente da interposição das duas vias admissíveis de recurso jurisdicional, numa duração total entre o início da constituição da instância, em 28/03/2008 e o trânsito em julgado da decisão, em 14/01/2019, de 10 anos, 9 meses e 17 dias.

No entanto, compulsados os factos constantes do probatório assente, assinala-se apenas ter existido um atraso imputável ao Réu, Estado português, no âmbito da 2.ª instância, por o processo ter sido remetido ao Tribunal da Relação em 10/02/2011, tendo aí sido julgado em 11/07/2013 e, ao ser aberta conclusão em 25/11/2013, para o proferimento de despacho sobre a admissão do recurso interposto para o STJ, tal despacho apenas tendo vindo a ser exarado em 03/05/2018, numa delonga de 4 anos, 5 meses e 8 dias.

Na primeira instância, o processo não levou três anos a ser decidido (sendo a ação instaurada em 28/03/2008, foi proferida sentença em 11/10/2010) e no STJ o processo não levou sequer um ano a ser julgado (o processo foi remetido ao STJ em 04/06/2018 e foi decidido em 19/12/2018), pelo que, o único atraso a imputar como ilícito ao Réu, Estado português é o decorrente do referido atraso de 4 anos, 5 meses e 8 dias, no Tribunal da Relação.

Por isso, no que respeita à análise da concreta situação factual e com relevo para o pressuposto da ilicitude, acolhe-se a fundamentação de direito da decisão recorrida:

7. O processo n.º 857/08.7TVLSB percorreu três instâncias (Tribunal Judicial de Lisboa, Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça). Aproximando-nos das vicissitudes processuais, podemos concluir que o processo decorreu, na primeira instância, dentro da normalidade, sem qualquer ato que tenha excedido o prazo que, para o efeito, se poderia admitir como razoável, como aceitável. O mesmo se diga relativamente à tramitação no Supremo Tribunal de Justiça, onde o processo correu termos sem qualquer facto relevante para a presente ação e dentro do prazo que seria razoável. Tal já não sucedeu, de todo, no Tribunal da Relação de Lisboa. Na verdade, o processo subiu àquele tribunal em 10.2.2011 e teve acórdão em 11.7.2013. Na sequência da apresentação de recurso de revista, foi aberta conclusão em 25.11.2013. O respetivo despacho de admissão foi proferido em 3.5.2018, ou seja, 4 anos e 5 meses depois. Foram estes os factos que estiveram na origem da excessiva duração do processo n.º 857/08.7TVLSB (…)”.

Apurada tal factualidade, importa aferir dos critérios para aferir a razoabilidade do processo.

O TEDH tem entendido que a razoabilidade da duração de um processo é avaliada segundo as circunstâncias da causa e tendo em atenção os critérios consagrados pela jurisprudência, em particular, a complexidade do processo, o comportamento das partes e aquele que é atribuído às autoridades competentes, bem como, a importância do caso para os interessados (ver, entre muitos outros, Frydlender c. França [GC], n.º 30979/96, § 43, CEDH 2000-VII).

Da vasta jurisprudência emanada do TEDH a respeito do n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, é possível extrair quatro linhas orientadoras para aferir a razoabilidade da duração de um processo:

(a) A complexidade do processo;

(b) O comportamento das partes;

(c) A atuação das autoridades competentes no processo;

(d) O assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respetivo autor.

Neste sentido, entre outros, os acórdãos proferidos pelo TEDH em 06/04/2000, Proc. n.º 35382/97, COMINGERSOLL S.A. v. PORTUGAL e em 08/06/2006, Proc. n.º 75529/01, SÜRMELI v. GERMANY, in http://hudoc.echr.coe.int/eng.

Reconhecendo a especial relevância interpretativa desta jurisprudência, o STA no Acórdão de 09/10/2008, Processo n.º 0319/08, veio preconizar uma metodologia com vista à apreciação da razoabilidade da duração de um processo e para a determinação se foi ou não excedido o prazo razoável para a decisão de um processo, nos seguintes termos:

Esta determinação tem de adoptar como primeiro critério o que resulta do elemento textual, isto é, a razoabilidade, o que nos remete para uma análise global, de conjunto da situação processual dos autos em que o demandante se queixa do atraso e não para os seus pormenores e para os prazos de cada fase e momento processual. São de excluir desde logo da possibilidade de servir de esteio à apreciação os atrasos que tenham sido provocados pela própria parte que se queixa da demora.

Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça. Mas, existem casos destes.

É de sublinhar neste ponto que em alguns casos de claro excesso do prazo razoável poderia porventura o método analítico de cada acto processual e respectivo prazo conduzir à conclusão de que não houve atrasos, mas nem assim se pode infirmar a conclusão do excesso injustificado porque a ser assim teria o Estado que prover a criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável.

Numa segunda hipótese vemos aqueles casos em que no conjunto do meio processual e do tempo que tardou, atendendo a aspectos como a complexidade do caso e o enxerto de incidentes indispensáveis, haja de concluir-se que se tratou ainda de um prazo razoável. Também neste caso, como no antecedente se deve evitar conceder relevância, sequer analítica ao que se passou concretamente com os actos atomísticos que preenchem o processo e irreleva se houve um atraso na secretaria ou de um magistrado se ele não determinou a ultrapassagem do tempo razoável para a decisão da causa.

Uma terceira hipótese contempla aqueles casos em que é ultrapassada a duração média daquele tipo de processos, mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação e o processo teve relativa complexidade e incidentes de modo que se podem colocar dúvidas quanto a determinar o que seria o prazo razoável naquela situação. Neste grupo de casos parece que, ao lado de outros o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante.”.

