Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1838/11.9BELRS |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 02/06/2025 |
![]() | ![]() |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
![]() | ![]() |
Descritores: | REGULARIZAÇÃO DO IVA NIF INEXISTENTES E INVÁLIDOS FORMALIDADES VS NEUTRALIDADE ÓNUS DA PROVA |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - Não obstante a densidade formal do documento de suporte em sede de IVA supere, de forma clara, a existente nos Impostos sobre o Rendimento, a verdade é que o princípio da neutralidade fiscal exige que para efeitos da dedução /regularização do imposto, a mesma seja concedida mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais, desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação. II - As exigências formais que a lei impõe às faturas não podem ser entendidas como um fim em si mesmo, na medida em que a sua ratio está concatenada com as finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal. III - A inexistência ou invalidade do número de contribuinte do adquirente, descrito na fatura, não constitui, só por si, impedimento ao exercício da faculdade de regularização do imposto liquidado a mais. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente e/ou DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida tendo por objeto o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos respetivos Juros Compensatórios (JC) do ano de 2007. A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “(I) As exigências formais das faturas visam fornecer os elementos necessários à correta qualificação fiscal das operações e permitir um controlo das operações pela Administração fiscal, obstando-se à evasão fiscal; (II) Uma fatura passada em forma legal é aquela que cumpra com todos os requisitos do atual artigo 36 n.º 5 do CIVA; (III) Uma fatura ou documento equivalente que não respeite integralmente o atual art.º 36 n.º 5 do CIVA não está passada em forma legal e, consequentemente, não permite deduzir o respetivo imposto; (IV) Não logrou ainda, o sujeito passivo, nos termos do artigo 74º, n.º 1, da LGT, provar que todos os números de identificação fiscal haviam sido confirmados, previamente, pela Administração Fiscal, como correspondendo a sujeitos passivos que realizam exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução, bem como, (V) comprovar a quem pertencem relacionando-os (pelo menos a título exemplificativo) com os documentos comprovativos em que se baseou para regularizar o IVA a seu favor. (VI) Em face do exposto, deve a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser revogada por Vossas excelências, em consequência, deverá a mesma ser substituída por nova decisão que contemple a interpretação de Direito supra explanada, dando-se provimento à pretensão da recorrente. Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada, dando-se provimento à pretensão da Recorrente e, em consequência, serem mantidos os atos sindicados. Tudo com as devidas consequências legais.” *** A Recorrida, devidamente notificada, optou por apresentou contra-alegações, concluindo como infra se transcreve: A) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida no que respeita ao pedido de anulação da correção efetuada pela Administração Tributária em sede de IVA do ano de 2007, no valor de €69.279,35, por considerar estarem verificados os requisitos para a dedução do imposto por parte da Recorrida. B) O Douto Tribunal a quo concluiu também pela procedência parcial da impugnação no que respeita à correção efetuada no montante de € 3.711,10, ficando apenas por demonstrar relativamente a determinados números de identificação fiscal que os mesmos correspondem a sujeitos passivos que realizam exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução ou a particulares. C) A questão material ora controvertida consiste, assim, em determinar se a invalidade ou inexistência de números de identificação fiscal dos adquirentes nas faturas emitidas pela Recorrida é motivo de desconsideração das mesmas para efeitos de exercício do direito à dedução do IVA por parte da Recorrida através do mecanismo de regularização do imposto. D) O regime geral de recuperação do IVA contido nos créditos em mora e incobráveis tem consagração expressa nos n.ºs 7 a 10 do artigo 78.° do CIVA (artigo 71.º do CIVA à data dos factos), estipulando-se que os sujeitos passivos podem regularizar, a seu favor, o IVA respeitante a estes créditos, contanto que verificados os pressupostos legais enumerados no citado preceito. E) O número 9 do artigo 71.º do CIVA, com a redação que lhe foi introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2006, veio estabelecer um alargamento da possibilidade de dedução do IVA respeitante a créditos incobráveis e consagrou uma flexibilização dos meios de prova admissíveis, aplicável a dívidas de reduzido montante. F) O CIVA não estabelece qualquer condição relativamente ao número de identificação fiscal do adquirente, como requisito prévio para possibilitar a recuperação do IVA nos créditos ali tipificados, apenas fazendo referência tão só à natureza, para efeitos de IVA, do devedor. G) A inexistência ou invalidade do n.