Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:661/22.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/29/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
Sumário:I – Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.
II – Para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
III – Tendo o Autor apresentado o seu pedido no SEF há mais de 2 anos e tendo esta entidade 90 dias para se pronunciar face à manifestação de interesse com vista à obtenção de autorização de residência ao abrigo do regime do art.º 88.º/2 da Lei nº 23/2007, não sido emitida qualquer tipo de decisão, tal determina que o cidadão estrageiro esteja indocumentado, e a residir no nosso país ilegalmente, por não ser titular nem de uma autorização de permanência ou autorização de residência, por responsabilidade do Estado, embora se mantenha a trabalhar.
IV - Deste modo, considera-se existir uma necessidade imediata do cidadão estrangeiro em obter uma decisão relativamente à sua permanência em território nacional.
V – Acresce que o uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostrar-se-iam os mesmos inidóneos, pois a atribuição de uma providência desse tipo implicaria a atribuição efetiva, durante o tempo em que decorresse o processo principal, da indicada autorização de permanência ou de residência.
Com efeito, o uso da tutela cautelar antecipatória equivaleria à atribuição de facto, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal.
A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal.
Por seu turno, o uso de um meio principal, não urgente, não acautelaria, em tempo útil, a situação do Recorrente.
VI - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar – artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA/SEF, no âmbito da Intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, apresentada por S… de nacionalidade Indiana, tendente à sua intimação “a decidir a pretensão formulada pelo requerente a trinta de março de dois mil e vinte (30/03/2020), relativamente ao pedido de emissão de “titulo de residência”, inconformado com a Sentença proferida no TAC de Lisboa em 10 de julho de 2022, que decidiu intimar o MAI “a, no prazo de 15 dias, decidir o pedido de autorização de residência apresentado pelo Autor ao abrigo do art.º 88.º/2 e 6 da Lei dos Estrangeiros”, veio apresentar Recurso para esta instância, concluindo:
“-1.ª- Os processos urgentes devem ser reservados para as situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa (que coincidem com aquelas para as quais não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente), e onde exista necessidade de uma proteção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
-2.ª- Conforme resulta da lei e é pacifico na doutrina e jurisprudência dominante, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar a situação concreta, exigindo-se cumulativamente, para o uso desta forma processual - a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP e que não seja suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
-3.ª- A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias carateriza-se, assim, nos termos do art.º 109º do CPTA, por dois vetores: a indispensabilidade, na perspetiva de ser necessário a prolação urgente de uma decisão de mérito, e a subsidiariedade, na perspetiva que só pode ser utilizado se não for possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar.
-4.ª- Cumpre, assim, ter em atenção que o meio normal de tutela dos direitos fundamentais consiste no recurso às ações administrativas, com a possibilidade, caso se verifique a necessidade de salvaguarda dos efeitos da ação principal, à tutela cautelar, e, caso a urgência da situação o justifique, ao respetivo decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
-5.ª- A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só pode ser utilizada, assim, quando for seguro concluir que a propositura de uma ação administrativa cumulada com um pedido de tutela cautelar é incapaz de proporcionar a efetiva tutela do direito, liberdade ou garantia cuja ameaça se invoque.
-6.ª- Ora, na Sentença a quo não está demonstrada a imprescindibilidade do recurso ao meio processual escolhido, não sendo provado nos autos, para além da simples alegação, que não seria possível, em tempo útil, o recurso alternativo à ação administrativa, com ou sem intervenção cautelar.
-7.ª- Inequivocamente, ajuizou mal o douto Tribunal, ao considerar devidamente demonstrada a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de fundo tendo em vista a proteção de um direito, liberdade ou garantia.