No que se refere ao apuramento de qual o prazo razoável para a decisão dos litígios nos processos que correm termos nos tribunais judiciais, em particular, quanto às ações cíveis, considera-se o prazo de três anos um prazo razoável para a prolação de sentença em 1.ª instância num caso como o que está em causa nos presentes autos.

No entanto, resulta provado que a referida ação foi remetida para o Tribunal da Relação em 10/02/2011 e que apenas foi remetido para o STJ em 04/06/2018, o que atesta a desrazoabilidade desse período.

Os factos apurados permitem apurar uma efetiva paragem do processo entre 25/11/2013 e 03/05/2018, sem qualquer razão que a justifique.

O TEDH também tem considerado que a existência de longos períodos durante os quais o processo não seja tramitado, sem qualquer justificação para o efeito, não é aceitável, para efeitos da razoabilidade da duração do processo – neste sentido, vide o § 33 do acórdão proferido em 24/11/1994, Proc. n.º 15287/89, BEAUMARTIN v. FRANCE, in http://hudoc.echr.coe.int/eng.

Além de que, o TEDH já considerou que uma excessiva pendência processual, não é justificação bastante para eximir o Estado da sua responsabilidade em assegurar a prolação de decisões judiciais em tempo razoável.

Acresce o TEDH considerar que, ainda que as insuficiências temporárias de meios possam eximir os Estados da responsabilidade pelo atraso na prolação de decisão judicial, as situações de insuficiência que se prolonguem no tempo e que assumam natureza estrutural não podem ser atendidas para obstar a essa responsabilidade (vide o § 40 do acórdão proferido em 10/08/1984, processo n.º 8990/80, GUINCHO v. PORTUGAL, disponível para consulta online em http://hudoc.echr.coe.int/eng).

Com efeito, a extensa jurisprudência produzida pelo TEDH assumiu, de forma maioritária, que aos poderes e órgãos dos Estados se devem exigir medidas, desde reformas legislativas à efetivação e atualização de meios técnicos, materiais e humanos colocados ao dispor dos serviços de justiça, por ter sido o próprio Estado, ao ratificar a CEDH, que assumiu o dever de proceder a uma organização do seu sistema judiciário de forma a cumprir o estipulado na Convenção.

Por isso, como preconizado pela doutrina, “A não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos casos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo”, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pp. 417.

Como antes referido, “A determinação da razoabilidade do prazo não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente”, IRINEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 4ª edição, 2010, pp. 184.

Assim, apelando aos critérios supra referidos e que são erigidos pelo TEDH para apreciar a razoabilidade da duração de um processo, é possível confirmar a delonga processual e o atraso na decisão imputável ao Réu, Estado português, no período em que o processo esteve parado no Tribunal da Relação.

Revertendo a factualidade apurada para o conceito de ilicitude, previsto no artigo 9.º do RRCEE, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, ex vi do seu artigo 12.º, segundo o qual:

1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º.”,

é de configurar o presente caso como constituindo uma violação das normas jurídicas que regulam o acesso à justiça e o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.

Sobre a ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, a doutrina propõe que a ilicitude considera a conduta objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica e que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um ato que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano (Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 7ª edição, Almedina, pp. 578 e 579 e pp. 518).

Essa omissão é violadora das normas legais aplicáveis respeitantes ao direito fundamental à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.

Impõe-se sobre o Réu, Estado português, o dever legal de zelo e de adoção de todas as ações ou condutas de forma a dar resposta efetiva ao serviço público de justiça, apreciando e decidindo as pretensões dos particulares e resolvendo os processos instaurados, respondendo pelos danos causados decorrente da sua atuação lesiva.

Os factos descritos, que resultam dados como assentes nos autos, são, por isso, suficientes para a demonstração da verificação do requisito da ilicitude.

Nestes termos, não tem sustendo o fundamento do recurso a respeito da verificação do requisito da ilicitude, pois tal como decidido na sentença recorrida, foi violado pelo Réu o direito dos Autores a obter uma decisão em tempo razoável no âmbito do processo cível, em ofensa dos artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 6.º, n.º 1 da CEDH, conjugado com artigo 8.º, n.º 2 da CRP, traduzindo uma ilicitude objetiva pelo defeituoso funcionamento do serviço público de justiça.

Neste mesmo sentido, tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, de que o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, consagrado no nº 4, do artº 20º da CRP, em sintonia com o nº 1, do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 09/04/2003, proc. nº 1833/02; de 17/03/2005, proc. nº 230/03; de 06/02/2007, proc. nº 1037/06; de 28/11/2007, proc. nº 308/07; de 09/10/2008, proc. nº 319/08; de 09/07/2009, proc. nº 0365/09 e de 08/07/2009, proc. n.º 122/09.

No entanto, entende o Recorrente que o atraso da causa se deveu quase exclusivamente à atuação processual dos Autores, o que deve efetivamente ser aferido, não em sede do requisito da ilicitude, mas antes no âmbito do requisito da culpa.

Em particular, impõe-se analisar se a atuação processual dos Autores contribuiu ou não para a referida delonga processual, em face do disposto no artigo 4.º do RRCEE, sobre a “Culpa do lesado”.

Porém, sem prejuízo de ser necessário aferir da eventual contribuição dos Autores para a delonga processual, em face da factualidade apurada e supra analisada, não podem existem dúvidas quanto à verificação do requisito da ilicitude, em face do seu recorte legal, doutrinário e jurisprudencial.

