Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 70/25.9BEPDL |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/25/2025 |
| Relator: | ILDA CÔCO |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I – Relatório
AA intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, o presente processo cautelar contra a Secretaria Regional da Saúde e Segurança Social da Região Autónoma dos Açores, pedindo que seja decretada a suspensão de eficácia do acto que lhe aplicou uma sanção disciplinar de suspensão de funções pelo período de 135 dias. Por sentença proferida em 04/07/2025, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada julgou “totalmente improcedente a presente providência cautelar, com as demais consequências legais, e absolvo a Entidade Requerida do pedido”. Inconformada, a requerente da providência interpôs recurso da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª O processo disciplinar objecto dos autos teve início em 23/02/2024 por deliberação Presidente do Conselho de Administração da USISJ. Dos factos provados no âmbito do processo disciplinar (cfr.pag.26 e segs da douta sentença) resulta que as alegadas infracções remontam a 30/01/2024, sendo que uma delas tem como alvo o superior hierárquico da A. A acusação foi notificada à recorrente em 29/07/2024 pelo que não foi deduzida no prazo legal. A decisão final foi comunicada à recorrente em 04/04/2025 Os prazos de instrução foram claramente excedidos, pelo que a acusação é nula. Uma vez que todos os prazos foram excedidos face ao presente processo disciplinar tal acarreta a prescrição da alegada infração disciplinar nos termos do art. 178.º, n.º 1 e n.º 5, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois não pode ser aproveitada a tramitação efectuada nos autos pelo que o prazo de 60 dias instaurar processo disciplinar ficou exaurido. A decisão proferida e notificada à recorrente não respeitou os prazos estabelecidos nos art.219º e 220º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Pelo que, caducou o direito da R. de aplicar a sanção. (art.220º nº06) 2ª O tribunal “a quo” considerou que os prazos indicados no artigo 205.º da LGTFP em sede de procedimento disciplinar são meramente ordenadores ou indicativos, pelo que a sua preterição não conduz à invalidade da decisão punitiva. A recorrente não aceita esta interpretação do art.205º da LGTFP, vejamos, dispõe o citado preceito legal, Artigo 205.º Início e termo da instrução 1. - A instrução do processo disciplinar inicia-se no prazo máximo de 10 dias, a contar da data da notificação ao instrutor do despacho que o mandou instaurar, e ultima-se no prazo de 45 dias, só podendo ser excedido este prazo por despacho da entidade que o mandou instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor, nos casos de excecional complexidade. 2. - O prazo de 45 dias referido no número anterior conta-se da data de início da instrução, determinada nos termos do número seguinte. 3. - O instrutor informa a entidade que o tenha nomeado, bem como o trabalhador e o participante, da data em que dê início à instrução. 4. - O procedimento disciplinar é urgente, sem prejuízo das garantias de audiência e defesa do trabalhador. Inexiste qualquer despacho que declare o processo de excepcional complexidade, pelo que o prazo de 45 dias não pode ser ultrapassado, caso contrário abrir-se-ia a porta a que os processos se pudessem “arrastar” por demasiado tempo com as necessárias consequências na psique do arguido/trabalhador. Assim, a recorrente alega a prescrição não no sentido interpretado pelo tribunal “a quo”, antes sim por os prazos do art.205.º da LGTFP terem sido excedidos. O processo está prescrito, por não poder ser reaberto face ao disposto no art.178º nº02 da LGTFP. 3ª Dos factos considerados provados no âmbito do processo disciplinar (cfr.pag.26 e segs da douta sentença) resulta que são conclusivos os constantes dos arts.22 a 25, 28, 29, 31, 35, 42, 43. Os factos 32 a 34 foram desconsiderados atento princípio do “in dúbio pro reo”. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos (jurídicos) geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum. As expressões referidas nos artigos supra integram em si o próprio objecto do processo disciplinar, não podendo, sequer, ser considerados um conceito jurídico geralmente conhecido. Assim, devem ser eliminados os factos provados 22 a 25, 28, 29, 31, 35, 42, 43 do processo disciplinar. 