-8.ª- A apontada imprescindibilidade não pode dar-se por verificada, pois a situação em presença não reivindica uma urgência tal que seja merecedora de uma tutela que imponha a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito e que o art. 109.º, n.º 1, do CPTA exige.
-9.ª- Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja proteção seja urgente.
-10.ª- Neste contexto, não se alcança óbice para que esse Tribunal ad quem não soçobre o malogrado veredito. Pois se assim não ocorrer, a presente sede transformar-se-á doravante, numa espécie de instrumento de aceleração processual e num mecanismo perverso, através do qual os requerentes (autores) interessados, procurarão ultrapassar outros interessados com as mesmas pretensões, suprimindo fases e olvidando requisitos, obrigando a Administração a proferir uma decisão, em clara violação dos princípios nucleares da legalidade e da igualdade de tratamento dos administrados perante a lei.
-11.ª- Nos presentes autos está em causa a concessão de autorização de residência ao abrigo do art. 88.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4/7, logo, a pretensão relativamente à qual o recorrido invoca urgência, pode perfeitamente ser decidida provisoriamente através de providência cautelar – caso estejam reunidos os respetivos pressupostos – não se vislumbrando a imprescindibilidade de uma decisão urgente de mérito relativamente à mesma. Pois não resulta dos factos alegados a imprescindibilidade de uma tutela material definitiva imediata, mostrando-se possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia invocado, a utilização de ação administrativa.
-12.ª- Pois mesmo considerando os direitos invocados pelo recorrido com sendo direitos de natureza análoga aos direitos a que alude o n.º 5 do art. 20.º da CRP, os mesmos já estarão acautelados no seu n.º 1 (do art. 88.º), pelo que também a subsidiariedade da norma invocada preclude o uso da presente via processual.
-13.ª- Acresce, e no que tange ao mérito, que é convicção do recorrente, que o Tribunal a quo não só decidiu ignorando a factualidade concreta, como outrossim, e cumulativamente, efetuou uma incorreta subsunção da mesma no direito, pois de outra forma jamais procederia a pretensão do autor.
-14.ª- Veicule-se, que não existe inércia por parte do recorrente, como é afirmado na Sentença a quo, pois a inércia é do recorrido que, e antes de mais, pretendendo trabalhar em Portugal, deveria ter diligenciado no sentido de adquirir os documentos necessários para tal, designadamente o visto adequado, o que não aconteceu.
-15.ª- Acresce, e uma vez suplantada tal questão, a atitude incompreensível do recorrido, ao não ter dado sequência à notificação de 22.11.2021, e assim originando a presente situação de impasse, não obstante a prerrogativa que lhe foi concedida.
-16.ª- Saliente-se, pois, que o recorrente não pode suprir ou colmatar tais omissões.
Pelo que uma vez mais não se compreende a posição do douto Tribunal a quo, pois é gritante a desfaçatez do recorrido ao longo de todo o teorizado no RI face ao comportamento adotado pelo mesmo, não sendo outrossim o rol das contrariedades aduzidas complacente com a atitude que vem tendo.
-17.ª- Com a devida vénia, emerge ostensivo da Sentença sob recurso, que foi invertido o ónus de demonstração, facto que não pode deixar de sublevar, pois ainda que estivéssemos ao abrigo de um processo cautelar, tal não se mostraria viável, in casu.
-18.ª- Em suma, o veredito proferido pelo TAC de Lisboa, ao considerar preenchidos os pressupostos da Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, viola frontalmente o art. 109º do CPTA, os arts. 2.º, 53.º, 58.º/1 e 2, al. b), n.º 1, 59.º, 17.º in fine e 18.º todos da CRP.
-19.ª- Outrossim num segundo momento, ao condenar o ora recorrente nos termos em que o fez, viola de forma taxativa os princípios da legalidade e da igualdade, face à factualidade que assumiu como provada, pelo que não só a violação do direito adjetivo mas também do direito substantivo entre os quais, os art. 77.º e 88.º/2, da Lei 23/2007, dos arts. 58.º e 115.º e ss. do CPA), impõem que esse douto Tribunal ad quem se debruce sobre a mesma.
Nestes termos e nos mais de direito, que Vs. Exas. doutamente suprirão, impetra-se acato para o presente Recurso jurisdicional de apelação e sua procedência, em detrimento do veredito, proferido pelo TAC de Lisboa.”