º de identificação fiscal do adquirente dos serviços não tem a consequência pretendida pela Recorrente, pois que tais adquirentes serão tratados como particulares e não como sujeitos passivos. H) A posição da Recorrente viola de forma frontal a Informação n.° 1416, de 12 de Maio de 2008, da Direção de Serviços do IVA, quando se afirma que "sempre que se estiver perante facturas que não possuam o número de identificação fiscal se está perante, por um lado, adquirentes particulares, por outro, documentos que, por não possuírem os requisitos previstos no n.° 5 do artigo 35° do CIVA, não conferem direito a dedução, pelo que se enquadram no disposto na alínea a) do n.° 9 do artigo 71° do CIVA" (sublinhado e sombreado nosso). I) A posição da Recorrente viola de forma ostensiva o artigo 68º-A da LGT, bem como o artigo 71.º do CIVA, o que se invoca para efeitos de improcedência do presente recurso. J) Decorre ainda da jurisprudência do TJUE e do princípio da neutralidade do IVA, a (i) impossibilidade de sustentar a recusa do direito à dedução do imposto, com fundamento no artigo 35.º do CIVA (atual 36.º), bem como (ii) a recusa do TJUE em admitir que os Estados-membros livremente condicionem ou criem requisitos formais de tal forma desajustados que inviabilizem o direito à dedução do imposto. K) Constitui jurisprudência pacífica do TJUE que a recusa do direito à dedução com fundamento de falta de registo de atividade do prestador ou fornecedor, terá de limitar-se aos casos em que se possa concluir que o adquirente sabia ou devia saber que a operação subjacente ao direito à dedução estava relacionada em algum esquema de fraude ou evasão com vista à obtenção de vantagens fiscais, o que manifestamente não se verifica na situação objeto do presente recurso. L) Por outro lado, vem a Recorrente contestar a decisão do Douto Tribunal a quo na parte que se refere à anulação parcial da correção no montante de €3.711,10, relativa à invalidade ou inexistência dos números de identificação fiscal de alguns dos devedores dos créditos incobráveis (nomeadamente, os números 2…, 1…, 2…, 1…, 1…, 1…, 1…, 2…, 1…, 1…, 2…, 2…, 1…, 1…, 2…, 1…, 1…, 2…, 1… e 1…), limitando-se a invocar que desconhece a quem pertencem. M) A Recorrente não impugnou a matéria de facto, sendo que ficou assente nos autos que relativamente aos números de identificação fiscal acima referidos, foi expressamente reconhecido pela Administração Tributária e previamente validado o enquadramento tributário de cada sujeito passivo, pelo que nenhuma dúvida restará que se materializou na esfera jurídica da Recorrida o direito à correspondente recuperação do IVA. N) Face a tudo o acima exposto, a ora Recorrida requer a anulação das liquidações adicionais de IVA objeto dos presentes autos, por erro nos pressupostos de facto e de direito e vício de violação de lei, uma vez que se encontravam integralmente cumpridos os requisitos estabelecidos no artigo 71.º do CIVA, na redação à data dos factos, para regularização do IVA em causa, o que determinará a confirmação da sentença ora recorrida e a improcedência do presente recurso, tudo com as devidas consequências legais. Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação dos atos tributários ora sindicados, por vício de violação de lei, tudo com as devidas consequências legais. Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!” *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “A. Factos Provados: Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 1. A Impugnante tem por objecto social o estabelecimento, gestão e exploração de infra-estruturas, prestação de serviços de comunicações electrónicas e exercício da actividade de televisão, bem como de qualquer actividade complementar ou acessória - cf. factos não controvertidos; 2. Por carta de 29/05/2007 a Impugnante comunicou à DGITA o seguinte: «Assunto: Troca de ficheiros sobre Informação de Números de Contribuinte - (...) No âmbito do acordo estabelecido (...) enviamos em anexo dois CD-ROM: Um contém os números de contribuinte e respectivos anos para os quais precisamos saber a situação fiscal do cliente; O outro está vazio e servirá para a DGITA efectuar o retorno.» - cf. carta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 189 dos autos; 3. Por ofício com a referência «07020903» a DGITA comunicou à Impugnante o seguinte: «Assunto: Envio de CD- Conforme solicitado, junta-se em anexo um CD não regravável emitido pela DGITA (...) com a informação da situação fiscal dos números de contribuinte. (...)» - cf. cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e lista gravada no CD-ROM, junto como documento n.