Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:657/11.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - O artigo 43º, n.º 3, al. d), da LGT abrange quer os casos em que haja desaplicação de normas sustentadoras da liquidação impugnada, por inconstitucionalidade, designadamente pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, quer aqueles em que haja decisão do Tribunal Constitucional, no processo concreto ou em processos similares, que declare inconstitucionais as mencionadas normas.
II - O entendimento no sentido de que, para efeitos de aplicação do artigo 43º, n.º 3, al. d), da LGT, é absolutamente necessária uma decisão do Tribunal Constitucional atenta contra a tutela jurisdicional efetiva, na medida em que, no caso de desaplicação de norma, designadamente, pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, por inconstitucionalidade, está nas mãos de terceiros a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, para o qual o Impugnante vencedor não tem legitimidade.
III - O objetivo do legislador, com a alteração de 2019 do artigo 43º da LGT, foi o de tutelar a posição dos administrados que pagaram uma liquidação emitida com base em norma inconstitucional.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

N......., S.A., (doravante Recorrente) veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no dia 30.05.2022, na impugnação judicial por si apresentada contra o ato de liquidação da “Taxa Anual Actividade Fornecedor Redes/Serviços Comunicações Electrónicas”, relativa ao ano de 2010, no valor total de €78.526,91, na parte em que se decidiu “julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante”.
Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações,
formulando, a final, as seguintes conclusões:

“IV. CONCLUSÕES

I. O presente Recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 30.05.2022, na parte em que se “julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante”, por considerar que não há lugar aos mesmos nos casos de decisão de anulação da liquidação com base em inconstitucionalidade das normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, aplicadas na liquidação do tributo, como se decidiu na douta Sentença recorrida (v. págs. 67 e segs. e decisão da douta Sentença) - cfr. n.º 1 do texto das presentes Alegações;

II. Com o devido respeito - e é verdadeiramente muito -, não podemos concordar com o decidido, pois, face ao disposto no art. 43.º/3/d) da Lei Geral Tributária (LGT), na redação da Lei 9/2019, de 01.02, a douta Sentença recorrida deveria ter condenado nos juros indemnizatórios peticionados, face ao decidido quanto à anulação da liquidação – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;

III. Com efeito, o art. 43.º/3/d) da LGT, naquela atual redação, estabelece que são “devidos juros indemnizatórios (…) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução” (sublinhados e sombreado nosso), sendo que é a decisão dos Tribunais Tributários que determina a “devolução”, a que alude a parte final deste preceito art. 43.º/3/d) da LGT, na atual redação, os quais não deixam de formular um juízo de inconstitucionalidade, conforme se verificou na douta Sentença recorrida, pelo que, à data em que foi proferida a Sentença recorrida, aquele preceito já era aplicável, sendo devidos juros, após o trânsito em julgado, conforme aí estabelecido – cfr. n.ºs 1 a 4 do texto das presentes Alegações;

IV. A este respeito, vejam-se, designadamente:

- o douto Acórdão do TCA Sul, de 24.01.2024, proferido no Proc. 905/10.0BELSB, ainda não publicado, cuja cópia juntamos em anexo como Doc. 1, o qual foi proferido em processo totalmente idêntico ao presente (de outra entidade do Grupo da Impugnante), tendo revogado Sentença que havia julgado improcedente a condenação em juros; - os doutos Acórdãos STA de 13.01.2021, Proc. 0735/19.4BEBRG; de 23.10.2019, Proc. 01974/16.5BELRS e de 19.02.2020, Proc. 02286/17.2BELRS, todos disponível em www.dgsi.pt;

- os doutos Acórdãos do TCA Sul proferidos nos Procs. 966/12.8BELRS, de 24.11.2022, 968/12.4BELRS, de 24.11.2022 (disponíveis em www.dgsi.pt), 567/13.3BELRS, de 19.11.2023, 645/11.3BELRS, de 20.04.2023, e 967/12.6BELRS, de 04.05.2023, em que se consideraram inconstitucionais as normas aqui em causa e se condenou a ANACOM nos juros – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 2 e 11 e segs.;

V. Contrariamente ao que parece ser o entendimento da douta Sentença recorrida, face à atual redação do art. 43.º da LGT o legislador distingue entre o erro imputável aos serviços (n.º 1) e os demais fundamentos para o direito a juros indemnizatórios, entre os quais se incluiu a inconstitucionalidade da norma em que se fundou a liquidação (n.º 3/d)) - aliás, foi precisamente para ultrapassar essa questão (de inexistência de erro dos serviços), que, pela Lei 9/2019, de 01.02, foi introduzido a alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT (cfr. Doc. 5, adinate junto) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 2 e 11 e segs.;

VI. Por outro lado, como se escreve no referido douto Acórdão TCA Sul, de 24.01.2024, proferido no Proc. 905/10.0BELSB, cuja cópia juntamos em anexo como Doc. 1, “não há que chamar à colação a disposição de direito transitório prevista no art.º 3.º da Lei n.º 9/2019 (…), cujo escopo é alargar o novo regime às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor (2 de Fevereiro de 2019, de acordo com o respetivos art.º 4.º)” (sombreado e sublinhado nosso), pois, no caso em apreço, à data em que foi proferida a decisão de inconstitucionalidade (nomeadamente, à data da douta Sentença recorrida), já se encontrava em vigor o art. 43.º/3/d) da LGT, na redação daquela Lei 9/2019 - cfr. n.º 16 do texto das presentes Alegações;

VII. Além disso, entretanto, já existe decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, proferida no presente processo (Acórdão de 21.12.2023), a julgar inconstitucionais as referidas normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 (para além de várias outras decisões no mesmo sentido do Tribunal Constitucional, transitadas em julgado – cfr., a título indicativo, entre outras decisões do Tribunal Constitucional, certidões adiante juntas como Docs. 3 e 4) – cfr. n.ºs 1 a 4 e 11 e segs. do texto das presentes Alegações;

VIII. Assim sendo, mesmo considerando o douto Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN, que tem vindo a ser invocado pela Impugnada, presentemente, é inquestionável (maxime também face a essa jurisprudência), que se verificam os pressupostos do art. 43.º/3/d) da LGT, na redação da Lei 9/2019, de 01.02, para serem “devidos juros indemnizatórios (…) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução” – cfr. n.ºs 1 a 4 do texto das presentes Alegações;

IX. Feitas estas notas prévias, vejamos melhor, em sede de Conclusões, os fundamentos do Recurso:

- Dos Factos

X. Na douta Sentença recorrida consideraram-se provados os factos dos respetivos n.ºs 30, 32 e 35, com relevância para a questão dos juros indemnizatórios (liquidação pela ANACOM da “taxa” no valor total de 78.526,91€ e respetivo pagamento pela Impugnante em 29.12.2010, bem como posteriores devoluções parciais) – cfr. n.º 6 do texto das presentes Alegações;

XI. Além disso, deve ser considerado provado que, entretanto, por Acórdão do Tribunal Constitucional de 21.12.2023, transitado em julgado, proferido no presente processo, decidiu-se julgar “inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Portaria n.º 1307/2009, de 19 de outubro, na parte em que determinam a incidência objetiva e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e de comunicações eletrónicas enquadrados no “escalão 2” e, consequentemente, negou-se provimento ao recurso da ANACOM da Sentença aqui recorrida, que havia anulado a liquidação com base na referida inconstitucionalidade – cfr. n.ºs 6 e 7 do texto das presentes Alegações;

XII. Também deve ser considerado provado que, atualmente, existem várias outras de decisões do Tribunal Constitucional, transitadas em julgado, a julgar inconstitucionais as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, nomeadamente os Acórdãos n.ºs 244/2023 e 429/2023, respetivamente, de 11.05.2023 e de 04.07.2023 (proferidos nos Procs. 905/10.0BELRS e 572/19.6BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa), cujas certidões, com nota de trânsito em julgado, adiante se juntam como Docs. 3 e 4 – cfr. n.ºs 6 e 7 do texto das presentes Alegações;

XIII. Encontram-se ainda provados vários outros factos com relevância para apreciação e decisão desta questão erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” e consideração de “provisões” no cálculo da taxa, conforme subsidiariamente requerido no presente Recurso – cfr. n.º 8 do texto das presentes Alegações;

- Do Direito

XIV. Conforme resulta do acima referido em sede de âmbito do Recurso, no presente Recurso suscitam-se as seguintes questões:

- Do direito da Impugnante a juros indemnizatórios;
e, subsidiariamente,
- Da anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos:
- na determinação dos “rendimentos relevantes” da Impugnante;
- na inclusão no cálculo das taxas do valor das provisões da ANACOM para processos judiciais;

e consequente direito a juros indemnizatórios.