4ª Reduzindo-se consideravelmente o elenco de factos subsumíveis às infracções disciplinares a recorrente considera a sanção aplicada excessiva e desproporcionada, tomando em consideração os factos provados passíveis de fundamentação da decisão. 5ª O tribunal “A quo” considerou: “A. Não se provou que a Requerente não tem quaisquer outros rendimentos ou meios de subsistência além do seu salário de 1200€ mês líquidos – cf. artigos 45.º e 48.º do requerimento cautelar; B. Não se provou que a Requerente despende € 600 mensais com a sua alimentação, vestuário, higiene pessoal e lazer, restaurantes, etc. – cf. artigo 46.º do requerimento cautelar; C. Não se provou que a Requerente suporta com a renda da habitação onde reside nos Açores bem como com eletricidade, gás, água e créditos bancários, despesas que totalizam mensalmente a quantia de € 370,00.” A recorrente pretendia produzir prova testemunhal sobre tal matéria e, eventualmente, aditar novas testemunhas nos termos do art.598º nº598º nº02 do CPC. Além disso, encontrava-se a reunir documentação relativa aos consumos de alimentação, electricidade, gás, vestuário, e declaração de renda do senhorio. Assim, não apreciou o tribunal “A quo” matéria sobre a qual tinha de se pronunciar, pelo que não podia dar como não provado os factos das als. A a C, uma vez que não agendou audiência de julgamento. Pelo que, pretende a recorrente que V.Exªs considerem necessário, e ordenem, a realização de audiência de julgamento. 6ª O decretamento da presente providência permite é que a recorrente se mantenha na situação em que está, no activo, até que se decida da legalidade ou ilegalidade da suspensão. Verifica-se o periculum in mora nos autos. Da avaliação sumária, a efectuar, da factualidade alegada, não resulta evidente a inviabilidade da pretensão material, pelo que está preenchido o requisito de fumus bonis iuris. Notificada para o efeito, a entidade requerida não apresentou contra-alegações. * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do CPTA, o Ministério Público não emitiu Parecer. * Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à conferência para julgamento. * II – Questões a decidir Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, em virtude de se encontrarem preenchidos os pressupostos de decretamento da providência cautelar requerida. A título de questão prévia, cumpre decidir se deve ser alterado o efeito fixado ao recurso pelo Tribunal a quo. * III – Fundamentação 3.1 – De Facto Nos termos do artigo 663.º, n.º6, do CPC, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto. * 3.2 – De Direito 3.2.1 – Questão prévia: do efeito do recurso Nas alegações de recurso, a recorrente requer que seja atribuído o efeito suspensivo ao presente recurso, sendo que, no despacho de admissão, o Tribunal a quo fixou o efeito meramente devolutivo. A questão que se coloca, atento o assim requerido, e sendo certo que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o Tribunal superior [artigo 641.º, n.º5, do CPC], é a de saber se deve ser alterado o efeito do recurso fixado pelo Tribunal a quo. Vejamos. Nos termos do artigo 143.º, n.ºs 1, 2, alínea b), e 3 a 5, do CPTA, “1. Salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida. 2. Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de: b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes; (…). 3. Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo. 4. Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos. 5. A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos”. Atento o disposto na norma citada, conclui-se que, de modo diferente do que sucede na legislação processual civil, em regra, o recurso das decisões proferidas pelos tribunais administrativos tem efeito suspensivo, a que, no entanto, pode ser atribuído efeito meramente devolutivo quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos. Acresce que a mesma norma, como resulta do disposto no seu n.º3, apenas prevê a alteração do efeito do recurso quando o recurso tenha efeito suspensivo nos termos do n.º1, e já não quando tenha efeito meramente devolutivo de acordo com o n.º2. Ora, não só a norma do artigo 143.