º 18 que se dá por reproduzido, a fls. 191 dos autos; 4. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200900237 de 04/05/2009 foi determinada a realização de procedimento de inspecção tributária à actividade da Impugnante – cf. relatório de inspecção a fls. 261 a 316 do processo administrativo apenso; 5. No âmbito do procedimento de inspecção tributária referido no ponto anterior, os serviços de inspecção apuraram o seguinte: «III.2.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado - O sujeito passivo (...) efectuou (...) regularizações de IVA, no campo 40 das respectivas declarações periódicas, no montante de €981.018,31, relativas a recuperação de IVA referente a créditos incobráveis de acordo com as alíneas a), c) e d) do n.º 9 do artigo 71º do Código do IVA.(...) Pelo exposto na alínea a) do n.9 do artigo 71º do Código do IVA (...)Ainda, pelo estatuído pela alínea c) do n.º 9 do artigo 71º do Código do IVA (...)Por fim, vem a alínea d) do referido artigo determinar que (...) Tendo em consideração a possibilidade de regularizar o IVA ao abrigo do artigo 71º (...) torna-se necessário que o sujeito passivo tenha cumprido os requisitos contidos no referido normativo. Assim, das análises efectuadas aos elementos referentes às regularizações de IVA, constataram-se as seguintes situações (...): (...) da condição do devedor Torna-se, então, necessário confirmar se o devedor é um particular ou um sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução, condições estatuídas nas alíneas a) e c). Da consulta efectuada ao nosso sistema informático e perante os dados apresentados pelo sujeito passivo observou-se que, no período em que foram emitidas as facturas, alguns devedores, cujos créditos estão abrangidos pelas alíneas a) e c): i) não possuíam número de identificação fiscal inválido ou inexistente; ii) realizavam operações que conferiam direito à dedução: Face ao exposto, é possível concluir que o montante dos créditos é de 5.205.287,62 euros, a que corresponde IVA de 981.018,31 euros, montante este que inclui 72.990,55 euros decorrente de: a) 69.279,35 euros por NIF´s inválidos ou inexistentes, que não constam do nosso sistema informático; b) 3.711,10 euros que correspondem a sujeitos passivos que realizavam operações que conferiam direito à dedução; Os quais não têm enquadramento nas alíneas a) e c) do n.º 9 do artigo 71º. Pelo que se conclui haver lugar a uma correcção que totaliza 72.990,55€ (ver Anexo VI) e cujo resumo se encontra no mapa seguinte: (...). Face ao exposto, será de concluir que as regularizações efectuadas (...) no montante de 981.018,31€, contém €72.990,55 regularizados indevidamente por não se verificarem a totalidade das condições previstas nas alíneas a), c), e d), do n.º 9 do artigo 71º (...). - relatório de inspecção, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 261 a 316 do processo administrativo apenso e anexo VI constante do CD-ROM, cujo conteúdo se dá por reproduzido, a fls. 340 a 342 do PA e a fls. 193 a 250 dos autos; 6. Na sequência das correcções efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção tributária referidas no ponto 5. foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA em nome da Impugnante: n.º 10266905, relativa ao período de Abril de 2007, com o valor de 303,78€, n.º 10266907, relativa ao período de Maio de 2007, com o valor de 231,20€, n.º 10266909, relativa ao período de Junho de 2007, com o valor de 67.603,13€, n.º 10266911, relativa ao período de Julho de 2007, com o valor de 845,33€, n.º 10266913, relativa ao período de Agosto de 2007, com o valor de 1.344,58€, n.º 10266915, relativa ao período de Setembro de 2007, com o valor de 144,35€, n.º 10266916, relativa ao período de Outubro de 2007, com o valor de 210,33€, n.º 10266917, relativa ao período de Novembro de 2007, com o valor de 165,59€ e n.º 10266918, relativa ao período de Dezembro de 2007, com o valor de 610,40€ - cf. liquidações a fls. 127 a 135 dos autos; 7. Na sequência das correcções efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção tributária referidas no ponto 5., por referência às liquidações mencionadas no ponto anterior, foram emitidas as seguintes liquidações de juros compensatórios: n.º .º 10266906, relativa ao período de Abril de 2007, com o valor de 37,85€, n.º 10266908, relativa ao período de Maio de 2007, com o valor de 28,07€, n.º 10266910, relativa ao período de Junho de 2007, com o valor de 7.979,02€, n.º 10266912, relativa ao período de Julho de 2007, com o valor de 96,90€, n.º 10266914, relativa ao período de Agosto de 2007, com o valor de 149,71€, n.º 10266919, relativa ao período de Dezembro de 2007, com o valor de 59,67€ - cf. liquidações a fls. 137 a 142 dos autos; 8. Em 17/12/2010, a Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas em 6. e 7.