- Do direito da Impugnante a juros indemnizatórios;

XV. Com efeito, conforme acima demonstrado, o direito da Recorrente a juros, decorre de vários fundamentos – cfr. n.ºs 2 e segs. e 11 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVI. Em primeiro lugar, sem prejuízo do infra referido nas Conclusões XXIV e segs., relativamente a existir atualmente decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, quando foi proferida a douta Sentença recorrida a Impugnada deveria ter sido condenada nos juros, nos termos do art. 43.º/3/d) da LGT, face à anulação da liquidação, com base em ter-se considerado inconstitucionais as normas aplicadas na liquidação – cfr. n.ºs 11 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVII. Neste sentido, Acórdão STA e Acórdãos do TCA Sul, acima referidos na Conclusão IV, proferidos em situações idênticas e em que se sublinhou que, “com a alteração feita ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), pela Lei n.º 9/2019, de 01 de fevereiro”, a verificação da inconstitucionalidade “passou a sustentar o direito ao pagamento a juros indemnizatórios” – cfr., Acórdão de 24.11.2022 (Proc. 966/12.8BELRS), do TCA Sul, e os demais referidos naquela Conclusão, nomeadamente o Acórdão do TCA Sul, de 24.01.2024, adiante junto como Doc. 1 – cfr. n.º 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVIII. No mesmo sentido, entre várias outras, a douta Sentença de 28.04.2023, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no Proc. 830/14.6BELRS, em processo idêntico ao presente, adiante junta como Doc. 2 (por não se encontrar disponível em www.dgsi.pt), que transcrevemos no n.º 13 supra, pelo detalhe na apreciação da questão - que aqui seguimos integralmente -, e inegável acerto da mesma – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XIX. Com efeito, não obstante o direito aos juros indemnizatórios resultar diretamente do atual art. 43.º/3/d) da LGT, como decidido naqueles Acórdãos do TCA Sul e STA, acima referidos na Conclusão IV, a análise efetuada nessa douta Sentença adiante junta como Doc. 2, proferida no Proc. 830/14.6BELRS (nomeadamente, também, na forma como analisa os fundamentos do Acórdão STA proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN), não deixa dúvidas quanto a dever ser proferida decisão de condenação nos juros indemnizatórios, nomeadamente antes de decisão do Tribunal Constitucional (que aqui já existe) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XX. Conforme acima referido, o art. 43.º/3/d) da LGT, naquela atual redação, estabelece que são “devidos juros indemnizatórios (…) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva “devolução (sublinhados e sombreado nosso), sendo que é a decisão dos Tribunais Tributários que determina a “devolução, a que alude a parte final deste preceito art. 43.º/3/d) da LGT, na atual redação, os quais não deixam de formular um juízo de inconstitucionalidade, conforme se verificou na douta Sentença recorrida, pelo que, à data em que foi proferida a Sentença recorrida, aquele preceito já era aplicável, sendo devidos juros, após o trânsito em julgado, conforme aí estabelecido (cfr. págs. 28 e segs. da douta Sentença junta como Doc. 2) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXI. Não se invoque que a desaplicação de uma norma (no caso das normas da Portaria) não corresponde a decisão que “declare ou julgue a inconstitucionalidade”, pois, por um lado, as normas são desaplicadas porque são julgadas (ou consideradas) inconstitucionais, e, por outro lado, não cabe à jurisdição constitucional condenar em juros num processo concreto, pelo que, com o devido respeito, a adotar-se o entendimento da douta Sentença recorrida, nunca aquela norma a determinar que são devidos juros seria aplicável, pelo que trata-se de interpretação que, além de não corresponder à letra da lei, não poderia ser seguida (cfr. art. 9.º/1 e 3 do C. Civil) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXII. Aliás, como bem notado na douta Sentença acima transcrita no n.º 13 e adiante junta como Doc. 2 (proferida no Proc. 830/14.6BELRS), o art. 43.º/3/d) da LGT ao fazer referência a decisão judicial que, além de declarar ou julgar a inconstitucionalidade, “determine a respetiva devolução” (da prestação tributária), não deixa dúvidas que se refere a decisões dos Tribunais Tributários e não a decisões do Tribunal Constitucional, pois estas “nunca determinam a devolução da prestação tributária, porquanto o Tribunal Constitucional julga ou faz um juízo sobre a constitucionalidade da norma, e não de nenhuma liquidação tributária em concreto, pelo que esta expressão indica, de forma manifesta, que não eram as decisões do Tribunal Constitucional que o legislador tinha em mente” (v. Sentença acima transcrita) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXIII. De resto, na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, que deu origem ao art. 43.º/3/d) da LGT, disponível na página na internet da Assembleia da República e adiante junta como Doc. 5, refere-se que, mantendo-se a recusa de pagar juros quando a anulação da liquidação se baseia em inconstitucionalidade “estaria encontrada para as entidades públicas uma forma de financiamento gratuita para elas, mas lesiva para os contribuintes. Caso não fossem devidos juros indemnizatórios, as entidades públicas poderiam lançar taxas ou outros tributos inconstitucionais ou ilegais, ficando tranquilamente a aproveitar a espera pela decisão judicial final e definitiva, jogando com o tempo que estes processos levam até à sua conclusão para devolver muito mais tarde – e sem juros – o respetivo montante aos contribuintes” – cfr. n.º 14 do texto das presentes Alegações;

XXIV. De resto, contrariamente ao parece ser o entendimento na douta Sentença recorrida, face à atual redação do art. 43.º da LGT, o legislador distingue entre o erro imputável aos serviços (n.º 1) e os demais fundamentos para o direito a juros indemnizatórios, entre os quais se incluiu a inconstitucionalidade da norma em que se fundou a liquidação (n.º 3/d)) – cfr. n.º 14 do texto das presentes Alegações;

XXV. Aliás, foi precisamente para ultrapassar essa questão (de inexistência de erro dos serviços), que, pela Lei 9/2019, de 01.02, foi introduzido a alínea d) no n.º 3 do art. 43.º da LGT (cfr., nomeadamente, a Exposição de Motivos junta como Doc. 5 e a Sentença junta como Doc. 2) – cfr. n.º 14 do texto das presentes Alegações;

XXVI. Note-se, ainda, que a declaração de nulidade ou anulação do ato implicar o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o mesmo não tivesse sido praticado, sendo que tal determina, além do mais, a obrigação de reintegração completa da ordem jurídica violada de acordo com a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, o que implica não só restituir tudo o que foi pago, mas também o pagamento dos juros, pois, se não pagasse juros à Impugnante, a anulação não produzirá efeitos “ex tunc”, pois manter-se-iam os rendimentos que a ANACOM entretanto auferiu com a liquidação ilegal do tributo em causa à Impugnante – cfr. n.º 15 do texto das presentes Alegações;

XXVII. Em segundo lugar, sublinhe-se, ainda, que o direito aos juros no caso em apreço também não é afastado pela disposição transitória do art. 3.º da Lei 9/2019, de 01.02, que estipula que “a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011

XXVIII. Com efeito, como se escreve no referido douto Acórdão TCA Sul, de 24.01.2024, proferido no Proc. 905/10.0BELSB, cuja cópia juntamos em anexo como Doc. 1, “não há que chamar à colação a disposição de direito transitório prevista no art.º 3.º da Lei n.º 9/2019 (…), cujo escopo é alargar o novo regime às decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor (2 de Fevereiro de 2019, de acordo com o respetivos art.º 4.º)” (sombreado e sublinhado nosso), pois, no caso em apreço, à data em que foi proferida a decisão de inconstitucionalidade (nomeadamente, à data da douta Sentença recorrida), já se encontrava em vigor o art. 43.º/3/d) da LGT, na redação daquela Lei 9/2019 - cfr. n.º 16 do texto das presentes Alegações;