Pelo que, ao contrário do defendido pelo Réu, Estado português, verifica-se o requisito da ilicitude, determinante da atuação ilícita na prolação de decisão judicial para além do tempo considerado razoável para o exercício da função jurisdicional e da administração da justiça, em função das circunstâncias do caso concreto, por existir um atraso injustificado.

Do requisito da culpa

No tocante ao pressuposto da culpa do Réu, Estado português, não podem proceder integralmente as conclusões e respetiva alegação do recurso, pois que vigorando no direito da responsabilidade civil por atos praticados sob o regime de direito público a presunção legal de culpa, atentos os factos descritos, que demonstram o mau funcionamento do serviço de justiça, tem de entender-se que a citada omissão ilícita do Réu, decorrente da paragem do processo no Tribunal da Relação, é também ela culposa.

No que se refere ao pressuposto da culpa, “Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pp. 571.

A culpa “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (Antunes Varela, obra cit., pp. 559), a qual resulta demonstrada, em face dos factos que resultam apurados.

Dispõe o artigo 10.º do RRCEE, quanto ao requisito da culpa:

1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.

3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância. (…)”.
Assim, sendo, em princípio, ao lesado que invoca o direito a quem incumbe alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, é sobre o autor que impende o ónus de alegar e provar os factos relativos a todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente, em relação à existência de culpa, salvo no caso de beneficiar de presunção de culpa.
Beneficiando dessa presunção, os Autores não precisavam de alegar ou provar os factos demonstrativos da existência de culpa do Réu (cfr. artigos 349.º e 350.º do CC), cabendo antes ao Réu, Estado português ilidir essa presunção.
Como decidido no Acórdão do STA, datado de 14/10/03, no recurso n.º 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.

Por isso, há muito é conhecida a dificuldade em estabelecer a linha de fronteira entre a ilicitude e a culpa, pois que “a omissão negligente de deveres funcionais preenche simultaneamente os dois conceitos, concluindo-se, assim, que existindo o ilícito tem de existir a culpa” – neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 01/02/2001, Processo nº 46805, publicado no Apêndice ao DR, de 21/07/2003, p. 846-855.
Beneficiando os Autores da presunção de culpa do Réu, Estado português, sobre quem recaía a obrigação de diligenciar pelo andamento do processo judicial e pela obtenção de uma decisão judicial em tempo oportuno e razoável, aos Autores lesados apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos, para que, não ilidindo o Réu a presunção de culpa, por não provar que a delonga do processo se deveu a conduta dilatória ou entorpecedora do andamento do processo por parte dos Autores, considera-se provada a culpa do Réu, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, n.ºs. 1 e 2, do Código Civil.
Deste modo, é indiferente saber quem produziu a respetiva prova, pois impendendo sobre o Réu uma presunção legal de culpa, a respetiva ilisão (juris tantum) só é feita com a prova do contrário, não bastando a mera contraprova, pelo que, o non liquet prejudica a pessoa contra quem funciona a presunção – neste sentido, Acórdão do STA, de 30/11/2004, proc. nº 320/04.

O Código Civil consagra ainda a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstrato ou em sentido objetivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade (Antunes Varela, obra cit., pp. 567).
No que concerne ao padrão do bom pai de família, o mesmo foi adaptado pela jurisprudência administrativa, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, por ser tido inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos.
Assim, foi a jurisprudência pacificamente considerado atender ao padrão não de um qualquer funcionário, mas antes associando-o ao comportamento exigível a um funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres – cfr. Acórdãos do STA, de 27/09/1994 e de 25/03/1999, Processo nº 41297.
Ao utilizar-se este critério, facilitou-se, pois, a prova da culpa pelo lesado.

Por outro lado, embora a culpa se traduza no nexo de imputação do facto ao agente, não é forçoso que se traduza numa culpa pessoal, a qual, no caso concreto, pode nem sequer existir, bastando que exista a culpa do serviço, globalmente considerado.
Por outras palavras, para a demonstração da culpa não é necessário comprovar a violação desses deveres por órgãos ou funcionários e agentes determinados, sendo bastante a falta do próprio serviço, globalmente considerado – a este respeito vide o Acórdão do STA de 26/11/2003, proc. nº 654/03.
A jurisprudência e doutrina administrativas, no âmago dos atos de gestão pública, desenvolveram ainda o conceito de culpa do serviço, distinguindo-a em culpa anónima e culpa coletiva, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, pelo que apenas aplicável apenas às entidades públicas, aferindo-o tomando em consideração os standards de atuação e de rendimento, ou seja, aquilo que habitualmente se pode esperar dos serviços, na pressuposição de que funcionam normalmente e não desprezando as características próprias de cada serviço, designadamente a sua disponibilidade de meios pessoais, materiais e financeiros, sem, todavia, converter acriticamente esses fatores em argumentos de desresponsabilização.

Assim, desde há muito que a jurisprudência administrativa admite a culpa do serviço globalmente considerado ou faut de service, imputável não ao agente individualmente considerado, mas ao serviço como um todo, decorrente do seu mau funcionamento generalizado, o que foi expressamente consagrado sob a vigência do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, prevendo-se a responsabilidade civil decorrente do funcionamento anormal do serviço nos termos do n.º 3 do artigo 7.º e do n.º 2 do artigo 9.º.
No presente caso, é inequívoca a culpa inerente à omissão da decisão judicial em prazo razoável, no sentido de não ter conseguido o Réu ilidir a presunção de culpa que sobre ele incidia, reconhecendo-se ter existido da sua parte uma omissão culposa, quer em função da presunção legal de culpa, quer em função de se encontrar provada a sua culpa, nos termos gerais, em face da assinalada paragem do processo no Tribunal da Relação, pois deveria ter existido determinada atuação quanto ao andamento do processo, que não existiu, sendo por isso ilícita a omissão do dever funcional que lhe era exigível.
O Réu apenas afastaria a ilicitude da sua omissão se tivesse provado qualquer facto que tivesse excluído o dever de agir em tempo razoável ou donde decorresse que esse dever não podia ter sido cumprido, isto é, que a omissão ilícita de falta de decisão em prazo razoável não decorreu da sua falta de organização e diligência, o que não se apura em face da factualidade apurada.
Donde, o comportamento omissivo que constitui facto ilícito, é também ele culposo.