Em 18 de agosto veio o Recorrido apresentar as suas contra-alegações, tendo concluído:
“O Tribunal a quo agiu bem.
O presente instrumento legal é o mais idóneo.
Conforme posição do TCA SUL, a falta de um título que permita a permanência do A. e Recorrente no território nacional podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O Recorrente SEF pretende somente ganhar tempo, recusando-se a decidir a emitir o título de residência do Autor para desespero deste.
Termos em que :
A) deve ser negado ou recusado provimento ao presente recurso.
B) deve manter-se a sentença recorrida ou a quo.
C) no mais se conclui como na pi e réplica.
Assim se fará justiça”.

Em 11 de agosto de 2022 foi proferido Despacho de admissão do Recurso.

Notificado o Ministério Público em 28 de outubro de 2022, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), mas com apresentação antecipada do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar se se mostra aplicável à controvertida situação a “intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias”, e quanto ao mérito, verificar se o Tribunal a quo, como igualmente vem invocado, “ignorou a factualidade concreta (…) e efetuou uma incorreta subsunção da mesma no direito”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto provada e não Provada:
“a) O Intimante é natural de Punjab e nacional da Índia ─ cfr. cópia do passaporte junta com a resposta.
b) Veio para Portugal e desenvolve atividade profissional ao abrigo de um “contrato de trabalho a termo incerto” celebrado a 27 de Dezembro de 2019 ─ cfr. DOC junto com a resposta.
c) Está inscrito como contribuinte em Portugal desde 10/9/2019 ─ cfr. DOC junto com a PI.
d) A 30/3/2020, o, ora Intimante, apresentou junto do SEF manifestação de interesse com vista à concessão de autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada, ao abrigo do nº 2 do artigo 88.º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, à qual foi atribuído o n.º 08148813 – cfr. certificado junto como DOC 1 junto com a PI.
e) O requerimento descrito em d) ainda não obteve decisão ─ acordo.
f) A presente intimação deu entrada neste Tribunal, via site, no dia 23/3/2022 ─ cfr. Petição Inicial (704545) Petição Inicial (Comprovativo Entrega) (008736513) de 23/03/2022 16:33:33.
Analisando agora criticamente o resultado probatório (art.º 607.º/4 CPC), importa referir que a convicção do Tribunal quanto a todos os factos vertidos se formou com base na análise do teor dos documentos pontualmente invocados, juntos pelas partes, e na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados e requerimentos avulsos.
Não se provou:
1. Que a manifestação de interesse tenha sido submetida pelo Autor a 20/04/2020.
2. Que o requerente tenha sido notificado a 22/11/2021 para proceder ao seu agendamento [“Concessão de prioridade de agendamento para o período de 22-11-2021 até 02-12-2021.”], que tenha efetuado a leitura da referida notificação a 23/11/2021, mais precisamente às 00:25h e não tenha chegado a efetuar o agendamento.”