XXIX. Em terceiro lugar, sem prejuízo do referido supra, o Tribunal Constitucional, por decisão transitada em julgado (nomeadamente proferida no presente processo), já julgou as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, inconstitucionais, pelo que, mesmo considerando o douto Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN, que tem vindo a ser invocado pela Impugnada, presentemente, é inquestionável (maxime face a essa jurisprudência), que se verificam os pressupostos do art. 43.º/3/d) da LGT), na redação da Lei 9/2019, de 01.02, para serem devidos juros indemnizatórios à Impugnante, ora Recorrente – cfr. n.ºs 17 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXX. Com efeito, de acordo com aquele Acórdão STA de 02.02.2022 (e o de 12.10.2022, Proc. 01501/19.2BELR, que seguiu o decidido naquele Acórdão), apenas existiria o direito a juros, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, nomeadamente em fiscalização concreta, a julgar inconstitucionais as normas desaplicadas – cfr. n.ºs 17 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXI. Ora, sem conceder quanto a este entendimento (que é contrário ao decidido nos Acórdão indicados na Conclusão IV e ao que resulta do disposto no art. 43.º/3/d) da LGT, conforme acima demonstrado – cfr., igualmente, Sentença junta como Doc. 2), no caso em apreço, já se verifica aquela situação (decisão do Tribunal Constitucional), face ao Acórdão do Tribunal Constitucional, transitado em julgado, proferido no presente processo, para além de várias outras decisões no mesmo sentido do Tribunal Constitucional, transitadas em julgado (cfr., a título indicativo, entre outras decisões do Tribunal Constitucional, certidões adiante juntas como Docs. 3 e 4) – cfr. n.ºs 17 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXII. Sem conceder, o art. 43.º/3/d) da LGT, na (errada) interpretação normativa de que não seriam devidos juros nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não fosse do Tribunal Constitucional, sempre seria inconstitucional por violação do Estado de Direito e do direito de propriedade (seria um enriquecimento do Estado à custa de um particular), consagrados nos arts. 2.º e 62.º da CRP, tal como dos princípios da justiça e proporcionalidade, integrantes do Estado de Direito, do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP e da responsabilidade do Estado e das entidades públicas, prevista no art. 22.º da CRP – cfr. n.ºs 19 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXIII. Note-se, aliás, que está em causa uma Portaria que nem sequer é/foi objeto de promulgação, pelo que não era suscetível de fiscalização abstrata da constitucionalidade, nesse âmbito. Não pagar juros seria a forma (muito fácil) de o Estado, através de uma Portaria inconstitucional, enriquecer à custa dos particulares, além de inclusive se prejudicar quem recorreu a Tribunal para obter a decisão de inconstitucionalidade, dado que, quem não o fizesse, mas depois da decisão do Tribunal Constitucional (nesse outro processo intentado por 3.º), adota-se a via da reclamação graciosa/revisão, eventualmente seguida de impugnação judicial, baseada naquela decisão do Tribunal Constitucional, já teria direito aos juros – cfr. n.ºs 19 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXIV. Naquele sentido, do enriquecimento ilegítimo do Estado, na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, que deu origem ao art. 43.º/3/d) da LGT, citada no Acórdão do STA de 12.10.2022 (Proc. 01501/19.2BELR), acima transcrito, disponível na página na internet da Assembleia da República e adiante junta como Doc. 5, refere-se que, mantendo-se a recusa de pagar juros quando a anulação da liquidação se baseia em inconstitucionalidade “estaria encontrada para as entidades públicas uma forma de financiamento gratuita para elas, mas lesiva para os contribuintes. Caso não fossem devidos juros indemnizatórios, as entidades públicas poderiam lançar taxas ou outros tributos inconstitucionais ou ilegais, ficando tranquilamente a aproveitar a espera pela decisão judicial final e definitiva, jogando com o tempo que estes processos levam até à sua conclusão para devolver muito mais tarde – e sem juros – o respetivo montante aos
contribuintes” (sombreados e sublinhados nossos) – cfr. n.º 19 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXV. Além disso, pelos mesmos fundamentos acima referidos, nomeadamente violação do Estado de Direito e do direito de propriedade, dos princípios da justiça e da proporcionalidade, do princípio da igualdade e da responsabilidade do Estado e das entidades públicas, o art. 3.º da Lei 9/2019, de 01.02, também seria inconstitucional, numa (errada) interpretação normativa de que o art. 43.º/3/d) da LGT não seria aplicável a liquidações anteriores a 2011, em que a decisão de inconstitucionalidade fosse proferida posteriormente à entrada em vigor daquela redação da LGT, como é aqui o caso – cfr. n.º 19 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVI. Conforme se encontra provado, a Impugnante pagou à ANACOM, em 29.12.2010, o montante de 78.526,91€, pelo que, face ao exposto, sob pena de violação dos arts. 43.º/3/d) e 4 da LGT e art. 61.º/5 do CPPT, conforme ocorreu na douta Sentença recorrida, devem ser pagos pela ANACOM os juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre aquela quantia, desde a data do respetivo pagamento, até integral pagamento à Impugnante (considerando-se, ainda, as devoluções parciais efetudas pela ANACOM) – cfr. n.ºs 11 e segs. do texto das presentes Alegações.

- Subsidiariamente: Da anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos e respetivo direito a juros:

XXXVII. Finalmente, a título subsidiário, considerando-se que a Impugnante não tem direito a juros em caso de decisão de inconstitucionalidade - o que não se concede minimamente, conforme resulta do acima exposto -, sempre deveria ter sido apreciado, face ao disposto no art. 124.º do CPPT, o vício do erro sobre os pressupostos, invocado nos arts. 88.º a 160.º e 161.º a 196.º da P.I. (cuja apreciação foi considerada prejudicada na douta Sentença recorrida), relativamente ao qual há muito não há dúvidas que gera direito aos juros, nos termos do art. 43.º/1 da LGT (cfr. Doutrina transcrita no n.º 4 supra) – cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVIII. Tal vício decorre do facto de no cálculo da “taxa” em causa a ANACOM considerar a quase totalidade das receitas da Impugnante na sua atividade de oferta de conteúdos (televisão e vídeo), que nada tem que ver com o âmbito regulatório da ANACOM e da inclusão no cálculo das taxas do valor das provisões da ANACOM para processos judiciais contra si intentados – cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXIX. No sentido da verificação do referido erro sobre os processos, vejam-se, nomeadamente, as doutas Sentenças referidas no n.º 22 do texto supra proferidas em 29.09.2017, 03.05.2020, 11.05.2020, 10.02.2021 e em 22.12.2021, nos Processos que, respetivamente, sob os n.ºs 567/13.3BELRS, 645/11.3BELRS, 653/11.4BELRS, 968/12.4BELRS e 966/12.8BELRS6 , em processos totalmente idênticos ao presente, relativos à liquidação do mesmo tributo em outros anos (e/ou a outras sociedades do Grupo da Impugnante) – cfr. n.ºs 22 e segs. do texto das presentes Alegações;

- Do erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” da Impugnante

XL. Com efeito, verifica-se que o ato de liquidação sub judice enferma de erro no que respeita à determinação dos “Rendimentos Relevantes” ou “Proveitos Relevantes” da N.......(anteriormente Z…), o qual se reflete no montante do tributo liquidado – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLI. No que respeita a esta ilegalidade cumpre referir que as receitas da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) e do “Video on Demand” (VoD), também identificado como Serviços Audiovisuais a Pedido (ambas consideradas na sua totalidade na liquidação do tributo em causa), remuneram, essencialmente, a disponibilização, pela N.......aos seus clientes, de “pacotes” de canais de televisão e de filmes, um serviço que releva apenas para a atividade de oferta de conteúdos televisivos, pelo que nunca poderiam ser consideradas na sua globalidade como “Rendimentos Relevantes” no cálculo da “taxa” em causa – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLII. Conforme resulta dos n.º 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, não são (nem podem ser) considerados, “Rendimentos Relevantes”, para efeitos da liquidação da “Taxa Anual”, os rendimentos auferidos com outras atividades que não a de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pois trata-se de um tributo que incide apenas sobre as redes e serviços de comunicações eletrónicas, excluindo-se, assim, as receitas/rendimentos relativos aos conteúdos difundidos, maxime os conteúdos do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) e “Video on Demand” – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIII. O mesmo resulta do art. 105.º/1/b) e 4 da LCE – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIV. Até porque “é necessário separar a regulação da transmissão, da regulação dos conteúdos”, não abrangendo (nem podendo abranger) aquela “os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações electrónicas recorrendo a serviços de comunicações electrónicas” (v. Considerando 5 da diretiva 2002/21/CE) – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLV. Aliás, não cabe nas competências da ANACOM, mas sim da ERC, fiscalizar e/ou regular os conteúdos difundidos pela N…, no quadro da sua atividade de televisão por subscrição – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
XLVI. O ato de liquidação da “taxa” em análise deve, assim, ser anulado, também por violar os n.ºs 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, bem como o art. 105.º/1/b) e 4, da Lei 5/2004, ao considerar como“ rendimentos relevantes”, sobre os quais a ANACOM fez incidir a “percentagem contributiva”, a totalidade das receitas da N.......provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) ou “Atividade de Televisão/Operador de Distribuição” e do “Video on Demand” ou “Serviços Audiovisuais a Pedido” – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLVII. No mesmo sentido, vejam-se as doutas Sentenças acima referidas na Conclusão XXXIX e o referido no Parecer da Exma. Professora Doutora Ana Paula Dourado junto com a P.I. – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLVIII. O cômputo pela ANACOM da totalidade das receitas da N.......na assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição, determina ainda a existência de uma dupla tributação, pois a ANACOM está a tributar atividades que são alheias ao seu objeto regulatório e que são tributadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIX. Com efeito, a N.......está sujeita à “regulação e supervisão” da ERC que cobra as respetivas “taxas de regulação e supervisão”, conforme se pode verificar pelo n.º 15 dos factos provados (cfr. art. 6.º dos Estatutos da ERC, aprovados pela lei 53/2005; arts. 4.º/1 e 5.º/1 e 5 do DL 103/2006 e art. 2.º/1/e) da Lei 27/2007) – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

L. Nada impede que um mesmo operador seja regulado por dois reguladores, mas por atividades distintas, sendo que, quando a ANACOM faz incidir a respetiva “taxa contributiva” sobre a totalidade das receitas da N.......provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) e do “Video on Demand”, está a tributar atividades que não regula (conteúdos televisivos) e a determinar que exista uma dupla tributação, dado que essa atividade é tributada pela ERC – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

LI. Finalmente, também se revela incompreensível a contabilização pela ANACOM das receitas do aluguer e instalação de equipamentos, que haviam sido excluídas pela N.......Açores na sua declaração (v. n.ºs 19, 25 e 31 dos factos provados), as quais são expressamente excluídas pelo n.º 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, não existindo qualquer justificação válida para não equiparar o “aluguer” desses equipamentos à respetiva venda – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

LII. Deve assim ser anulado o ato de liquidação sub judice, também por ter incidido sobre a totalidade das referidas receitas da N…, o que, além violar o disposto nos n.ºs 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473- B/2008, bem como o art. 105.º/1/b) e 4, da Lei 5/2004, determina a existência de dupla tributação – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;