A tramitação do processo e a emissão de decisão judicial em violação do prazo razoável, traduz um defeituoso funcionamento do serviço de justiça, o que permite configurar o juízo de imputação subjetivo do facto omissivo ao agente, ou seja, a culpa, enquanto padrão aferidor de conduta em termos inferiores ao mínimo exigido.

Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, “a culpa resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e que constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos.” – cfr. Acórdão do STA, de 09/10/2008, Proc. 0319/08.

Por isso, se tende a considerar que o arrastamento de um processo “resulta tipicamente de uma massa de actos e omissões de funcionários e magistrados que se vão ocupando sucessivamente dos autos, bem como de deficiências organizatórias, escassez de meios e vicissitudes de toda a ordem, incluindo condutas das partes e dos restantes sujeitos com intervenção processual”, Luís Fábrica, “Notas sobre a Responsabilidade Civil por Violação do Direito a uma Decisão Judicial em Prazo Razoável”, AB INSTANTIA, Revista do Instituto do Conhecimento AB, Abril 2013, Ano I, n.º 1, pp. 52.

Assim, além da ilicitude, também se verifica, consequentemente, a culpa, a qual “resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos”, tal como decidido pelo STA no Acórdão de 09/10/2008, Processo n.º 0319/08 e resulta dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4 e 9.º n.º 2 do RRCEE, quanto à faute du service.

Em consequência, verifica-se o pressuposto da culpa do Réu, de que depende a condenação do Estado Português em responsabilidade civil extracontratual por dilações indevidas na administração da justiça.


*

Aqui chegados, importa aferir da alegada contribuição dos Autores para a delonga processual, ou seja, da culpa do lesado para o resultado da paragem do processo no Tribunal da Relação.

Estabelece o disposto no artigo 4.º do RRCEE, quanto à “Culpa do lesado”, o seguinte:

Quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.” (sublinhados nossos).

Nos termos que decorrem do julgamento da matéria de facto provada, em função do que decorre do teor das alíneas H), I), J), K) e L), é possível imputar uma atuação processual aos Autores, ora Recorridos, no sentido do entorpecimento e maior delonga da causa, importando-lhes diretamente um atraso de 2 meses, entre a data de 09/07/2008, em que foram notificados para juntarem aos autos o documento comprovativo da notificação da réplica ao Réu e a data de 09/09/2018, em que o vieram fazer, tendo reclamado, sem fundamento, do despacho que determinou nesse sentido.

No demais, o julgamento da matéria de facto não demonstra a prática de inúmeros atos processuais que tenham sido necessários realizar por facto diretamente imputável aos Autores, sendo a tramitação da causa a que decorre, em geral, nos demais processos judiciais.

Porém, importa ainda analisar o concreto circunstancialismo em torno da delonga processual referida de 4 anos, 5 meses e 8 dias, no período decorrido entre 25/11/2013, data em que foi aberta conclusão no Tribunal da Relação e a data de 03/05/2018, em que foi proferido despacho sobre a admissão dos recursos interpostos.

Segundo o que é possível extrair do julgamento da matéria de facto assente, durante todo esse período em que o processo esteve parado no Tribunal da Relação a aguardar a emissão de um simples despacho de admissão do recurso interposto pelos ora Recorridos, os Autores, por nenhuma vez, tomaram o impulso processual de indagar o estado do processo ou de requerer o seu andamento, usando da possibilidade de requerer a aceleração processual.

Se tal tivesse ocorrido, com toda a certeza, teriam alertado o juiz da causa de que o processo se encontrava decidido e que aguardava apenas a prolação de um mero despacho, evitando tal paragem prolongada do processo.

Tal é a conduta que seria de esperar de partes suficientemente diligentes e cooperantes com o Tribunal.

Tratando-se de uma causa cível, perante o disposto no artigo 7.º do CPC, ao estabelecer o princípio da cooperação e ao fazer corresponder o seu conteúdo ao dever de os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, à justa composição do litígio, assim como ao disposto no artigo 8.º do CPC, quanto ao dever de boa-fé processual, que prescreve o dever de observância dos deveres de cooperação previstos no artigo anterior, é de reputar a atuação omissiva dos Autores em promover a aceleração processual como contribuindo para o resultado da delonga processual, ou seja, para o seu agravamento, em face do disposto no artigo 4.º do RRCEE.

Não pode, por isso, deixar de se reconhecer que se os Autores, ora Recorridos, tivessem sido processualmente ativos, solicitando a aceleração processual – tanto mais justificada por o processo já ter sido decidido no Tribunal da Relação e aguardar apenas a prolação do despacho de admissão do recurso interposto pelos ora Recorridos para o STJ –, ao invés de aguardarem durante mais de 4 anos o proferimento desse despacho, sem nada fazer, o resultado quanto à delonga da causa seria outro.