- cf. petição de reclamação a fls. 5 a 19 do procedimento administrativo apenso; 9. A Impugnante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3336201001070304 para a cobrança coerciva da dívida de €80.864,89, referente às liquidações indicadas nos pontos 6. e 7. - cf. citação, listas anexas e certidões de dívida a fls. 144 a 161 dos autos; 10. Em 09/12/2010, a Impugnante prestou garantia bancária no processo de execução fiscal mencionado no ponto anterior no valor de €101.801,11 – cf. garantia a fls. 164 dos autos; 11. Em 20/12/2013 a Impugnante pagou a quantia de €71.45869 no âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto 9. - cf. comprovativo a fls. 345 dos autos.” *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.” *** A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte: “O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e na posição das partes constante dos articulados, conforme identificado nos factos provados.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA e respetivos JC, referentes ao ano de 2007. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Ab initio, e em termos de delimitação da lide, importa referir que apenas o DRFP interpôs recurso da decisão prolatada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, não tendo a Recorrida sindicado a sentença na parte que lhe foi desfavorável, encontrando-se, por isso, consolidada na ordem jurídica a insusceptibilidade de dedução do IVA relativamente aos sujeitos passivos não indicados no ficheiro remetido à AT, nos quais se ajuizou que ficou por demonstrar que os mesmos correspondem a sujeitos passivos que realizam exclusivamente operações isentas que não conferem direito a dedução, ou a particulares. Face ao exposto, importa aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que: - A invalidade ou inexistência de números de identificação fiscal dos adquirentes nas faturas emitidas pela Recorrida é motivo, per se, de desconsideração das mesmas para efeitos de exercício do direito à dedução do IVA através do mecanismo de regularização do imposto; - A Recorrida não cumpriu o ónus probatório relativamente à natureza do sujeito passivo, e concreta subsunção normativa no artigo 71.º, nº9, alínea c), do CIVA. Apreciando. De relevar, desde já, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto ao abrigo dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento por complementação ou supressão do probatório, razão pela qual a matéria de facto se encontra devidamente estabilizada. Feito este introito e delimitação da lide, atentemos, então, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. In casu, a correção em contenda ascende ao valor global de €71.458,69, com fundamento, por um lado, na inexistência ou invalidade dos números de identificação fiscal dos adquirentes dos serviços da Recorrida e, por outro lado, na falta de demonstração de que os visados adquirentes são particulares e/ou realizam operações isentas que não conferem direito à dedução. Atentemos, então, na posição da Recorrente. Alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que as exigências formais das faturas visam fornecer os elementos necessários à correta qualificação fiscal das operações e permitir um controlo das operações pela AT, obstando à evasão fiscal. Logo, só quando uma fatura emitida cumpra com todos os requisitos do atual artigo 36.º n.º 5 do CIVA (à data, artigo 35.º, nº5 do mesmo diploma legal) é possível deduzir-se o imposto suportado, sendo que tal não sucede no caso vertente atenta a invalidade/inexistência dos números de identificação fiscal, o que inviabiliza per se, a subsunção no artigo 71.º, nº9, do CIVA, e a inerente insusceptibilidade de dedução do IVA, por via da sua regularização. Quanto aos requisitos atinentes à natureza do devedor, advoga que o Tribunal a quo não terá interpretado e ponderado de forma correta o ónus da prova que impende sobre o sujeito passivo, na medida em que competia provar que todos os números de identificação fiscal haviam sido confirmados, previamente, pela AT, como correspondendo a sujeitos passivos particulares e ou que realizam exclusivamente operações isentas que não conferem direito a dedução. Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão, na medida em que convocou adequadamente o quadro normativo com a devida transposição para o caso vertente. Densifica, para o efeito, que para além do CIVA não estabelecer qualquer condição relativamente ao NIF do adquirente, como requisito prévio para possibilitar a recuperação do IVA nos créditos ali tipificados, a verdade é que a inexistência ou invalidade do NIF do adquirente dos serviços não tem a consequência almejada pela Recorrente, porquanto tais adquirentes serão tratados como particulares e não como sujeitos passivos, em clara consonância, aliás, com a Informação n.