º do CPTA não prevê a alteração do efeito do recurso quando o recurso tenha efeito meramente devolutivo, como o n.º4 da mesma norma apenas é aplicável quando seja atribuído efeito meramente devolutivo aos recursos que, segundo a regra geral do n.º1, têm efeito suspensivo, pois apenas neste caso, e já não quando o recurso tem efeito meramente devolutivo por força do disposto no n.º2, ou seja, por determinação legal, é atribuído aquele efeito ao recurso. Com efeito, ao recurso das decisões a que se refere o n.º2 do artigo 143.º do CPTA não é atribuído efeito meramente devolutivo, uma vez que este efeito decorre directamente da lei, apenas sendo atribuído efeito meramente devolutivo aos recursos que, nos termos do n.º1, têm efeito suspensivo. Como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03/11/2022, proferido no Processo n.º01465/19.2..., “(…) o n.º4 do art.º 143.º pressupõe que se esteja perante um recurso com efeito suspensivo e que a parte requeira, nos termos do n.º3 desse preceito, que o tribunal lhe atribua efeito meramente devolutivo, não sendo, portanto, aplicável “às situações de efeito meramente devolutivo por determinação da lei, que diretamente decorrem do disposto no n.º2, sem dependência de requerimento, e não são, por isso, passíveis de decisão de atribuição ou recusa por parte do juiz (…)”. Assim, e acompanhando a jurisprudência citada, conclui-se que o disposto no n.º4 do artigo 143.º do CPTA não permite a alteração do efeito do recurso com efeito meramente devolutivo por determinação legal. Pelo exposto, atendendo a que o presente recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos da alínea b), do n.º2, do artigo 143.º do CPTA, ou seja, por determinação legal, indefere-se a requerida alteração do efeito do recurso. Subsidiariamente, a recorrente requer que a recorrida continue a suportar o seu vencimento. Contudo, o assim requerido carece de fundamento legal, ou seja, inexiste norma legal que faça impender sobre a recorrida o dever de proceder ao pagamento da remuneração da recorrente no período em que a mesma não exerça funções em cumprimento da pena de suspensão que lhe foi aplicada. Nesta medida, indefere-se o requerido. * 3.2.2 – Do erro de julgamento A tutela cautelar encontra-se prevista nos artigos 112.º a 134.º do CPTA, estabelecendo o n.º1 do primeiro dos artigos referidos que “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. O processo cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade, na medida em que depende da existência de uma acção principal, a propor ou já proposta, pela provisoriedade da decisão, uma vez que esta não se destina a resolver definitivamente o litígio, e pela sumariedade, porque implica uma summaria cognitio da situação através de um processo simplificado e célere. Os pressupostos de decretamento das providências cautelares constam do artigo 120.º do CPTA, cujos n.ºs 1 e 2 estabelecem o seguinte: “1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2. Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”. Da norma legal citada resulta que os pressupostos de decretamento das providências cautelares são os seguintes: i. o periculum in mora, ou seja, o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação; ii. o fumus boni iuris, na sua formulação positiva, isto é, que seja provável a procedência da pretensão formulada ou a formular na acção principal; iii. a ponderação de todos os interesses em presença, segundo critérios de proporcionalidade. Os pressupostos de decretamento das providências cautelares são de verificação cumulativa, o que significa que a falta de preenchimento de um deles determina a improcedência do pedido cautelar. O Tribunal a quo concluiu que não se encontra preenchido o pressuposto do fumus boni iuris, razão pela qual julgou o pedido cautelar improcedente, constando da sentença recorrida, relativamente à prescrição do procedimento disciplinar, designadamente, o seguinte: “Aqui chegados diga-se, desde já, que, ao contrário do alegado pela Requerente esta não foi punida por qualquer infração ou comportamento praticado em 10-01-2024. Ora, o primeiro comportamento que vem indicado no relatório final e que, de acordo com a decisão disciplinar, consubstancia a prática de uma infração, ocorreu em 30-01-2024, quando a requerente se recusou a fazer a colheita de sangue à utente menor de idade BB. Pelo que, tendo o Presidente do Conselho de Administração da USISJ, determinado em 23-02-2024 a instauração do procedimento disciplinar, bem como tendo esse procedimento disciplinar tido início em 14-03-2024 não ocorreu qualquer prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar (cf. alíneas 2) , 3), 4) e 15) do probatório). A Requerente alega ainda que a acusação foi notificada à Requerente em 29-07-2024, pelo que, atendendo ao disposto no artigo 205.