Durante todo esse período não existiu a manifestação de qualquer interesse processual por parte dos Autores, pelo que, embora não seja afastada a ilicitude do Réu no tocante a tal delonga processual, forçoso se tem de entender pela contribuição dos ora Recorridos para esse resultado.

Neste sentido, perfilha-se o entendimento adotado nas decisões do TEDH, de 02/12/1999 (caso Tomé Mota c. Portugal) e de 23/10/2003 (caso Roseiro Bento c. Portugal), disponíveis em www.hudoc.echr.coe.int, quanto a considerar o instituto legal da aceleração processual um recurso preventivo e efetivo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º, n.º 1 e 13.º, da CEDH, e um meio adequado de tutela do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, previsto no artigo 6.º da CEDH.

No caso, resulta demonstrada a sua falta de utilização, não tendo assim os Autores esgotado os mecanismos internos que o TEDH considera como meios efetivos.

Pelo que, é de entender que omitiram os Autores, ora Recorridos, a diligência exigível com a qual poderiam ter evitado a continuação da produção de danos, desde logo, quanto à sua extensão.

Nesse sentido, sem prejuízo da verificação da ilicitude e culpa do Réu, no referido atraso processual de 4 anos, 5 meses e 8 dias, não deixa de se assinalar a culpa dos Autores na contribuição para o referido atraso, por em todo em esse período, nem por uma única vez terem manifestado interesse processual no andamento da causa, sabendo que o Tribunal da Relação já havia proferido acórdão e que restava proferir apenas um despacho sobre o recurso que haviam interposto.

Assim, contribuíram os Autores, com a sua inação, para o referido atraso processual de 4 anos, 5 meses e 8 dias, no Tribunal da Relação.

Por isso, no que respeita à análise da concreta situação factual e com relevo para o pressuposto da culpa não se pode acolher a fundamentação de direito da decisão recorrida quanto a não ter existido a contribuição das partes, como resulta da parte final do ponto 7 da sua respetiva fundamentação de direito.

No demais, importa ainda atender ao seguinte julgamento de direito da sentença recorrida:

“8. Se considerarmos ainda o grau de complexidade do mesmo processo, temos que nada se verifica que seja de molde a afastar aquela que deve ser a duração razoável de um processo da mesma natureza que percorre três instâncias, e que à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos de Homem que tem incidido sobre o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem se deve fixar num máximo de 5 anos.

9. O processo do qual emerge o presente litígio esteve em curso durante 10 anos e 9 meses (completos), o que significa que excedeu em 5 anos e 9 meses o prazo que seria razoável para a obtenção de uma decisão.”.

Ao contrário do decidido na sentença recorrida, resulta apurado que os Autores contribuíram com a sua atuação para a referida delonga processual, quer por ação, para um atraso de 2 meses, quer por omissão, na inação de promover a aceleração processual em todo o período de 4 anos, 5 meses e 8 dias em que o processo esteve parado no Tribunal da Relação.

Assim, considerado todo o concreto circunstancialismo do processo em causa, resta fixar o período do atraso concretamente imputável ao Estado português, em função do respetivo grau de culpa do lesante e do lesado.

Entendeu a sentença recorrida como critério para o período razoável para a prolação da decisão judicial, considerando todas as possíveis instâncias de recurso, correspondente ao padrão acolhido pelo TEDH, o período de 5 anos.

Por isso, deduzindo esse período de 5 anos ao período em que o processo esteve pendente, tendo em conta toda a duração do processo, aferiu o Tribunal recorrido o período de 5 anos e 9 meses como correspondendo ao atraso imputável ao Réu, Estado português.

Como se assinala no Acórdão do STA, de 08/03/2018, Processo n.º 0350/17, na apreciação da “duração razoável standard de um processo judicial convém ter em conta a jurisprudência do TEDH, de acordo com a qual a duração média - que corresponde à «duração razoável» - de um processo em 1ª instância é de cerca de 3 anos, e a de todo o processo - incluindo recursos e eventual execução - deve corresponder, por regra, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais [ver Isabel Celeste Fonseca, in «CJA», n.º 72, págs. 45 e 46, e jurisprudência aludida].” (sublinhado nosso).

No presente caso, para essa determinação importa considerar o seguinte circunstancialismo de facto:

(i) que o processo percorreu as três instâncias;

(ii) que desde o seu início, até ao trânsito da decisão no STJ, decorreram 10 anos, 9 meses e 17 dias;

(iii) que existe um atraso injustificável imputável ao Réu, Estado português, de 4 anos, 5 meses e 8 dias, no Tribunal da Relação;

(iv) que existe um atraso de 2 meses diretamente imputável aos Autores;

(v) que existiu a falta de recurso aos mecanismos de aceleração processual por parte dos Autores em relação à paragem do processo, assim contribuindo para o agravamento para o atraso processual de 4 anos, 5 meses e 8 dias.

Considerando que segundo os padrões da jurisprudência do TEDH se considera razoável o período que vai de 4 a 6 anos para o julgamento da causa em todas as instâncias, assim como que no presente caso existiram não duas, mas três instâncias decisórias, mas que a causa não se reveste de particular complexidade ou dificuldade, considera-se adequado o período de 5 anos como considerado pela sentença recorrida (por referência ao período de 3 anos para a 1.ª instância e ao período de 1 ano para cada instância, na Relação e no STJ), apurando-se uma dilação de 5 anos e 9 meses.

Porém, é de considerar existir a contribuição dos Autores, no mínimo, pelo período de um terço para a delonga processual no Tribunal da Relação, no referido período de 4 anos, 5 meses e 8 dias em que o processo esteve parado.