IV - Do Direito
No que ao direito concerne, no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) Peticionou o Autor nos presentes autos que o tribunal intime o demandado a decidir o seu pedido de autorização de residência e, em consequência, a emitir, com urgência, o título de residência solicitado.
Tendo, para o efeito, alegado, em suma, que a 30/3/2020 apresentou junto dos serviços do SEF manifestação de interesse com vista à obtenção de autorização de residência ao abrigo do regime do art.º 88.º/2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, não tendo a Administração, até ao momento, emitido qualquer tipo de decisão - não obstante se mostrar ultrapassado o prazo de 90 dias previsto no art.º 82.º/1 da citada Lei.
Mais invoca que reúne os requisitos legais previstos no art.º 88.º/2, devendo ser emitida a autorização de residência requerida.
(…)
Importa agora relembrar as questões a decidir já enunciadas; está em causa averiguar:
a) se houve já deferimento ─ ou se se formou deferimento tácito ─ do pedido de autorização de residência por falta de resposta atempada da Administração, devendo esta ser condenada a emitir o correspondente título de residência; ou, por fim, em caso de resposta negativa,
b) se se verifica um direito do Intimante à obtenção da autorização de residência que requereu ao SEF, devendo ser a entidade administrativa demandada intimada/condenada à prática desse ato.
A primeira questão parte da premissa de que, de algum modo, havia sido já deferida a autorização de residência solicitada e de que, como tal, faltaria condenar a Administração à emissão do título de residência..
Diga-se, desde já que não procede o entendimento do Autor de acordo com o qual se teria formado deferimento tácito da sua pretensão, de obter autorização de residência ao abrigo do regime do artº 88.º/2 da Lei dos Estrangeiros, atenta a falta de resposta atempada da Administração. Está em causa um pedido de condenação à prática do ato administrativo devido que se rege, designadamente, pelo disposto nos artigos 66.º, 67.º e 71.º do CPTA.
Quanto aos prazos para a emissão daquelas autorizações, rege, em termos gerais, o art.º 82.º da LE que dispõe como segue:
«1 - O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias.
2 - O pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias.
3 - Na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, por causa não imputável ao requerente, o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata.
4 – (…).»
Ora, deste preceito decorre que se forma deferimento tácito ─ de acordo com o disposto no n.º 3 ─ apenas nos casos em que não seja decidido o pedido de renovação de autorização de residência no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo. A remissão do n.º 3 é muito clara quanto ao seu âmbito, que se restringe à situação do “número anterior”. De resto, também na legislação geral de procedimento administrativo deixou de estar contemplada uma cláusula geral de situações geradoras de deferimento tácito [cfr. art.º 130.º do CPA]; o legislador optou por exigir, para que se forme deferimento tácito, que este efeito jurídico esteja expressa e taxativamente estatuído em normas especiais constantes de leis ou regulamentos.
É esse o caso deste n.º 3 do art.º 82.º da LE que, contudo, não abarca as situações em que esteja em causa conceder originariamente a autorização de residência ─ como é o caso dos autos [neste sentido, ainda que a propósito de outro tipo de autorização de residência, cfr., entre outros, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 2/3/2017, Proc. 1523/16.5 BELSB].
Soçobra, pois, o pedido condenatório com a amplitude que lhe foi atribuída pelo Autor – de condenação à emissão do título de residência.
Regressemos ao caso dos autos quanto ao demais peticionado.
Conforme se alcança da factualidade supra, o Requerente, apresentou, a 30/3/2020, manifestação de interesse com vista à concessão de autorização de residência nos termos do citado art.º 88.º/2 da LE.
Sendo que, decorrido o prazo, de 90 dias úteis, previsto no art.º 82.º/1 daquela Lei sem que tivesse sido decidida a requerida autorização de residência ou tivesse sido determinado qualquer avanço no procedimento à mesma conducente, veio o Requerente instaurar o presente processo urgente, com fundamento nessa omissão. De resto, não é sequer controvertido que até à presente data não foi emitido tal título, conforme reconhecido pelo próprio SEF na informação que prestou nos autos sob Requerimento (713663)
Requerimento (008804913) de 30/05/2022 09:04:28.
E, de facto, dos autos resulta que se mostra ultrapassado o prazo de decisão de 90 dias consagrado, para o efeito, no art.º 82.º/1 da Lei dos Estrangeiros.
Todavia, essa inércia administrativa não significa que o Tribunal esteja em condições de condenar a Administração a deferir a autorização de residência solicitada e a emitir o título de residência a favor do Requerente.
É bem sabido que são admitidas sentenças condenatórias da Administração Pública observadas as limitações decorrentes do princípio da separação de poderes e que encontram eco no disposto nos três números do art.º 71.º do CPTA.
Assim, em obediência ao disposto no art.º 71.º/2 e 3 do CPTA ─ e na medida em que decorre dos autos que a Administração ainda não procedeu sequer à cabal instrução do procedimento em causa ─ deve este tribunal determinar que prossiga a Administração com a instrução necessária de modo seja proferida decisão ─ que foi ilegalmente omitida ─ naquele procedimento.
Com efeito, não está o Tribunal em condições de condenar, sem mais, a entidade administrativa demandada, desde logo por falta de elementos que permitam proceder à apreciação da pretensão e porque, atento o quadro legal, inexiste neste caso uma situação de redução da discricionariedade a zero, nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 71º do CPTA. Considerando o disposto no art.º 71.º/3 do mesmo Código, a alternativa não passa, porém, pela absolvição do Intimado do pedido, pois que é devida a prática de um ato pela Administração, tal como imposto pelo princípio da decisão consagrado nos artigos 266.º/1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 13.º do CPA.
Nesta conformidade, não sendo possível determinar o conteúdo do ato administrativo a proferir, deverá a Administração, obedecendo às citadas normas, ser condenada a instruir e decidir o pedido de concessão de autorização de residência do Requerente em prazo que se estima ser razoável e adequado fixar-se em 15 (quinze) dias.
*
Quanto ao pedido de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, não é este o momento processual para apreciar a respetiva bondade; tendo em conta o disposto nos artigos 111.º/4 e 169.º do CPTA, não existe, por ora, fundamento legal para a requerida condenação porquanto a mesma depende de um eventual incumprimento da sentença de intimação sem justificação –, e em qualquer caso após ser dada oportunidade ao titular do órgão incumbido da execução da sentença para se pronunciar sobre a imposição da referida sanção.
Termos em que, e em suma,
a) se verificou uma omissão ilegal de decisão, atento o decurso do prazo legal sem obtenção da resposta à pretensão do Autor de obter uma autorização de residência ao abrigo do regime constante do art.º 88.º/2 e 6 da Lei dos Estrangeiros; e
b) é de determinar que, atentos os elementos trazidos a estes autos pelas partes, e aqueles que seja ainda necessário obter em sede de instrução do procedimento, decida a Administração o pedido de autorização de residência apresentado pelo Autor, no prazo de 15 (quinze) dias.”