º da LGTFP, os prazos de instrução foram claramente excedidos, e, por conseguinte, a acusação é nula, devendo o processo ser arquivado. (…) Acontece que é entendimento pacífico na jurisprudência e doutrina que os prazos indicados no artigo 205.º da LGTFP em sede de procedimento disciplinar são meramente ordenadores ou indicativos, pelo que a sua preterição não conduz à invalidade da decisão punitiva (…). Portanto, ainda que se verificasse a preterição de tais prazos, tal não conduziria à anulabilidade da decisão suspendenda, tal como a Requerente invoca. Invoca ainda a prescrição da infração disciplinar nos termos do artigo 178.º, n.º 1 e n.º 5 da LGTFP, uma vez que foram excedidos os prazos de instrução. Conclui que, nos termos do artigo 220.º, n.º 6, caducou o direito de aplicar a sanção. (…) Quanto a esta alegação refira-se que não ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar porquanto a Requerente foi notificada da decisão final por aviso publicado no diário da república em 4-04-2025 e, portanto, antes de decorridos 18 meses desde a data da instauração do procedimento disciplinar (cf. alíneas 4) e 22) do probatório). Também não ocorreu prescrição da infração disciplinar porquanto a contagem do prazo de prescrição de um ano suspendeu – nos termos do disposto no artigo 178.º n.º 3 e n.º 4 da LGTFP - por força da instauração do processo disciplinar”. A questão que se coloca, no presente recurso, é a de saber se o procedimento disciplinar se encontra prescrito, por ter sido instaurado após o termo do prazo de 60 dias previsto no artigo 178.º, n.º2, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LGTFP], aprovada pela Lei n.º35/2014, de 20 de Junho, e não terem sido cumpridos os prazos previstos nos artigos 205.º e 219.º da mesma Lei, bem como se caducou o direito de aplicar a sanção, nos termos do artigo 220.º, n.º6, da LGTFP. Vejamos. Nos termos do artigo 178.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas [LGTFP], aprovada pela Lei n.º35/2014, de 20 de Junho, “1. A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos. 2. O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico. 3. Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável. 4. A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente: a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar. 5. O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final. 6. A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar. 7. A prescrição volta a recorrer a partir do dia em que cesse a causa da suspensão”. A norma citada prevê três prazos de prescrição distintos, a saber: i) o prazo de prescrição da infracção disciplinar, o qual é objectivamente aferido e que é de um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida, salvo quando a infracção consubstancie também infracção penal, caso em que se aplicam os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal (n.º1); ii) o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, o qual é aferido subjectivamente e que é de 60 dias a contar do conhecimento da infracção por qualquer superior hierárquico (nº2); iii) o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, o qual é de 18 meses entre a data da instauração do procedimento disciplinar e a data da notificação da decisão final ao arguido (n.º5). Relativamente à prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, a que se refere o n.º2 do artigo 178.º da LGTFP, importa distinguir “(i) o mero conhecimento de uma certa materialidade fáctica (o conhecimento do mero facto naturalístico) (ii) do conhecimento da infração indiciada enquanto materialidade juridicamente relevante na perspetiva do respetivo enquadramento como ilícito disciplinar”, sendo que, “para o efeito de contagem do prazo de prescrição, no que à instauração do procedimento disciplinar diz respeito, o que releva é o conhecimento da infração e não a suspeita da mesma” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/01/2021, proferido no Processo n.