LIII. Nos termos do art. 43.º/1 da LGT, esse erro sempre determinaria o direito da Impugnante receber juros indemnizatórios, conforme decidido nas doutas Sentenças referidas na Conclusão XXXIX, em processos idênticos ao presente – cfr. n.ºs 26 e segs. do texto das presentes Alegações;
- Do erro sobre os pressupostos na inclusão no cálculo das taxas do valor das provisões da ANACOM para processos judiciais contra si intentados

LIV. No que respeita a esta questão, verifica-se que no cálculo da taxa em causa foram consideradas pela ANACOM “provisões para processos judiciais em curso”, em concreto, o valor de 7.067.491€, constante da tabela do n.º 21 dos factos provados (cfr. art. 163.º e Doc. 5 da P.I.)– i.e. provisões constituídas pela ANACOM para o caso de vir a ser condenado pelos Tribunais a pagar indemnizações a terceiros, por atos ilícitos da própria ANACOM, mais concretamente, por atos ilícitos praticados por titulares de órgãos, funcionários e agentes da ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 41 e segs.;

LV. Conforme também decidido nas doutas Sentenças referidas na Conclusão XXXIX, em processos totalmente idênticos ao presente – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 41 e segs.;

LVI. A contabilização das provisões para processos judiciais no cálculo da “taxa” viola o disposto n.º 4 daquele art. 105.º da Lei 5/2004, que refere apenas a contabilização de “custos administrativos” da ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 41 e segs.;

LVII. As “provisões para processos judiciais em curso” claramente não são “custos administrativos, sendo que até a própria ANACOM autonomiza as duas situações, conforme se pode verificar pelo Doc. 5 da P.I. e n.º 21 dos factos provados– cfr. texto das presentes Alegações n.º n.ºs 41 e segs.;

LVIII. A consideração no cálculo da “taxa” de provisões constituídas pelo ICPANACOM para processos judiciais viola o disposto no art. 105.º da Lei 5/2004 e não tem suporte na Portaria 1473-B/2008, nas suas redações inicial e de 2009, aqui aplicável – cfr. texto das presentes Alegações n.º n.ºs 41 e segs.;

LIX. Acresce que, o n.º1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na sua redação aqui aplicável (anterior a da Portaria 296-A/2013), não prevê a consideração no cálculo das “taxas”, destas provisões referentes a processos judiciais intentados contra ANACOM – cfr. texto das presentes Alegações n.º n.ºs 41 e segs.;

LX. O n.º1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na posterior redação da Portaria 296-A/2013 (da autoria de Secretário de Estado de então), em que se passou a fazer referência às provisões para processos judiciais, além de ser inaplicável in casu – por ser posterior ao ato de liquidação sub judice, de 2010 -, sempre seria ilegal por violação do art. 105.º da Lei 5/2004, bem como inconstitucional por violação do art. 112.º/1/2/5/6 e 7 da CRP – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 41 e segs.;

LXI. Além disso, o referido n.º 1 do anexo II da Portaria 1473-B/2008, na sua redação inicial e de 2009 - aqui aplicável -, também enfermaria das mesmas ilegalidades se interpretado no sentido de já permitir a consideração das provisões constituídas pela ANACOM para processos judiciais no cálculo das “taxas” em causa – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 41 e segs.;

LXII. Deve assim ser anulado o ato de liquidação sub judice, também por este fundamento – cfr. n.ºs 41 e segs. do texto das presentes Alegações;
LXIII. Nos termos do art. 43.º/1 da LGT, este erro sobre os pressupostos sempre determinaria o direito da Impugnante receber juros indemnizatórios – cfr. n.ºs 41 e segs. do texto das presentes Alegações;

LXIV. De qualquer forma, mesmo não se não se verificasse este erro sobre os pressupostos - invocado a título subsidiário no presente Recurso -, a decisão de inconstitucionalidade sempre geraria o direito a juros, como acima demonstrado, conforme decorre do art. 43.º/3/d) da LGT e decidido nos doutos Acórdãos TCA Sul e STA acima indicados na Conclusão IV (entre outros) – cfr. n.ºs 2 e segs. do texto das presentes Alegações;

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.,

a) deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida na parte em que se decidiu “julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante”, devendo a Impugnada, além da restituição da quantia liquidada, face à anulação da liquidação, ser condenada a efetuar o pagamento dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre a referida quantia (78.526,91€), considerando as devoluções parciais pela ANACOM, ou seja sobre a referida quantia desde a data do respetivo pagamento (29.12.2010) até 14.06.2011, sobre a quantia de 70.406,81 € desde 15.06.2011 até 16.12.2013, sobre a quantia de 66.050,04 € desde 17.12.2013 até 27.06.2014, sobre a quantia de 55.700,89 € desde 28.06.2014 até 18.06.2015, e sobre a quantia de 54.832,43 €, desde 18.06.2015 até integral pagamento,
Subsidiariamente (nos termos do art. 124.º CPPT – cfr. Doutrina transcrita no n.º 4 supra), no caso de se considerar que a Impugnante não tem direito a juros em caso de decisão de anulação com base em inconstitucionalidade - o que não se concede minimamente, conforme resulta do acima exposto e do art. 43.º/3/d) da LGT -,
b) deve ser julgado procedente o vício do erro sobre os pressupostos acima referido (cuja apreciação foi considerada prejudicada na douta Sentença recorrida), e, consequentemente, além da restituição da quantia liquidada, face à anulação da liquidação, ser a Impugnada condenada a efetuar o pagamento dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre a referida quantia (78.526,91€), considerando as devoluções parciais pela ANACOM, ou seja sobre a referida quantia desde a data do respetivo pagamento (29.12.2010) até 14.06.2011, sobre a quantia de 70.406,81 € desde 15.06.2011 até 16.12.2013, sobre a quantia de 66.050,04 € desde 17.12.2013 até 27.06.2014, sobre a quantia de 55.700,89 € desde 28.06.2014 até 18.06.2015, e sobre a quantia de 54.832,43 €, desde 18.06.2015 até integral pagamento, Como é de Lei e de Justiça!”

*

A AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (abreviadamente ANACOM), (doravante recorrida), devidamente notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, tendo as suas conclusões o seguinte teor:

“V – Conclusões

182. – Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões fundamentais:

Quanto à execução da sentença recorrida, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios

1.ª A questão dos juros indemnizatórios, tal como a questão da reconstituição da situação que existia antes da liquidação anulada judicialmente, coloca-se em sede de execução de sentença, entendendo a doutrina e a jurisprudência que (i) os juros indemnizatórios não têm que ser pedidos pelo contribuinte e que (ii) a sentença não tem que condenar a Administração no pagamento dos juros indemnizatórios porque os mesmos se encontram compreendidos na obrigação de reconstituição da situação atual hipotética, emergente do dever de executar a sentença (cf. artigo 100.º, n.º 1 da LGT);

2.ª A ANACOM irá dar execução, no prazo legal, à sentença proferida nos presentes autos [entretanto (parcialmente) transitada em julgado], quer quanto ao valor da liquidação anulada [deduzido das devoluções efetuadas pelas notas de crédito n.ºs C72000128, de 14.06.2011, no valor de €8.120,10, C72000211, de 11.12.2013, no valor de €4.356,77, C72000091, de 24.06.2014, no valor de €10.349,15 e C72000090, de 12.06.2015, no valor de €868,46], quer quanto aos juros indemnizatórios, sem prejuízo de se reservar o direito de vir a exigir à N.......Açores a devolução dos montantes pagos indevidamente, caso o Tribunal ad quem venha a manter a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante, ora Recorrente.

Quanto ao âmbito do recurso

3.ª Se não oferece dúvidas a delimitação do âmbito do recurso quanto à parte da sentença que lhe foi desfavorável – relativa à questão dos juros indemnizatórios – o mesmo já não acontece quando a Recorrente pretende que o Tribunal ad quem conheça, em sede de recurso, de questões que ficaram por conhecer na sentença recorrida.