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância:
“i. Declaro improcedente a exceção de inadequação do meio processual;
ii. Intimo o Ministério da Administração Interna a, no prazo de 15 (quinze) dias, decidir o pedido de autorização de residência apresentado pelo Autor ao abrigo do art.º 88.º/2 e 6 da Lei dos Estrangeiros;”

Vejamos:
Vem predominantemente suscitado recursivamente o facto de se entender que a Intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias não seria o meio processual idóneo para o Autor fazer valer a sua pretensão.

Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.

Trata-se de uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar aquela situação concreta.

Assim, para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.

Ora, no que concerne à urgência no uso do meio processual intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, frente ao alegado na PI, terá de considerar-se um pressuposto verificado.

Efetivamente o Autor apresentou o seu pedido no SEF há mais de 2 anos (30/3/2020), entidade que teria 90 dias para se pronunciar face à manifestação de interesse com vista à obtenção de autorização de residência ao abrigo do regime do art.º 88.º/2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, não tendo a Administração, até ao momento, emitido qualquer tipo de decisão, o que determina que aquele esteja indocumentado e a residir no nosso país ilegalmente, por não ser titular nem de uma autorização de permanência, nem de uma autorização de residência, embora se mantenha a trabalhar.

Assim, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência atual.

Enquanto o indicado título de residência não for emitido ao Recorrido, ou enquanto a autorização de residência não lhe for concedida, ele padecerá de todos os males que decorrem de estar ilegal no nosso país.

Deste modo, em face do que vem alegado na PI, tal como decidido em 1ª instância, considera-se existir uma necessidade imediata do Recorrido em deter um título ou uma autorização para se poder manter a residir legalmente em Portugal e aqui continuar a viver e a trabalhar na qualidade de estrangeiro com título legal de permanência.

Quanto à legalização da permanência do Recorrido no nosso território, é uma condição sine qua non para que consiga uma regular integração no mercado de trabalho, de forma igualmente legal, e para que beneficie dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e saúde.

No caso, o uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostrar-se-iam os mesmos inidóneos, pois a atribuição de uma providência desse tipo implicaria a atribuição efetiva, durante o tempo em que decorresse o processo principal, da indicada autorização de permanência ou de residência. Isto é, o uso da tutela cautelar antecipatória equivaleria à atribuição de facto, efetiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal.
A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal.

Por seu turno, como decorre do acima assinalado, o uso de um meio principal, não urgente, não acautelaria, em tempo útil, a situação do Recorrente.

As regras da experiência, que aqui valem como presunção judicial, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, indicam-nos que a falta de um título que permita a permanência, em termos de legalidade, do Recorrido no território nacional, podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao principio da dignidade da pessoa humana (cf. art.º 1.º da CRP) dos indicados direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança (cf. art.ºs. 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (art.º 26.º, n.º 1, da CRP), a trabalhar e à estabilidade no trabalho (cf. art.ºs. 53.º, 58.º e 59.º da CRP) ou à saúde (cf. art.º 64.º da CRP).