º45/19.7...]. Da factualidade provada na sentença recorrida resulta que o despacho que determinou a instauração do processo disciplinar em causa nos autos foi proferido em 23/02/2024 [alínea 2) da factualidade provada], ou seja, quando ainda não tinham decorrido 60 dias desde a data em que foi praticada a primeira infracção disciplinar imputada à recorrente, qual seja, 30/01/2024, dia em que, de acordo com o Relatório Final do instrutor, a recorrente recusou fazer a colheita de sangue à menor BB [alínea 15) da factualidade provada]. Importa referir, tendo presente o alegado pela recorrente, que a infracção disciplinar que teve “como alvo” o seu superior hierárquico ocorreu em 22/02/2024, sendo que o procedimento disciplinar foi instaurado no dia seguinte [alíneas 2) e 15) da factualidade provada]. Assim sendo, impõe-se concluir que o direito de instaurar o procedimento disciplinar não se encontra prescrito, pelo que cumpre decidir, atento o alegado pela recorrente, se aquele procedimento prescreveu – como resulta do que referimos, a norma do artigo 178.º da LGTFP distingue entre a prescrição do direito de instaurar o procedimento e a prescrição do procedimento disciplinar. Atento o disposto no 205.º, n.º1, da LGTFP, “a instrução do processo disciplinar inicia-se no prazo máximo de 10 dias, a contar da data da notificação ao instrutor do despacho que o mandou instaurar, e ultima-se no prazo de 45 dias, só podendo ser excedido este prazo por despacho da entidade que o mandou instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor, nos casos de excepcional complexidade”. Por sua vez, o artigo 219.º, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei estabelece o seguinte: “1. Finda a fase de defesa do trabalhador, o instrutor elabora, no prazo de cinco dias, um relatório final completo e conciso donde constem a existência material das faltas, a sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, bem como a sanção disciplinar que entenda justa ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação, designadamente por inimputabilidade do trabalhador. 2. A entidade competente para a decisão pode, quando a complexidade do processo o exija, prorrogar o prazo fixado no número anterior, até ao limite total de 20 dias”. As normas citadas estabelecem, além do mais, o prazo dentro do qual deve ser concluída a instrução do processo disciplinar e o prazo para o instrutor do processo elaborar o Relatório Final. Ora, o incumprimento dos prazos fixados para a prática dos actos no procedimento disciplinar não gera a nulidade do processo ou dos actos praticados no processo – a recorrente alega que a acusação é nula –, uma vez que tal cominação não se encontra prevista na lei, designadamente, na norma do artigo 203.º da LGTFP, sendo que, por outro lado, tal incumprimento não contende com a validade do acto final do procedimento, na medida em tais prazos se devem por meramente ordenadores, uma vez que o legislador não estabeleceu qualquer cominação para o seu incumprimento. O legislador da LGTFP, à semelhança do legislador do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas, aprovado pela Lei n.º58/2008, de 9 de Setembro, estabeleceu uma cominação, v.g. a caducidade do direito de aplicar a pena, para o incumprimento de determinados prazos, pelo que tal cominação apenas é aplicável aos casos expressamente previstos naquela Lei, não introduzindo qualquer alteração, face ao regime anteriormente vigente, na natureza dos prazos do procedimento disciplinar em geral, que, não tendo associada qualquer cominação, mantêm a sua natureza meramente ordenadora. Noutra perspectiva, o incumprimento dos prazos fixados para a prática dos actos no procedimento disciplinar não determina, enquanto tal, a prescrição do procedimento disciplinar, uma vez que tal cominação não se encontra legalmente prevista, sendo que os prazos de prescrição são apenas aqueles que se encontram previstos no artigo 178.º da LGTFP. O incumprimento dos mencionados prazos apenas assume relevância para efeitos de prescrição caso seja ultrapassado o prazo geral de 18 meses previsto no n.º5 do artigo 178.