4.ª Na parte em que parece pretender que o Tribunal ad quem altere a sentença recorrida quanto à matéria de facto, a Recorrente comete um manifesto erro processual, na medida em que não são suscetíveis de impugnação, através de recurso, matérias que não foram apreciadas na sentença recorrida;

5.ª Os fundamentos/vícios que invocou em sede de impugnação judicial, como é o caso do alegado «erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes”» e do e do alegado erro sobre os pressupostos «na consideração pela ANACOM, no cálculo da “taxa”, das provisões por si constituídas, relativamente a processos judiciais intentados contra a ANACOM»,, cuja apreciação ficou prejudicada pela solução adotada na sentença recorrida, não foram objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, pelo que só por via do conhecimento em substituição poderiam ser apreciadas pelo Tribunal ad quem;

6.ª Para que pudesse haver conhecimento em substituição, seria necessário que o Tribunal ad quem alterasse a sentença recorrida, em termos de ser obrigado a conhecer as questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao caso;

7.ª No caso em apreço, a Recorrente não questiona a solução dada ao caso, pelo que não se vê em que condições poderia o Tribunal ad quem conhecer em substituição, tanto mais quando a questão de (in)constitucionalidade se encontra definitivamente decidida pelo Tribunal Constitucional, constituindo caso julgado nos presentes autos;
8.ª Termos em que se considera inadmissível a parte do recurso em que a Recorrente pretende alterar a decisão tomada pela sentença recorrida quanto à matéria de facto, de modo a provocar uma apreciação, em substituição, de um dos vícios que invocou em sede de impugnação judicial e que não foram apreciados pela sentença recorrida;

Quanto aos fundamentos do recurso

9.ª De acordo com a jurisprudência do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN, a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, apenas tem aplicação nos casos em que o segmento normativo que serve de incidência à tributação tenha sido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional;

10.ª Isto quer dizer que, antes de haver uma pronúncia do Tribunal Constitucional, não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT;

11.ª Em todos os casos em que o STA considerou aplicável a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, tinha ocorrido uma pronúncia do Tribunal Constitucional:

− Foi o caso da Taxa SIRCA, decidido no Acórdão do STA de 13.01.2021, processo n.º 0735/19.4BEBRG, objeto de pronúncia pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 344/2019, tirado em Plenário de 4 de junho de 2019, pela Decisão Sumária do Tribunal Constitucional n.º 461/2019, de 17 de junho de 2019 e pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 364/2019, de 19 de junho de 2019 (entre outros); e

− Foi o caso da Taxa Municipal de Proteção Civil de Lisboa, decidido, entre outros, nos Acórdãos do STA de 23.10.2019, processo n.º 01974/16.5BELRS e de 19.02.2020, processo n.º 02286/17.2BELRS, objeto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 848/2017, de 13 de dezembro de 2017;

12.ª Decorre dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 9/2019, que a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT apenas tem aplicação sempre que o Tribunal Constitucional venha a confirmar, em sede de fiscalização concreta ou sucessiva, a inconstitucionalidade da norma que suporta a liquidação;

13.ª Tal nada tem que ver com o acerto ou desacerto da sentença recorrida, pois esta foi proferida sem que existisse, naturalmente, qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo, por isso, aplicável a jurisprudência emergente do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e do Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

14.ª O presente recurso assenta num equívoco quanto aos pressupostos de aplicação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, a qual não podia ter tido aplicada pelo Tribunal a quo, na medida em que as normas em que se baseou a liquidação não tinham sido julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional;

15.ª Termos em que se mostra forçoso concluir que a sentença recorrida não violou
o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019;

16.ª A referência à questão dos juros indemnizatórios constante dos Acórdãos do TCA Sul referidos nos nºs 2, 12, 14 da alegação recursiva e conclusões IV, XVII e XIX, não equivale a uma condenação da ANACOM no pagamento de juros indemnizatórios e constitui, na economia dos referidos Acórdãos, um mero obiter dictum, sem qualquer influência na apreciação dos recursos;

17.ª A única exceção ao que fica dito na conclusão anterior é o Acórdão do TCA Sul de 24.01.2024, proferido no processo n.º 905/10.0BELSB, que, no entanto, adotou uma decisão contrária à jurisprudência do STA relativa à matéria dos juros indemnizatórios, razão pela qual a ANACOM não se conformou com a referida decisão e interpôs recurso de revista para o STA, o qual se encontra, neste momento, pendente de decisão;

18.ª A generalização do direito a juros indemnizatórios, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, equivaleria a alargar um instituto desenhado para o ressarcimento do contribuinte, em situações de pagamento indevido de prestações tributárias, devido à violação de normas fiscais substantivas, a todos e quaisquer casos de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo certo que nada impede o contribuinte lesado de aceder aos meios normais de tutela, fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado;

19.ª Não assiste razão ao Tribunal Tributário de Lisboa quando vem pôr em causa no processo n.º 830/14.6BELRS a jurisprudência constante do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e reiterada pelo Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

20.ª Não é errada uma interpretação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não seja do Tribunal Constitucional;

21.ª Tal interpretação não é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do direito de propriedade, do princípio da igualdade e da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, na medida em que nada impede o contribuinte de promover a efetivação da responsabilidade civil do Estado através da competente ação judicial;

22.ª Está subjacente aos juros indemnizatórios uma presunção de danos, sendo eles uma forma rápida e simples de o contribuinte lesado ver reparado um dano provocado por um ato ilegal de uma entidade pública;

23.ª Todavia, essa reparação é assegurada substancialmente pelo regime geral da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, pelo que a interpretação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, no sentido de que não seriam devidos juros indemnizatórios nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não fosse do Tribunal Constitucional, não é inconstitucional e não implica qualquer enriquecimento do Estado à custa de um particular, na medida em que os juros indemnizatórios são uma mera forma de liquidação antecipada de danos, baseada em presunções, e que nada impede o contribuinte de promover a efetivação da responsabilidade civil do Estado através da competente ação judicial;

24.ª Tudo visto e ponderado, é forçoso concluir que a sentença recorrida não violou a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, devendo ser mantida com a fundamentação emergente do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e reiterada pelo Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

Quanto ao julgamento em substituição

25.ª Na medida em que a N.......Açores resolveu avançar com alegações complementares, sem esperar pela verificação dos pressupostos de que depende o conhecimento em substituição (artigo 665.º, nºs 1 e 2 do CPC) e pela notificação prevista no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, a ANACOM pronuncia-se por cautela de patrocínio e sem prejuízo da apresentação de alegações complementares, caso o Tribunal ad quem venha a considerar que se encontram preenchidos os pressupostos do conhecimento em substituição;

26.ª A sentença recorrida não violou o disposto no artigo 124.º do CPPT;

27.ª Uma eventual anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” ou no apuramento dos custos administrativos por inclusão das “provisões”, nunca corresponderia a uma anulação integral da liquidação, como viria a suceder por força do juízo de inconstitucionalidade, mas a uma anulação parcial, importando apenas a correção dos rendimentos relevantes da Impugnante, de modo a deles excluir as parcelas relativas às alegadas atividades de televisão /operador de distribuição, ou a correção dos custos administrativos, de modo a deles expurgar os custos relativos a provisões para processos judiciais em curso;

28.ª A tutela oferecida pelo juízo de inconstitucionalidade confere o mesmo grau de satisfação ou um grau de satisfação superior dos interesses alegadamente ofendidos;

Quanto aos rendimentos relevantes

29.ª O núcleo essencial dos serviços prestados pela Impugnante respeita ao fornecimento de produtos e serviços de comunicações eletrónicas, nomeadamente, telefone, internet e televisão, que são oferecidos de forma agregada;

30.ª A Impugnante não produz conteúdos nem tem qualquer controlo editorial sobre os conteúdos que transporta na sua rede, pelo que apenas está sujeita à supervisão da ERC na medida em que lhe cabe decidir sobre a seleção e agregação dos conteúdos que transporta na sua rede;

31.ª Os serviços de comunicações eletrónicas prestados pela Impugnante (entre os quais, o serviço de comunicações eletrónicas de televisão por subscrição) são prestados através de uma rede de comunicações eletrónicas;

32.ª No caso UPC Nederland BV c. Gemeente Hilversum (processo n.º C-518/11) o Tribunal de Justiça da União Europeia já teve oportunidade de clarificar, sem margem para quaisquer dúvidas, que «o artigo 2.°, alínea c), da diretiva-quadro deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste em proporcionar um pacote de base acessível por cabo e cuja faturação engloba os custos de transmissão bem como a remuneração dos organismos de radiotelevisão e os direitos pagos aos organismos de gestão coletiva dos direitos de autor, a título da difusão do conteúdo das obras, é abrangido pelo conceito de «serviço de comunicações eletrónicas» e, portanto, pelo âmbito de aplicação material tanto desta diretiva como das diretivas específicas que constituem o NQR, aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas, desde que esse serviço compreenda principalmente a transmissão dos conteúdos televisivos mediante a rede de teledistribuição por cabo até ao terminal de receção do utilizador final» (cons. 47 e n.º 1 da parte deliberativa)

33.ª O facto de a Impugnante estar sujeita à supervisão e à taxa de regulação da ERC não contende com o facto de também estar sujeita à supervisão da ANACOM, na medida em que exerce a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público;

34.ª Por respeitar ao fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas ao público, a atividade da Impugnante não se confunde com a atividade dos operadores over the top, isto é, dos prestadores de serviços de media on-line, que não fornecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas aos seus clientes;

35.ª A Impugnante paga uma taxa à ANACOM para financiar os custos de regulação económica do mercado de comunicações eletrónicas;

36.ª Os operadores over the top não estão sujeitos a esta taxa pois apenas disponibilizam conteúdos aos seus clientes, desligados da oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas;

37.ª O acesso aos serviços de televisão por subscrição prestado pela Impugnante depende da aquisição de uma set top box que apenas aquela ou os seus agentes vendem, instalam e configuram, de tal modo que não é possível aos seus clientes adquirir esses dispositivos doutra forma ou utilizá-los para usufruir dos serviços da Impugnante noutro local ou dos serviços de outros operadores de redes de comunicações eletrónicas;

38.ª Por isso, as set top boxes disponibilizadas pela Impugnante são equipamentos de rede, indissociáveis da prestação do serviço de comunicações eletrónicas pela mesma;