Em face da presente situação o Recorrido pode ver-se limitado na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação.

Em suma, a falta de tal título contende quer com um feixe alargado de direitos de índole pessoal, que serão reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, quer com direitos económicos, sociais e culturais, como o direito ao trabalho ou à saúde, que são direitos fundamentais não integrados pela Constituição naquela primeira categoria, mas que quando coartados na sua dimensão mais essencial, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual, terão de ficar abrangidos pelo regime aplicável àqueles direitos, liberdades e garantias e logicamente pelo âmbito desta intimação.

A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode pois ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar – artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.

Em linha com o vindo de discorrer, sumariou-se no Acórdão deste TCAS nº 2482/17.2BELSB, de 15-02-2018, nomeadamente, o seguinte:
“I – A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar a situação concreta;
II - Para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar;
III – Estão preenchidos os pressupostos indicados no art.º 109.º, n.º1, do CPTA, numa situação em que o A. requer a condenação do SEF a emitir-lhe um título de residência, ou subsidiariamente a ser-lhe concedida uma autorização de residência, alegando ter-se verificado um deferimento tácito desse pedido e que desde Junho de 2017 deixou de ter um título que lhe permitisse estar legal no nosso território, estando assim violados os seus direitos à liberdade, à segurança, à identidade pessoal, a procurar trabalho, a trabalhar, à estabilidade no trabalho ou à saúde;
(…)
V- Por conseguinte, neste caso, a urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência atual;
(…)”

Sumariou-se ainda no mesmo sentido, e mais recentemente, no Acórdão do TCAS nº 1899/18.0BELSB, de 30-01-2020, o seguinte:
“A falta de um título legal que permita a permanência do requerente em território nacional pode preencher, em abstrato, os pressupostos de recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do CPTA, perante a omissão de decisão administrativa.”

De resto, quando o MAI/SEF afirma que a presente Intimação é um meio inidóneo para fazer valer os interesses do Autor, o que a não ser reconhecido pelo Tribunal, determinará que “(…) a presente sede transformar-se-á doravante, numa espécie de instrumento de aceleração processual e num mecanismo perverso, através do qual os requerentes (autores) interessados, procurarão ultrapassar outros interessados com as mesmas pretensões, suprimindo fases e olvidando requisitos, obrigando a Administração a proferir uma decisão, em clara violação dos princípios nucleares da legalidade e da igualdade de tratamento dos administrados perante a lei”, é uma afirmação falaciosa, pois que o SEF só se pode queixar de si próprio ao não dar resposta tempestiva aos requerimentos que lhe são apresentados, pois que se cumprisse os prazos a que está legalmente obrigado, a referida questão nem sequer se colocaria.

Efetivamente, importa não perder de vista que nos termos do artº 13° n° 1 do CPA, “os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.”

Finalmente, e no que respeita à alegação recursiva de acordo com a qual o Tribunal ao decidir como decidiu “viola de forma taxativa os princípios da legalidade e da igualdade, face à factualidade que assumiu como provada, pelo que não só a violação do direito adjetivo mas também do direito substantivo entre os quais, os art. 77.º e 88.º/2, da Lei 23/2007, dos arts. 58.º e 115.º e ss. do CPA”, trata-se de uma afirmação meramente conclusiva, sendo que, em bom rigor, o tribunal não impôs que o SEF/MAI emitisse a requerida autorização de residência, tendo singelamente intimado esta entidade a “decidir o pedido de autorização de residência apresentado pelo Autor”.

Em face de tudo quanto se expendeu, não se reconhece nem vislumbra que a decisão Recorrida mereça censura.

V - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 29 de novembro de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa (Voto Vencido)
Voto de vencido:
Concederia provimento ao recurso com fundamento na inidoneidade do meio processual usado pelo Recorrido por não resultar do alegado por este e da factualidade dada por provada na sentença recorrida que se encontra numa situação em que seja necessária a “célere emissão de uma situação de mérito (…) por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar” - cfr. o nº 1 do artigo 109º do CPTA.
Lina Costa