Não deixando de imputar ao Réu, Estado português, a maior parte da delonga processual do período em causa, é de reputar a contribuição dos Autores em cerca de um terço desse período, ou seja, em cerca de 1 ano e 6 meses (1 ano, 5 meses e 25 dias), a que se soma o período de 2 meses, perfazendo a contribuição dos Autores em cerca de 1 ano e 8 meses para o atraso processual.

O que implica que, ao invés do período de 5 anos e 9 meses considerados na sentença recorrida, se deva considerar antes ter existido um atraso imputável ao Estado português de cerca de 4 anos e 1 mês.

Ao período de atraso de 5 anos e 9 meses, considerando o tempo razoável de decisão do processo nas três instâncias, de 5 anos, deve ser subtraído o período diretamente imputável aos Autores, de 1 ano e 8 meses, decorrente da culpa da sua atuação comissiva e omissiva, perfazendo o atraso na decisão imputável ao Réu, Estado português, de 4 anos e 1 mês.

Esta análise é factual e, por isso, objetiva, sendo demonstrativa da delonga processual e dos seus vários momentos processuais, imputáveis quer ao Estado português, quer aos Autores, traduzindo a aplicação dos critérios decisórios do TEDH e do disposto do artigo 4.º do RRCEE, que manda atender à culpa do lesado, enquanto causa para a redução ou mesmo para a exclusão do direito à indemnização dos Autores.

Assim, descontando o período de 5 anos para a tramitação do processo nas três instâncias, decorreram 5 anos e 9 meses, dos quais 1 ano e 8 meses são diretamente imputáveis aos Autores, para além do que decorre do normal exercício dos direitos de ação e de defesa, tendo contribuído para o entorpecimento e a delonga da causa, apura-se como período de atraso processual imputável ao Réu, Estado português, o período de 4 anos e 1 mês, por o mesmo não ser de todo razoável e exceder a noção de prazo razoável.

Do requisito do dano e respetivo nexo de causalidade

Em relação aos requisitos do dano e do respetivo nexo de causalidade, não assiste qualquer razão ao Recorrente, sendo de extrair dos factos dados como assentes, os danos de natureza não patrimonial sofridos pelos Autores em consequência e como causa da atuação ilícita e culposa imputável aos órgãos e agentes do Réu.

A obrigação de indemnizar por facto ilícito só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do CC).

Quando fixada em dinheiro, por ser impossível, a reconstituição natural, a indemnização deve medir-se pela diferença entre a situação atual do lesado e a situação hipotética em que se encontraria se não fosse o dano, atenta a data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal.

No presente caso apenas foi peticionada a indemnização por danos não patrimoniais, sendo quanto a estes que o Recorrente se insurge contra a sentença recorrida.

Quanto aos danos não patrimoniais, dispõe o artigo 496.º, n.º 1 do CC que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito.

Os danos não patrimoniais traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais, imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas e o sofrimento psicológico.

A gravidade do dano, medida para aferir da sua tutela pelo direito, tem de medir-se por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos.

Por isso, uma simples maçada ou incómodo, que um cidadão comum considera como inerente às circunstâncias da vida, não atinge a gravidade merecedora da tutela do direito.

A jurisprudência tem entendido que em situações em que se mostre alegado e provado, sem mais, que alguém sofreu desgaste, ansiedade, angústia, preocupações ou aborrecimentos, em consequência de uma conduta ilícita e culposa, tal é insuficiente para qualificar os danos como graves para efeitos do artigo 496.º, n.º 1 do CC.

Para o preenchimento do conceito de gravidade é necessário que estes sentimentos se encontrem objetivamente concretizados, pela sua amplitude, intensidade e duração.

Além de que a jurisprudência do TEDH tem considerado existir um dano suficientemente relevante e, por isso, indemnizável, nas situações de dilação indevida na prolação de decisão judicial.

Assim, acolhe-se a fundamentação de direito expendida na sentença sob recurso acerca dos requisitos do dano e do nexo de causalidade, nos termos da qual:

12. Vejamos, agora, os danos, assumindo-se como de natureza não patrimonial os que vêm peticionados. Importa, então, ter presente o entendimento, que tem sido reiterado pela nossa jurisprudência, no sentido de que «constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável» (acórdão de 5.7.2018 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0259/18).

13. De acordo com o referido artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, «[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela» (destaque nosso). Independentemente da violação deste dispositivo – que, no caso, também se verifica, na vertente da violação do prazo razoável -, tal jurisprudência vale integralmente para a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável à luz do regime jurídico de fonte interna, como são a Constituição da República Portuguesa e o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (desconsideram-se aqui, porque irrelevantes para o caso concreto, os problemas relativos aos limites civis e penais que podem decorrer da Convenção).

14. Como se refere no acórdão que vimos seguindo, «[o] demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova».

15. Assim sendo, e revertendo ao caso dos autos, temos que os Autores alegaram e demonstraram que foi violado o seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável. O que nos leva necessariamente à conclusão de que se presume a verificação, para os Autores, de danos não patrimoniais. Essa presunção significa, desde logo, duas coisas. Os Autores poderiam provar que os danos que sofreram eram superiores ao dano comum, assim como o Estado poderia provar que, no caso concreto, não existiu qualquer dano. No caso dos autos, nem os Autores nem o Estado fizeram qualquer prova (de resto, nem se propuseram a tal) nos sentidos indicados. Portanto, assenta-se nisso mesmo: os Autores sofreram danos patrimoniais de grau comum decorrentes do facto de o processo 857/08.7TVLSB ter sido decidido para além do que seria razoável, tendo esse excesso já sido fixado em 5 anos e 9 meses. Fica por aí igualmente preenchida a condição relativa ao nexo de causalidade.”.