° 1416, de 12 de maio de 2008, da Direção de Serviços do IVA. Mais sustenta que, a interpretação propugnada na decisão recorrida é a que decorre da jurisprudência do TJUE e do princípio da neutralidade do IVA, ou seja, no sentido de inviabilizar a recusa do direito à dedução do imposto, com exclusivo fundamento formal contido no artigo 35.º do CIVA (atual 36.º). No concernente à anulação parcial da correção no montante de €3.711,10, sufraga que inexiste o apontado erro de julgamento respeitante à invalidade ou inexistência dos NIF de alguns dos devedores dos créditos incobráveis (especificamente, os números 2…, 1…, 2…, 1…, 1…, 1…, 1…, 2…, 1…, 1…, 2…, 2…, 1…, 1…, 2…, 1…, 1…, 2…, 1… e 1…), sendo, ademais, a expressão da factualidade plasmada no probatório. Vejamos, então, a quem assiste a razão, iniciando por convocar a fundamentação contemporânea do ato, radicada, como é consabido, exclusivamente no Relatório de Inspeção Tributária. Ora, compulsado o seu teor verifica-se que as razões que fundamentaram as aludidas correções concatenaram-se com a seguinte fundamentação: i. Verifica-se que o sujeito passivo realizou regularizações de IVA, no campo 40 das respetivas declarações periódicas, no montante de €981.018,31, relativas a recuperação de IVA referentes a créditos incobráveis de acordo com as alíneas a), c) e d) do n.º 9 do artigo 71º do Código do IVA. ii. Da consulta efetuada ao sistema informático e perante os dados apresentados pelo sujeito passivo observou-se que, no período em que foram emitidas as faturas, alguns devedores, cujos créditos estão abrangidos pelas alíneas a) e c): i) possuíam número de identificação fiscal inválido ou inexistente; ii) realizavam operações que conferiam direito à dedução; iii. O montante dos créditos é de 5.205.287,62 euros, a que corresponde IVA de 981.018,31 euros, montante este que inclui 72.990,55 euros decorrente de: a) 69.279,35 euros por NIF´s inválidos ou inexistentes, que não constam do sistema informático da AT; b) 3.711,10 euros que correspondem a sujeitos passivos que realizavam operações que conferiam direito à dedução; iv. Tal implica insusceptibilidade de subsunção normativa nas alíneas a) e c) do n.º 9 do artigo 71º, legitimando, assim, uma correção que totaliza 72.990,55€. E a verdade é que, tendo presente a aludida fundamentação e o recorte probatório dos autos, não se vislumbra que o Tribunal a quo, tenha incorrido nos arguidos erros de julgamento. Principiemos, então, pela apreciação do erro de julgamento atinente à inexistência ou invalidade dos números de identificação fiscal dos adquirentes dos serviços da Recorrida, para efeitos da competente regularização do imposto. O Tribunal a quo após convocar o quadro normativo que releva para o caso vertente, e casuística densificação com o probatório dos autos, ajuíza a ilegalidade da correção porquanto entende que a questão formal convocada pela AT não pode obstar à regularização em contenda. Conclui, assim, “[q]ue não se verificam no caso dos presentes autos as circunstâncias necessárias para sustentar que por, si só, a emissão de facturas com números de identificação fiscal inexistentes ou inválidos seja suficiente para impedir o exercício do direito à recuperação do IVA pela Impugnante, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Impugnante quanto a esta correcção.” E a verdade é que, como já avançado, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido nos visados erros de julgamento, na medida em que não sendo sindicada a substância e a efetividade das operações contempladas nas faturas que implicaram a referida dedução efetuada a título de regularização do imposto, há que prevalecer a substância económica da operação sobre a forma e o desiderato norteador deste imposto, concretamente, da neutralidade fiscal. Explicitemos porque assim o entendemos, convocando, para o efeito, o quadro normativo e tecendo os considerandos que se reputam relevantes para a dilucidação da questão, mormente, do direito à dedução, na medida em que a redação conferida pelo n.º 1 do artigo 71.º do CIVA é clara e perentória em afirmar que no respetivo âmbito de aplicação o sujeito passivo estará a exercer o direito à dedução. O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs. O direito à dedução do IVA é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu). Com efeito, o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C 518/14, Paper Consult, C 101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu). O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (Paper Consult, C 101/16). No concernente aos requisitos substantivos, para usar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção da diretiva, e, por outro lado, que os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo ( artigo 168.º da Diretiva IVA; vide neste sentido, Senatex, C 518/14, e jurisprudência aí citada, Paper Consult, C 101/16). Por seu turno, quanto às modalidades de exercício do direito à dedução do IVA, donde aos requisitos ou condições de natureza formal, o 178.