º da LGTFP. No entanto, neste caso, e em rigor, não é o incumprimento dos prazos procedimentais que determina a prescrição do procedimento, mas o decurso do prazo de prescrição previsto naquela norma legal. Atento o exposto, e numa apreciação sumária, concluímos, tal como concluiu o Tribunal a quo, que o procedimento disciplinar não se encontra prescrito. Relativamente à caducidade do direito de aplicar a sanção, importa ter presente o disposto no artigo 220.º, n.ºs 2 a 4 e 6, da LGTFP, a saber: “2. Antes da decisão, a entidade competente pode solicitar ou determinar a emissão, no prazo de 10 dias, de parecer por parte do superior hierárquico do trabalhador ou de unidades orgânicas do órgão ou serviço a que o mesmo pertença. 3. O despacho que ordene a realização de novas diligências ou que solicite a emissão de parecer é proferido no prazo máximo de 30 dias, a contar da data da receção do processo. 4. A decisão do procedimento é sempre fundamentada quando não concordante com a proposta formulada no relatório final do instrutor, sendo proferida, no prazo máximo de 30 dias, a contar das seguintes datas: a) Da receção do processo, quando a entidade competente para punir concorde com as conclusões do relatório final; b) Do termo do prazo que marque, quando ordene novas diligências; c) Do termo do prazo fixado para emissão de parecer. (…) 6. O incumprimento dos prazos referidos nos n.ºs 3 e 4 determina a caducidade do direito de aplicar a sanção”. Os prazos de 30 dias previstos na norma citada são prazos procedimentais, ou seja, prazos para a prática de actos no procedimento, pelo que se contam nos termos do artigo 87.º do CPA e, assim, suspendem-se nos sábados, domingos e feriados [artigo 87.º, alínea c), do CPA]. Ora, da factualidade provada resulta que o Relatório Final do instrutor foi elaborado em 31/01/2025 e que a decisão de aplicação da sanção disciplinar foi proferida em 28/02/2025 [alíneas 15) e 19) da factualidade provada], ou seja, quando ainda não tinha decorrido o prazo de 30 dias previsto no n.º4 do artigo 220.º da LGTFP. Nesta medida, improcede a alegação da recorrente no sentido de que caducou o direito do recorrido a aplicar a sanção disciplinar. Alega, ainda, a recorrente que devem ser eliminados os factos provados 22 a 25, 28, 29, 31, 35, 42 e 43 do processo disciplinar e que, reduzindo-se consideravelmente o elenco de factos subsumíveis às infracções disciplinares, a sanção aplicada é excessiva e desproporcionada. Ora, a questão de os factos dos artigos 22 a 25, 28, 29, 31, 35, 42 e 43 serem conclusivos e, como tal, e segundo a recorrente, deverem ser eliminados não foi suscitada no requerimento inicial, sede própria para o efeito, pelo que não foi, como não tinha de ser, apreciada pelo Tribunal a quo. Os recursos, como meio de impugnação de uma decisão judicial anterior, apenas podem ter por objecto questões que tenham sido apreciadas pelo Tribunal a quo, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questões novas, com excepção das que sejam de conhecimento oficioso. Como pode ler-se no Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27/04/2016, proferido no Processo n.º0288/15, “Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre”. Nesta medida, este Tribunal, por se tratar de questão nova que não é de conhecimento oficioso, não pode conhecer da questão supra enunciada e, em consequência, não cumpre conhecer do alegado excesso e desproporcionalidade da sanção aplicada, dado que o assim alegado tem como pressuposto a redução “de factos subsumíveis às infracções disciplinares”. Refira-se, não obstante, que, no requerimento inicial, a recorrente fundamentou a sua alegação no sentido de que a sanção disciplinar é excessiva e desproporcionada em factos que não constam da factualidade provada. Atento o exposto, concluímos, tal como concluiu o Tribunal a quo, que não se mostra provável a procedência da pretensão formulada pela requerente da providência na acção principal, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto do fumus boni iuris, o que, sendo os pressupostos do decretamento das providências cautelares de verificação cumulativa, determina a improcedência do pedido cautelar. Cumpre, pois, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso. * IV – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. * Lisboa, 25/09/2025 Ilda Côco Teresa Caiado Maria Helena Filipe |