Com efeito, analisando o caso em apreço haverá que concluir que os Autores alegaram e provaram factualidade integradora de danos não patrimoniais, em consequência da atuação ilícita e culposa do Réu, que pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, decorrente da paragem do processo no Tribunal da Relação, para além do razoável.

Os danos não patrimoniais sofridos são consequência adequada do facto ilícito, de modo que se não tivesse ocorrido o facto ilícito traduzido na prolação de uma decisão judicial definitiva em prazo não razoável, os Autores não teriam sofrido os referidos danos.

Como ocorreu o facto ilícito o qual deu causa aos prejuízos, cujo ressarcimento é pedido, verifica-se o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Do que fica exposto resulta que se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, o qual deve ser condenado a pagar aos Autores a indemnização pelos danos não patrimoniais causados.

Assim, verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, nasce, quanto a este, a obrigação de indemnizar os Autores pelos invocados danos não patrimoniais.

Do quantum da indemnização

Considerando todo o expendido a respeito da verificação dos pressupostos da ilicitude, da culpa do lesante e do lesado, do dano e do nexo de causalidade, importa apurar o quantum da indemnização.

Como decidido no Acórdão deste TCAS, datado de 10/12/2019, Processo n.º 1966/09.0BEPRT, referido na sentença recorrida, de acordo com os padrões fixados pela jurisprudência do TEDH, atribui-se entre € 1.000 a € 1.500 por cada ano de atraso injustificado.

Tal quantitativo é aferido em função do número de ano de atraso ou de delonga processual e não por cada ano de duração total do respetivo processo.

É, por isso, errado associar-se a duração total do processo ao número de anos de verdadeiro atraso processual, como se realidades equivalentes se tratassem, pois que àquele primeiro período há que descontar o período normal da tramitação do processo, correspondente à resposta à solicitação dos cidadãos aos serviços de justiça.

Considerando este critério, julga-se adequada uma indemnização fixada em € 1.000 por cada ano para além do que seria razoável, o que perfaz a quantia total, para cada um dos Autores, de € 4.000, tendo em conta que a duração do processo n.º 857/08.7TVLSB excedeu em 4 anos e 1 mês o prazo que seria razoável, descontado o período de 1 ano e 8 meses imputável à culpa pela contribuição dos Autores no atraso apurado imputável ao Réu, Estado português.

Àquela quantia acrescem os respetivos juros de mora, como peticionados, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, nos termos dos artigos 805.º, n.º 3 e 806.º, n.º 1 do Código Civil.


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Em consequência de todo o exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso interposto pelo Réu, Estado português, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que se condena o Réu, Estado português ao pagamento a cada um dos Autores da indemnização no valor de € 4.000,00, acrescida de juros legais, desde a citação, em consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável.

B. Recurso dos Autores

Erro de julgamento de direito no respeitante ao quantum da indemnização, em violação dos artigos 2.º, 20.º, n.º 4 e 22.º, todos da Constituição, 6.º, § 1.º, da Convenção, 2.º, n.º 1 do CPC e 1.º, nºs. 1 e 2, 3.º, 7.º, nºs. 3 e 4, 9.º, 10.º, n.º 1 e 12º., todos do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, e 70.º, n.º 1, 483.º, n.º 1, 496.º, n.º 1, e 563.º e seguintes todos do CC

Vêm os Autores, ora Recorrentes interpor recurso da sentença recorrida exclusivamente da parte relativa ao quantum da indemnização, defendendo que o montante fixado, correspondente a uma condenação parcial do Réu se ficou a dever a se ter considerado na sentença que o tempo decorrido entre o trânsito em julgado e a notificação da conta final de custas não deve ser contabilizado como tempo de duração total do processual.

Defende que o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH deve ser interpretado no sentido de o tempo decorrente entre o trânsito em julgado e a notificação da conta de custas também relevar para a determinação da duração total do processo.

Também defende que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser determinada com base no tempo de duração total do processo e não só por cada ano de atraso.

Por isso, reputam ser insuficiente a quantia indemnizatória fixada pelo Tribunal a quo.

Totalmente sem razão.

Nos termos anteriormente decididos, cuja fundamentação ora se acolhe, a responsabilidade do Estado pelo atraso na prolação de decisão em prazo razoável, tem como pressuposto a prática de um facto ilícito.

Para tanto, tem de ser imputada alguma atuação ilícita ao Réu, Estado português, o que, naturalmente, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, por atraso ou dilações indevidas no exercício da função jurisdicional, na emissão de decisão judicial em prazo razoável, não há-de corresponder a todo o período de tempo de tramitação da causa ou em que o processo esteve pendente, por isso não corresponder tal qual, a qualquer ilicitude.

A ilicitude e a culpa do Réu e o concreto quantum da indemnização devida, há-de depender do período de tempo que corresponda a uma inação do Estado, ou seja, a uma inércia ou paragem do processo, para além do que decorre da normalidade da prática dos atos processuais legalmente previstos ou dos prazos legal ou judicialmente fixados.

Assim sendo, é fácil de ver que o período total em que a ação cível esteve pendente nos tribunais judiciais, nas suas várias instâncias até chegar ao STJ, não correspondente ao período de atraso processual, pois sempre haverá de descontar todo o período de normal tramitação da causa.

É neste sentido, que a jurisprudência do TEDH, como supra referido, tem considerado adequado o período de 3 anos para a decisão judicial ser proferida em 1.ª instância e o período de 4 a 6 anos, quando consideradas todas as instâncias, até ser proferida a decisão final.