º, alínea a), da Diretiva IVA preceitua que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com o regulado nos artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º dessa mesma Diretiva. Sendo que, em termos do direito interno nacional, e mediante interpretação conjugada dos artigos 19.º a 25.º do CIVA só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, e que se encontre formalmente suportado, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis. De chamar, outrossim, à colação o artigo 35.º, nº5 do CIVA, vigente à data da prática dos factos tributários, o qual estatuía que: “5 - As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas deverão ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso. No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável; f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura. No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.” Importando, outrossim, e no que para os autos releva convocar o consignado no artigo 71.º, nº 9, alíneas a) e c), do CIVA que à data preceituava que: “9 - Os sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições: a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução; c) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, tenha havido aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em ação de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução.” Resulta, portanto, que o regime geral de recuperação do IVA contido nos créditos em mora e incobráveis, se encontrava consagrado no artigo 71.º do CIVA (atualmente n.ºs 7 a 10 do artigo 78.° do CIVA) estatuindo-se que os sujeitos passivos podem regularizar, a seu favor, o IVA respeitante a estes créditos, contanto que verificados os pressupostos legais devidamente evidenciados no citado preceito legal. Logo, e conforme expressado na decisão recorrida, o direito à regularização do IVA liquidado a mais por parte de um sujeito passivo, plasmado no citado normativo, deriva diretamente do direito geral do sujeito passivo previsto no artigo 19.º do CIVA correspondente ao direito à dedução do imposto suportado. Sendo, no entanto, de relevar que a especificidade da regularização do caso vertente, reside, justamente, na circunstância de a dedução admitida nos termos no n.º 9 do artigo 71º do CIVA, não ser uma dedução que é operada nos termos tradicionais em que o sujeito passivo deduz o IVA que suportou a montante. Com efeito, no caso sub judice, encontramo-nos perante a possibilidade de dedução do IVA que não que foi suportado, sendo, no entanto, entregue pelo sujeito passivo, mas cujo respetivo montante não foi percebido pelo mesmo, na medida em que o adquirente não procedeu ao respetivo pagamento, nem do produto ou do serviço adquirido, como do inerente montante de IVA indexado ao preço de aquisição do produto ou serviço. Ainda neste concreto particular, há que adensar que se é certo que a densidade formal do documento de suporte neste imposto supera, de forma clara, a existente nos Impostos sobre o Rendimento, é, igualmente, certo que a Jurisprudência emanada pelo TJUE aplicável, mutatis mutandis, ao abrigo do princípio da neutralidade fiscal exige, efetivamente, que para efeitos da dedução/regularização do imposto, a mesma seja concedida mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais, desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação. O TJUE declarou no âmbito do processo Nidera, proferido no processo nº C-385/09, de 21 de outubro de 2010 que: “A Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que um sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado que preenche os requisitos materiais para deduzir este imposto, de acordo com as disposições desta directiva, e que se regista como sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado num prazo razoável a partir da realização das operações que conferem o direito a dedução possa ser privado da possibilidade de exercer esse direito por uma legislação nacional que proíbe a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago no momento da aquisição dos bens quando esse sujeito passivo não se tenha registado como sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado antes de utilizar estes bens para efeitos da sua actividade tributada.” (destaques e sublinhados nossos). Doutrinou-se, igualmente, no Acórdão Kopalnia proferido no processo nº C-280/10, de 1 de março de 2012, que: “ [o] Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transações em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, requisitos adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito (v., no que respeita ao regime de autoliquidação, acórdão de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, Colet., p. I-10385, n.o 42).” (destaques e sublinhados nossos). Com efeito, no supracitado Aresto resulta que a circunstância de a fatura ter sido emitida, antes do registo e da identificação da referida sociedade