39.ª As receitas provenientes (i) do serviço de televisão por subscrição (ii) do aluguer de set top boxes e (iii) da instalação ativação e outros serviços conexos com o serviço de televisão por subscrição, auferidas pela Impugnante, advém do exercício da atividade de fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pelo que devem ser consideradas para o apuramento da correspondente taxa anual de regulação, pelo que não existiu qualquer erro sobre os pressupostos de facto da liquidação, que justifique a anulação da liquidação impugnada;

40.ª Esse putativo erro, a existir, o que não se admite, nunca corresponderia a uma
anulação integral da liquidação, nem daria direito a juros indemnizatórios sobre a totalidade do montante pago, pois apenas implicaria a revisão da liquidação, de modo a excluir dos rendimentos relevantes da Impugnante, as parcelas relativas às alegadas atividades de televisão /operador de distribuição;

Quanto às provisões como custos administrativos de regulação

41.ª A inclusão das provisões para processos judiciais em curso nos custos administrativos de regulação corresponde a uma exigência legal, contabilística e financeira;

42.ª A formulação do artigo 12.º da Diretiva Autorização confere uma larga margem de apreciação aos Estados-Membros, quer quanto à decisão de instituir um sistema de repartição dos encargos administrativos pelos operadores, quer quanto à seleção do universo de custos administrativos a abranger por esse sistema, sendo certo que entre os custos administrativos passíveis de ser abrangidos se incluem custos com atividades suscetíveis de controlo jurisdicional;

43.ª Nem a letra, nem o espírito do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização impedem que os custos suportados com a constituição de provisões para processo judiciais desencadeados no âmbito da ação da ANACOM enquanto regulador do sector das comunicações eletrónicas sejam considerados elegíveis para efeitos do encargo administrativo nele previsto;

44.ª O financiamento da cobertura dos custos com provisões para processos judiciais em curso pela via do orçamento do Estado não seria compatível com o modelo de financiamento da ANACOM e com a sua independência financeira;

45.ª Os custos associados à constituição de provisões relacionadas com processos judiciais desencadeados no âmbito da ação da ANACOM enquanto entidade reguladora do setor das comunicações eletrónicas, não podem ser financiados pelas taxas relativas à utilização de números ou de frequências, sob pena de se pôr o Estado a financiar custos que devem ser internalizados no âmbito da atividade de regulação, por força do disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e do artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

46.ª Nos Acórdãos nºs 429/2023 e 430/2023, proferidos em 4 de julho de 2023, o Tribunal Constitucional considerou razoável, à semelhança do que se concluiu no Acórdão n.º 152/2022, relativamente aos prestadores de serviços postais, «“fazer recair sobre o grupo de [fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas] o ónus de suportar [o tributo], uma vez que os [fornecedores] integrados nesse universo não só contribuem, com o exercício da sua atividade económica, para agravar os custos que para o Estado resultam da necessidade de intervir na regulação e supervisão do mercado, como é razoável presumir que esses operadores económicos retirarão um especial benefício, ainda que difuso, do regular exercício pela ANACOM das funções que a lei lhe comete neste âmbito”», sublinhando que não descaracteriza o tributo «a circunstância de no seu cálculo serem contabilizadas provisões da ANACOM para processos judiciais em curso, intentados contra o regulador, visto que o contencioso se integra no âmbito da respetiva atividade normal» (sublinhado acrescentado);

47.ª O artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e o correspondente artigo
105.º, n.º 4 da Lei das Comunicações Eletrónicas, não impedem que os custos suportados com a constituição de provisões para processo judiciais desencadeados no âmbito da ação do ICPANACOM enquanto regulador do sector das comunicações eletrónicas, sejam considerados elegíveis para efeitos do encargo administrativo nele previsto;

48.ª A inclusão das provisões para processos judiciais em curso relacionados com a regulação satisfaz plenamente os critérios previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 12.º da Diretiva Autorização, seja em termos de objetividade, seja de proporcionalidade, seja ainda de transparência;

49.ª Os resultados da ANACOM são uma consequência dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espetro radioelétrico (que são uma receita devida pela utilização do domínio público radioelétrico que se encontra consignada à ANACOM e cujo excedente é entregue ao Estado), enquanto as taxas de regulação visam apenas cobrir os custos com esta atividade, pelo que não geram qualquer excedente para a ANACOM;

50.ª Não existe qualquer erro sobre os pressupostos na determinação dos custos administrativos de regulação, por inclusão nesses custos das “provisões para processos judiciais em curso”;

51.ª Esse putativo erro, a existir, o que não se admite, nunca corresponderia a uma anulação integral da liquidação, nem daria direito a juros indemnizatórios sobre a totalidade do montante pago, pois apenas implicaria a revisão da liquidação, de modo a excluir dos custos administrativos de regulação os relativos a “provisões para processos judiciais em curso”.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!”

*

O Digno MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

*

Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.

*

Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

i) Ocorre erro de julgamento no que se refere à absolvição da Recorrida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do tributo ou, em substituição, que por ter existido erro nos pressupostos da determinação dos rendimentos relevantes sempre se deveriam considerar devidos os juros indemnizatórios peticionados.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Resultou provado, com interesse para a apreciação dos autos o seguinte:

A) A Impugnante foi objeto de um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, levado a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, ao abrigo das Ordens de Serviço 01201204772 e 01201605671, relativas aos anos de 2010/2011 e 2012. [cfr. facto não controvertido];

B) Em 17 de Outubro de 2023, foi emitida a liquidação de IVA n.º 22......... com respeito ao período 1008 - Agosto de 2010 no valor de €20.098,06 e com data limite de pagamento em 31 de Dezembro de 2022. [cfr. doc. 1 da pi];

C) A presente Impugnação deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 31 de Março de 2023. [cfr. a fls. 1 dos autos];

D) Em 12 de Abril de 2023 foi proferido Despacho pela Diretora de Finanças de Setúbal em concordância com a informação daquela Direção de Finanças de 10 de Abril de 2023, na qual se concluiu o seguinte:

“Não tendo o sujeito passivo sido notificado dos Relatórios de Inspeção Tributária pelos motivos expostos, entendemos que as liquidações de IVA emitidas e não impugnadas e os respetivos juros compensatórios dos períodos constantes do quadro supra referentes às Ordens de Serviço OI201204772 e OI201605671, no valor total de €2.206.249,87, devem ser anuladas, não sendo devidos juros indemnizatórios por não se verificarem os requisitos do disposto no artigo 43.º da LGT.

Remeta-se o presente Procedimento de Revisão à DSIVA, para apreciação e decisão, face ao valor em causa.” [cfr. de fls. 346 a 383 dos autos];

E) Em 18 de Maio de 2023 foi proferido Despacho pelo Subdiretor Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado - DSIVA deferindo a Revisão Oficiosa n.º 22......... nos termos e com os fundamentos expostos, que se reproduzem em parte:
“(…) II - ANÁLISE

8. O mecanismo de revisão oficiosa dos atos tributários é aplicável ao IVA, como resulta do carácter geral da LGT e do próprio art.º 98.º, n.º 1, do CIVA, que dispõe que, quando, por motivo imputável aos serviços, tiver sido liquidado imposto superior ao devido, proceder-se-á à revisão oficiosa nos termos do art.º 78.° daquela lei.

9. Ainda de acordo com o sentido geral da LGT, de reforço dos direitos e garantias dos sujeitos passivos, o objeto da revisão é a anulação de um ato tributário anteriormente praticado e a prática de um outro em que sejam tomados em conta os elementos apurados no procedimento de revisão.

10. Reportando-nos à situação sub judice, verifica-se que a S… foi objeto de um procedimento inspetivo externo, de âmbito geral, levado a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, ao abrigo das Ordens de Serviço 01201204772 e 01201605671, relativas aos anos de 2010/2011 e 2012, respetivamente.
11. E que, devido a um automatismo introduzido no Sistema Informático da AT (SIIIT), decorrente da desmaterialização do procedimento inspetivo, ocorreu um erro informático central, o qual despoletou o encerramento das suprarreferidas Ordens de Serviço, originando, assim, que fossem, erradamente, efetuadas as notificações das liquidações de IVA e dos correspondentes juros compensatórios, relativas aos períodos dos anos em causa.

12. Será, contudo, de registar, que a S… já reagiu, através da interposição da Impugnação Judicial n.° 780/22.2BEALM, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, contra a liquidação n.° 20......... relativa ao período 2010.01 M, no valor de € 5.930,79 (entretanto já anulada).

13. Constituem, assim, objeto do presente pedido as liquidações adicionais de IVA e as liquidações dos correspondentes juros compensatórios, no valor total global de €2.206.249,87, a seguir identificadas:
“(texto integral no original; imagem)”
14. Ora, a revisão dos atos tributários pode ser realizada por impulso do contribuinte ou por iniciativa da administração tributária, (…).

15. O mecanismo da revisão do ato tributário apresenta-se como sendo complementar aos normais meios de impugnação administrativa e contenciosa de atos de liquidação de tributos (a deduzir nos respetivos prazos legais), destinado à sanação de injustiças na tributação, independentemente de estas se terem verificado em prejuízo do contribuinte ou da administração.

16. O n.° 1 do art.° 78.° da LGT, com base no qual é formulado o pedido de revisão oficiosa, dispõe de quadros legais diferentes, dos quais resultam prazos distintos para a dedução do pedido: (…).