Além de que, o período de duração total da causa, apurado como sendo no presente caso de 10 anos e 9 meses, não deixou de ser considerado, quer na sentença recorrida, quer por este Tribunal ad quem, nos termos da fundamentação antecedente.

Apresenta-se tal período da duração total do processo como um dos critérios norteadores da aferição da ilicitude e da culpa do Réu e, consequentemente, do quantum da indemnização, mas não nos termos defendidos pelos Autores, ora Recorrentes.

Por isso, considerando precisamente o período correspondente à duração total de processo, de 10 anos e 9 meses e ao critério que considerou adequado o período de 5 anos, como correspondendo ao período normal para a decisão do processo nas várias instâncias, se apurou uma dilação indevida de 5 anos e 9 meses, a qual, no entanto, não é exclusivamente imputada ao Réu, mas também, em parte, imputável aos Autores, ora Recorrentes, determinante de uma redução do período considerado como sendo de atraso imputável ao Réu, Estado português.

Acresce também não assistir razão aos ora Recorrentes na parte em que defendem dever ser considerado como período da duração do processo, não o do trânsito em julgado da decisão, mas também o período até à notificação da conta final de custas.

Não só o trânsito em julgado marca o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à causa, nos termos do disposto no artigo 613.º, n.º 1 do CPC, como define o momento em que a decisão judicial, tendo sido já proferida, já não pode ser alterada, segundo o disposto no artigo 619.º, n.º 1 do CPC.

Por conseguinte, todas as fases posteriores ao trânsito da decisão judicial já não se prendem com o direito a obter uma decisão em prazo razoável, segundo os ditames constitucionais e emanados das fontes de direito internacional.

Nem se compreende porque entende o Recorrente que o termo final relevante para determinar o fim da causa ou a delonga processual seria o da notificação da conta final de custas, visto poder ainda existir a reclamação da conta e posteriormente, a prolação de um despacho que a decida, seguido ou não de recurso jurisdicional.

Percebe-se que qualquer ato processual depois do trânsito em julgado da sentença, já não respeitará à prolação da decisão judicial e, consequentemente, para o apuramento da delonga processual decorrente da falta de decisão judicial em tempo oportuno.

Neste sentido, é manifesta a improcedência do fundamento do recurso, não assistindo razão ao Recorrente quanto ao suscitado.

Termos em que será de julgar, improcedente, por não provado, o recurso interposto pelos Autores.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. No ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.

II. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, comprovada a duração de uma ação cível por cerca de 11 anos, apurando-se uma paragem efetiva do processo por mais de 4 anos, por preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa.

III. Nos termos do artigo 4.º do RRCEE, afere-se a culpa do lesado em não promover a aceleração processual durante o período em que o processo esteve parado, por mais de 4 anos, depois de ter sido proferida decisão judicial e a aguardar a prolação do mero despacho de admissão do recurso.

IV. Os danos não patrimoniais imediatamente decorrentes da delonga processual presumem-se, não carecendo de demonstração.

IV. O quantum da indemnização, a fixar equitativamente pelo Tribunal, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, deverá atender ao tempo decorrido e às demais circunstâncias do caso, de entre as quais, a culpa do lesante e do lesado e intensidade dos danos na esfera jurídica dos Autores.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Réu, Estado português, em revogar a sentença recorrida e em substituí-la por outra, de condenação do Réu, Estado português ao pagamento da indemnização no valor de € 12.000,00, a repartir por cada um dos Autores, no valor de € 4.000,00, acrescida de juros legais, desde a citação, em consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável.

2. Negar provimento ao recurso interposto pelos Autores, por não provado.

Custas pelos Autores e pelo Réu, na proporção do decaimento, quer na 1.ª instância, quer na instância de recurso.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade e de desconformidade parcial, com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, respetivamente, os Desembargadores, Alda Nunes e Pedro Marchão Marques.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

DECLARAÇÃO DE VOTO


Votei vencido, na parte em que o acórdão concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo Estado português, alterando o montante indemnizatório fixado em 1.ª instância.

O Estado no recurso interposto defende em exclusivo que não se verificam os pressupostos de que depende a indemnização por atraso na justiça, não impugnando, ainda que subsidiariamente, o quantum indemnizatório fixado. E havendo fundamento para a condenação do Estado a este título, por verificação cumulativa desses pressupostos - e há, como se confirma no acórdão -, nada mais vindo pedido (nem sequer ao nível de uma eventual graduação da culpa para o facto danoso), confirmaria integralmente a sentença.

De resto, a argumentação avançada na tese que logrou vencimento atinente à existência de um concurso de culpas motivador da redução do montante indemnizatório que vinha fixado, salvo o devido respeito, parte de uma premissa que no caso concreto não se pode dar por verificada. É que o mecanismo da aceleração processual, que o acórdão elege como aplicável e em que funda maioritariamente a relevância jurídica do comportamento omissivo dos AA. – a denominada “inércia processual” -, não se encontra previsto para as acções cíveis, como o é a presente (o instituto da aceleração processual vem sim previsto nos artigos 108.º e 109.º do Código do Processo Penal; a iniciativa da sua dedução é conferida ao arguido, assistente ou parte civil, quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo penal). E o princípio da cooperação processual não vai tão longe como a tese acolhida no acórdão parece assumir, ao imputar aos AA. um verdadeiro ónus processual. Ou seja, do meu ponto de vista, também não há, sequer, culpa do lesado.

Negaria, portanto, provimento ao recurso do Estado Português e confirmaria integralmente a sentença recorrida.


(Pedro Marchão Marques)