para efeitos de IVA, em nome dos futuros sócios, e não em nome da própria sociedade, não pode excluir o direito à dedução quando houver identidade entre as pessoas que tiveram de pagar o IVA a montante e aquelas que constituem a sociedade em causa. In fine, há, outrossim, que convocar o teor do Acórdão prolatado no âmbito do processo C-127/18, de 08 de maio de 2019, segundo o qual: “O artigo 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o sujeito passivo não pode proceder à retificação do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) em caso de não pagamento total ou parcial, pelo seu devedor, de um montante devido a título de uma operação sujeita a este imposto, se o referido devedor já não for sujeito passivo para efeitos do IVA.” E mais recentemente no processo nº C-335/19, de 15 de outubro de 2020, no âmbito do qual se declarou que: “O artigo 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à condição de, no dia da entrega do bem ou da prestação de serviços e no dia anterior à apresentação da retificação da declaração de imposto destinada à obtenção dessa redução, o devedor estar registado como sujeito passivo de IVA e não ser objeto de um processo de insolvência ou de liquidação (…).” O que significa, portanto, que as exigências formais que a lei impõe às faturas não podem ser entendidas como um fim em si mesmo, na medida em que a sua ratio está concatenada com as finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal. Dir-se-á, portanto, que o desiderato de tais exigências formais se coaduna por um lado, em identificar cabalmente a operação a que respeitam as faturas, e por outro lado, com a necessidade de um combate mais eficaz à fuga e fraude fiscais, não podendo, portanto, inviabilizar o direito à dedução/retificação/reembolso do imposto, caso a substancialidade/materialidade da operação não seja sindicada e a AT esteja na posse de todos os elementos fundamentais da operação. Ora, uma vez enunciado o quadro normativo e estabelecidos os considerandos de direito reputados de relevo, há que proceder à sua transposição para o caso vertente, daí se retirando a improcedência do alegado pela Recorrente. E isto, desde logo, porque conforme enunciado pelo Tribunal a quo encontrando-nos perante direito à dedução mediante a respetiva regularização, inexistindo número de identificação fiscal ou sendo o mesmo inválido, não poderá o adquirente ter deduzido o IVA relativo aos serviços prestados pela ora Recorrida, os quais "se devem entender como efetuados a "particulares", pelo que, desde que estejam reunidas as restantes condições, sempre se terá de assumir a aludida recuperação do correspondente IVA. Reitere-se que, nos encontramos perante a possibilidade de dedução do IVA que foi entregue pela Impugnante, ora Recorrida, mas cujo respetivo montante não foi percebido pelo sujeito passivo, uma vez que o adquirente não procedeu ao respetivo pagamento, nem do serviço adquirido, bem como do inerente montante de IVA. Acresce que, e no sentido advogado pela Recorrida, não tendo sido colocada em causa a substancialidade da operação, ou seja, nunca tendo sido contestado e assumido como assente que as operações foram realizadas, declaradas, e sem o inerente pagamento, tal implica que não pode ser recusado o direito à dedução/regularização do IVA apenas por requisitos formais, no caso concreto pela falta de indicação de NIF válido ou inexistente. Neste sentido, e em situação similar concatenada, justamente, com a regularização do IVA doutrinou o STA, no âmbito do processo nº 1432/10, de 16.12.2020, designadamente, o que infra se transcreve: “Ora, a recorrente põe em causa o direito à dedução de I.V.A. - em detrimento do decidido na sentença recorrida que considerou ser de assegurar o mesmo, atendendo a uma das características fundamentais do I.V.A., a neutralidade -, invocando as exigências formais dos vários elementos que têm de constar de faturas, de acordo com o art. 36.º n.º5 do C.I.V.A., bem como que visam as mesmas permitir o controlo por parte da A. T. e evitar a evasão fiscal. De convocar, outrossim, o Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 1993/12.0 BELRS, de 02 de fevereiro de 2023, em situação similar à dos autos e cujo sumário se transcreve: “A inexistência ou invalidade do número de contribuinte do adquirente, descrito na fatura, não constitui, só por si, impedimento ao exercício da faculdade de regularização do imposto liquidado a mais.” Destarte, constatando-se, como visto, que no caso vertente se encontram verificados todos os requisitos da regularização do IVA, e que a AT conseguiu controlar a existência daquele direito, na medida em que inexiste dissídio entre as partes sobre a efetividade da prestação, sobre a emissão da fatura, sobre a liquidação do imposto e bem como sobre a falta de pagamento do crédito da Recorrida não pode invocar-se o requisito formal da invalidade/inexistência