17. Atendendo a que está em causa, como já referido, um “erro imputável aos serviços’’ a que se alude na segunda parte do n.° 1 do art,° 78.° da LGT, estão reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários por iniciativa da administração tributária, não podendo esta legalmente demitir-se de o fazer. (…)

19. A administração tributária está, pois, obrigada a eliminar da ordem jurídica todos
os atos de liquidação injustos, como, aliás, decorre da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, mas tal dever não deve depender da existência de um ato tributário manifestamente ilegal ou de erro imputável aos serviços.

20. Este dever de rever atos injustos é, assim, um verdadeiro poder dever estribado no dever de a administração tributária atuar segundo o principio da justiça, constitucionalmente consagrado. (…)

21. Nesta conformidade, verificando-se os pressupostos para se proceder a revisão oficiosa, com fundamento na segunda parte do n.° 1 do art.° 78.° da LGT, por estarem em causa liquidações, não devidas, resultantes de um erro imputável aos serviços, impõe-se que se proceda à revisão dos atos tributários prevista no art.° 78.° da LGT.

III- PROPOSTA DE DECISÃO

22. Diante do exposto, propõe-se o deferimento do presente pedido de revisão.

23. Por conseguinte, merecendo a presente informação despacho superior concordante, deverá proceder-se à revisão dos suprarreferidos atos tributários de liquidação de IVA e dos correspondentes juros compensatórios, no valor total de €2.206.249,87, com as demais consequências legais.” [cfr. de fls. 346 a 383 dos autos];

F) Através do ofício de 20 de Maio de 2023 foi enviado à Impugnante S… a notificação da decisão final do procedimento de Revisão Oficiosa, melhor identificada na alínea antecedente. [cfr. de fls. 346 a 383 dos autos];

G) Em 3 de Julho de 2023 foi proferido despacho de admissão da presente Impugnação e notificada a Impugnante para concretizar o objeto da perícia e aperfeiçoar o rol de testemunhas constante da petição inicial. [cfr. a fls. 316 dos autos];
H) Em 18 de Setembro de 2023, na sequência do requerimento da Impugnante, foi determinada a notificação da Fazenda Pública para contestar. [cfr. a fls. 332 dos autos];

I) Em 29 de Setembro de 2023 a Fazenda Pública apresenta requerimento no qual requer a extinção da instância por impossibilidade da lide, face à revogação do ato impugnado, por despacho de 18 de Maio de 2023. [cfr. a fls. 344 dos autos];

Mais, ficou provado,

J) Em data que o Tribunal não conseguiu apurar, mas seguramente em 2012, foi instaurado, contra a Impugnante, o processo de inquérito criminal n.º 189/12.6TELSB. [cfr. informação que se extrai do doc. 3 da pi];”

*

Factos não provados

“Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como
provados ou não provados.”


*

Motivação

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal em conjugação com a livre apreciação da prova, como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas supra.”


*

II.2 - De direito

Alega a Recorrente que a sentença errou ao decidir que no caso em apreço não tinha direito aos pagamentos de juros indemnizatórios, porque estando em causa a desaplicação de uma norma ao caso concreto por a mesma violar a Constituição, não se verificaria requisito do erro imputável aos serviços, uma vez que a Recorrida estaria obrigada a aplicar a norma em questão.

Ora, e atendendo a que no caso a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância desaplicou o n.º 1 e n.º 2 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, na redação conferida pela Portaria n.º 296-A/2013, na parte em ali se determina a incidência e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónica enquadrados no “escalão 2”, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei, previsto na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, não pode deixar de se concluir que no caso era de aplicar o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43º da LGT, norma da qual resulta, e sem distinção quanto ao tribunal emissor da decisão, que são devidos juros indemnizatórios “em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

Nesse mesmo sentido se pronunciou já este Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão proferido em 2024-05-16, no proc. 1179/15.2BELRS, numa situação similar àquela que aqui nos ocupa, jurisprudência à qual aqui se adere integralmente e sem qualquer reserva, fazendo nossos os argumentos ali expendidos nesse sentido, e que se transcrevem:

(…)

A questão do direito a juros indemnizatórios, quando a decisão de procedência de impugnação se sustente em desaplicação de norma, por inconstitucionalidade da mesma, atento o disposto no art.º 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), foi objeto de controvérsia, sedimentando-se o entendimento de que inconstitucionalidade de uma determinada norma (salvo nas situações de declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral ou violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas) não comportava para a administração a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios (cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.01.2015 – Processos: 0703/14 e 0470/14; e de 04.03.2015 – Processo: 01529/14).

Com a Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, cujos trabalhos preparatórios revelam precisamente a necessidade de ser ultrapassada a limitação referida supra, o art.º 43.º da LGT foi alterado, passando do mesmo a constar o seguinte:

“3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(…)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”

Na origem deste diploma [Projeto de Lei n.º 835/XIII (3.ª)] esteve uma situação relativa às normas que sustentavam a liquidação de taxa municipal de proteção civil cobrada por alguns municípios, cuja inconstitucionalidade fora declarada pelo Tribunal Constitucional. A devolução do tributo aos contribuintes era feita em singelo, justamente atento o entendimento referido supra quanto ao direito a juros indemnizatórios nestes casos, sendo que toda a discussão, em sede de trabalhos parlamentares, foi feita com base nesta situação concreta.

A questão do direito a juros indemnizatórios e do alcance desta redação do art.º 43.º da LGT tem sido objeto apreciação pelos nossos tribunais superiores, não se podendo falar, até ao momento, na existência de uma posição unívoca.

Assim, podem, designadamente, ser sistematizados três entendimentos:

a) Um, no sentido de que o direito a juros indemnizatórios existe apenas quando haja, no concreto processo, uma decisão do Tribunal Constitucional;
b) Outro, no sentido de que tal direito existe, no caso em que haja já decisão ou decisões do Tribunal Constitucional, ainda que em processos similares;
c) Um outro, no sentido de que o referido direito existe quer nos casos em que haja uma decisão do Tribunal Constitucional, quer nos casos em que haja desaplicação de norma, designadamente, pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do art.º 204.º da nossa lei fundamental.

Desde já se refira que acompanhamos esta última posição, sendo certo que o caso dos autos se enquadra em qualquer uma das três hipóteses interpretativas que sistematizamos.

A tal inexistência de uma posição unívoca da jurisprudência resulta, desde logo, espelhada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.2022 (Processo: 01501/19.2BELRS), onde se sistematizou, como questão a decidir, a “de saber se, para a respetiva operância, somente, releva a inconstitucionalidade ou ilegalidade, de norma legislativa ou regulamentar, declarada pelo TC, ou, também, valem decisões dos tribunais (em particular, tributários) que, no cumprimento da obrigação positivada no art. 204.º da CRP (…), não apliquem, casuisticamente, normas que julguem, considerem, inconstitucionais”.

A tese que fez vencimento neste aresto, por maioria, foi a de que “[o] legislador, na Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro, (…) deu um sinal claro de que teve o propósito de pretender conferir eficácia geradora, do direito a juros indemnizatórios, apenas, às declarações de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) com origem no TC”.

No caso em análise neste aresto do Supremo Tribunal Administrativo fora desaplicada a norma, pela 1.ª instância, por inconstitucionalidade, não tendo sido, da referida sentença, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, apesar do disposto no art.º 72.º, n.º 3, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) – recurso que, refira-se apenas a título complementar, veio a ser interposto do próprio Acórdão do STA, dando origem ao recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2024 de 14.02.2024, no qual as normas em causa no mesmo foram julgadas inconstitucionais.

Assim, no mencionado aresto do Supremo Tribunal Administrativo concluiu-se, então, após análise dos já mencionados trabalhos parlamentares, que: “Assim sendo, na medida em que o tribunal recorrido decidiu “desaplicar (por inconstitucionalidade orgânica e formal) a norma aditada pelo artigo 16.º, n.º 2 do Decreto-Legislativo Regional n.º 2/2011/M ao regime da derrama regional” e, consequentemente, concluir “pela ilegalidade da autoliquidação da derrama regional efetuada pela sociedade A……… Ibéria, Lda., relativa ao período de tributação de 2013, no montante de € 286.484,55, determinando-se a respetiva anulação e o reembolso do montante pago a esse título à Impugnante”, não se encontram reunidas as condições, legais, para que tal montante seja acrescido do pagamento de juros indemnizatórios”, justamente pela inexistência de uma decisão do Tribunal Constitucional.

Como referimos, este Acórdão foi aprovado por maioria, extraindo-se, do voto vencido formulado pelo relator originário, o seguinte:

“Vencido, enquanto relator originário, no que tange ao recurso interposto pela,
impugnante, A….., S.L.U., …, porque entendi que:

- para operar o disposto no art. 43.º n.º 3 al. d) da LGT, releva a inconstitucionalidade (ou ilegalidade), de norma legislativa ou regulamentar, declarada pelo TC ou decisões dos tribunais (em particular, tributários) que, no cumprimento da obrigação positivada no art. 204.º da CRP, não apliquem, casuisticamente, normas que julguem inconstitucionais;

- quanto à situação julganda, nada obstacula o funcionamento, na plenitude, da previsão do art. 61.º n.º 5 do CPPT, pelo que, os disputados juros indemnizatórios são devidos desde o dia 20 de junho de 2014 (data do pagamento da derrama regional, referente ao exercício de 2013 – cf. al. D) dos factos provados).

Consequentemente, concederia provimento a este recurso, com as inerentes implicações”.

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 10.04.2024 (Processo: 0845/17.2BELRS), em situação muito similar à presente e na qual houve desaplicação de norma pela 1.ª instância, por inconstitucionalidade, sem que tenha havido recurso para o Tribunal Constitucional, referiu:

“[A]inda que se retire do exposto (…) que a norma em apreço exige que exista uma decisão do Tribunal Constitucional que julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, não se retira da mesma a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (…) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto, até porque (…) nem a ANACOM, ora Recorrente, nem o Ministério Público, apresentaram recurso de constitucionalidade, tendo em conta a consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional em torno da inconstitucionalidade dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17-12, na redacção vigente à data da liquidação das respectivas taxas (…), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão da ali Impugnante pelos motivos já”.

Saliente-se que, neste aresto, foi lavrada declaração de voto, no sentido de, para efeitos da aplicação do regime em análise, ser suficiente a desaplicação da norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Em sentido convergente com o do já referido voto vencido e desta declaração de voto, chama-se à colação o Acórdão deste TCAS de 24.01.2024 (Processo: 905/10.0BELRS), atinente a situação idêntica à ora em discussão, onde se refere:

“[S]e bem interpretamos, referindo a norma do art.º 43.º, n.º3 alínea d), da LGT, «…decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária…», não permite restringir o seu campo de aplicação ao juízo de inconstitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional, abrangendo antes todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo seja feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do art.º 204.º da CRP, que foi o caso.
Em face dos preceitos legais transcritos, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios”.

Também consideramos que a interpretação do art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT deve ser no sentido de abranger as situações em que há desaplicação de normas, por inconstitucionalidade das mesmas.

É certo que a letra da lei (refletindo até a discussão da respetiva proposta e a situação particular que esteve na sua origem) faz menção a decisões que declarem ou julguem a inconstitucionalidade de norma, sendo que a competência exclusiva para tal cabe ao Tribunal Constitucional [cfr. os art.ºs 223.º, n.º 1 e 277.º e ss. da Constituição da República Portuguesa e art.ºs 6.º e 69.º e ss. (para processos de fiscalização concreta, em causa nos presentes autos) da LOTC)].

Mas é igualmente certo que a letra da lei faz menção a que a decisão “determine a (…) devolução [da prestação tributária]” [cfr. parte final da alínea d)]

Ora, não só o Tribunal Constitucional não tem o poder de condenar a administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como também não tem o de determinar a devolução do tributo, sendo que é expressamente referido, na parte final da mencionada alínea d) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, que a decisão deverá determinar a devolução da prestação tributária.

Ou seja, uma interpretação absolutamente restrita da letra da lei conduziria à impossibilidade de aplicação da norma, pela inexistência no nosso ordenamento de decisões que, simultaneamente, declarem uma determinada norma inconstitucional e determinem a devolução do valor pago.

Considerando, nos termos do art.º 9.º, n.º 3, do Código Civil, “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, entendemos que a redação da disposição legal em causa abrange todas as situações, quer aquelas em que haja uma decisão do Tribunal Constitucional (dentro do processo ou em processos similares), quer aquelas em que haja desaplicação da norma, designadamente, por parte dos tribunais tributários, interpretação que nos parece refletir o que de global de extrai do normativo em causa e o que, no fundo, foi pretendido pelo legislador (ressarcir o contribuinte, através do direito a juros indemnizatórios, quando procedeu ao pagamento de liquidações emitidas com base em norma inconstitucional).

Ademais, a interpretação mais restritiva da norma, em nosso entender, conduz a uma situação não só muito onerosa para as partes, como até dependente da existência de recurso para o Tribunal Constitucional por parte de terceiros (dado a parte vencedora não dispor de legitimidade para o efeito). E não se contraponha que há, no caso de situações de desaplicação de norma, recurso obrigatório por parte do IMMP, ao abrigo do art.º 72.º, n.º 3, da LOTC, pois pode suceder que tal recurso não seja interposto [cfr. o n.º 4 do referido art.º 72.º; veja-se o exemplo subjacente ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.2022 (Processo: 01501/19.2BELRS), em que, numa situação em que houve desaplicação de norma pela primeira instância, não foi desta decisão interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do art.º 72.º, n.º 3, da LOTC].

Por outro lado, em situações como a dos autos, uma interpretação restritiva levaria a que a tutela jurisdicional efetiva da Impugnante apenas fosse completamente assegurada através do conhecimento, pelo Tribunal a quo, dos demais vícios substanciais apontados aos atos de liquidação, implicando a apreciação com base num conjunto de normas legais que esse mesmo Tribunal considerou inconstitucionais e cuja aplicação o próprio art.º 204.º da CRP afasta, o que não se afigura como solução sequer possível, dado implicar a aplicação de normas que o próprio Tribunal tem a obrigação de desaplicar.

Como tal, entende-se que o objetivo do legislador foi o de conferir às partes o direito a auferir de juros indemnizatórios em situações quer de desaplicação de normas, ao abrigo do art.º 204.º da CRP, designadamente pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, quer de declaração de inconstitucionalidade das mesmas pelo Tribunal Constitucional.

Retornando ao caso em apreciação, há que ter em conta que não só existem já vários acórdãos do Tribunal Constitucional sobre a matéria, como melhor se verá infra, mas também que, inclusivamente, nos presentes autos já foi proferido Acórdão pelo Tribunal Constitucional, ainda que em momento ulterior, naturalmente, ao da prolação da sentença.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.06.2020 (Processo: 0694/16.5BEBJA), do qual sublinhamos, para ilustrar a possibilidade de ser condenada a administração no pagamento de juros indemnizatórios, mesmo em casos em que as decisões do Tribunal Constitucional tenham sido ulteriores à data da sentença recorrida:

- A sentença recorrida foi proferida a 01.05.2018;

- Os acórdãos do Tribunal Constitucional foram proferidos em datas ulteriores (designadamente a partir de 2019);

- Entendeu-se serem devidos juros indemnizatórios, ainda que o art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT, neste caso, tenha entrado em vigor em data ulterior à da prolação da sentença.

Também no caso subjacente ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.01.2021 (Processo: 0735/19.4BEBRG), em que a Impugnante recorreu de sentença de 30.03.2020, concretamente do segmento decisório relativo a juros indemnizatórios, sentença essa em que houve desaplicação de normas por força da sua inconstitucionalidade, o Supremo concluiu assistir direito a juros indemnizatórios, justamente sustentado no art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT.

Voltando ao caso dos autos, no caso do tributo que foi impugnado, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 244/2023, de 11.05.2023, concluiu, pela primeira vez, pela inconstitucionalidade “[d]as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Declaração de Retificação n.º 16-A/2009, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”
Foram, entretanto, proferidos diversos acórdãos pelo Tribunal Constitucional, todos no mesmo sentido, designadamente o proferido nos presentes autos (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 606/2023, de 28.09.2023).

Este contexto é para nós suficientemente sustentador do direito a juros indemnizatórios, ainda que os acórdãos em causa tenham sido prolatados após ter sido proferida a sentença (basta pensar que, em sede de execução de julgados, essa situação já não se colocaria, sendo que não faria para nós qualquer sentido, antes configuraria um ato inútil, não reconhecer o direito a juros indemnizatórios nesta sede, quando o mesmo decorre da lei e no atual momento não há dúvidas de que existe).

Como referido no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.06.2020 (Processo: 0694/16.5BEBJA), “é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios”.

Portanto, no caso, consideramos que a Recorrente tem direito a juros indemnizatórios, quer por força da desaplicação da norma efetuada pelo Tribunal a quo, quer por força da existência de diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional declarando a inconstitucionalidade de normas que sustentaram a liquidação, um dos quais prolatado no âmbito dos presentes autos.

Como tal, assiste razão à Recorrente nesta parte, sendo-lhe devidos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT, calculados nos termos previstos no art.º 61.º, n.º 5, do CPPT (considerando, in casu, os espaços temporais atinentes às diversas devoluções parciais operadas pela Anacom).

(…)

Por outro lado, sempre se dirá que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade da norma em questão, em variadas decisões transitadas em julgado, designadamente, nos presentes autos, pelo que ainda assim não se entendesse, sempre seria, por essa via, de aplicar ao caso o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, tal como, de resto, vem sendo esclarecido pelo Supremo Tribunal Administrativo em jurisprudência uniforme, exarada a propósito de situações em tudo similares àquela que aqui nos ocupa (cf. neste sentido os Acórdãos proferidos pelo STA em 2024-04-10, no proc. 0845/17.2BELRS, e em 2024-07-11, no proc. 0697/14.4BELRS, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, suscitadas a título subsidiário pela Recorrente relativamente à questão dos juros indemnizatórios.

Face do exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

*
Atento o decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no artigo 527º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT.
*

III. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, considerando-se procedente tal pedido e, em consequência, condenando-se a Recorrida ao pagamento de tais juros, à taxa legal.


Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.



Lisboa, 12 de março de 2025.

_______________________
[Maria da Luz Cardoso]

_______________________
[Teresa Costa Alemão]
_______________________
[Ângela Cerdeira]