do número de contribuinte do adquirente do serviço na fatura, ou a sua invalidade para obstar ao exercício do direito à aludida regularização, devendo, por conseguinte, prevalecer a solução jurídica substancial sobre a formal. Face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, a não aceitação do direito à dedução/regularização com base em faturas insertas na contabilidade do contribuinte não pode resultar apenas da indicação de NIF inválido, ou pela concreta inexistência do número de identificação fiscal do adquirente, sem que seja sindicada a substancialidade das operações subjacentes. Logo a decisão recorrida, que sentenciou a ilegalidade da visada correção, deve ser confirmada. *** Atentemos, ora, na questão atinente à regularização do imposto por falta de demonstração da natureza do sujeito passivo. Neste concreto particular, ajuizou a decisão recorrida que: “Importa, assim, determinar se os números de identificação fiscal aqui em questão e constantes do Anexo VI do relatório de inspecção tributária correspondem aos números de identificação fiscal que foram indicados pela Administração Tributária como correspondendo a particulares e a sujeitos passivos exclusivamente isentos, conforme alegado pela Impugnante. Ora, tendo presente a fundamentação jurídica e o recorte probatório dos autos, -reitere-se não impugnado-não se vislumbra, de todo, o assacado erro de julgamento, porquanto inversamente ao sufragado pela Recorrente, não só foi devidamente enunciado o ónus probatório como o mesmo foi, adequada e acertadamente, transposto para o recorte fático dos autos. Com efeito, resulta da factualidade assente que mediante carta datada de 29 de maio de 2007, a Impugnante, ora Recorrida, comunicou e requereu a intervenção da DGITA respeitante à troca de ficheiros sobre Informação de Números de Contribuinte, enviando, para o efeito, dois CD-ROM, um contendo os números de contribuinte e respetivos anos por forma a obter a cabal situação fiscal do cliente, e outro para a DGITA efetuar o competente retorno. E nessa conformidade, e mediante ofício com a referência 07020903, a DGITA, prestou essa informação, delas constando a expressa menção aos números de identificação fiscal, ora, em contenda. Resulta, assim, do probatório que a Recorrida demonstrou que preliminarmente à regularização do IVA visado requereu informação e confirmou, mediante interpelação junto da DGITA, quais os sujeitos passivos que realizam exclusivamente operações isentas que não conferem direito a dedução. Não se aquilatando, assim, o alcance do expendido no sentido de que “sendo intenção da impugnante deduzir o valor do IVA aqui em causa ao abrigo do disposto no art.º 71º, nº 9 do CIVA, impendia sobre si o ónus de provar que todos os números de identificação fiscal haviam sido confirmados, previamente, pela Administração fiscal, como correspondendo a sujeitos passivos que realizam exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução”. E isto porque, como supra evidenciado, a interpelação, confirmação, e respetiva prova, foi realizada com o âmbito e extensão alegado pela Recorrida e secundado pelo Tribunal a quo. Note-se que, in casu, o Tribunal a quo estabeleceu essa concreta apreciação casuística, expressou-a no probatório, daí ter entendido que só relativamente aos NIF 2…, 1…, 2…, 1…, 1…, 1…, 1…, 2…, 1…, 1…, 2…, 2…, 1…, 1…, 2…, 1…, 1…, 2…, 1… foi materializada essa prova, cominando, portanto, a anulação parcial da correção que não total. Uma nota final para evidenciar que não se perceciona o alcance do expendido em V), desde logo porque tal realidade nunca foi convocada e controvertida, em nada integrando a fundamentação contemporânea do ato. Ademais, consubstancia uma alegação eminentemente conclusiva, carecendo, portanto, de qualquer relevo. Do supra expendido dimana inequívoco que relativamente aos números de identificação fiscal supramencionados, foi expressamente reconhecido pela AT e previamente validado o enquadramento tributário de cada sujeito passivo, donde a prova carreada aos autos é suficiente e conforme com as exigências legais contempladas no citado normativo, estando, assim, legitimado, na esfera jurídica da Recorrida, o direito à correspondente regularização do IVA. Logo, a decisão recorrida que assim o sentenciou não padece do arguido erro de julgamento. Destarte, face a todo o exposto, improcedem, na íntegra, as alegações da Recorrente, não padecendo a decisão recorrida dos erros de julgamento que lhe são assacados, mantendo-se, por conseguinte, a mesma na ordem jurídica. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário, subsecção comum, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: -NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, MANTER A DECISÃO RECORRIDA. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 6 de fevereiro de 2025
(Patrícia Manuel Pires) (Rui A.S. Ferreira) (Isabel Silva) |